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A reprodução sociojurídica dos ciclos econômicos: ampliando diálogos entre a sociologia do direito e a (crítica da) economia política
Guilherme Leite Gonçalves; César Mortari Barreira
Guilherme Leite Gonçalves; César Mortari Barreira
A reprodução sociojurídica dos ciclos econômicos: ampliando diálogos entre a sociologia do direito e a (crítica da) economia política
The socio-legal reproduction of economic cycles: expanding dialogues between the sociology of law and the (critique of) political economy
Revista Direito e Práxis, vol. 15, no. 4, e87785, 2024
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
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Resumo: No debate latino-americano, a interconexão entre sociologia do direito e economia política tem encontrado um percurso singular nas reflexões de José Eduardo Faria. Estimuladas pelo diagnóstico da insuficiência do conhecimento jurídico tradicional frente à crescente complexidade social, tais reflexões construíram um enquadramento teórico das transformações das estruturas normativas, da racionalidade legal e das funções judiciais em eras ou ciclos econômicos. No presente artigo, pretendemos explorar a potencialidade desse programa de pesquisa para apreender os diferentes estágios históricos da reprodução sociojurídica capitalista. Seria possível fazê-lo avançar nos termos de uma crítica marxista da economia política? A partir do exemplo do capitalismo financeiro, destacaremos a violência das expropriações jurídicas. Com isso, procuraremos fazer do negativo do direito um tema para a investigação sociológica.

Palavras-chave: Reprodução sociojurídica, Ciclos econômicos, Crítica da Economia Política.

Abstract: In the Latin American debate, the interconnection between sociology of law and political economy has found a unique path in the reflections of José Eduardo Faria. Stimulated by the diagnosis of the insufficiency of traditional legal knowledge in the face of growing social complexity, these reflections have built a theoretical framework for the transformations of normative structures, legal rationality and judicial functions in economic eras or cycles. In this article, we intend to explore the potential of this research program for understanding the different historical stages of capitalist socio-legal reproduction. Would it be possible to move forward in terms of a marxian critique of political economy? Using the example of financial capitalism, we will emphasize the violence of legal expropriation. In doing so, we will try to make the negative of law a subject for sociological investigation.

Keywords: Socio-legal reproduction, Economic cycles, Critique of Political Economy.

Carátula del artículo

Artigos inéditos

A reprodução sociojurídica dos ciclos econômicos: ampliando diálogos entre a sociologia do direito e a (crítica da) economia política

The socio-legal reproduction of economic cycles: expanding dialogues between the sociology of law and the (critique of) political economy

Guilherme Leite Gonçalves
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil
César Mortari Barreira
Instituto Norberto Bobbio, Brasil. Email
Revista Direito e Práxis, vol. 15, no. 4, e87785, 2024
Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Received: 08 October 2024

Accepted: 18 October 2024

1. Introdução

Ao ser entrevistado por Fernando Haddad acerca das políticas do “antivalor”, em 1997, Francisco de Oliveira faz um apanhado de sua reflexão sobre o “modo social-democrata de produção”.1 O uso provocativo do termo tinha o objetivo claro de reorientar a discussão, então focada na queda da taxa de lucro e na composição do capital constante e variável, para a relação entre mercadoria e trabalho. Em termos concretos, Oliveira (1997 [1988], p. 27) aponta as consequências do fundo público enquanto pressuposto do financiamento da acumulação capitalista, a chamada “revolução copernicana” responsável por modificar “os fundamentos da categoria do valor como nervo central tanto da reprodução do capital quanto da força de trabalho”.2

No que se refere ao capital, o padrão de financiamento público passou a se constituir ao longo do século XX um ex ante das condições de reprodução social em contraposição à localização ex post característica do capitalismo concorrencial, marcante no século XIX. Ele se tornou, nas palavras de Oliveira (1997 [1988], p. 21), “referência pressuposta principal [...] que sinaliza as possibilidades da reprodução”. Nesse contexto, típico do Welfare State, o estatuto da força de trabalho também sofre transformações profundas, notadamente em virtude da crescente proporção do salário indireto no salário total. Na medida em que esses bens e serviços públicos são “antimercadorias sociais, pois sua finalidade não é a de gerar lucros, nem mediante sua ação dá-se a extração da mais-valia” (Oliveira, 1997 [1988], p. 29), seria possível observar uma tendência à desmercantilização da força de trabalho. Esse processo não apenas “põe a nu uma espécie de desnecessidade da exploração”. A chamada “regulação não auto-regulada pelo valor” (Oliveira, 1997 [1993], p. 57; 59)3 conduz até mesmo à anulação do fetiche da mercadoria, substituído pelo “fetiche do Estado” (Oliveira, 1997 [1988], p. 35-36).

O fundo público - o antivalor4 - manifesta, assim, “o nec plus ultra das formas sociais do futuro” (Oliveira, 1997 [1988], p. 36). Para além do Estado de bem-estar, um modo de produção superior se põe no horizonte, latente, - o referido modelo social-democrata -, no qual a sociabilidade não se constrói somente a partir do mercado. Pelo contrário, “no terreno marcadamente da cultura, da saúde, da educação, são critérios antimercado os que fundamentam os direitos” (Oliveira, 1997 [1988], p. 37). Aqui se estrutura uma esfera pública cujo aspecto característico é “a construção e o reconhecimento da alteridade, do outro, do terreno indevassável de seus direitos” (Oliveira, 1997 [1988], p. 39).

A eficácia dessa reprodução sociojurídica - e de seu corolário, a democracia representativa - se tornou contingente a ritmo galopante. Diante da crise fiscal que assolava os Estados keynesianos, o próprio Oliveira antevia o alcance da regressão associada às políticas de Tatcher e Reagan: ao manter o fundo público apenas para o capital, a sociedade é deixada à mercê do seu “mal infinito”. Desarticulada da esfera pública, a política se vê transformada “na mais brutal imagem-espelho do banquete dos ricos e do despojo de todos os não-proprietários” (Oliveira, 1997 [1988], p. 44; 47). Não demorou uma década para que essa suspeita se transformasse no diagnóstico de que o neoliberalismo, ao renunciar à universalização, “ultrapassa sorrateiramente [...] a soleira do totalitarismo” - seu objetivo seria, efetivamente, “o apartheid total” (Oliveira, 1997, p. 202-203).5

Neste cenário de expectativas decrescentes de emancipação, a estrutura jurídico-política é novamente transformada: de um lado, desregulamentação do trabalho, destituição de direitos sociais e trabalhistas, além de reformas e inovações legislativas que fortalecem o poder de repressão; de outro, um Estado subordinado ao capital que, ao invés de organizar a incerteza social, atua para transformar em ativos os mais variados espaços, novos e antigos (Lavinas; Gonçalves 2024). Se, como diz Oliveira, o “totalitarismo neoliberal” se plasma “no campo dos direitos, do conflito pelos direitos, da negação dos direitos” (Oliveira, 1997, p. 15), quais os impactos do atual capitalismo financeiro, pós crise dos subprime e Covid-19, na reprodução sociojurídica? De que modo o crescimento do papel do crédito e das finanças - isto é, a expansão do capital portador de juros e do capital fictício - repercute nos programas e estruturas normativas do sistema jurídico?

Essas perguntas atestam, uma vez mais, “a necessidade de teorias sociojurídicas novas e mais adequadas à realidade econômica contemporânea” (Faria, 2017, p. 142). Nesse contexto, o presente artigo tem como objetivo contribuir, em linhas gerais, para a análise sociológica sobre as configurações do direito ao longo das fases da acumulação capitalista. Inspirado na contribuição de Kozo Uno (2016, p. 236), trata-se de uma investigação atinente à dimensão jurídica dos estágios históricos capitalistas [dankaïron].6 Para tanto, faremos amplo uso e reconstrução das reflexões de José Eduardo Faria, cuja obra fez avançar, no âmbito da sociologia latino-americana do direito, uma tradição de investigações atenta à sociologia econômica e capaz de aprender a variação e estabilização do sistema jurídico em ciclos. De inspiração (neo)weberiana e adentrando nos postulados da economia política, Faria examina as transformações da estrutura legal em distintas eras econômicas. Nossa hipótese - a ser aqui apenas acenada - é que uma virada à crítica da economia política pode revelar uma dimensão da reprodução sociojurídica até agora pouco explorada: as expropriações jurídicas acionadas em determinados momentos do capitalismo. Para refleti-las, apontaremos como elas despontam nas configurações financeiras do capital.

2. A dogmática jurídica e seu “dilema hamletiano”: o direito entre liberalismo e keynesianismo

A partir de uma abordagem sistêmica, o desenvolvimento do direito pressupõe o aumento da complexidade social (Luhmann, 2008 [1972], p. 164).7 Nas sociedades “de tipo arcaico”, o direito fundamentava-se no parentesco. Em virtude do baixo nível de complexidade, as normas - com reduzido grau de abstração - eram concebidas em estreita proximidade com as circunstâncias reais. Uma vez que esse direito não era escrito, não podia ser interpretado: “o direito é aquilo que é”. Não havia, aqui, qualquer processo de revisão e as relações conceituais eram mediadas por objetos e símbolos do presente, engendrando concepções causais mágicas que ritualizavam o procedimento jurídico. Nesse cenário, o horizonte temporal era drasticamente reduzido a um presente constantemente arriscado, razão pelo qual o tempo ainda não era incorporado enquanto “momento da concepção do direito” (Luhmann, 2008 [1972], p. 159).

O direito das altas culturas pré-modernas, por sua vez, já era caracterizado por certa ambivalência: ainda que concebido enquanto verdade e, por isso, invariável, é admitida uma certa liberdade de ação, reconhecendo-se distintas formas contingentes do direito. A diferenciação grega entre direito natural e nomos (lei), por exemplo, constitui uma resposta à situação “de uma ordem jurídica concebida como invariante em importantes traços básicos, mas simultaneamente rica em alternativas, diferentes de sociedade para sociedade” (Luhmann, 2008 [1973], p. 186).

Apenas na Idade Média instaurou-se uma diferença hierárquica entre lex naturalis e lex positiva. Com a primazia social da política, as normas jurídicas passaram a ser resultado de decisões. O princípio da justiça operava, então, como um mecanismo de reflexão e aprimoramento do direito, restringindo a incerteza advinda da multiplicidade de experiências jurídicas. Daí a imprescindibilidade da estratificação social, por meio da distinção superior/inferior, e da formação de uma moral generalizante, sem as quais a construção de consenso não seria possível. Esses parâmetros permitiram à ordem político-jurídica contrapor as variações do dever-ser à estabilidade do ser. Isto é, ao direito positivo era reservada a função de ajustar os comportamentos humanos aos preceitos universais do direito metafísico perene.

A consolidação do Estado de Direito, no século XIX, está intimamente associada à passagem para uma nova estrutura social - a sociedade moderna. Trata-se de um processo que poderia ser definido enquanto explosão de complexidade. As consequências desta transformação no pensamento jurídico foram enormes. Para compreendê-las, precisamos dar um salto da teoria dos sistemas autopoiéticos ou autorregulados para a teoria do capitalismo. Isto é: os processos históricos que culminaram no surgimento do modo de produção capitalista8 foram fundamentais à aquisição de contingência no sistema jurídico. Com o capitalismo e a destituição dos vértices morais e transcendentais pré-modernos, o direito precisou extrair certeza de si mesmo. Essa imposição se manifestou de diferentes modos, a depender do regime de acumulação predominante.

A transformação contextual da substância não determina, porém, modificações da forma. Ao contrário, tende à adaptação. Como alerta Faria (1997, p. 25), a autoprodução jurídica de certeza tornou-se uma ficção necessária porque as funções sociais capitalistas são heterogêneas em seus procedimentos organizativos e contraditórias em suas estruturas socioeconômicas. Dito de outra modo, a intensificação da heterogeneidade e das contradições sociais, estimulada pela expansão do capitalismo, exige dispersão para a continuidade da ordem social, o que, por sua vez, só pode ser alcançado por meio de ajustamento entre as instituições legais e a dominação política em vigor. Sob as bases deste processo está o que De Giorgi (1980) denominou “projeto jurídico burguês de repressão da instância material”.

No século XIX, o programa capitalista de dispersão foi realizado em torno da garantia da propriedade privada e do livre jogo do mercado. Isto só foi possível pela estabilização da definição de “espaço público como domínio de sociabilidade oposto ao domínio privado” (Faria, 1997, p. 23). Para que a economia se tornasse uma questão eminentemente privada, a institucionalização do poder precisou ser constituída por meio de um sistema de regras objetivas. Sua função era a blindagem da calculabilidade, própria a cada interesse individual, de intervenções contingentes estranhas aos contratos particulares.

A redução jurídica da complexidade social - as tentativas de torná-la previsível e calculável - teve início com o processo de codificação. A compilação de regras e princípios permitiu, de um lado, garantir estabilidade social e, de outro, fomentar distintas concepções formais da certeza do direto. O resultado agregado - “o conhecimento retórico de tudo aquilo que é contingente” (Faria, 1984, p. 19-20) - pode ser resumido nas seguintes pretensões: (i) clareza, coerência, lógica, univocidade e simplicidade das estruturas normativas; (ii) existência, validade e vigências das normas; (iii) coisa julgada, direito adquirido, ato jurídico perfeito e irretroatividade da lei; (iv) legislador racional e completude do ordenamento e (v) limitação do Estado e previsibilidade da ação individual.9

Esse projeto de garantias - sintetizadas nos valores de liberdade, segurança e propriedade - foi desenvolvido em paralelo ao capitalismo concorrencial. Como dito, ele funda uma estrutura legal capaz de “absorver as tensões e divergências emergentes do desenvolvimento capitalista” (Faria, 1984, p. 21) e, nesse sentido, reflete a dominação e legitimidade da classe burguesa em ascensão. Monismo, hierarquia das normas, poder constituinte originário, direito subjetivo, segurança, dentre outras, constituem as categorias fundantes da identidade normativa subjacente ao Estado de Direito liberal. Nesta perspectiva, a conversão da incerteza do futuro em certeza do direito está ancorada no desenvolvimento da dogmática jurídica enquanto técnica de autofundação da força legal. Ou seja, não é um valor transcendental, ou mesmo o fato social que produz o direito, mas ele próprio, mediante um conjunto de normas positivadas sob a forma de uma ordem coativa.10

Os limites desse racionalismo jurídico-formal, no entanto, não tardaram em aparecer. A rigidez hierárquica e o formalismo conceitual da dogmática jurídica foram “imaginados como instrumentos de controle social operacionalmente eficazes para contextos até certo ponto estáveis” (Faria, 1984, p. 37). Em outras palavras: já na disputa com a Escola História do Direito - isto é, em termos fundamentalmente teóricos11 - estava em pauta a questão acerca da adequação social das prestações jurídicas. Nesse cenário, a pluralidade social e a não uniformidade das relações humanas indicavam a ausência de substantivação do direito e seu corolário, a inconsistência jurídica - daí os argumentos de que “o direito estava em atraso com os fatos”, ou mesmo da “revolta dos fatos” contra os códigos (Faria, 1984, p. 35).

A passagem ao século XX implicou um aumento de complexidade, aprofundando o mal-estar da concepção formal do direito. Nas primeiras décadas, o amálgama entre guerras e crises econômicas desencadeou uma série de desafios para a regulação e administração das relações entre capital e trabalho. Rompe-se, de imediato, a “própria divisão de competências e objetos expressa pela dualidade direito público x direito privado” (Faria, 1984, p. 37). Mas não só. A organização e mobilização dos trabalhadores, a pressão dos sindicatos, o aumento do aparelho burocrático e as intervenções do Estado na economia cristalizaram a sensação de inadequação social do direito.

Os padrões legais do nascente Estado de intervenção são de natureza “reguladora”. Isso significa que o direito passa a ser cada vez mais utilizado como “instrumento de direção social” (Faria, 1984, p. 241), algo bastante distinto da concepção “ordenadora” observável no Estado de Direito clássico. Neste, a concepção repressiva e protetora do direito qualifica um modelo teórico que representa um determinado tipo histórico de sociedade, “aquela na qual a atividade econômica esteja subtraída à intervenção do poder político” (Bobbio, 2007 [1969], p. 10). Mas a experiência jurídica decorrente da sociedade industrial vai de encontro à imagem “negativa” do direito, caracterizado - acreditava-se - apenas por normas negativas, típicas do direito penal. Nesse sentido, os debates sobre comados e proibições, prêmios e castigos, característicos da “função promocional do direito”, ilustram tanto um novo “modo de realizar o controle social” (Bobbio, 2007 [1969], p. 15) como o “dilema hamletiano” da dogmática jurídica (Faria, 1984, p. 39).

Com essa analogia, Faria procura ilustrar os desafios encontrados pelo pensamento jurídico diante do keynesianismo e dos processos de “publicização do direito privado” e “administrativização do direito público” (Faria, 2010, p. 67). De um lado, a percepção das mudanças na reprodução sociojurídica moderna: da codificação inspirada na Revolução Francesa, o que possibilitou ao direito solucionar conflitos a partir da fixação dos princípios de unidade e hierarquia, à perda de funcionalidade do Estado de Direito frente às transformações socioeconômicas do pós-guerras. De outro, a angústia latente na tentativa de manter a qualquer custo as características ortodoxas do saber técnico-formal, com o risco de esgotar por completo a operacionalidade da dogmática jurídica.

3. A “inflação legislativa” e os impactos da globalização: o direito entre crise fiscal e transnacionalização do capital

O Estado keynesiano implementou distintas formas de regulação, controle, gestão, direção e planejamento das atividades econômicas. Além de ativamente remodelar a reprodução macroeconômica - valendo-se de instrumentos fiscais, oferta de crédito e realocação de gastos públicos -, as instituições políticas desempenharam um papel de viabilizador da acumulação privada, notadamente com iniciativas para reduzir o desemprego, aumentar o salário real, estimular e assegurar acordos para elevação da produtividade, além de neutralizar focos de tensão por meio de programas sociais. Os chamados “anos gloriosos do capitalismo” remetem, portanto, a esse círculo virtuoso entre “aumento de salários reais, elevação da produtividade e redução das distâncias sociais” (Faria, 1999, p. 115-116).

A efetivação de medidas orientadas pelas noções de finalidade comum e dever social trouxe impactos significativos para o direito. As técnicas de encorajamento do Estado keynesiano ampliaram tanto o horizonte futuro como as demandas por reconhecimento, levando a teoria jurídica a uma verdadeira “complicação interna” (Ferraz Jr., 1980, p. 197). Para solucionar as dificuldades advindas desse aumento de complexidade, a dogmática jurídica elevou o nível de abstração, valendo-se de conceitos mais abertos. Essa estratégia implicou o surgimento de critérios fluídos e pouco funcionais à atuação concreta (Ferraz Jr., 1980, p. 200). Não é de se estranhar, portanto, a guinada retórica vivenciada pelo direito, “com a finalidade de chamar a atenção de todas as classes sociais e de obter sua lealdade” (Faria, 1984, p. 246).12

Essa situação é aprofundada com a implosão das bases fiscais do Estado keynesiano, notadamente em virtude dos choques do petróleo, da instabilidade monetária e da crise econômica que caracterizaram a década de 1970. Algumas esferas jurídicas - como o direito econômico, administrativo, trabalhista, previdenciário e tributário - eram reformuladas continuamente, deixando entrever, dessa vez, um círculo vicioso: os problemas institucionais derivados de clivagens políticas, conflitos sociais e demandas econômicas se manifestavam na forma de uma sobrecarga de expectativas que, ao serem internalizadas pelo direito, resultavam em normas e decisões contraditórias - a pretensa certeza do direito revelava-se incerta.

Os desdobramentos jurídicos da “ingovernabilidade sistêmica” do Estado keynesiano foram chamados, então, de “inflação legislativa”, “juridificação” (Faria, 1999, p. 122). A produção não sincronizada de normas de comportamento, normas de organização e normas programáticas romperam a organicidade, unidade lógico-formal e racionalidade sistêmica do ordenamento jurídico. Diante do surgimento de microssistemas e múltiplas cadeias normativas, dotadas de princípios e lógicas próprias, a concepção tradicional do direito foi gradativamente cedendo lugar à ideia de “rede” (Faria, 1999, p. 127-128). Este novo paradigma valia-se da multiplicidade de regras e variabilidade das fontes para sedimentar uma nova formatação da reprodução sociojurídica: heterárquica, provisória, mutável e maleável.

Esse “amontoado jurídico” (Campilongo, 2011, p. 132) - e a consequente erosão do modelo jurídico-formal liberal - intensificou-se com a globalização econômica no ocaso do século XX. Para, Faria (1999, p. 130), a transnacionalização dos capitais financeiros, desencadeada a partir das inovações tecnológicas no campo da telecomunicação, processamento de dados e configuração da internet, permitiu o advento da especialização flexível. Seu principal efeito está associado à fragmentação espacial da produção, o regime pós-fordista, responsável por desarticular - ainda mais - as estruturas fiscais do Estado-nação. Ao se converterem nas mais variadas pretensões materiais, os conflitos decorrentes dessas transformações foram pragmaticamente regulados por leis contingenciais. E, uma vez mais, o que se tem é o efeito paradoxal da certeza jurídica: as novas normas, criadas para dirimir a conflituosidade, a multiplicam. O ricochete no judiciário implica, portanto, um trabalho contínuo de interpretação de um ordenamento jurídico “minado” pela inflação, o que aumenta a discricionariedade e o protagonismo dos juízes na vida política, social e econômica.

Como se vê, o direito fruto da globalização possui características bastante distintas daquelas observadas durante o capitalismo concorrencial. É verdade que seu aspecto ágil e flexível não anula a dimensão controladora e reguladora do Estado. Este, no entanto, não apenas diminuiu o alcance de sua intervenção social como passou a compartilhar a titularidade da iniciativa legislativa com outros atores. Isso levou o direito a deslocar seu eixo de atuação do disciplinamento dos comportamentos para o enforcement dos procedimentos. Tendo como pressuposto organizações financeiras transnacionais, cujas estruturas internas contemplam códigos, normas de conduta, métodos e regulamentos de alcance mundial, o Estado se vê diante na necessidade de preservar a complexidade de diferentes agentes - governos, empresas públicas ou privadas e organismos multilaterais - e, simultaneamente, induzir processos de mútuo entendimento entre eles. Trata-se, assim, de uma atuação voltada “mais aos ajustes processuais que se fizeram necessários em face da evolução das diferentes relações de força no interior do sistema econômico” (Faria, 1999, p. 141).

O saldo teórico dessa breve recapitulação histórica atinge o núcleo das concepções pautadas pela ideia de obtenção de certeza e controle dos riscos. Não por acaso, a valorização ideológica da incerteza ganha tração entre os juristas justamente com o fenômeno da globalização. Em tempos de “particularismos jurídicos” e “diferentes formas de legalidade” (Faria, 1999, p. 149), o apelo a um direito pós-moderno13 pauta-se na cultura jurídica da incerteza, na qual a formação de normas ad hoc, plásticas, poderiam estimular a autonomia e as diferenças dos contextos específicos. A ideologia jurídica do pluralismo é, nesse sentido, expressão sintomática da dissolução dos antagonismos da instância material em demandas autoajustáveis (Gonçalves, 2013, p. 216 ss.).

A flexibilidade então em voga não pode ser compreendia enquanto mecanismo para a composição de interesses. Pelo contrário. Na estrutura jurídica modelada a partir da década de 1970, é o “direito da produção” quem exerce “centralidade e impõe os parâmetros e os limites estruturais das transformações do direito positivo” (Faria, 1999, p. 164), ampliando o alcance da Lex Mercatoria.14 E este é, justamente, “o momento histórico em que o Estado assume suas feições eminentemente neoliberais [...], é a economia que, efetivamente, calibra, baliza e pauta tanto a agenda quanto as decisões políticas e jurídicas” (Faria, 1999, p. 177-178).

O “direito reflexivo” aparece, então, como paradigma da engrenagem normativa adequada aos novos tempos. Em contraposição ao Estado liberal (racionalidade formal) e ao Estado intervencionista (racionalidade material), a racionalidade reflexiva é compreendida enquanto “capacidade de um sistema de tematizar sua própria identidade” (Faria, 1999, p. 195)15. Ela é característica do “Estado schumpeteriano”16 em sua busca por um equilíbrio ecológico entre diversos players desterritorializados. Mas não só. Diante dos impactos das cadeias produtivas controladas em escala mundial por instituições financeiras internacionais e gigantescos conglomerados empresariais, a reconfiguração do Estado-nação ensejou uma demanda adicional: a substituição da democracia representativa pela “democracia organizacional”.

A expectativa de fazer valer o voto diante de uma economia globalizada é, no máximo, ingênua. Para os teóricos da reflexividade, isso não significa condenar ou, então, negar a democracia. Ainda assim, seria necessário um exercício de “reconceituação, requalificação e reorganização a partir de uma nova realidade” (Faria, 1999, p. 222). A aposta, aqui, é alta: uma vez que um “equilíbrio ecológico” se mostra fundamental à manutenção do fluxo de capitais transnacionais e ao próprio funcionamento da economia internacional - e, por tabela, de qualquer planejamento nacional -, seu risco de ruptura constituiria uma espécie de “horizonte de sentido” para as corporações e instituições financeiras. Estas, então, valendo-se da ponderação e reflexão, desenvolveriam algo como uma “consciência global” capaz de afastar situações e conflitos-limites.

Esta consciência pode ser redescrita nos termos de Fabiani (2011) enquanto política de tecnicização da microeconomia, na qual programas de Law and Finance promovem a valorização generalizada do crédito por meio de projetos de dotação institucional, recomendações mundiais de reformas legais que aumentem previsibilidade e reduzam custos de transação. Na interface entre economia, direito e política, desdobra-se um paradoxo altamente arriscado: tecnologias jurídicas de despolitização que controlam o óbice da ação política do sistema financeiro nos territórios constitucionais (Fabiani, 2011, p. 116 e ss.). O caráter ideológico da competência técnica alimenta, nesse sentido, impasses entre direitos, democracia e mercado, que escancaram, ainda mais, a precariedade do “equilíbrio ecológico”.

Na antessala do século XXI, Faria se questionava: “frente à iminência de uma crise estrutural”, cujo potencial seria desagregador em escala mundial, “até que ponto ela pode ser efetivamente neutralizada de maneira espontânea, apenas e tão-somente com base na ‘responsabilidade social’ ou na ‘consciência global’ das ‘organizações complexas’?” (Faria, 1999, p. 224). Como será visto, parte da resposta passa pela compreensão das novas finalidades do Estado, manifestadas nos apelos à ordem, segurança e prevenção.

4. Desjuridificação e procedimentalização: o direito da economia globalizada

A ênfase nos aspectos “fluídos” da ordem jurídica emergente muitas vezes encobre a possibilidade de que a desformalização, desestatização, descentralização, privatização, desregulamentação, deslegalização e desconstitucionalização - tão valorizadas pelos teóricos do direito reflexivo - culminem em uma “espiral infernal” (Faria, 1999, p. 286). No final dos anos 1990, o receio aparecia na forma de algo surpreendente: o “neofeudalismo jurídico”. Este direito pessoal receberia as determinações da economia globalizada, tendo como fundamento não mais a etnia, nobreza ou religião - substratos anteriores ao direito territorial estabilizado com a Revolução Francesa -, mas os interesses e vontades das “organizações complexas” (Faria, 1999, p. 325).

Nesse cenário, a conversão “organizacional” da cidadania não apenas desconfigura sua dimensão pública. Fraturada pela fragmentação social, incertezas e múltiplos processos de exclusão, o locus espacial passa a ser caracterizado por “verdadeiros principados ou suseranias” (Faria, 1999, p. 330), cuja gestão exige uma forma político-jurídica própria. Diferentemente do capitalismo concorrencial (Estado de Direito) e do capitalismo “organizado” (Estado de intervenção), o neoliberalismo demanda um Estado capaz de permanentemente manter a ordem, impor a disciplina e controlar setores cada vez mais amplos da população. Dotado de mecanismos decisórios altamente flexíveis, aptos para reagir diante de alterações conjunturais ou estruturais, o “Estado de Segurança” (Faria, 1999, p. 330) emerge, então, como categoria adequada para descrever os desafios vindouros com o século XXI.17

Não foi preciso muito tempo para que o pensamento jurídico voltasse a se encontrar diante dos desafios da adequação social de seus modelos teóricos e analíticos. Após a crise dos subprime (2008), Faria retomou a temática, fazendo valer sua própria recomendação de “repensar epistemologicamente toda a Ciência do Direito e colocar em novos termos sua interface quer com a teoria social quer com a economia política” (Faria, 1999, p. 331), especialmente diante de “formas novas e cada vez mais complexas de articulação entre o econômico e o não-econômico” (Faria, 2010, p. xiii). A reestruturação do capitalismo18 desarticulou, de fato, a identidade, funcionalidade e eficácia do direito positivo, ainda que isso tenha ocorrido em virtude da própria natureza da reprodução social capitalista, cujo desenvolvimento transita, de um lado, “por ondas e fases” e, de outro, mediante o “processo de destruição criadora” (Faria, 2010, p. 13-14).19

O “predomínio da lógica financeira sobre a economia real” (Faria, 2010, p. 34) e as constantes inovações tecnológicas trazem, no entanto, algumas novidades. O fortalecimento da já referida Lex Mercatoria, por exemplo, relativiza ainda mais os atributos da soberania. Mas agora ela é acompanhada da Lex Digitalis, instituindo uma “governança sem governo” (Faria, 2010, p. 44). A consequente limitação estrutural do direito positivo, porém, não significa que o Estado possa abdicar de exercer algum tipo de controle, “sob pena de pôr em risco a estabilidade do regime de acumulação” (Faria, 2010, p. 48). Daí a conhecida utilização de conceitos jurídicos indeterminados, normas de caráter programático e regras circunstanciais que, por sua vez, fazem proliferar inúmeras “microrracionalidades” confusas e paradoxais. O saldo desse fenômeno leva o direito a assumir “a forma de um patchwork ou de uma bricolage”: para além das discussões sobre a adequação social do direito e sua efetividade, é a própria autonomia jurídica que está em risco (Faria, 2010, p. 49).

Essa análise ocorre no âmbito da discussão de Faria sobre o Estado schumpeteriano. Ele tem como elementos-chave: garantia dos contratos; proteção da propriedade privada e dos créditos (Faria, 2010, p. 56). Essas prestações são alcançadas, juridicamente, por meio de duas estratégias - desjurificação e a procedimentalização do direito. Na primeira, “deslegalização e desconstitucionalização” têm como corolário a criação de mecanismos alternativos de resolução de conflitos. Na segunda, o conteúdo das leis é transmitido a outros agentes, o que acarreta “privatização da produção do direito” ou “criação negociada do direito” (Faria, 2010, p. 58-59). Isso significa que parte significativa da reprodução sociojurídica passa a ocorrer fora do direito positivo, em favor de modos alternativos de regulação e legalização. Em outras palavras: o ordenamento jurídico já não se apresenta como o único sistema normativo, no estilo “top-down control” e passa a conviver com inúmeros microssistemas legais, de diversos níveis, no estilo “multi-level system” (Faria, 2010, p. 68).

Qual seria, então, o futuro do direito? Faria apresenta nove tendências. A primeira diz respeito ao alargamento e desformalização dos procedimentos de elaboração legislativa, sobretudo nas questões mais “técnicas” (Faria, 2010, p. 73). A segunda tendência, por sua vez, “é a de uma progressiva redução do grau de imperatividade do direito positivo”, o que acentua seu caráter processual. Com isso, a lei passa a representar não um fato, mas um programa de ação, um cenário (Faria, 2010, p. 75-76). A terceira tendência está relacionada à reformulação do direito processual civil e penal, notadamente em virtude da incompatibilidade entre a concepção de tempo encontrada nessas legislações, de um lado, e a noção de tempo “prevalecente no processo decisório no âmbito dos mercados transnacionalizado, especialmente os financeiros” (Faria, 2010, p. 78).

A quarta tendência também advém do “capital financeiro global” (Faria, 2010, p. 82), que exige a construção de um ambiente legal favorável aos negócios, tendo como modelo a cultura e padrões legais anglo-saxônicos. As principais áreas afetadas são: direito comercial, societário, atuarial, financeiro, concorrencial, antitruste e ambiental (Faria, 2010, p. 83). A quinta tendência se dá pela expansão dos campos de contratualização, um processo inverso àquele do Estado de intervenção, no qual a publicização do direito tinha como pedra angular a ideia de “Constituição dirigente”. A preponderância passa a ser, então, do direito civil, encarregado de operacionalizar os processos de descentralização, desformalização, desregulamentação, deslegalização e desconstitucionalização - trata-se, na verdade, de outro direito civil, que se põe à margem do Estado (Faria, 2010, p. 89). Tendo como base as transformações no mundo do trabalho, a sexta tendência se manifesta no enfraquecimento da legislação trabalhista. A volatilidade e mobilidade dos capitais exigem, cada vez mais, o desmonte do caráter estatutário do Direito do Trabalho em favor de um sistema negocial (Faria, 2010, p. 99).

A sétima tendência decorre da hipertrofia da Lex Mercatoria e do “Direito da Produção”. Ambas efetuam uma “transformação paradigmática na linha arquitetônica, na fonte de legitimidade e no conteúdo programático do Direito Internacional” (Faria, 2010, p. 100). Em consonância com as alterações anteriores do direito público, a oitava tendência aponta para a regressão “tanto dos direitos sociais quanto dos direitos humanos consagrados ou tutelados pelo direito positivo” (Faria, 2010, p. 104). E, por fim, a nona tendência constitui uma síntese da deterioração do tecido social: o “prevalecimento do primado Lei e Ordem no âmbito do direito penal (Faria, 2010, p. 107).

É interessante notar como essas tendências reaparecem alguns anos depois. Tendo como pano de fundo não apenas o agravamento da crise financeira, mas as disputas políticas na União Europeia (com especial destaque para a crise da dívida pública grega de 2009-10), Faria (2017, pp. 54-59) destaca os problemas fundamentais decorrentes da incapacidade da teoria político-jurídica clássica em controlar a economia contemporânea: unificação legislativa; operações globais e regulações locais; tensões entre capitalismo e democracia e entre Estados nacionais e crises sociais. Nesse contexto, o cenário que melhor capta para Faria (2017, p. 101) as linhas de desenvolvimento do direito é aquele da “globalização econômica e pluralismo jurídico”.20

Lapidando argumentos já conhecidos, Faria (2010, p. 68) retoma o modelo do “sistema jurídico de múltiplos níveis”, caracterizado por integrar “combinações híbridas verticais, horizontais, centrípetas e centrífugas” (Faria, 2017, p. 103). O intuito, aqui, é duplo: tanto reafirmar as referidas estratégias de desjuridificação e procedimentalização quanto fugir da oposição entre “keynesianismo de segunda mão e schumpeterianismo vulgar” (Faria, 2017, p. 110).21 Para tanto, alguns argumentos se sobressaem, como o destaque ao “pragmatismo dos legisladores e uma espécie de cálculo de custo/benefício por parte dos governantes” (Faria, 2017, p. 114). Foram esses atores que levaram “o direito positivo a se tornar funcional à sociedade e à economia” (Faria, 2017, p. 114).

Não é por acaso que a metamorfose do Estado e sua ordem jurídica correspondente tenham adotado duas novas estratégias de intervenção normativa na economia e na sociedade: uma voltada ao funcionamento da economia, com novas normas de direito societário, falimentar, econômico, administrativo, concorrencial, antitruste, penal econômico e tributário; outra voltada à formulação, implementação e execução de programas sociais mínimos, que substituem a universalização dos direitos por políticas focalizadas. O imbricamento de ambas forma “uma espécie de piso social e teto econômico” (Faria, 2017, p. 136).

Privado de seu princípio liberal básico (tudo o que não é proibido é permitido), ao direito positivo caberia apenas impor esses dois marcos/limites regulatórios - “é proibido somente ultrapassar o piso social e o teto econômico” (Faria, 2017, p. 138). O modo dessa imposição, no entanto, parece dizer algo a mais acerca da forma política atual e da reprodução sociojurídica hodierna. A partir desta, é imprescindível que o Estado redobre seus esforços para garantir, incentivar e criar ativos para o mercado financeiro. A compreensão do atual ciclo depende, todavia, de referenciais analíticos capazes de iluminar a violência jurídica velada pelas teorias reflexivas da globalização. Para isso, porém, é necessário fazer com que a sociologia do direito transite da economia política para a crítica da economia política, aceitando o desafio de formular “teorias sociojurídicas novas e mais adequadas à realidade econômica contemporânea” (Faria, 2017, p. 142).

5. A força dos credores: a crítica marxista do direito diante do capitalismo financeiro

A hegemonia do capitalismo financeiro dá contornos qualitativamente distintos ao direito. Se as grandes crises econômicas exigem modelos interpretativos amplos, ou seja, “modelos que apenas as abordagens econômicas com densa fundamentação histórica e macropolítica, como as de inspiração schumpeteriana e keynesiana, costumam propiciar” (Faria, 2017, p. 30), de que maneira a crítica da economia política pode auxiliar na compreensão do Estado e sua ordem jurídica?

5.1. O estatuto da crítica da economia política na sociologia do direito

A sociologia crítica parte de uma constatação comum: com o advento da sociedade moderna, há uma pressão permanente pelo intercâmbio dos bens produzidos (MEW, 42). A expropriação dos meios de produção da massa camponesa e a conversão da propriedade comum em privada bloqueia o desenvolvimento da economia de subsistência e obriga que necessidades individuais sejam satisfeitas por meio de troças comerciais. Este processo, notoriamente conhecido como “acumulação primitiva”, pode ser relido a partir da discussão sobre as condições da sociabilidade em um contexto histórico particular, o capitalismo (MEW, 23, p. 741 ss.). Neste momento histórico, a sociedade já se encontra destituída das capacidades transcendentais dos sujeitos e constituída de indivíduos atomizados ou, para utilizar a expressão de Leibniz, de “sistemas-mônadas”, cuja expressão é a própria divisão social do trabalho e a heterogeneidade dos bens produzidos. É justamente esta desintegração material que torna a possibilidade da ordem social improvável (Luhmann, 1987).

Na verdade, ela se configura em uma primeira instância como um problema de mercado, cuja expansão exige mecanismos de mensuração de bens heterogêneos (MEW, 23, p. 85 ss.). Para Marx (MEW, 23, p. 63 ss.), o valor de troca22 converte via dinheiro as mercadorias em equivalentes entre si, não obstante os diversos valores de uso que elas possuem. Em outras palavras, a relação de troca se reproduz monetariamente por meio de uma igualdade abstrata entre os diferentes produtos com o fim de viabilizar mensurações. O dinheiro - um equalizador universalizante - torna-se, assim, uma variável duplamente fundamental: é um quantificador de qualidades entre produtos comparáveis que, em um segundo momento, permite a quantificação das diferentes unidades produzidas.

As mercadorias, por sua vez, requerem trabalhos concretos distintos. Só é possível superar a heterogeneidade dos trabalhos concretos se o caráter monetário homogeneizador se estender à força de trabalho. E isto é uma consequência histórica no capitalismo, pois neste a força de trabalho também é uma mercadoria (MEW, 23, p. 56 ss.). O dinheiro permite a mensuração entre diferentes trabalhos individuais concretos. Mas o lado da dimensão concreta desenvolve-se um outro caráter do trabalho: abstrato e uniformizador. O trabalho abstrato é uma forma social de mediação monetária entre tipos de trabalho diferenciados. A unidade de grandeza monetária refere-se ao tempo de trabalho socialmente necessário: a medida monetária do trabalho abstrato é aferida pela comparação com as expectativas do tempo de trabalho consumido para a produção de outras mercadorias existentes no mercado (MEW, 23, pp. 53-55).

O próprio trabalho é, assim, subsumido via dinheiro às leis de determinação do valor: o trabalho concreto particular é o valor de uso da respectiva força de trabalho e o trabalho abstrato é o valor de troca determinado no mercado de trabalho, com base no já citado “tempo de trabalho socialmente necessário” (MEW, 23, p. 332 ss.). Neste caso, a expressão equivalência descreve o princípio em que se baseia a troca, mas é, ao mesmo tempo, enganadora, porque oculta a assimetria estrutural e a divisão do trabalho entre capitalistas e trabalhadores (Fausto, 1987, p. 292). A posição entre ambos os polos é desde o início desigual; conforme se realiza a relação de trabalho, tal desigualdade é permanentemente aprofundada pela apropriação de tempo de trabalho alheio excedente ao pagamento da contraprestação salário (MEW, 23, p. 321 ss.). Tal apropriação - base do mais-valor - garante a reprodução do capital e só pode ser realizada se for medida pelo medium dinheiro.

No âmbito das teorias críticas, a determinação dialética do valor e do trabalho fundamenta a crítica de Pachukanis ao direito como uma “forma social” essencial para o princípio da equivalência das mercadorias. Para tanto, o entrelaçamento da forma valor com a forma jurídica é compreendido à luz da análise da mercadoria.23 Pachukanis (2003 [1924], p. 112) sustenta que a troca e a realização do valor do produto de um trabalho só podem ter lugar em uma relação contratual de vontade entre os atores. De acordo com o autor, esta liberdade de escolha é produzida pelo direito: a condição de sujeito, que permite ao indivíduo o acesso ao mercado como proprietário de mercadorias que pode vendê-las e comprá-las (incluindo sua força de trabalho) sem qualquer restrição, não preexiste no, mas é transportado para o mercado por relações jurídicas subjacentes a ele (Pachukanis, 2003 [1924], p. 115). Assim, a forma jurídica atua em duas dinâmicas. Primeiro, define o ser humano no sentido de um proprietário de mercadorias. Em seguida, cria a possibilidade de que este se reconheça como agente de mercado e, ao mesmo tempo, perceba o outro como um objeto, um meio, para alcançar seus interesses que estão integrados na troca.

O direito é tratado por Pachukanis como uma forma social que torna o circuito da forma valor possível e que, por outro lado, nele se reproduz (Pachukanis, 2003[1924], p. 117 ss.). É meio e produto do processo de abstração de trabalhos desiguais. Os instrumentos jurídicos para tanto são os princípios constitucionais de “liberdade” e “igualdade”, bem como o conceito de “sujeito de direito” (Elbe, 2004, p. 47). Este último atribui subjetividade ao indivíduo, isto é, lhe confere a titularidade de direitos e obrigações, o que garante que as mercadorias possam ser intercambiadas e, portanto, passar pelas pessoas no mercado de sorte a serem valorizadas. No entanto, o próprio sujeito de direito só pode agir com base nos princípios da liberdade e da igualdade. A liberdade, abrigada pelo Estado de Direito, implica a livre disposição de mercadorias, incluindo a troca de força de trabalho por salários. Para isso, porém, o homem deve também poder celebrar contratos com outros, para os quais a igualdade formal entre as partes é fundamental. Trata-se, portanto, de um acordo entre vontades formalmente iguais.

A descrição pachukaniana enfatiza a configuração do direito nos processos de troca de mercadorias, mas não apreende a complexidade das formas jurídicas que se desenvolve por meio da imposição do valor monetário nas relações de mercado.24 Ao não tematizar o dinheiro, Pachukanis perde de vista a conexão da individualidade, diferença e liberdade com a esquematização do próprio capital como mercadoria (Barreira, 2022, p. 143). Isto gera déficits explicativos para a compreensão do circuito do valor em sua totalidade e das diferentes manifestações do direito decorrentes. Algo que é particularmente problemático para os diagnósticos macrossociológicos contemporâneos sobre a ordem jurídica capitalista, já que, no atual contexto, o capitalismo mostra-se cada vez mais financeirizado, isto é, constituído pela dominância do sistema de créditos, expressão mais avançada do valor monetário (Chesnais, 2016).

5.2. Direitos do capitalismo financeiro

O crescimento do crédito e do capital acionário não apenas torna as finanças mecanismo essencial da sociabilidade recente, mas também subordina a propriedade individual privada a fundos de ações e títulos (Prado, 2018, p. 80).25 Tal crescimento é construído por processos de multiplicação do capital em diferentes variantes mais desenvolvidas. Como motor desta dinâmica, tem-se a expansão do capital portador de juros. Com ele, todo rendimento passa a aparecer como juros de algum crédito. Trata-se de um mecanismo de capitalização que possibilita o capital se autogerar. Enquanto forma, ele pressiona por se constituir um ente autômato que busca se valorizar a partir de si mesmo (MEW, 25, p. 836).

Esta pretensão por autonomia manifesta-se na criação de uma rede de negócios e empreendimentos financeiros que pretende se imunizar de seus fundamentos: as relações com o capital produtivo e com a criação de mais-valor. Nesse sentido, as formas monetário-financeiras estabelecem um mercado de papéis, que, transformados em mercadorias, são comercializados com base em instituições, regras próprias e condições jurídicas particulares, que avaliam e permitem a negociação dos direitos de propriedade e de dívidas. Esta reivindicação por autonomia, denominada por Belluzzo (2013, p. 108) de “façanhas do capital fictício”, abre espaço para contextos especulativos.

Tais façanhas são ancoradas em expectativas de capitalização sobre a variação dos preços dos títulos. Elas dependem, portanto, de normas e organizações formais especializadas em mecanismos de absorção de incerteza. Esses mecanismos precisam oferecer prestações para o desenvolvimento do mercado financeiro: expectativas de segurança, controle dos riscos e formas de antecipação do futuro. A primeira realiza-se pela ordem jurídica do mercado financeiro, na qual cláusulas contratuais, leis e sistemas de garantias ao credor (operado, sobretudo, pelos bancos centrais) absorvem insegurança das perdas e geram previsibilidade no jogo de apostas das bolsas de valores (Wenning, 2017). Já as técnicas de avaliação de riscos (desde cálculos racionais individuais às credit rating agency) transformam contingência em informações e dados quantificáveis que permitem projetar o potencial de valorização dos ativos financeiros (Sotiropoulos/Milios/Lapatsioras, 2013, p. 14 ss.).

Como se dá, então, a reprodução sociojurídica nesse ciclo econômico? Ativos financeiros são direitos de propriedade. Isto é: o proprietário de um título ou ação adquire o direito a rendas futuras ou, em outras palavras, o direito de capitalizar o valor previamente investido. Nos termos de uma crítica da economia política, isto significa que o portador de um ativo tem o direito de se apropriar de valor excedente ainda não existente. Quanto mais valorizado um título, maior será a exigência de se apoderar do capital esperado. Note-se que tal exigência assenta-se sobre expectativas. A partir disso, é possível redefinir o que significa a propriedade de um título de empreendimento econômico. É o direito à antecipação da apropriação de mais-valor futuro (MEW, 25, p. 485-6). Este processo modifica a concepção de propriedade, tal qual classicamente concebida pelo modelo liberal. Não se trata meramente de dispor do mais-valor tomado, protegendo-a de ameaças e garantindo seu uso, mas sim de apostar com sua promessa. No mercado de ações, a negociação de papeis ou dinheiro é, na verdade, uma negociação de direitos (a rendas futuras).

Assim, os direitos de propriedade do dinheiro se transformam em direitos ao mais-valor futuro. Isto é: obrigações de rendimentos que (sobre)pressionam o prestatário prover lucros maiores do que os existentes (em razão da quantia a ser repassada ao proprietário do dinheiro). O capital portador de juros é, porém, operacionalizado em diversos negócios. Com isso, o montante do dinheiro originário emprestado é gasto. Ao mesmo tempo, cria-se a expectativa de um fluxo regular de rendas futuras a partir dos juros então estipulados. A partir da incidência da taxa média desses juros, é possível projetar valor, ou melhor, um crédito que pode igualmente ser transacionado.26 Cria-se, assim, um mercado de papeis sobre ativos, evidenciando o misticismo associado à sua forma de empréstimo (Barreira, 2021, p. 782). O capital portador de juros se desdobra em capital fictício.

Como apresentado por Lavinas e Gonçalves (2024, p. 431), há dois movimentos invertidos neste desdobramento: propriedade de dinheiro que produz renda e renda que se apresenta como resultado da soma de dinheiro de um proprietário. Eles estão ancorados em dois direitos subjetivos diferentes: (a) o dinheiro que dá direito a um fluxo de renda (juros), o direito ao fluxo de rendas futuras, e (b) um fluxo de renda que dá direito a dinheiro, o direito dos rendimentos ao dinheiro. Enquanto o primeiro estabelece expectativas de rendimentos, o segundo constrói expectativas de rendimentos sobre rendimentos. No mercado de negociação dos títulos, esses processos levam a economia à superacumulação de créditos e de direitos sobre tais créditos: quanto mais os títulos se valorizarem em busca de capitalização, maiores os direitos sobre a valorização a ser criada na produção (Barreira, 2023, p. 328). A bolha financeira pode ser, assim, redefinida: é o que Marx (MEW, 25, p. 485 ss.) chama de sobreacumulação de direitos a mais-valor futuro não realizado.

Essas situações implicam o aumento das expectativas e, por conseguinte, das imposições de criação de um volume ainda maior de valor excedente na produção, o que significa ampliação da pressão por aumento de criação de mais-valor. O estouro da bolha, por sua vez, representa a impossibilidade de realizar essas expectativas com a consequente desvalorização do capital fictício acumulado especulativamente. Diante desta situação, o mercado financeiro se vê obrigado a encontrar ou abrir novo espaço de valorização. Para isso, reclama por expropriações agressivas de meios de subsistência e recursos naturais que ofereçam garantias de que a força de trabalho será vendida a baixos custos, de modo a assegurar aumento futuro do mais-valor. Aqui opera uma racionalidade expropriadora que expande ainda mais a precarização social e a degradação da natureza.

O que está em jogo aqui, portanto, não é um “Estado schumpeteriano”, mas o “Derisking State” (Gabor, 2023) e suas formas e expropriações jurídicas. Trata-se de um arranjo que mobiliza organizações, instituições, normas implícitas e explícitas, políticas de Quantitative Easing27 para absorver riscos sem os quais a acumulação e expansão financeira não podem seguir adiante. Isso significa que o Estado do capitalismo financeiro atua como o fiador generalizado da inadimplência, notadamente ao injetar dinheiro no mercado financeiro, blindar o capital fictício e introduzir mecanismos de transferência monetária às famílias combinados com planos de suspensão, renegociação e expansão do pagamento das dívidas.

Por isso mesmo, a estratégia de inclusão generalizada no sistema financeiro não se contenta com a referida focalização dos direitos universais. De fato, a própria universalização é substituída por “estratégias individualizadas de construção de patrimônio” (Lavinas; Gonçalves, 2024, p. 424). A reprodução sociojurídica, então, alcança um ponto de transformação qualitativa: fiscalmente ancorada, ter direitos confunde-se com possuir um título, cuja promessa de rendimento transforma “o que foi formulado como direito inalienável em investimento” (Lavinas; Gonçalves, 2024, p. 441).

6. Considerações finais

Faria demonstrou ser possível conciliar sociologia do direito e economia política para a construção de um projeto teórico de apreensão das configurações do direito no desenvolvimento capitalista. No presente artigo, buscamos reafirmar seu potencial analítico e indicar que a introdução da crítica da economia política pode sugerir novos caminhos reflexivos. Para tanto, é necessário assumir a premissa do autor citado de que as metamorfoses jurídicas e políticas podem ser estudadas a partir dos ciclos econômicos.

Como vimos, o modelo de Faria nos permite observar que, sob a égide do Estado de Direito, a regulação era posta pelo princípio da legalidade e operacionalizada pela dogmática jurídica. Os atributos de coerência, completude e harmonia derivados da compreensão lógica do direito foram, no entanto, gradativamente abalados pelas transformações econômicas advindas no período posterior. A chamada publicização do direito alterou os quadrantes da teoria jurídica liberal, que encontrou dificuldades crescentes para se impor socialmente. Se as intervenções do Estado keynesiano aprofundaram os diagnósticos de inadequação jurídica à sociedade, a crise desse regime de acumulação amplificou ainda mais os desafios. “Inflação legislativa” e “judicialização da política” foram termos que não apenas descreveram os conflitos então existentes. Ao refletirem o descompasso da ordem jurídica frente à nascente temporalidade dos mercados globalmente conectados, esses conceitos anteciparam as mudanças de longo prazo que estavam em gestação.

Com a globalização e posterior institucionalização do neoliberalismo, Faria mostrou que a exaustão paradigmática do modelo jurídico liberal estava selada. Agilidade e flexibilidade tornaram-se chavões visando a implementação de um direito maleável e condizente com a internacionalização das decisões econômicas. O Estado schumpeteriano emergiu, então, como um catalizador da nova arquitetura jurídica, cuja atuação primordial passou a estar associada à desjuridificação e à procedimentalização do direito. Mas como enfatizar ainda mais o negativo desses processos? O que não está exposto?

Buscamos trazer o capitalismo financeiro como um bom exemplo para pensar. Faria compreende que a centralidade e unidade - tanto do Estado como do direito - dão lugar aos mais variados atores. Substitui-se o modelo de “regulação pelo alto” (topdown) por um “sistema de múltiplos níveis”, com a estrita demarcação dos limites de atuação do aparato político-jurídico. Ao mesmo tempo, porém, desenhou-se um cenário de exigências ainda maiores em termos de segurança para os credores, com reivindicações de capitalização que demandam segurança para expectativas de mercado, técnicas de absorção de riscos e subordinação da propriedade privada individual a fundos de ações e títulos. Para criar e manter novos espaços para a inclusão financeira, o Derisking State do capitalismo financeiro vale-se de expropriações jurídicas das garantias e serviços necessários à reprodução social. A racionalidade expropriadora assegura, assim, o aumento do mais-valor necessário a atender o direito a rendas futuras.

Com a virada para a crítica marxista da economia política, a unidade entre Estado schumpeteriano e Derisking State ou entre racionalidade flexível e expropriadora revela a violência crescente em cada operação do movimento expansivo da acumulação. Para escancará-la, no entanto, é necessário levar cada vez mais a sério o que a obra de Faria tem enunciado: que o direito é a reprodução sociojurídica do capitalismo.

Supplementary material
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Notes
Notes
1 A entrevista foi publicada na revista Teoria & Debate, n. 34, e logo após incluída em Os direitos do antivalor (1997).
2 Cf. “O surgimento do antivalor”, publicado originalmente em Novos Estudos Cebrap, n. 22, em 1988, e incluído no livro de 1997.
3 Cf. “A economia política da social-democracia”, publicado originalmente em Revista USP, n. 17, em 1993, igualmente incluído no livro de 1997.
4 “A metáfora que usaria vem da física: o antivalor é uma partícula de carga oposta que, no movimento de colisão com a outra partícula, o valor, produz o átomo, isto é, o novo excedente social” (Oliveira, 1999 [1993], p. 53).
5 Cf. “Além da hegemonia, aquém da democracia”, conferência proferida no NEDIC/USP, em 1997, incorporada no livro do mesmo ano.
6 Uno estabelece três níveis de apreensão da sociedade capitalista: (i) a teoria pura [genriron]; (ii) a teoria dos estágios históricos capitalistas [dankaïron]; e (iii) a análise empírica da atual situação da economia política em um Estado qualquer [genjô-bunseki] (Uno, 2016, p. 236). Para uma análise da teoria pura do capitalismo, ver (Barreira, 2023, pp. 135-208).
7 O argumento que se segue foi amplamente desenvolvido em Gonçalves (2013, 111-156). Aqui seu aproveitamento - bastante resumido - se deve à necessidade de construção de um percurso evolutivo da certeza do direito, fator chave para entender os processos de reprodução sociojurídica do capitalismo. Filtrado pelo olhar luhmanniano de pesquisas anteriores, tal reconstrução tem função metodológica - não enciclopédica - para o enquadramento da compreensão de Faria, sempre sensível às reflexões de Luhmann, sobre as mudanças do direito na sociedade capitalista.
8 Tais processos dizem respeito ao advento de uma sociedade altamente contraditória, complexa e antagónica: “tudo o que é sólido e estável se desmancha no ar, tudo o que era sagrado é profanado e os homens são finalmente obrigados a encarar sua posição social e as suas relações com os outros homens com os olhos sóbrios” (MEW, 4, p. 464).
9 Uma análise detalhada por ser encontrada em Gonçalves (2013, pp. 164-175).
10 A dogmática jurídica pode ser compreendida como um “tipo ideal” de direito, estruturado a partir das seguintes características: conflito interindividual; função de controle social e produção de certeza jurídica; efetividade auto-executória da norma; sistema jurídico fechado e autônomo; concepção de justiça formal e comutativa; interpretação exegética e de caráter lógico-dedutivo (Faria, 1999, p. 279).
11 A compreensão orgânica da sociedade e sua dependência em relação ao “espírito do povo” formam a base da reflexão de Savigny. O apelo à razão e a proliferação dos códigos, tidos como artificiais, impediria a coevolução entre direito e história A figura do legislador racional seria não apenas uma cilada, mas um aprisionamento: “os tempos mudam; a legislação permanece” (Gonçalves, 2013, p. 187).
12 Daí a prevalência de “discursos míticos” e “ritos cerimoniais” cada vez mais expressivos na reprodução jurídica, em especial no que se refere à utilização de valores universais enquanto estratégia de dissimulação das contradições sociais (Faria, 1984, pp. 254-257).
13 Nessas circunstâncias também é observada a restauração das abordagens éticas do direito, com destaque para o resgate dos valores universais enquanto estratégias de enfrentamento diante da “omissão opressora do Estado” e da “ação destruidora do mercado global” (Campilongo, 2011, p. 132).
14 Trata-se do conjunto de regras e princípios costumeiros, reconhecido pela comunidade empresarial a partir dos séculos XI e XII. Praticada em feiras, mercados e portos, não se confunde com os direitos territoriais. Dentre suas características estão: caráter autorregulador; administração efetuada pelos próprios comerciantes (a partir do critério da equidade); rapidez e informalidade (Faria, 2010, p. 160, n. 10).
15 Faria traz a seguinte diferenciação: “ao contrário do direito do Estado liberal, cujas normas gerais, abstratas e impessoais limitavam-se a estabelecer as regras ordenadoras básicas da sociedade, atuando desta forma como um programa normativo basicamente ‘condicional’ (se..., então...), o direito do Estado intervencionista ou ‘providenciário’ está a serviço da concretização de objetivos materiais, histórica e politicamente definidos, funcionando assim como um programa normativo essencialmente ‘finalístico’ [...]. Os grandes problemas do Estado ‘providenciário’ ou intervencionista passam a residir, então, na dificuldade de compatibilização de sua atuação finalística com a pretensão de inflexibilidade normativa [...]. Já no caso específico do ‘direito reflexivo’, os programas normativos ‘condicionais’ e ‘finalísticos’ são substituídos [...] por programas ‘relacionais’. Baseados antes no ‘saber’, no ‘conhecimento’, na ‘informação’ e na ‘razão discursiva’ do que propriamente em ‘atos de império’” (Faria, 1999, p. 197).
16 A presença do conceito “Estado schumpeteriano” já em 1999 é sintomática. Como veremos, a referência a Schumpeter torna-se central nos estudos de Faria sobre o Estado e o direito após a crise de 2008.
17 A expressão mais contraditória deste fenômeno é o processo de privatização de presídios desenvolvido pelo projeto neoliberal, conforme analisado por Minhoto (2000).
18 Faria indica cinco efeitos desse processo: (i) aumento da velocidade e intensidade do avanço científico decorrente da expansão da tecnologia e da comoditização dos conhecimentos especializados; (ii) redução da autonomia dos governos nacionais na formulação, implementação e execução de políticas macroeconômicas e nas políticas monetária e cambial; (iii) incremento da distância entre riqueza abstrata dos mercados de capitais e riqueza concreta dos setores produtivos da economia real; (iv) relocalização industrial das técnicas pós-fordistas de produção e (v) empalidecimento da ideia de Estado-nação (Faria, 2010, p. 11-12).
19 Essa compreensão cíclica do capitalismo é apresentada a partir do diálogo com Schumpeter, Polanyi, Wallerstein e Arrighi (Faria, 2010, p. 12).
20 Outros quatro cenários são analisados pelo autor: (i) Estado mundial e direito global; (ii) Estado forte regulação normativa; (iii) Governança mundial e direito sem Estado e (iv) Blocos comerciais e multisoberania. Para uma análise detalhada das premissas de cada um, ver Faria (2017, pp. 64-101).
21 Ou seja, se desvincular da contraposição entre “Estado global versus nenhum Estado” (Faria, 2017, p. 110).
22 As características específicas e concretas de cada objeto não podem possibilitar os meios de equiparação dos produtos, porque reforçam diferentes utilidades. O valor de uso de um bem é sempre particular, subjetivamente atribuído por interesses e necessidades distintas, não pode ser equiparado: o grau de complexidade e variação de cada valor individual seria tão alto que impossibilitaria critérios de equivalência entre os bens (Bukharin, 1974 [1914]). Assim, o mercado capitalista, enquanto espaço social de intercâmbio de produtos, depende de um meio de mensuração que não integra a constituição física ou a utilidade subjetiva de um respectivo bem. Depende, ao contrário, de uma dimensão externa de valor atribuída ao produto. Essa dimensão externa tem sido denominada pela economia política clássica como valor de troca.
23 A discussão que se segue foi anteriormente desenvolvida em Gonçalves (2019, pp. 2865-2866)
24 Para uma análise aprofundada das limitações da argumentação de Pachukanis, ver Barreira (2023, pp. 343-424). Uma crítica à categoria “sujeito de direito” é desenvolvida em Barreira (2020, pp. 253-304).
25 A discussão que se segue se encontra anteriormente em Gonçalves (2020).
26 Para mais detalhes ver Lavinas e Gonçalves (2024, p. 425 e ss.).
27 Trata-se de uma estratégia dos bancos centrais para aumentar a oferta de dinheiro, sobretudo em situações de crise e autodesvalorização dos preços das ações.
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