Artigos inéditos
Received: 28 October 2024
Accepted: 28 October 2024
DOI: https://doi.org/10.1590/2179-8966/2024/86329
Resumo: O presente artigo tem como premissa analisar os impactos das transformações históricas vividas nas áreas cultural, econômica e política do Brasil na construção da Lei nº 13.019/2014, conhecida como Novo Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil. Adotou-se o método de pesquisa exploratória, com procedimentos bibliográficos, documentais e revisão legislativa, a fim de compreender a influência dos fatores históricos na edição da norma e sua relação com a efetivação dos direitos fundamentais assegurados pela Constituição Federal. O resultado mostrou que, embora o processo histórico vivido pelo Brasil tenha sofrido atrasos nos avanços e na constituição da sociedade contemporânea, isso contribuiu para a construção de uma sociedade que valoriza o princípio democrático. Isso, por consequência, embora tenha limitado a atuação das organizações do Terceiro Setor, também viabilizou a integração dessas nas atividades administrativas como mecanismo para garantir a função social, principalmente no estado de Rondônia, onde se evidencia um aumento exponencial de ações de fomento ao Terceiro Setor.
Palavras-chave: Terceiro Setor, Marco Regulatório, Estado Democrático.
Abstract: This article aims to analyze the impacts of historical transformations experienced in the cultural, economic, and political areas of Brazil in the construction of Law No. 13.019/2014, known as the New Regulatory Framework for Civil Society Organizations. An exploratory research method was adopted, with bibliographic, documentary, and legislative review procedures, in order to understand the influence of historical factors on the enactment of the law and its relationship with the realization of the fundamental rights guaranteed by the Federal Constitution. The results showed that, although the historical process experienced by Brazil has faced delays in advancements and in the establishment of contemporary society, it contributed to the construction of a society that values democratic principles. Consequently, although it has limited the performance of Third Sector organizations, it has also enabled the integration of these organizations into administrative activities as a mechanism to guarantee the social function, especially in the state of Rondônia, where there is an exponential increase in actions to promote the Third Sector.
Keywords: Third Sector, Regulation mark, Democratic State.
Introdução
A constituição da sociedade organizada no mundo, nos contornos atualmente conhecidos, decorreu de um grande e complexo processo de transformações históricas e sociais, especialmente no Brasil, em que diversas etapas políticas foram marcadas pela subserviência aos interesses colonizadores. Seja no Brasil Colônia, Império ou República, cada fase vivenciada na história política desse país contribuiu à formação e estruturação da sociedade e, principalmente, da própria Administração Pública.
É justamente nesse processo histórico, em que por séculos o Brasil suprimiu seu potencial econômico em prol de atender os interesses colonizadores, guiados pelas vontades da Coroa Portuguesa, que a constituição do Estado Democrático e a estruturação da sociedade e sua estratificação ocorreu de forma mais lenta se comparado a outras grandes metrópoles, cujo desenvolvimento foi quase que imediato aos acontecimentos histórico-políticos.
Embora tenha atrasado, esses fatores não obstaram a adoção do modelo capitalista ao sistema econômico brasileiro, tampouco impediram o natural processo de democratização e valorização dos direitos fundamentais que se operou por várias partes do mundo, destacando-se, neste aspecto, princípios como o do Estado de Bem-Estar Social e a justiça social, o que veio a justificar, posteriormente, uma série de ações governamentais e não governamentais voltadas à garantia destes direitos à população.
Assim, surge um contexto em que a Administração Pública, pautada pela nova forma de estruturação da sociedade e pelos princípios e direitos implementados pela Constituição Federal de 1988, passa a impulsionar a participação da sociedade civil nos processos decisórios e execução de atividades com vista à justiça social, o que comumente ocorre a partir das organizações da sociedade civil, assim compreendidas como Terceiro Setor.
Ocorre que, por muitos anos, o setor terciário permaneceu à mercê de regramentos, o que permitiu que os entes federados e seus órgãos correlatos conduzissem os processos participativos de forma livre, evidenciando a necessidade de uma regulamentação propriamente dita e de amplitude nacional, o que impulsionou o surgimento de alguns leis regulamentadoras do setor.
E embora fossem editadas pequenos textos infraconstitucionais que visassem regulamentar ainda que sucintamente o processo de participação do Terceiro Setor, a exemplo do conhecido marco legal, o que logo se demonstrou insuficiente, precipuamente por não promover a uniformização em um âmbito federal, o que conduziu, anos depois, a uma intensa discussão para elaboração de uma legislação que estabelecesse um novo Marco Regulatório ao setor terciário, o qual é objeto de estudo na presente pesquisa.
Nesse contexto, discute-se a influência das transformações históricas, culturais e econômicas, vivenciadas no Brasil desde a tomada de posse do território pelos portugueses, à instituição do Marco Regulatório e a efetivação dos direitos fundamentais através da atuação do Terceiro Setor.
Objetiva-se, assim, de forma geral, compreender as contribuições dos fatos e transformações históricas à elaboração do texto normativo em discussão. E de forma específica, analisar os impactos desses fatores na efetivação de direitos fundamentais, bem como os princípios observados pelas normas regentes no que tange aos direitos constitucionais assegurados pela atual Constituição, incutindo sobre o processo adotado para viabilizar a participação da sociedade civil nos processos decisórios.
Para tanto, adotar-se-á a pesquisa exploratória, de modo a aprofundar-se nos fatores histórico-políticos vivenciados pelo Brasil, além de adentrar a aspectos da constituição da sociedade e da economia, por fim, no terceiro setor. Serão utilizados, ainda, os métodos de pesquisa bibliográfica e documental, a partir da revisão de obras e artigos afetos à matéria, compreendendo o processo e a história do Brasil e as lições principiológicas extraídas de cada momento e período político.
Além disso, implementa-se uma revisão legislativa da norma em regência do novo Marco Regulatório do Terceiro Setor, relacionando seus dispositivos aos preceitos e direitos fundamentais assegurados na Constituição Federal, e as contribuições dos fatores e transformações históricas a tais dispositivos.
Nestes levantamentos e revisões, adotados como procedimentos da pesquisa, implementa-se uma abordagem qualitativa na sua seleção, buscando produções e obras que editadas à época dos acontecimentos históricos ou que, ainda mais contemporâneas, tenham procedido a um intenso estudo dos fatores históricos.
Justifica-se a pesquisa pela importância e pelo papel desempenhado pelo terceiro setor na sociedade contemporânea, o que por certo, viabiliza o estudo das transformações históricas nesse processo e nesta nova vertente gerencial e de governança da Administração Pública, o que se baliza pela efetivação dos direitos fundamentais, que muitas vezes não são alcançados pela atuação isolada do Estado.
O presente artigo estrutura-se em uma análise sócio-histórica do terceiro setor, remontando suas origens na constituição da sociedade organizada, na formação social do trabalho, nos modos de economias aplicáveis ao país, e o terceiro setor, propriamente dito. Em seguida, tem-se os resultados obtidos a partir da análise da legislação vigente em confronto aos princípios relativos às transformações históricas estudadas, relacionando-os.
1. Da função social do direito às análises socio-históricas do Terceiro Setor na atualidade
O processo histórico-político vivido pelo Brasil possui consequências diretas tanto na velocidade de constituição da sociedade organizada, como na forma em que essa sociedade adotou como parâmetro. E antes de adentrar aos impactos destas transformações e períodos à elaboração do Marco Regulatório e a efetivação de direitos fundamentais, demonstra-se crucial compreender fatores históricos que prestaram contribuições significativas para tanto.
1.1. A constituição da sociedade organizada
A constituição da sociedade organizada no Brasil decorre de um processo complexo de transformações históricas e sociais que influenciaram como um todo a política brasileira. De forma especial, é com o período colonial, em que a Coroa Portuguesa exercia forte influência no modo de vida, de política e de economia do Brasil que surgem as primeiras mudanças estruturais que serviram para moldar as instituições e as práticas sociais atualmente conhecidas (SOUSA, 2014), principalmente que, antes da tomada de posse, havia um sistema e modo de vida particular dos povos indígenas, primeiros habitantes da terra.
Com a exploração colonial do Brasil, o sistema político-econômico do país, então colônia, foi marcado pela exploração da mão de obra indígena e, posteriormente, africana, o que gerou um processo de estratificação social focada na desigualdade, com consequências difíceis de serem enfrentadas ao longo prazo, tão difíceis que nem mesmo a abolição da escravatura e a adoção de novas formas de exploração do trabalho e do modo de produção não extinguiu essas desigualdades (CRUZ, 2010).
É cediço que, no Brasil Republicano, começa a ser moldada uma nova organização social, com a constituição de sindicatos e associações, e tantas outras entidades que buscavam, sobretudo, a justiça social e o direito do trabalhador (CRUZ, 2010).
Na visão do mesmo autor, por decorrência destes movimentos, o Estado viu-se obrigado a regulamentar direitos mínimos aos trabalhadores e permitir uma maior liberdade de organização destes em sindicatos para reivindicações e greves.
Já adiante, no século XX, o Brasil experimentou um rápido processo de urbanização e industrialização, que trouxe consigo novos desafios e oportunidades para a sociedade organizada. Ao adotar, por exemplo, o modelo fordista, embora o país tenha gozado de crescimento econômico, este foi incapaz de promover o desenvolvimento econômico regional, não significando avanços na qualidade de vida (SILVA, 2009).
Na visão de Silva (2009), a criação das instituições democráticas, o processo de expansão da educação e a implementação de políticas públicas voltadas ao bem-estar social e ao desenvolvimento da justiça social foram etapas importantes da construção de uma sociedade mais justa e equitativa, ainda que esta não tenha sido alcançada plenamente. Isso porque, embora a desigualdade ainda estabeleça profundas marcas na sociedade, muito oriundas do próprio modo de trabalho adotado nos primeiros séculos neste país, as pequenas conquistas e as atividades implementadas voltadas a reduzir essas desigualdades, já revelam uma nova noção de pátria e de atuação estatal.
E nestes contornos, a Revolução Urbana surge como uma forma em que a sociedade se organiza com novos aspectos socioculturais, com potencial alteração no modo de vida, na mão de obra adotada ao trabalho, bem como no modo de relacionamento entre os órgãos e a própria Administração Pública com a sociedade civil de modo geral (RIBEIRO, 1978), viabilizando o que mais a frente se compreenderia como uma Reforma Gerencial e a adoção de um modelo descentralizado para atingir a finalidade pública.
1.2. A formação social pelo trabalho
No Brasil, a sociedade organizou-se inicialmente pela mão de obra forçada, a princípio, dos índios, os quais poderiam ser escravizados desde que aprisionados após as conhecidas guerras justas (PRADO JUNIOR, 1966). Com o tempo, o processo de colonização causou o deslocamento da sociedade indígena da região litorânea do país para o interior, transformando as terras, antes indígenas, em pecuária e lavouras, principalmente quando do sistema de capitanias hereditárias (CRUZ, 2010).
Logo após a mão de obra indígena, passa-se a ser utilizado a força de trabalho africana, a partir da compra e venda de escravos oriundos do continente africano para trabalharem nas lavouras e pecuárias brasileiras, cujas consequências não foram afastadas após a abolição da escravatura (CRUZ, 2010).
É nesse contexto que a força de trabalho passa por contribuições liberais, sendo mais intensificado com a imigração de estrangeiros, que antes não visualizavam interesse nas terras brasileiras e da mesma forma, a recíproca, eis que, no Brasil, o mercado era fartamente abastecido pelo exploração escravagista. Contudo, com os sinais de extinção do modelo de exploração do trabalho e a explosão da cafeicultura, o Brasil viu-se obrigado a renovar a sua mão de obra (PRADO JUNIOR, 1966).
E nesta vertente, forma-se um Estado Mercantil Absolutista, em que evidenciada as discrepância entre os grupos sociais, inclusive afastando as premissas que os imigrantes tinham quando se deslocaram às terras brasileiras, de que nela encontrariam melhores condições (PRADO JUNIOR, 1966).
Essa estratificação da sociedade evidenciou-se com o proletariado, em que os trabalhadores da indústria passam a ser fortemente demandados a partir do momento em que o país adentra ao processo de industrialização, e similarmente à escravidão, muitos dos direitos - ou a ausência destes - garantidos a esses trabalhadoras revelam conceitos próprios de uma época de exploração demasiada da força de trabalho.
1.3. Os sistemas econômicos no Brasil
No Brasil Colônia, o sistema econômico vigente era o mercantilismo, em que consistia em uma proteção do Estado visando a exportação de produtos, exploração de metais preciosos e produção de alimentos regionalmente, marcado notadamente pelo protecionismo alfandegário (OLIVEIRA, 1997).
Em síntese, a colônia servia à metrópole e contribuía para que esta acumulasse riquezas, viabilizando que, nestas, o trabalho fosse modificado para o assalariado (CRUZ, 2010).
Neste contexto, surge o sistema patriarcal, precipuamente no período açucareiro, atendendo aos interesses comerciais europeus, contudo, atribuindo o poder ao senhor do engenho, de modo que todas as atribuições, inclusive de cargos públicos e autoridade, era atribuída a essa figura do homem, ignorando-se a participação feminina, dos negros e indígenas (TAVARES, 1998).
Contudo os interesses europeus, norteados pelas vontades do Rei de Portugal, colonizador das terras brasileiras, passou a ser ameaçado pelo avanço francês ao território brasileiro, o que culminou em discussões sobre impulsionar a ocupação, o que encontrou obstáculo na ausência de interesse de deslocamento de famílias europeias rumo ao país colonizado (PRADO JUNIOR, 1966)
Importante destacar que a França, precipuamente pela Escola Fisiocrata, defendia uma organização natural da sociedade, voltado à agricultura e à terra como bem maior do homem (PRADO JUNIOR, 1966), com claros ideais liberalistas.
Mais adiante, muito impulsionado pela Revolução Industrial e Comercial, o Brasil passa a transformar o seu sistema econômico, voltado à produção comercial, e não mais colonial. Em linhas gerais, antes a economia brasileira girava em torno dos interesses da Corte portuguesa, ao passo que com a transição, os interesses passam a ser eminentemente comerciais, valorizando-se o comércio e a relação de compra e venda entre nações (PRADO JUNIOR, 1966).
Para Ribeiro (1978), o processo de industrialização e transformação do sistema econômico brasileiro foi marcado pela lentidão, a qual decorreu principalmente dos longos anos de colonização e exploração da economia e potencial do país em prol da Coroa Portuguesa, cujo afastamento de tais interesses e a valorização das vontades das comunidades locais foi árduo.
Mesmo diante a dificuldade, esta situação não impediu que o Brasil adentrasse ao modelo capitalista por volta dos anos 1950 e 1970, com interesses nitidamente de internacionalização econômica, e desenvolvimento da infraestrutura nacional para escoamento da produção e exportação (PRADO, 1978).
Contudo, consoante pontua Prado (1978), a internacionalização da economia também implicou numa dependência de grandes empresas e conglomerados estrangeiros, muito em razão da própria constituição do Estado Brasileiro, que dependeu intrinsecamente da atuação europeia, o que conduziu a uma crença de que o avanço da economia local também, nesta etapa, dependeria de forças e investimentos de fora. Essa situação, embora tenha fortalecido a economia, de igual modo, marcou um processo de dependência econômica estrangeira, ainda que a autonomia e liberdade fosse um dos nortes do país.
Por fim, com a Constituição Federal de 1988, o Brasil passa a ser reconhecido como Estado Social de Direito, em um sistema democrático e de soberania popular, com integração da sociedade no processo decisório e político.
É nesta perspectiva que surge o terceiro setor, baseando-se nos pilares da participação democrática, viabilizando uma prática inovadora de integração da sociedade civil na prestação de serviço público em prol de justiça social. A economia, nesta nova etapa, é um objetivo do Estado Democrático, mas deve se compatibiliza ao próprio desenvolvimento da justiça social.
1.4. O Terceiro Setor como fator econômico
Tem-se que o terceiro setor surge como uma outra parte, apta e interessada em desenvolver atividades próprias da Administração Pública e auxiliar na democratização do direito e na justiça social, substituindo, ainda que não tenha suprimido, as atuações sindicais e partidárias (CISNE; GURGEL, 2009).
Em suma, o terceiro setor “incorpora critérios da economia de mercado do capitalismo para a busca de qualidade e eficácia de suas ações” (MANAS; MEDEIROS, 2012, p. 20).
Assim, o setor terciário revela-se como “organizações cujos objetivos principais são sociais e não econômicos” (HUDSON, 1999, p. 3). E nesta vertente, encara um papel eminentemente econômico, promovendo a capacitação e integração, geração de trabalho e renda às pessoas carentes, atendendo o fim social através de mecanismos próprios (MANAS; MEDEIROS, 2012).
Muito gerido pelo Estado de Bem-Estar Social, o setor terciário passa a ter um papel fundamental na sociedade brasileira pós redemocratização, precipuamente por sua finalidade atender, fielmente, aos fundamentos da República constituída (MANAS; MEDEIROS, 2012)
E embora esse papel se evidencie no contexto pós Constituição Federal de 1988, o setor terciário, enquanto política pública regulamentada pelo Estado, já havia surgido, ainda que em breves pontos, no governo de Getúlio Vargas, em que visualizasse a necessidade de regular a relação do Estado e as entidades filantrópicas (SPOSATI, 2001).
E por fim, o terceiro setor atinge as características hoje conhecidas após a Reforma Gerencial, em que sistematizado e organizada a Administração com preceitos e fundamentos da iniciativa privada, a fim de garantir maior eficiência, contudo, o Terceiro Setor assume o papel de, a partir desse sistema de governança, viabilizar a execução de atividades voltadas aos fins sociais, em cooperação ao Estado (MANAS; MEDEIROS, 2012).
2. CONSTRUÇÃO DO MARCO REGULATÓRIO DO TERCEIRO SETOR COMO EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Como se observou, as transformações históricas vivenciadas pela sociedade global e, principalmente, brasileira, motivaram a construção do estado democrático e da sistematização das instituições e organização da própria sociedade civil, passando, de igual modo, a valorizar uma imagem de descentralização das atividades públicas e atuação conjunta com organizações e entidades especializadas com fito a melhorar a eficiência da Administração Pública, em especial, em áreas sensíveis como saúde.
Não se ignora que o terceiro setor teve marcos legais importantes à sua regulação, a exemplo da Lei das OSCIPs, Decreto 6.170/07 e Lei n. 12.101/2009, contudo, referidas novidades normativas estagnaram e não foram muito aderidas pela Administração Pública, o que conduziu às discussões à elaboração de um marco regulatório (VIEIRA, 2013).
A novidade foi introduzida ao ordenamento jurídico mediante Lei nº 13.019/2014 que, sobretudo, valorizou as nuances das organizações da sociedade civil em conjunto com a transparência da coisa pública. Em linhas gerais, traduz-se como ferramenta para permitir a participação direta da sociedade civil em áreas importantes à Administração e à coletividade, sem deixar que essa liderança implique em inobservância aos princípios basilares, como o da transparência e da correta aplicação dos recursos financeiros (LOPES, 2015).
Consigna-se que a elaboração desse novo marco regulatório ocorreu com participação da sociedade civil e, principalmente, das OSCs. Por outro lado, ainda que se tenha garantido a efetivação de debate para elaboração do referido regramento, aponta-se que houve falhas no processo de construção, em que criou grupos de trabalhos informais, sem devida publicação dos resultados, o que limitou a participação de outros grupos e entes que eventualmente fossem interessados e poderiam contribuir (DORA; PANNUNZIO, 2013).
Fruto das transformações sociais, o novo marco regulatório objetivou uniformizar o entendimento das Administrações Públicas a nível nacional, em que pese tenha delimitado a possibilidade de que os órgãos atuassem, discricionariamente, no exercício do poder regulamentador, o que não poderia contrariar o texto base (LOPES, 2015). Nesse sentido, tem-se que, a exemplo de batalhas histórico-políticas, buscou-se garantir, em âmbito nacional e mediante lei federal, que princípios basilares de uma sociedade democrática e a valorização de direitos fundamentais, pudessem ser devidamente asseguradas, desde já, na participação do terceiro setor em áreas da Administração, evitando-se uma discricionariedade que poderia violar essa uniformização.
A importância do marco regulatório surge a partir da necessidade de regulamentar expressa e didaticamente a participação do terceiro setor na Administração Pública, razão pela qual foram delimitados quem são considerados como organizações da sociedade civil aptos a firmarem termos de parceiros, contratos de gestão, termos de colaboração e fomento, em substituição aos então convênios, atualmente, viabilizados somente entre órgãos públicos (OLIVEIRA; FERRER, 2020).
Contudo, uma das novidades introduzidas e que revela o princípio democrático e a participação com vista a justiça social, é o procedimento de Manifestação de Interesse Social, tratando-se de um instrumento em que as “organizações da sociedade civil, movimentos sociais e cidadãos poderão apresentar propostas ao poder público para que este avalie a possibilidade de realização de um chamamento público objetivando a celebração de parceria” (BRASIL, 2024, on-line).
Antes do advento da referida lei, o Tribunal de Contas da União, ao apreciar o processo administrativo n. 01873920121, assentou que:
(...) A escolha da organização social para celebração de contrato de gestão deve, sempre que possível, ser realizada a partir de chamamento público, devendo constar dos autos do processo administrativo correspondente as razões para sua não realização, se for esse o caso, e os critérios objetivos previamente estabelecidos utilizados na escolha de determinada entidade, a teor do disposto no art. 7º da Lei 9.637/1998 e no art. 3º combinado com o art. 116 da Lei 8.666/1993 (BRASIL, 2013, on-line).
Isso não representa que, sob o espectro da nova normatização, não haja a necessidade do prévio chamamento público, mas sim, em que preteritamente, a participação da organização da sociedade civil dependia única e exclusivamente da vontade da Administração, o que, à luz das novidades introduzidas, viabilizou-se um mecanismo jurídico, regular e eficaz que permite a sociedade civil de modo geral a sugerir adequações e melhorias em serviços públicos a partir da participação do terceiro setor. Evidente que tal fato, ainda sim, dependeria da vontade da Administração.
Na visão de Thúlio Mesquita (2015), se comparado à Lei de Licitações, o marco regulatório da OSCs revela uma valorização a participação e democracia social nas políticas públicas, podendo sugerir a atuação dessas organizações em setores que, a princípio, a Administração Pública não havia visualizado a necessidade, o que se dá como efetivação de direitos fundamentais e interesse em prestar serviço público, e não necessariamente, em obter lucro, como ocorre em certames licitatórios.
Denota-se que a lei, de modo geral, revela uma regulamentação especial e jurídica no que tange à relação estabelecida entre o Estado e o terceiro setor, o qual poderia ter sido mitigado, todavia, prevalece incólume e avançando, de modo a reforçar o espírito de democracia social e permitir a participação da sociedade civil em setores cruciais do serviço público (OLIVEIRA; FERRER, 2020).
É de se mencionar que o texto original do marco regulatório sofreu alterações por decorrência da Lei nº 13.204/2015, o que, segundo a ABONG (2015), evidenciou ser necessário, pois, havia uma limitação legal na forma de organização e autonomia das organizações da sociedade civil, o que violava direito fundamental da liberdade de associação e autonomia para tanto.
Em linhas gerais, é comum observar a participação das organizações da sociedade civil na área da saúde, prestando um serviço complementar ao SUS e garantindo a efetividade do direito humano e fundamental à saúde. Neste sentido, o Tribunal de Contas da União, enquanto órgão competente para apreciar as contas da Administração Pública quando envolver verbas federais, já aventou a plena possibilidade da contratação do terceiro setor para a área da saúde:
SOLICITAÇÃO DO CONGRESSO NACIONAL. COMISSÃO DE ASSUNTOS SOCIAIS. REQUER INFORMAÇÕES A RESPEITO DA POSSIBILIDADE DE CELEBRAÇÃO DE CONTRATOS DE GESTÃO COM ORGANIZAÇÕES SOCIAIS POR ENTES PÚBLICOS NA ÁREA DE SAÚDE E DA FORMA DE CONTABILIZAÇÃO DOS PAGAMENTOS A TÍTULO DE FOMENTO NOS LIMITES DE GASTOS DE PESSOAL PREVISTOS NA LEI COMPLEMENTAR 101/2000 ( LRF). RATIFICAÇÃO PELO STF DA CONSTITUCIONALIDADE DA LEI 9.637/1998, QUE TRATA, ENTRE OUTROS ASSUNTOS, DESSAS CELEBRAÇÕES. JULGADOS QUE INDICAM A VALIDADE DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS DE SAÚDE POR ORGANIZAÇÕES SOCIAIS EM PARCERIA COM O PODER PÚBLICO. ENVIO DOS AUTOS À SEMAG PARA PRONUNCIAMENTO SOBRE A FORMA DE CONTABILIZAÇÃO DOS PAGAMENTOS. SOLICITAÇÃO PARCIALMENTE ATENDIDA. O Supremo Tribunal Federal, por meio da ADI 1.923, ratificou a constitucionalidade da contratação pelo Poder Público, por meio de contrato de gestão, de organizações sociais para a prestação de serviços públicos de saúde. A jurisprudência consolidada do Tribunal de Contas da União (e .g. Acórdãos 3.239/2013 e 352/2016, ambos do Plenário) é no sentido de reconhecer a possibilidade de realização de contratos de gestão com organizações sociais. É necessária cautela para não se criar confusão entre o instrumento do contrato de gestão e o seu eventual mal uso. É certo que a aplicação prática do modelo tem revelado distorções que devem merecer a atenção redobrada dos órgãos de controle. A utilização de contratos de gestão com organizações sociais para a prestação de serviços públicos de saúde é opção discricionária do governante, cuja valoração cresce em importância em momentos de retração econômica e queda na arrecadação. (BRASIL, 2016, on-line)
Nota-se que, como frisado em linhas pretéritas, aqui o TCU já passou a apreciar de forma direta o uso da ferramenta de contratos de gestão, em substituição aos antigos convênios, atualmente restritos a acordos entre órgãos públicos. E indubitavelmente, referida compreensão conduziu a um movimento de participação mais ativa da sociedade civil na área da saúde.
Não obstante, imperioso destacar o entendimento do Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1923/DF:
(...) 2. Os setores de saúde ( CF, art. 199, caput), educação ( CF, art. 209, caput), cultura ( CF, art. 215), desporto e lazer ( CF, art. 217), ciência e tecnologia ( CF, art. 218) e meio ambiente ( CF, art. 225) configuram serviços públicos sociais, em relação aos quais a Constituição, ao mencionar que “são deveres do Estado e da Sociedade” e que são “livres à iniciativa privada”, permite a atuação, por direito próprio, dos particulares, sem que para tanto seja necessária a delegação pelo poder público, de forma que não incide, in casu, o art. 175, caput, da Constituição.
3. A atuação do poder público no domínio econômico e social pode ser viabilizada por intervenção direta ou indireta, disponibilizando utilidades materiais aos beneficiários, no primeiro caso, ou fazendo uso, no segundo caso, de seu instrumental jurídico para induzir que os particulares executem atividades de interesses públicos através da regulação, com coercitividade, ou através do fomento, pelo uso de incentivos e estímulos a comportamentos voluntários.
5. O marco legal das Organizações Sociais inclina-se para a atividade de fomento público no domínio dos serviços sociais, entendida tal atividade como a disciplina não coercitiva da conduta dos particulares, cujo desempenho em atividades de interesse público é estimulado por sanções premiais, em observância aos princípios da consensualidade e da participação na Administração Pública.
6. A finalidade de fomento, in casu, é posta em prática pela cessão de recursos, bens e pessoal da Administração Pública para as entidades privadas, após a celebração de contrato de gestão, o que viabilizará o direcionamento, pelo Poder Público, da atuação do particular em consonância com o interesse público, através da inserção de metas e de resultados a serem alcançados, sem que isso configure qualquer forma de renúncia aos deveres constitucionais de atuação.
7. Na essência, preside a execução deste programa de ação institucional a lógica que prevaleceu no jogo democrático, de que a atuação privada pode ser mais eficiente do que a pública em determinados domínios, dada a agilidade e a flexibilidade que marcam o regime de direito privado. (...)
Em que pese o direcionamento do julgamento mencionado aborde outros aspectos do Marco Legal do terceiro setor, evidencia-se que o Supremo Tribunal Federal assentou a plena constitucionalidade da Administração Pública em atribuir a execução de atividades sensíveis, como educação e saúde, a terceiros, no caso, organizações da sociedade civil, sob o pretexto de que a atuação privada pode implicar em maior celeridade, na medida em que se submete a regramentos mais flexíveis, que possibilitam um desburocratização do setor.
Assim, uma vez delimitada pelo próprio Supremo Tribunal Federal a legitimidade da execução dos serviços públicos pelas organizações da sociedade civil, passou-se a definir uma aplicação mais efetiva desse instrumento jurídico para garantir a efetividade dos direitos fundamentais em áreas sensíveis da atuação estatal.
2.1. Aspectos práticos e contemporâneos do Terceiro Setor na efetividade dos direitos fundamentais
Especialmente no estado de Rondônia, há, ao menos desde 2013, um programa político e normativo voltado à intensificação da participação do terceiro setor na definição e execução de políticas públicas. Por intermédio da Lei n. 3.122, de 19 de julho de 2013, foi instituído o Sistema Integrado de Parcerias e Descentralização da Execução de Políticas Públicas e Serviços Públicos não Exclusivos através do Terceiro Setor - SISPAR.
Veja-se o que disciplina:
Art. 1º Fica instituído o Sistema Integrado de Parcerias e Descentralização da Execução de Políticas Públicas e Serviços Públicos não Exclusivos através do Terceiro Setor - SISPAR e de fomento às atividades de desenvolvimento econômico e social por meio das organizações sem fins econômicos e/ou lucrativos, com a finalidade de concentrar, monitorar e disciplinar a atuação conjunta dos órgãos e entidades públicas estaduais, das entidades tituladas ou não como Utilidade Pública, Organização Social ou como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público, na descentralização da execução de políticas públicas do Estado e na realização de atividades públicas não-exclusivas, mediante o estabelecimento de critérios para sua atuação, titulação ou credenciamento e de mecanismos de coordenação, fiscalização e controle das atividades descentralizadas (RONDÔNIA, 2013, on-line)
Importante enfatizar que o SISPAR visa a simplificação e desburocratização do funcionamento da Administração Pública, fato que se extrai a partir dos seus objetivos delineados em lei:
§ 1º Constituem objetivos do SISPAR:
I - assegurar o controle da descentralização da execução das políticas públicas e atividades de interesses públicos específicos e não-exclusivos com autonomia administrativa e financeira, e com controle de resultados;
II - garantir o acesso aos serviços públicos pela simplificação das formalidades e implantação de gestão participativa, integrando a sociedade civil organizada com as políticas públicas de Governo;
III - redesenhar a atuação do Estado no desenvolvimento das funções sociais, com ênfase nos modelos gerenciais flexíveis e no controle por resultados, baseado em metas e indicadores de desempenho; e
IV - possibilitar a efetiva redução de custos e assegurar a devida transparência nas transferências, alocação e utilização dos recursos públicos, garantindo assim maior eficácia, eficiência e efetividade das ações desenvolvidas. (RONDÔNIA, 2013, on-line)
É importante mencionar que, embora no contexto contemporâneo, a visão com certo preconceito à participação do terceiro setor nas políticas públicas não seja a regra, à época de discussão da referida lei, diversas entidades sindicais manifestaram-se contrárias a sua sanção, por compreenderem existir um intento de terceirização. A exemplo, o Conselho Regional de Enfermagem em Rondônia divergiu à aprovação da lei (COREN, 2013).
Uma vez estabelecido no âmbito estadual, os municípios também passaram a regulamentar e incentivar o fomento à atuação do terceiro setor em áreas sociais. Tem-se a capital Porto Velho, em Rondônia, a qual no início de 2024, previu a destinação de recursos financeiros a diversas organizações da sociedade civil que atuem diretamente na execução de políticas voltadas para criança e adolescentes, via orçamento do Conselho Municipal de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente de Porto Velho (PREFEITURA DE PORTO VELHO, 2024).
Observa-se que dentre as entidades beneficiadas estão várias que desenvolvem projetos sociais, inclusive para abrigo, de crianças e adolescentes (PREFEITURA DE PORTO VELHO, 2024), o que comprova se tratar de um mecanismo de fomentar o terceiro setor na defesa de direitos humanos, uma vez que estas entidades trabalhem em projetos sociais, com vista a garantia de saúde, educação e outros direitos a estes menores.
Outra ferramenta de fomento a atuação do terceiro setor de forma geral, também na cidade de Porto Velho, encontra-se a partir da aquisição de bens e insumos voltados para organizações assim reconhecidas, a exemplo da doação de van a entidade social com projetos voltados a pessoas com deficiência (TUDO RONDÔNIA, 2024). Essa circunstância, de forma complementar, demonstra um incentivo da Administração Pública à atuação privada em matérias e setores públicos,
Também recentemente, no ano de 2024, o Governo do Estado editou chamamento público para “seleção de Organizações da Sociedade Civil (OSCs) interessadas em celebrar Termo de Fomento (...) para a transferência de recursos destinados à promoção e/ou garantia de direitos humanos em Rondônia” (RONDÔNIA, 2024, on-line).
Em suas justificativas para o lançamento do edital, definiu a expertise das organizações da sociedade civil como importante fator para contribuir e responder a problemas da sociedade:
Ao disponibilizar recursos para essas organizações, com o intuito de ampliar a capacidade de resposta a problemas locais, o governo reconhece a importância da expertise e do conhecimento que as OSCs possuem sobre as realidades que enfrentam, representando uma estratégia fundamental para o fortalecimento da democracia, a promoção de políticas públicas mais eficientes e a garantia dos direitos humanos (RONDÔNIA, 2024, on-line).
Em uma perspectiva e análise contemporânea das ações desenvolvidas, nota-se que, no âmbito do estado de Rondônia e na jurisdição da capital Porto Velho, evidencia-se um aumento exponencial no incentivo de projetos sociais executados pelas organizações da sociedade civil, especialmente na área educacional e social, voltado à integração da criança e do adolescente hipossuficiente ou com deficiência na sociedade geral.
Noutro giro, não obstante se reconheça que o marco regulatório importou em avanços na efetivação dos direitos fundamentais e a participação da sociedade em um espécie de democracia social, a lei em si carrega burocracias e procedimentos que evidenciam uma sensação de desconfiança da Administração Públicas nas OSCs (SALGADO, 2015), fatores que precisam continuar avançando para garantir o aumento e o desenvolvimento de mais projetos, como os que já vem sendo executados no estado de Rondônia.
Conclusões
Em linhas gerais, visualizou-se que o Terceiro Setor constituiu-se como um instrumento, adotado inicialmente pela Administração Pública, para colaborar nas funções sociais do Estado e na justiça social. Sua origem remonta, ainda que de forma primária, às épocas de colonização brasileira, em que pequenos agrupamentos se formavam e começavam a discutir a necessidade de defender os interesses locais e alterar as formas de trabalho.
Verificou-se que, já no governo de Getúlio Vargas, os primeiros rascunhos do Terceiro Setor poderiam ser identificados nos pequenos agrupamentos que buscavam a defesa de direito do trabalhador, na liberdade associativa, dentre outros aspectos.
Em verdade, observou-se que, com o processo de industrialização e surgimento das entidades sindicais, bem como a adoção de um modelo de trabalho do proletariado, e não mais a exploração da mão de obra escrava, contribuiu na participação da sociedade civil nos processos decisórios, de gestão e de elaboração das próprias normas, rascunhando uma ideia de Terceiro Setor, que mais adiante, seria melhor desenvolvida.
Já no cenário de pós Constituição Federal e de Reforma Gerencial da Administração Pública, que o Terceiro Setor passa a ser visto como uma alternativa célere, integrativa e menos burocrática para sanar problemas que a Administração enfrentava para prestar serviço público e garantir a finalidade da Carta Magna, isto é, a justiça social.
Salienta-se que a Reforma Gerencial foi um processo de nova definição das atividades da Administração Pública, adotando parâmetros da iniciativa privada e da eficiência como norteadores à coisa pública, o que viabilizou as discussões sobre a participação de organizações da sociedade civil em pequenos, médios e grandes núcleos das atividades estatais, o que distinguia de uma licitação, no qual esta visava obtenção de lucros, e o setor terciário, os fins sociais.
Com os avanços conquistados e a adoção da cooperação do Terceiro Setor nas atividades da Administração Pública, verificou-se que a ausência de parâmetros nacionais para esse processo prejudicava a observância de princípios constitucionais que legitimam a coisa pública, inclusive no que tange ao fiel cumprimento de direitos individuais e coletivos fundamentais.
Assim, o Terceiro Setor passou a ser regulamentado, o que conduziu ao sancionamento do Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civis, que embora criticado por alguns, contribuiu na uniformização, a nível nacional, das práticas e procedimentos a serem adotados pela Administração Pública quando visualizasse a necessidade de atuar em áreas sensíveis junto ao setor terciário.
No contexto, observou-se que as transformações sociais contribuíram demasiadamente à formação dessa nova regulamentação, eis que, a partir da luta travada ao longo da história, por maior participação da sociedade no processo decisório, tem-se hoje um marco regulatório que permite a participação da sociedade civil desde a origem, isto é, sugerindo que determinada área sensível da Administração possa ser executada por atuação do terceiro setor, não dependendo que essa vontade surja obrigatoriamente da Administração.
Muito embora tais avanços, algumas críticas são tecidas a essa regulamentação, vez que burocratizou os procedimentos de governança e gestão pelo setor terciário, o que, na visão de muitos, é compreendido como sentimento de desconfiança do Poder Público na atuação terciária.
Algumas dessas limitações foram logo alteradas e reformadas com o advento de uma nova Lei no ano seguinte, a Lei nº 13.204/2015, contudo, tais avanços não impactaram suficiente da sensação de desconfiança da Administração perante o setor terciário, visualizando, por vozes, o desenvolvimento das atividades de forma cooperativa como se decoresse de um certame licitatório e as organizações da sociedade civil visassem tão somente o lucro.
De fato, o que se observa, como um todo, é que os processos histórico-políticos vivenciados no mundo contribuíram significativamente à construção e organização da sociedade civil como hoje conhecida, e diante a necessidade de regular a participação destas entidades nos processos administrativos e decisórios da Administração, visualizou-se a necessidade de editar o Marco Regulatório debatido, que embora objeto de críticas, importou em avanços ao setor terciário.
Especialmente no cenário do estado de Rondônia, em que se pode constatar o impulsionamento exponencial das ações estatais voltadas ao fomento do terceiro setor, é nítido que referida circunstância somente ganhou enfoque nos últimos anos, como também, nota-se que a grande parte do fomento estatal visa subsidiar ações em áreas sensíveis do serviço público, como a defesa da criança e do adolescente, a partir do processo mais desburocratizado e simplificado das organizações da sociedade civil. É, sobretudo, uma ferramenta que garante, a partir de recursos públicos, a efetividade de direitos fundamentais.
Vê-se que ainda há muitos passos para avançar frente a participação do Terceiro Setor nas atividades e fins públicos, contudo, a legislação hoje vigente, em que pese apresente restrições questionadas, importa também em dar significância e substrato a esse setor tão importante, entendendo o seu papel no fim social e no Estado de Bem-Estar Social da sociedade, princípios esses que foram traçados e atualmente, são considerados como metas da atuação estatal, por decorrência aos processos históricos e as transformações político-econômicas vividas no Brasil.
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