Dossiê: Pachukanis, insurgências e práxis: 100 anos de Teoria geral do direito e marxismo - Volume 2

Fundamentos das relações jurídicas dependentes agronegociais: contribuições a partir da leitura de Evguiéni Pachukanis e da Teoria Marxista da Dependência

Fundamentals of legal relations dependent on agribusiness: contributions based on the reading of Evguiéni Pachukanis and the Marxist Theory of Dependence

Naiara Andreoli Bittencourt
Universidade Federal do Paraná, Brasil

Fundamentos das relações jurídicas dependentes agronegociais: contribuições a partir da leitura de Evguiéni Pachukanis e da Teoria Marxista da Dependência

Revista Direito e Práxis, vol. 15, no. 4, e87582, 2024

Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Received: 03 October 2024

Accepted: 16 October 2024

Resumo: O objetivo deste ensaio é utilizar as contribuições de Pachukanis para a compreensão das relações jurídicas no âmbito das trocas comerciais agrícolas, calcadas no modelo hegemônico agronegocial. Para tanto, trava-se um diálogo entre a Teoria Marxista do Direito de Pachukanis com a Teoria Marxista da Dependência, enfocando as relações jurídicas dependentes no agronegócio brasileiro. A análise se concentrará nas dinâmicas de produção e circulação de mercadorias agrícolas em âmbito teórico de apresentação de premissas históricas e conceituais, enfatizando categorias no âmbito do capitalismo dependente, derivadas da teoria trinitária de Marx (capital-lucro, trabalho-salário e terra-renda fundiária), quais sejam: i. acumulação originária de capital, ii. subsunção formal e material do processo de trabalho, iii. renda da terra, adicionadas centralmente à categoria da transferência de valor através do intercâmbio desigual, esta engendrada pela Teoria Marxista da Dependência.

Palavras-chave: Dependência, Pachukanis, Agronegócio.

Abstract: The aim of this text is to use Pachukanis' contributions to understand legal relations within the scope of agricultural commercial exchanges, based on the hegemonic agribusiness model. To this end, a dialogue is held between Pachukanis' Marxist Theory of Law and the Marxist Theory of Dependency, focusing on dependent legal relations in Brazilian agribusiness. The analysis will focus on the dynamics of production and circulation of agricultural goods in a theoretical framework presenting historical and conceptual premises, emphasizing categories in dependent capitalism, derived from Marx's trinitarian theory (capital-profit, labor-salary and land-rent), namely: i. original accumulation of capital, ii. formal and material subsumption of the work process, iii. land rent, centrally added to the category of value transfer through unequal exchange, engendered by the Marxist Dependency Theory.

Keywords: Dependency, Pachukanis, Agribusiness.

1. Introdução

No esteio do “espelhamento”1 entre Teorias Marxistas da Dependência e do Direito, entrelaçando os fenômenos relacionais, buscamos explorar as contribuições de Evgueni Pachukanis para a compreensão das relações jurídicas que permeiam as trocas comerciais no setor agrícola, especialmente no contexto do modelo hegemônico agronegocial2.

A abordagem conceitual das relações jurídicas no agronegócio e na agricultura permitirá uma análise das especificidades que garantem a circulação de mercadorias, considerando fenômenos como a hiperdesigualdade e a superexploração da força de trabalho. A figura do "sujeito de direito" emerge como central, assim como a mercadoria é indispensável no universo do capital. No contexto brasileiro, as relações jurídicas que asseguram a circulação de mercadorias, ao mesmo tempo em que promovem a abstração de categorias como igualdade e liberdade contratual, revelam características peculiares que sustentam trocas comerciais profundamente desiguais em sua materialidade.

Isto é, no Brasil dependente as relações jurídicas que garantem a circulação de mercadorias, possibilitando a efetivação do valor de troca por intermédio de abstrações de categorias como a igualdade e a liberdade contratual, assumem feições específicas, peculiares, que garantem que se reproduzam trocas desequilibradas. Apoiar na caracterização dessas relações a partir da produção e comercialização de commodities agrícolas e alimentos é o escopo deste ensaio. Não é objeto desta pesquisa adentrar na análise dos sujeitos de direito nacionais ou internos, qual seja o estudo aprofundado dos fragmentos do agronegócio brasileiro. Sem adentrar na origem e construção do termo, como suficiente o fez Caio Pompeia (2021), basta aqui tratar do agronegócio3 como uma construção político-econômica que aponta “a associação do grande capital agroindustrial com a grande propriedade fundiária” que “realiza uma estratégia econômica de capital financeiro, perseguindo o lucro e a renda da terra, sob patrocínio de políticas de Estado” (DELGADO, 2012, p. 94).

O desenvolvimento de relações jurídicas dependentes caminha, pari passu, o crescente e ampliado processo de comoditização de culturas agrícolas, que para além do monocultivo, implicam relações jurídicas mais sofisticadas de garantias contratuais e previsibilidade entre sujeitos de direito internacionais, que refletem e se alimentam, em duplo movimento de uma complexa cadeia de relações jurídicas domésticas - as quais, neste território, são marcadas por conflitos e desigualdade material.

Algumas culturas agrícolas, frutos de aprimoramento e expansão de plantio por meio do trabalho humano que envolve cultura, conhecimento, tradição e alimentação4 tornam-se mercadorias. A mercadoria é “um objeto externo, uma coisa que, por meio de suas propriedades, satisfaz necessidades humanas de um tipo qualquer” (MARX, 2013, p. 113) que combina valor de uso e de troca. São, portanto, objetos úteis e suportes de valor (MARX, 2013, p. 124). Essa forma mercadoria, considerando fatores da formação socioeconômica brasileira, alça-se a uma forma mais complexa nas cadeias de valor global, como commodity.

As commodities5, por sua vez, são mercadorias de matérias-primas agropecuárias ou minerais, com baixo grau de manufatura ou industrialização do produto final6. São homogêneas, padronizadas e pouco diferem de um produtor a outro. São negociadas no mercado internacional em larga escala, cujos preços são definidos pela oferta, demanda e pela especulação financeira, vez que se baseiam em negociação de contratos futuros.

Isto é, o que na formação colonial tratava-se de especialização em monocultura de exportação, com o avanço do capital financeiro no campo brasileiro já no período dependente do padrão de reprodução do capital7, comercializando títulos do agronegócio em bolsas de valores, determina que se tenha segurança na aplicabilidade do investimento. Essa segurança pode se manifestar em duas vertentes principais: a estabilidade e homogeneidade sobre o que se cultiva - segurança tecnológica, agronômica e segurança jurídica - sobre as relações comerciais que se estabelecem, sob a égide da dependência e das transferências de valor. Isto é, a complexificação das relações de troca implica complexificação das relações jurídicas internacionais e nacionais.

No mercado, uma commodity deve apresentar liquidez, isto é, alta capacidade e facilidade de compra e venda, transformando valor em dinheiro. Deve se apresentar como um bem de alta demanda, não deve ser rapidamente perecível, além de padronizada e estável. Isso é condição para que a mercadoria, agora na forma commodity, apresente suas características de bem uniforme, que não se diferencia quanto à sua origem e produtor. Seus preços são igualados e negociados no mercado internacional, impulsionados por contratos transacionados nas bolsas de valores.

A possibilidade de desenvolvimento de relações sociais e econômicas nesta escala prescinde de relações jurídicas que as garantem e acompanham. Neste território, é preciso, portanto, tratar da categoria de “relações jurídicas dependentes” ou da “forma jurídica dependente”, que têm sido desenvolvidas em pesquisas que interseccionam a teoria marxista da dependência e a teoria marxista do direito.

Quando adentramos nas formas jurídicas, em estudo concatenado com as próprias alterações socioeconômicas no Brasil, percebemos que não há uma simples transposição das relações jurídicas edificadas no capitalismo central. Existem particularidades e peculiaridades de um capitalismo dependente sui generis na prevalência da forma mercadoria (valor de uso e troca) de culturas agrícolas. Tais diferenças são calcadas na transferência de valor mediante intercâmbio desigual e na superexploração da força de trabalho. É sobre essas bases de investigação, relacionando as Teorias Marxistas do Direito, protagonizada por Pachukanis, com a Teoria Marxista da Dependência (em seus autores clássicos e atuais), e por meio da sutura das categorias: i. acumulação originária de capital; ii. subsunção formal e material do processo de trabalho, iii. renda da terra e, em especial, a iv. transferência de valor através do intercâmbio desigual, que este estudo é estruturado.

Neste percurso realizamos uma espécie de costura teórica e de investigação a partir de referências consolidadas e expoentes, além de Marx, Pachukanis, Ruy Mauro Marini, Vânia Bambirra, Theotônio dos Santos, também nos são fundamentais as contribuições de Jaime Osório e Mathias Luce no que tange ao padrão de reprodução do capital e do debate da transferência de valor via intercâmbio desigual; Roberta Traspadini no debate da dependência e questão agrária; Carlos Marés no âmbito do entrecruzamento entre direito e função da terra; e, finalmente Ricardo Pazello, que tem se dedicado com afinco na construção e amarração teórica entre TMDs.

2. O entrecruzamento entre as relações de dependentes e relações jurídicas: a formação

De início, utilizamos aprofundamentos que já relacionam a Teoria Marxista do Direito e a Teoria Marxista da Dependência (TMDs), como campo que se consolida em análises de estudos teóricos e de análises concretas aplicadas (PAZELLO, 2014, 2016, 2017; CAMARGO NETO, 2015; COZERO, 2015; BITTENCOURT, 2015, 2023; SILVA, 2019; FERREIRA, 2023).

Nestes estudos, iniciados por Pazello (2016, p. 562, 566), identificamos que tanto o direito como a dependência são relações sociais, são fenômenos relacionais. E sendo fenômenos relacionais, se encadeiam ou conectam entre si. Utilizamos da noção de “espelhamento” entre as TMDs, encampada por Pazello, a partir de Marini e de Pachukanis, abordando as similitudes de conclusões que ambos os autores chegam a partir do mesmo método de investigação:

Entendemos que Marini expõe aspectos convergentes à teoria marxista do direito: a) em primeiro lugar, a ênfase no aspecto relacional; b) além disso, a expressão de que as relações sociais se dão entre sujeitos formalmente iguais (no caso, nações, que não aprisionam a ideia apenas ao limite do estado-nação, mas às relações entre proprietários em nível internacional, de acordo com a divisão do trabalho); c) a garantia da reprodução das relações de produção; e d) a liquidação das relações de produção capitalistas implica a extinção da relação de dependência. Espelhando a questão no sentido da teoria pachukaniana, vemos o direito como relação social (a), entre sujeitos de direitos iguais e livres formalmente (b), como garante da circulação de mercadorias (c), tendo sua ontologia nas relações de produção do capital as quais, se suprimidas, suprimem o próprio direito (PAZELLO, 2016, p. 566).

O espelhamento traria como imagem a relação jurídica dependente, de modo que a relação jurídica teria contornos próprios no capitalismo periférico (PAZELLO, 2016, p. 567). Então, se a relação jurídica é a relação social que garante a circulação de mercadorias (realizadas no processo do capital-trabalho), “a relação jurídica dependente é a relação social que garante a circulação de mercadorias entre sujeitos de direito livres e iguais, mesmo que um deles seja superexplorado ao vender sua força de trabalho” (PAZELLO, 2016, p. 567).

Para nossa análise do fenômeno jurídico nas relações agronegociais, relembramos algumas das abordagens quanto: i. a dependência e a conformação da estrutura comercial agrícola calcada na exportação de commodities; e ii. o papel das relações jurídicas na transição agrícola-industrial capitalista central e sua macroescala internacional entre nações predominantes agrícolas versus as nações de alta industrialização.

Pois bem, Marini (2011, p. 134-135) conceitua a dependência como “uma relação de subordinação entre nações formalmente independentes, em cujo marco as relações de produção das nações subordinadas são modificadas ou recriadas para assegurar a reprodução ampliada da dependência”. Nesta seara, o Brasil constitui-se na expansão do capitalismo comercial do século XVI, como colônia produtora de metais e matérias-primas. Foi fundamental para elevar o fluxo de mercadorias e meios de pagamento que levaram ao desenvolvimento do capital comercial e bancário europeu (MARINI, 2011, p. 134). Embora a situação colonial tenha sido crucial para a formação do processo de dependência, é somente após a consolidação da grande indústria europeia que se marca a nova divisão internacional do trabalho.

Calcado na produção de manufaturas e matérias-primas básicas para exportação aos países de capitalismo central e na importação de bens e serviços de alta tecnologia e capital, os países periféricos assumem etapas inferiores da industrialização (MARINI, 2011, p. 167). Isto é, a expansão condicionada da produção de matérias-primas atendia à industrialização capitalista central (BAMBIRRA, 2012, p. 66). A oferta de alimentos baratos aqui produzidos no mercado internacional dá o suporte para o desenvolvimento dos países industriais e o rebaixamento do valor da força de trabalho nos países centrais (MARINI, 2011, p. 142).

Theotônio dos Santos (2011, p. 361) caracteriza a dependência como uma situação condicionante fundada na divisão internacional do trabalho, em que determinado grupo de países tem sua economia condicionada pelo desenvolvimento e expansão de outro grupo a qual está submetida e só pode se construir como reflexo da expansão dos países dominantes, de forma negativa ou positiva. Vânia Bambirra (2012, p. 38) revela o caráter condicionante concreto que “as relações de dependência entre o centro-hegemônico e países periféricos tiveram no sentido de conformar determinados tipos específicos de estruturas econômicas, políticas e sociais atrasadas e dependentes”.

Enrique Dussel explicita a dependência como a transferência de mais-valia dos países de capitalismo periférico para o capital central, baseada na divisão internacional do trabalho que gera uma aniquilação contínua relativa do capital periférico, com relações de dominação, roubo, alienação e exploração (2012, p. 364).

Uma destas maneiras expressivas de transferência de valor, mediante a divisão internacional do trabalho, é a produção de matérias-primas básicas agrícolas pelos países periféricos, atualizadas em commodities, com baixo valor social agregado, ao passo que importam insumos e tecnologias altamente industrializados para esta produção concentrada em conglomerados transnacionais de países do capitalismo central8. O capital periférico subsume posteriormente a industrialização, de baixa tecnologia, além de servir de mercado para o maquinário obsoleto do capital central (DUSSEL, 2012, p. 364).

Caracterizadas as relações dependentes, em termos gerais. Partimos para a situação das relações jurídicas.

O direito, na concepção marxista, é relação social jurídica e, por ser social, é uma construção histórica do capitalismo, com a particularidade de ser uma relação jurídica que garante a circulação de mercadorias equivalentes por meio de proprietários iguais entre si. Assim, “só a sociedade burguesa capitalista cria todas as condições necessárias para que o momento jurídico alcance plena determinação nas relações sociais” (PACHUKANIS, 2017, p. 75).

Se são mercadorias, objetos de transações, pressupõe-se que alguém opere essa transação. Isto é, são necessários intercambiadores, trocadores de mercadorias. Na essência do capitalismo, tais vendedores ou compradores de mercadorias não devem ser forçados ou obrigados a realizar tais transações, mas o fazem a partir de um elemento de livre vontade (MARX, 2013, p. 159). Isto é, uma relação subentende dois ou mais sujeitos. Tais sujeitos estão travestidos, na relação jurídica, de liberdade, como elemento da vontade, e da igualdade formal (MARX, 2011, p. 184).

É por isso que o sujeito de direito das teorias jurídicas tem uma relação extremamente próxima com os proprietários de mercadorias (PACHUKANIS, 2017, p. 60) e que “toda relação jurídica é uma relação entre sujeitos” (PACHUKANIS, 2017, p. 117). A vontade autônoma dos negociadores é uma condição indispensável quando se introduz a categoria “valor de troca”.

Direito, portanto, não é norma, não é processo judicial e nem precedente judicial. Essas são escalas aparentes da forma jurídica, desdobradas de um determinado estágio de desenvolvimento de relações sociais e relações jurídicas do capitalismo (PACHUKANIS, 2017, p. 63). À medida que as relações entre as pessoas se constroem como uma relação de sujeitos, todas as condições são criadas para o desenvolvimento da “superestrutura” jurídica9, incluindo suas leis formais, tribunais, processos, advogados e assim por diante (PACHUKANIS, 2017, p. 62).

Em Marx, a troca de mercadorias ou o comércio de mercadorias é uma condição de origem do desenvolvimento histórico do capital. Pode ocorrer em diversos estágios de produção, inclusive quando não está consolidada a produção capitalista (MARX, 2022, p. 19). Nos estágios iniciais de produção, os produtos assumem parcialmente a forma de mercadorias (MARX, 2022, p. 20).

As trocas é que tornaram o valor uma categoria econômica. E quando os atos de troca isolados formaram uma grande cadeia ampla e sistemática de circulação de mercadorias (PACHUKANIS, 2017, p. 122), se elevam e complexificam também as relações jurídicas, as relações entre os sujeitos de direito.

Agora, no “espelhamento” entre as duas relações, a partir das duas teorias marxistas - da dependência e do direito - chegamos às relações jurídicas dependentes.

Pazello menciona que “a relação jurídica dependente admite uma visualização mais fácil no que toca às relações jurídicas internacionais” em razão das trocas de mercadorias em nível global. Mas essas mercadorias são produzidas nacionalmente, reverberando relações jurídicas dependentes também em âmbito doméstico. Se há transferência de valor via intercâmbio desigual entre nações, “é preciso haver superexploração do trabalho, por meio da combinação da extração de mais-valias” absoluta e relativa (PAZELLO, 2016, p. 567-568), com relações jurídicas - dependentes - que garantam essa superexploração.

Até aqui as pesquisas brasileiras que identificam e lidam majoritariamente com as relações jurídicas dependentes em seu sentido concreto centraram nos estudos sobre o processo de trabalho e o direito do trabalho, e trazem apontamentos pertinentes para esta investigação.

Nessas investigações apontam-se: I. que as relações jurídicas dependentes assumem feições específicas, peculiares, que garantem a reprodução de trocas ainda mais desiguais, alicerçadas na exploração, encobertos pela abstração jurídica da igualdade e liberdade formal (BITTENCOURT, 2017, p. 91); II. que a transferência de valor é compensada pela superexploração da força de trabalho e a superexploração torna os sujeitos de direitos (trabalhadores e classes dominantes) ainda mais desiguais, o que amplia a disparidade entre a igualdade formal e material (BITTENCOURT, 2017, p. 94); III. que há uma igualação formal de sujeitos hiperdesiguais (PAZELLO, 2014, p. 478; CAMARGO NETO, 2015, p. 106); IV. que a forma aparente legislativa, a lei, é por diversas vezes “letra morta”, “não valendo nem mesmo o direito do Estado ante o mandonismo, o clientelismo ou o patrimonialismo” (PAZELLO, 2014, p. 478) e, quando há leis progressistas, estas adquirem um caráter meramente formal; V. que não há autonomia da instância jurídica à instância política na forma dependente, a qual “é extremamente permeável a ações de poder, que toleram o favor e a violência direta” (SILVA, 2019, p. 172); VI. que a forma jurídica dependente também não tem compromisso com a justiça, nem mesmo a “justiça das transações”, pendendo majoritariamente aos sujeitos de direito “mais fortes”; VII. mesmo que possam existir complexos aparelhos institucionais do sistema de justiça, “a técnica é, em grande medida, suplantada pelo arbítrio e os parâmetros de justiça são estabelecidos a partir da banalização da barbárie que marca o cotidiano das relações sociais” (SILVA, 2019, p. 174); VIII. há uma “naturalização da violação”, em padrões jurídicos recorrentes de sucessivas espoliações (FERREIRA, 2023, p. 89).

Temos essas premissas, a partir das pesquisas no âmbito das relações de trabalho, como um ponto de partida crucial para nossa análise. No entanto, não obstante a superexploração da força de trabalho ter centralidade, ela não é fundamento da dependência, assim como não é a essencialidade das relações jurídicas dependentes. A partir do debate entre Enrique Dussel e Ruy Mauro Marini, consideramos acertada a avaliação de Dussel (1988, p. 327; 2014, p. 156) de que a transferência de mais-valia de um capital nacional menos desenvolvido para um mais desenvolvido é a essência da dependência. Para compensar a perda é que se extrai mais trabalho-vivo periférico. Não se pode confundir uma determinação essencial com um mecanismo de compensação. Isto é, a superexploração da força de trabalho, com a combinação da extração de mais-valia relativa e absoluta, é um mecanismo de compensação a fim de contrabalancear as transferências de valor (CARCANHOLO, 2013, p. 114).

Assim, as relações jurídicas dependentes têm no seu âmago a garantia da transferência de valor via intercâmbio desigual, cuja superexploração é mecanismo de compensação. Para garantir que essa transferência de valor, mediante transações econômicas entre sujeitos de direitos, se edifique, é preciso garantir, certamente, que o trabalhador seja superexplorado. Além disso, são necessários mecanismos de sucção dos bens comuns e naturais mediante a acumulação originária permanente de capital.

Se as relações jurídicas se multiplicam em uma cadeia de contratos, bem como a generalização da forma mercadoria e a subsunção do processo de trabalho, essas múltiplas relações se combinam e se moldam mutuamente. Ao passo em que se tem o cerceamento do acesso à terra, com a sua privatização e expropriação, se tem o êxodo rural dos agricultores e a absorção no mercado do trabalho assalariado, mediante condições superexploratórias. Se há restrição à circulação ou troca de sementes, gera-se a dependência de insumos industriais monopolizados e se limita o desenvolvimento de modos de viver dos povos agricultores, da agricultura familiar, do campesinato, dos povos indígenas e comunidades tradicionais. Se garante, economicamente, tecnologicamente e juridicamente, que a circulação de mercadorias - sementes, agrotóxicos, fertilizantes, máquinário e a própria produção agrícola - se hegemonize no modelo do agronegócio.

Partindo das reflexões e construções de Pazello, podemos utilizar a noção de relações jurídicas dependentes em aprofundamento com quatro categorias, relacionando-as a partir de Marx, mas dialogando com as TMDs, a partir da leitura concreta latino-americana, são elas: acumulação originária de capital, renda da terra, subsunção formal e material e transferência de valor via intercâmbio desigual. Isto é, a mercantilização e transformação das culturas agrícolas em mercadorias e posteriormente em commodities, na seara das relações jurídicas traz pressupostos do desenvolvimento das próprias relações sociais capitalistas no país.

3. Premissas da questão agrária brasileira e a dependência: transferência de valor e intercâmbio desigual a partir da fórmula trinitária de Marx

É na fórmula trinitária preconizada por Marx no Livro III d’O Capital: capital-lucro, terra-renda fundiária e trabalho-salário, que estão contidos “os segredos do processo de produção social” (MARX, 2017, p. 877). Mas há particularidades brasileiras que conformam um capitalismo dependente sui generis, como indica a teoria marxista da dependência. Terra e trabalho são elementos constitutivos do capitalismo (TRASPADINI, 2022, p. 153) e tem seus matizes próprios na dependência.

Traspadini (2022, p. 154) identificou as categorias marxianas de acumulação originária, renda da terra, subsunção formal e dependência, como expressão “do movimento contraditório entre o processo geral e as situações universais-particulares, e demarcam as substantivas diferenças de uma cooperação antagônica”. Utilizaremos dessa sistematização categórica para adentramos no processo de transferência de valor via intercâmbio desigual, a partir do olhar nas relações jurídicas que se erguem sobre a circulação das mercadorias agrícolas.

3.1. acumulação originária de capital

A acumulação originária de capital (2017, p. 877) é o ponto de partida do modo de produção capitalista. Marx (2013, p. 786), ao analisar a acumulação capitalista inglesa, trata do “processo histórico de separação entre produtor e meio de produção”. A expulsão e despojo violento de massas de camponeses de seus meios de subsistência para o mercado de trabalho assalariado, obrigando-as a vender sua força de trabalho, concomitante à conformação jurídica proprietária concentrada, demonstram o cercamento físico e jurídico da formação capitalista europeia (MARX, 2013, p. 787 e 796). A anexação do campo pela agricultura capitalista implicou “a incorporação do solo ao capital” e criou para a indústria urbana “a oferta necessária de um proletariado inteiramente livre” (MARX, 2013, p. 804).

A usurpação de terras na Europa originou os grandes proprietários fundiários e os arrendatários capitalistas, sendo combinada à revolução agrícola do século XV ao XVI. A separação do camponês de seus meios de produção, inclusive suas sementes e insumos para subsistência, converte tais matérias-primas em mercadorias. Isto é, o trabalhador, então assalariado, passou a comprar seus alimentos (MARX, 2013, p. 818). E de produtor de seu próprio alimento, como subsistência, passou a ter que assumir a condição de vendedor de mercadorias.

Além do cercamento e expulsão dos camponeses de suas terras na Europa, Marx é categórico ao assinalar a colonização e a exploração da América, África e Ásia como centrais à acumulação e origem capitalista, centradas na violência brutal, no saqueio e na pilhagem contínua (MARX, 2013, p. 821).

Esse mesmo período histórico, portanto, expressa a desigualdade da acumulação capitalista e das formas de espoliação nos continentes. A América Latina não é somente fonte de sucção de matérias-primas fundamentais e recursos para a ocorrência da Revolução Industrial na Europa, mas é geradora de “substantivos processos” de subsunção do trabalho e apropriação da terra fundamentais para a acumulação originária (TRASPADINI, 2022, p. 165). Inclusive destacamos a apropriação dos “modos de fazer” agricultura, dos conhecimentos empregados nas técnicas agrícolas e na abundante agrobiodiversidade, como o milho, a mandioca, o feijão e a batata, fundamentais para a alimentação da força de trabalho na América e posteriormente na Europa. Há uma “sobreacumulação originária” às metrópoles e uma impossibilidade de acumulação originária suficiente ao capital colonial ou periférico, por vezes relacionada à destruição das técnicas artesanais pré-industriais “pela adoção de uma tecnologia importada sem continuidade com os usos culturais” (DUSSEL, 2014, p. 69). A apropriação dos conhecimentos tradicionais e das formas de fazer agricultura dos povos indígenas e dos povos negros afro-diaspóricos é fundamental para a acumulação originária, possibilitando a conformação das bases alimentares para a reprodução básica da força de trabalho escravizada no Brasil e assalariada na Europa.

No desenvolvimento nacional, verificamos que os momentos da colonização e da dependência são distintos. Isto é, “a dependência não se demarca no período colonial. Mas os traços que a dão vida sim” (TRASPADINI, 2022, p. 172). A acumulação originária na Europa, que avançou sobre novas terras, ancorou as bases de uma conformação agrária “condicionada à lógica de produção de mercadorias para as economias centrais” (TRASPADINI, 2022, p. 177).

No âmbito jurídico, Marx, em “Debates sobre a lei referente ao furto de madeira”, trata do processo de separação dos camponeses de seus meios de produção e da transformação dos bens comuns em mercadorias. Os artigos na Gazeta Renana de 1842 trazem a crítica a uma série de atos jurídicos germânicos que consolidam a propriedade privada e criminalizam, como furto, a coleta de madeira pelos camponeses em terras particulares.

Os textos marxianos trazem aspectos-chave da consolidação das relações jurídicas no desenvolvimento capitalista, a partir da acumulação originária. Primeiro, se demarca juridicamente a propriedade privada, cujos frutos e disposição dependem inteiramente de seu proprietário, inclusive a faculdade de não a dispor. Todo o acesso às terras comunais para sobrevivência (não apenas à moradia, mas de usufruto para a reprodução da vida) é vedado. De outro lado, se monopoliza um bem comum para atender aos interesses privados. A madeira passa a ser mercadoria e o camponês não pode mais usufruir dela de modo extrativo da natureza - deve comprá-la do negócio madeireiro do proprietário florestal (MARX, 2017, p. 112). Por fim, consolida relações entre sujeitos de direito livres e iguais em abstrato, implicando pena em caso de violação do direito proprietário.

Ainda, n’O Capital, Marx elabora no capítulo da “a assim chamada acumulação primitiva”, as Bills for enclosure of commons (leis para o cercamento da terra comunal), em que formaliza o processo de privatização de terras comunais na Inglaterra e a “própria lei, se torna, agora, o veículo de roubo das terras do povo” (MARX, 2013, p. 796). Marx é preciso ao abordar a lei como um marco formal de um processo de “atos individuais de violência” que durou mais de 150 anos. Ou seja, consolida e garante formalmente relações materiais em curso, decorrentes das mudanças no modo de produção.

Para Naves, “a forma jurídica foi gestada no interior do processo de acumulação primitiva, quando o trabalhador direto é despossuído das condições de trabalho e adquire as condições sociais necessárias para a sua inscrição na esfera da circulação” (NAVES, 2014, p. 79).

Para boa parcela da população, em êxodo rural para o mercado de trabalho nas cidades, o os alimentos antes cultivados passam a ser mercadoria, que deve ser adquirido mediante a sua compra. São espoliados os conhecimentos sobre o modo de cultivar determinadas espécies agrícolas e de selecionar suas sementes, conforme os saberes incorporados a cada geração. Diversos autores latino-americanos tratam desse ato de espoliação das sementes dos camponeses, que passam a adquiri-las no mercado de “cercamento”, oriundo do debate das enclosures suscitado por Marx n’O capital10.

Também são expropriadas as próprias condições de plantio, com a mercantilização, concentração e monopolização de terras agricultáveis. Daí advém o segundo pressuposto, qual seja a incorporação das terras no mercado com a expropriação dos camponeses, povos originários e comunidades de suas terras e sua subordinação a um capitalista.

Foi justamente o processo de acumulação originária do patrimônio genético, das culturas alimentares, dos conhecimentos tradicionais dos povos agricultores negros e indígenas que embasou as condições objetivas para a evolução industrial na Europa, facilitando o deslocamento da subsunção formal para a real no capitalismo central, por meio do abastecimento de alimentos e meios de subsistência, trazendo as correspondentes relações jurídicas. E assim como é o desenvolvimento do capital, as relações jurídicas do capitalismo periférico dependente não seguem os mesmos ritmos e padrões do capitalismo central.

Ainda, há, seguramente, a apropriação permanente de bens comuns e conhecimentos tradicionais. A acumulação por espoliação, de forma violenta e contínua, dá “contornos especiais ao fenômeno jurídico na periferia do capital” (PAZELLO, 2017, p. 110). Na forma jurídica dependente, portanto, os sujeitos de direito “livres e iguais intercambiadores de mercadorias, têm sua condição de liberdade e igualdade sombreada pelo contínuo processo de acumulação originária [permanente] que os acomete” (PAZELLO, 2017, p. 109).

2.2. Renda da terra e latifúndio agroexportador

Marx (2017, p. 675) aponta que a agricultura no capitalismo se baseia na expropriação dos trabalhadores rurais de suas terras e sua subordinação a um capitalista que visa o lucro. O capitalista detém o monopólio sobre porções de terras “como esferas exclusivas de sua vontade privada” (MARX, 2017, p. 676). A propriedade fundiária assume uma forma puramente econômica, realizando-se e valorizando-se na renda do solo. Assim, a terra com a transformação e a racionalização da agricultura - visando o lucro extraordinário - abdica de suas funções sociais e tradicionais para tornar-se campo de exploração do capital (OLIVEIRA, 2007, p. 43).

A renda da terra é cobrada pelos proprietários de terra como remuneração pelo monopólio da terra, o qual é pago por arrendatários para a exploração e aplicação de seu capital neste ramo produtivo (MARX, 2017, p. 679). A terra, portanto, é terra-mercadoria, é objeto mercantil.

Na agricultura, diferentemente do que ocorre na indústria pura, há uma distorção do valor social dos produtos, segundo Marx. O preço de produção dos produtos agrícolas é medido pelas piores terras. Temos, portanto, além da renda absoluta e de monopólio (OLIVEIRA, 2007, p. 43 e 55), rendas diferenciais que implicam lucro extra aos capitalistas que possuem terras com fatores favoráveis. A primeira forma de renda diferencial - tipo I - refere-se à fertilidade e à localização das terras (MARX, 2017, p. 714). A segunda forma de renda diferencial - tipo II - indica os investimentos realizados na terra para seu incremento produtivo, como desenvolvimentos técnicos e tecnológicos, com aplicação de capital constante.

Reinaldo Carcanholo, um dos maiores expoentes no debate da renda diferencial no âmbito da Teoria Marxista da Dependência, explica que ela não se define pela produção e nem pela apropriação. A renda diferencial “como forma do valor, é “gerada’” no setor agrícola; o valor que se apresenta sob essa forma pode ou não ser totalmente apropriado pelo setor e, dessa maneira, pode dar-se a transferência (CARCANHOLO, 1991, P. 78)”. Como a renda da terra é “gerada” (não produzida e nem apropriada), cabe destacar que a geração acontece na relação “entre quem se apropria e de qual parcela dela”, conforme esclarece Mathias Luce (2018, P. 72).

Já as relações jurídicas têm estreita consonância com a categoria de “renda da terra”, ao passo que o proprietário e propriedade não têm mais vínculo natural, religioso, orgânico, mas sim um vínculo jurídico que permite que a própria terra seja mercantilizável, ou seja, comercializada e trocada. Autoriza, ademais, que se tenha uma renda por este vínculo jurídico. Para Pachukanis (2017, p. 118), “a propriedade se torna fundamental para o desenvolvimento da forma jurídica somente enquanto livre disposição no mercado, e a expressão mais geral desta liberdade é desempenhada pela categoria de sujeito”.

No caso latino-americano, em especial o brasileiro, destacam-se três elementos que aqui nos interessam: i. o processo de concentração de terras originado na colonização por exploração que enseja elementos para a configuração da dependência; ii. a compensação dos custos com a renda da terra, mediante superexploração da força de trabalho dos trabalhadores rurais ou camponeses brasileiros; iii. o incremento de renda diferencial, em especial do tipo II, é condicionado às economias centrais, com a aquisição de maquinário e insumos agrícolas industrializados destes países.

O primeiro ponto refere-se à classe de donatários que se apropriou, via concessão ou doação, pelas coroas europeias, das sesmarias. Jacob Gorender (2016, p. 444) aponta que a renda da terra no Brasil já é perceptível no primeiro século da colonização. Além da renda absoluta, concentram-se as terras com renda diferencial I: “as melhores terras, pela fertilidade e a localização, nunca foram de livre apropriação, mas se concederam gratuitamente a um círculo restrito de privilegiados”. Assim, alguns colonos privilegiados foram contemplados com a doação de terras favoráveis à agroexportação. Outros, por sua vez, tiveram que pagar a renda da terra. Traspadini (2022, p. 201) caracteriza “as terras dos donatários como mercantis e seus donos como germens iniciais dos futuros proprietários de terra capitalistas”. A renda da terra aqui tem configurações diversas, não meramente transplantadas da Europa (GORENDER, 2016, p. 445), com ênfase nas distintas formas do processo escravista colonial e posteriormente na configuração dependente.

O segundo ponto é a consideração de que o arrendamento da terra é parte que significativamente eleva os custos de produção dos produtos agrícolas. Desse modo, como meio de compensação, os trabalhadores agrícolas têm seus salários reduzidos abaixo do nível médio salarial normal. Parte desse salário vai ao proprietário fundiário ao invés de ser destinado ao trabalhador (MARX, 2017, p. 688-689). Dessa forma, “toda renda fundiária é mais-valor, produto de mais-trabalho” (MARX, 2017, p. 696).

Mas para além do rebaixamento do salário do trabalhador rural, Armando Bartra reconhece o campesinato nas funções de pequenos e médios proprietários ou posseiros rurais, naqueles a quem são destinadas as piores terras. A produção camponesa no capitalismo é forçada a gerar excedentes e transferi-los sob a forma de mais-valia em benefício do capital como um todo. Ou seja, as terras camponesas operam como condição para a possibilidade de lucros extraordinários para os grandes agricultores capitalistas que têm terras privilegiadas à sua disposição, uma vez que lhes permite, sem nenhum investimento adicional, aumentar relativamente a produtividade do trabalho empregado e assim extrair e realizar mais-valia (BARTRA, 2006, p. 121).

Por último, devemos pontuar que o Brasil é ao mesmo tempo zona de reserva para geração de renda diferencial em razão das condições do solo, da agrobiodiversidade (tipo I), como na atual fase capitalista agroexportadora tem ampliado os investimentos de renda diferencial por meio da ampliação do capital constante (tipo II), com alta industrialização agrícola. Ocorre que tais investimentos estão atrelados à aquisição de tecnologia e meios de produção elaborados nos países de capitalismo central, incluindo tratores, adubos, fertilizantes, agrotóxicos e sementes. A maior parcela dos lucros extraordinários gerados, portadores de quantum de renda diferencial, “flui para fora do país” (LUCE, 2018, p. 72). Há uma diferença, no capitalismo dependente, da geração de renda diferencial e de sua apropriação. O Brasil, desse modo, via renda absoluta e diferencial da terra, contribui para a elevação da taxa de acumulação mundial, favorecendo as economias centrais através de transferência de valor via intercâmbio desigual.

Assim, no que tange à renda da terra, as relações jurídicas dependentes assumem igualmente formas sui generis. Primeiro porque a monopolização das terras, com origem colonial, conferiu elementos para a configuração da dependência. Se na Europa a propriedade originária entre os séculos XVI a XVIII operou com os cercamentos (enclosures), no Brasil “a legitimidade originária seria uma concessão do Estado”, antes por sesmarias e, depois de 1850, da venda ou entrega de terras devolutas (SOUZA FILHO, 2021, p. 57). A legitimidade da propriedade é, por sua vez, assentada no contrato. Todavia, apenas sujeitos livres e iguais poderiam ser proprietários e contratar, em um negócio jurídico. Nesse caso, no regime escravista colonial (GORENDER, 2016), apenas foram reconhecidos os títulos proprietários individuais, excluindo qualquer forma de uso e ocupação coletiva dos povos negros e indígenas e restringindo o acesso da população pobre.

Devemos, no campo jurídico, sem grandes aprofundamentos, citar dois marcos fundamentais nessa diferenciação: o instituto das sesmarias e a Lei Imperial de Terras de 1850. O instituto das sesmarias em Portugal foi transplantado ao Brasil, assumindo forma e objetivo distintos, conforme Carlos Marés de Souza Filho:

Enquanto em Portugal as sesmarias tiveram sentido de proporcionar a produção de alimentos e desenvolvimento para a população, no Brasil foi um instrumento de conquista, mas também de garantia aos capitais mercantilistas de que sua mão de obra, escravo livre, não viria a ser proprietário de terras vagas (SOUZA FILHO, 2021, p. 67).

Trata-se da vedação do sistema colonial mercantilista de que os trabalhadores, mesmo os livres, tornassem-se proprietários, “porque produziriam para subsistência e não para o mercado. Além disso, ficaria difícil manter trabalhadores livres a baixos salários” (SOUZA FILHO, 2021, p. 68). Tentava-se limitar, pela relação jurídica nascente da propriedade privada na colônia, a ocupação para concentrar a produção, “segundo o interesse e a possibilidade do capital mercantil” (SOUZA FILHO, 2021, p. 73).

Em 1822 houve a decretação formal do sistema das sesmarias, justamente por uma incompatibilidade com o regime jurídico que se estruturava. E somente em 1850 a Lei Imperial de Terras, em sua forma aparente, tentava coagir a expansão da ocupação de terras por posseiros. A Lei de Terras de 1850, além de anistiar as sesmarias improdutivas, autorizou o reconhecimento jurídico das propriedades ocupadas. Mas não era válida qualquer ocupação, somente as que fossem produtivas para o mercado, não para subsistência (SOUZA FILHO, 2021, p. 81). As terras que não se encaixam nas sesmarias, nem nas glebas de posse “produtiva”, nem nas terras públicas, eram denominadas juridicamente “terras devolutas”, mesmo que ocupadas pelos camponeses, por comunidades negras e quilombolas, caiçaras, pescadores, caboclos e outros. Tais terras poderiam ser transferidas ao patrimônio privado, desde que se pagasse uma taxa à Coroa. Ficavam proibidas as aquisições de terra devolutas por outro título que não fosse o de compra11. Para Marés, o conceito de terras devolutas é uma profunda abstração jurídica, já que boa parte dessas terras estavam ocupadas por diversas comunidades e camponeses. Afastava-se o pobre do título legítimo de terras e premiava-se o latifúndio (SOUZA FILHO, 2021, p. 83), em consonância com as diretrizes do capitalismo mercantil.

A aparência jurídica acompanhava a decisão política de restringir a ocupação de terras e o escoamento da força de trabalho. Apenas duas semanas antes da assinatura da Lei Imperial de Terras por Dom Pedro II, a Lei Eusébio de Queirós havia sido assinada, justamente decorrente da pressão do capitalismo inglês que forçava o avanço do assalariamento nas colônias e abertura de mercados consumidores. A Lei Eusébio de Queirós assinalava o início das legislações abolicionistas, proibindo o ingresso de pessoas africanas escravizadas no Brasil por meio de navios negreiros. Mas era preciso vedar o acesso à terra ao povo negro, de forma que qualquer aquisição de terras via pagamento era impossível para as pessoas escravizadas recém-alforriadas (SOUZA, 2020, p. 124).

A Constituição Republicana de 1891 outorgou as terras devolutas aos estados, que, por vez, repassavam-nas às elites agrárias. Todos os conflitos e organizações populares de luta pela terra, como Canudos, Contestado e o Cangaço, foram brutalmente repreendidos. “O Brasil deixava o Império do latifúndio e ingressava no século e na República do latifúndio” (SOUZA FILHO, 2021, p. 93).

As ocupações, empurradas para a ilegalidade, tinham o discurso político autorizado para a repressão estatal. Por não conseguirem comprar as terras ou pela expulsão sistemática, com violência extrema, das terras que ocupavam, a população pobre vendia sua força de trabalho a preços irrisórios, abaixo do valor para a sua reprodução. Condições que estruturam e conformam o capitalismo dependente centrado no latifúndio agroexportador, com a superexploração da força de trabalho, no campo e na cidade. As próprias aquisições de terras e o custo com a renda da terra têm na superexploração da força de trabalho um mecanismo de compensação.

Como dissemos, se até meados do século XIX e início do século XX havia supremacia da renda absoluta da terra e da renda diferencial de tipo I, a partir da fase de intensificação do capitalismo dependente, especialmente com a modernização conservadora, que mantém a estrutura de concentração de terras, avança a renda diferencial do tipo II. A passagem para a economia do agronegócio, associada às grandes empresas transnacionais, tem implicações nas relações jurídicas dependentes. O incremento da renda diferencial, em especial do tipo II, é condicionado às economias centrais, notadamente com a aquisição de maquinário e insumos agrícolas industrializados de empresas transnacionais da agricultura. No campo jurídico, portanto, tem-se, de um lado, as tecnologias agrícolas cada vez mais protegidas por regimes de propriedade intelectual que facilitam o controle e a concentração empresarial no ramo. De outro, leis ou direitos de reforma agrária, titulação e demarcação territoriais operando como “letra morta”, sem alteração estrutural do regime colonial. Ainda, manobras jurídicas que perpetuam o controle de terras e territórios por estrangeiros, ainda que sem “legitimidade formal”.

2.3. Subsunção formal e real do trabalho dos povos agricultores

As categorias de subsunção formal e real do processo de trabalho também são caras aos debates dos fundamentos da dependência e das relações jurídicas dependentes. Primeiro porque que não há desenvolvimento de culturas agrícolas sem o emprego de força de trabalho humana para o processo de melhoramento genético, plantio, cultivo, colheita e comercialização. Segundo, porque combinada com a acumulação originária de capital, foi crucial para a mercantilização e posterior comoditização de determinadas espécies agricultáveis.

A subsunção do processo de trabalho é o meio de valorização do capital e produção de mais-valor, desenvolvido a partir de processos de produção anteriores. Alguns exemplos de subsunção do trabalho ao capital, indicados por Marx, são quando um camponês que antes trabalhava para si próprio e sua família e passa a vender sua força de trabalho como diarista ou quando um ex-escravizado é empregado pelo proprietário como trabalhador assalariado (MARX, 2022, p. 88-89).

O primeiro momento de subsunção do trabalho, tal qual exemplificado, é denominado de “formal” em Marx, origina-se de um processo de trabalho preexistente que tem como base o prolongamento do tempo ou da jornada de trabalho, indicando a extração de mais-valia em sua forma absoluta (MARX, 2022, p. 90). A subsunção real, por sua vez, se acirra nas formas de extração de mais-valia relativa, quando há desenvolvimento do trabalho socializado, cooperado, dividido e com aplicação de tecnologia (MARX, 2022, p. 92-93). A subsunção formal precede e permanece com a subsunção real do processo de trabalho.

Se estamos tratando da “mercantilização” e “comoditização” de culturas agrícolas, é importante destacar a generalização da forma mercadoria, não em trocas pontuais, mas quando torna-se a forma geral do produto. E para que a totalidade dos produtos assuma a forma mercadoria é imprescindível que a população trabalhadora deixe de vender o produto de seu trabalho e passe a vender a sua capacidade de trabalho, sua força de trabalho. A ação de mercantilização pressupõe, portanto, a divisão social do trabalho (MARX, 2022, p. 21).

Marx inclusive cita o processo de apossamento do capital da agricultura, distinguindo as etapas de transição:

Se o capital, por exemplo, ainda não se apossou da agricultura, grande parte do produto ainda será produzido diretamente como meio de subsistência, não como mercadoria; uma grande parte da população trabalhadora ainda não terá sido convertida em trabalhadores assalariados e uma grande parte das condições de trabalho ainda não terá sido convertida ao capital (MARX, 2022, p. 21).

Tal premissa é fundamental porque permite distinguir a situação colonial da situação dependente do nosso desenvolvimento histórico. Enquanto no capital central há um deslocamento da sua produção da mais-valia absoluta para a relativa, investindo-se em tecnologia, por diversas e combinadas razões, o capitalismo brasileiro passa a extrair mais-valia relativa, indicando a subsunção real do trabalho, em momento posterior ao capitalismo central. Passa, na dependência, a combinar a mais-valia absoluta e relativa, de forma a estender o tempo de trabalho e intensificar o ritmo de trabalho. Adicionou-se, nos países periféricos, a mais-valia relativa, sem diminuir a mais-valia absoluta, num processo de combinação predatória de ambas.

Além disso, a própria subsunção do trabalho ao capital e a transformação generalizada dos produtos em mercadoria são diversas e necessárias para o desenvolvimento capitalista central. Não estamos tratando de um simples retraso no desenvolvimento periférico em relação ao central, a partir de etapas capitalistas. Estamos, ao revés, demonstrando que a disparidade dos processos de subsunção formal e real foi condição para o desenvolvimento industrial central combinada à acumulação originária de capital.

Assim, o processo de mercantilização de determinadas culturas agrícolas está atrelado à subsunção formal e real do trabalho na terra brasileira. Antes, na situação escravista-mercantil-colonial, da população indígena e afro-diaspórica, no trabalho livre ou escravizado, com a subsunção formal como expressão da mais-valia absoluta, algumas culturas, como o milho por exemplo, eram predominantemente utilizadas como alimento para a reprodução da força de trabalho. Combinada à subsunção formal está a acumulação originária de capital, apropriando-se de seus conhecimentos tradicionais desenvolvidos por milhares de anos e gerações. Depois, na transição do capitalismo mercantil ao agroexportador, pós-independências formais, é que se inicia a importação tecnológica de maquinário e mecanização no campo, incrementando a combinação de mais-valia absoluta e relativa. E por último, na ultratecnificação agrícola de expulsão e cercamento permanente da população camponesa, indígena e de comunidades tradicionais, primada pela máxima de um “campo sem gentes” e com especialização extrema da mão de obra agrícola.

Em suma, em regra, enquanto no capitalismo central se caminhava à subsunção real do trabalho, extraindo sobretudo mais-valia relativa, no capitalismo dependente brasileiro a subsunção formal foi a regra da formação capitalista (TRASPADINI, 2022, p. 211), que se combina violentamente com a subsunção real.

E neste processo de relações sociais pressupõe-se, juridicamente, a existência de sujeitos de direito livre e iguais que possam firmar contratos jurídicos (aqui falamos da relação contratual, não do contrato documento) e acordar sobre a circulação de mercadorias. E assim, pressupõe a subsunção real do processo de trabalho. Precisa estar assegurada, além da circulação das mercadorias, a circulação de equivalentes vivos, isto é, da própria força de trabalho enquanto mercadoria (NAVES, 2014, p. 79). Na subsunção formal ainda não há o domínio completo sobre o trabalhador e há controle sobre o meio de produção. É na subsunção real que a forma jurídica se consolida, quando há uma elevação em escala das relações de subordinação, em que a existência do trabalhador e a reprodução de suas condições de sobrevivência “dependem da renovação contínua da venda de sua capacidade de trabalho aos capitalistas” (MARX, 2022, p. 101).

No que se refere à acumulação originária e à subsunção do processo de trabalho ao capital, temos estudos, como o de Naves (2014), que identificam, em Marx, a emergência das categorias jurídicas de liberdade e igualdade no processo de acumulação originária; e o de Pazello (2017), que aborda a possibilidade de uma forma jurídica originária.

Naves identifica na acumulação originária de capital fundamentalmente o processo de separação do trabalhador direto dos meios de produção. Ele obriga dois possuidores de mercadorias a firmarem acordos (de um lado os possuidores de dinheiro ou dos meios de produção e subsistência, de outro lado os possuidores de força de trabalho). Essa contratualidade originária pressupõe que sujeitos livres e iguais possam contratar. Mas como a dissolução das relações feudais foram progressivas, havia a necessidade que o trabalhador, vendedor da mercadoria força de trabalho, fosse disciplinado nos mecanismos de produção e circulação capitalista. Se aplicam, portanto, “legislações sanguinárias” a fim de punir a “vadiagem” ou a recusa ao trabalho, com tortura, açoite e escravização. Passado o “momento paradoxal de disciplinamento, são as figuras do direito que entram em cena” (NAVES, 2014, p. 44-48).

Pazello (2017, p. 95) afirma que “a forma jurídica originária faz conviver, transitoriamente, propriedade comunal e propriedade privada, assim como servidão e assalariamento”. Mas para além disso, avança na correlação com a forma jurídica dependente. Para o autor, a forma jurídica “protagonizada pelo sujeito de direito no contexto da subsunção real do trabalho ao capital - nunca se apresentou de forma pura, não ao menos se o campo de visão a respeito do capitalismo for alargado para dimensões geopolíticas outras que não as de seu centro” (PAZELLO, 2017, p. 104). A constatação vai ao encontro do que apontamos, de que há, no capitalismo brasileiro, a subsunção real do processo de trabalho em momento posterior ao capitalismo central. E que a dependência combina a extração de mais-valia absoluta e relativa, em um mecanismo predatório de superexploração.

3.4. Transferência de valor e intercâmbio desigual

Para abordar a relação global que explica a manutenção do modelo agroexportador e porque ele interessa sobremaneira ao capitalismo central, é fulcral a categoria de “transferência de valor mediante trocas desiguais” entre nações. É essa análise e sua complexificação na divisão internacional do trabalho e no avanço do domínio das corporações de tecnologia agrícola transnacional que nos permitirão prosseguir na compreensão das relações jurídicas e de suas formas.. Para a análise, além da tríade de teóricos-chave da TMD (Marini, dos Santos e Bambirra), utilizamos as formulações de Jaime Osório e Mathias Luce, em atualização e refinamento da categoria “transferência de valor mediante o intercâmbio desigual”.

Partimos de Marini para identificar o fenômeno conhecido como “trocas desiguais”, em que países periféricos transferem parte do valor que produzem a países de capitalismo central, onde está configurada maior produtividade e menor preço de produção (MARINI, 2011, p. 145). Essa é o alicerce de compreensão da divisão internacional do trabalho e da especialização produtiva. Em teoria, o valor de uma mercadoria é determinado pelo trabalho socialmente necessário para produzi-la. No entanto, nas trocas desiguais, os preços de mercado ignoram essas “leis de troca”, levando a desigualdades competitivas e especialização do trabalho entre nações. Os países periféricos transferem gratuitamente parte do valor que produziram para o capital central, aumentando sua produtividade industrial e gerando lucros extraordinários a eles (MARINI, 2011, p. 144).

As nações mais produtivas ou desenvolvidas produzem abaixo do preço de produção, apropriando-se de maior quantum de riqueza. As de menor produtividade se veem obrigadas a rebaixar o preço de venda das mercadorias ao limite do seu valor. Assim, “as economias que atingem uma intensidade nacional superior na divisão internacional do trabalho logram realizar suas mercadorias como se fossem portadoras de mais trabalho incorporado do que efetivamente contêm”. Há, portanto, uma captura, uma sucção, uma transferência de riquezas. Esta é a chave da transferência de valor como intercâmbio desigual (LUCE, 2018, p. 36). Resgatemos Marini em trechos primordiais:

Teoricamente, o intercâmbio de mercadorias expressa a troca de equivalentes, cujo valor se determina pela quantidade de trabalho socialmente necessário que as mercadorias incorporam. Na prática, observam-se diferentes mecanismos que permitem realizar transferências de valor, passando por cima das leis da troca, e que se expressam na forma como se fixam os preços de mercado e preços de produção das mercadorias. Convém distinguir os mecanismos que operam no interior de uma mesma esfera de produção (tratando-se de produtos manufaturados ou de matérias-primas) e os que atuam no marco de distintas esferas que se inter-relacionam. No primeiro caso, as transferências correspondem a aplicações específicas das leis da troca; no segundo, adotam mais abertamente o caráter de transgressão delas (MARINI, 2011, p. 145).

É assim como, por conta de uma maior produtividade do trabalho, uma nação pode apresentar preços de produção inferiores a seus concorrentes, sem por isso baixar significativamente os preços de mercado que as condições de produção destes contribui para fixar. Isso se expressa, para a nação favorecida, em lucro extraordinário (...).

No segundo caso - transações entre nações que trocam distintas classes de mercadorias, como manufaturas e matérias-primas -, o mero fato de que umas produzam bens que as outras não produzem, ou não o fazem com a mesma facilidade, permite que as primeiras eludam a lei do valor, isto é, vendam seus produtos a preços superiores a seu valor, configurando assim uma troca desigual. Isso implica que as nações desfavorecidas devem ceder gratuitamente parte do valor que produzem, e que essa cessão ou transferência seja acentuada em favor daquele país que lhes venda mercadorias a um preço de produção mais baixo, em virtude de sua maior produtividade (MARINI, 2011, p. 144-145).

A transferência de valor é baseada na produtividade ou no monopólio de produção (MARINI, 2011, p. 145). A elevação da produção de alimentos e matérias-primas no Brasil e na América Latina foi acompanhada da redução dos preços desses produtos, em comparação com os preços de manufaturas, como afirma Marini (2011, p. 142). Os incrementos produtivos de alimentos e matérias-primas na América Latina também permitiram condições para que houvesse a expansão industrial nos países de capitalismo central, contribuindo para o aumento da mais-valia relativa nesses países e rebaixando o valor de reprodução da força de trabalho (MARINI, 2011, p. 140-145).

Para Bambirra (2012, p. 126), o novo caráter da dependência se acirra com a penetração sistemática do capital estrangeiro, em especial o estadunidense no setor manufatureiro, implicando: i. controle e domínio de setores industriais em desenvolvimento; ii. monopolização, concentração e centralização da economia, com instalação de grandes empresas estrangeiras que absorvem e se fundem com as nacionais; iii. desnacionalização progressiva da propriedade dos meios de produção; iv. integração articulada das empresas estrangeiras com as classes dominantes locais.

Mathias Luce (2018, p. 26) reforça a categoria de análise de “transferência de valor como intercâmbio desigual”, indicando que há uma não identidade entre a magnitude do valor produzido e a do valor apropriado, provocada pelos diferentes níveis de intensidade nacional do trabalho. “O valor final da mercadoria, ao se transformar em preços, expressa relações de intercâmbio desigual entre as economias” (LUCE, 2018, p. 41).

Para Luce, a transgressão da lei do valor abordada por Marini não é a anulação da lei do valor, mas “a negação como um momento constitutivo que conforma uma totalidade contraditoriamente integrada”, isto é, uma totalidade que é integrada, porém diferenciada (LUCE, 2018, p. 29).

Essa diferenciação, calcada na divisão internacional do trabalho e na especialização produtiva, explica o fato de que o desenvolvimento da produção agrícola nos países centrais assume outro significado nos países dependentes. Mesmo os Estados Unidos da América ou a China, ao assumirem a posição de grandes produtores de grãos, como o milho ou a soja, não é esta produção que define o caráter dessas economias (LUCE, 2018, p. 30). Ao contrário do Brasil, que protagoniza a exportação de soja com o montante de 14% do preço de sua exportação em 2022, seguida de petróleo (13%), minério de ferro (8,7%) e milho (3,6%) e tem nessas exportações o retrato de sua condição de dependência (BRASIL, 2022).

Embora a acumulação originária de capital tenha sido um pressuposto, um antecedente histórico, a transferência de valor via intercâmbio desigual assume feições próprias (LUCE, 2018, p. 27). Luce identifica formas de transferência de valor como intercâmbio desigual, para além daquelas tratadas pela TMD na década de 1970. Para ele, as divisões seriam: a) deterioração dos termos de intercâmbio; b) serviço da dívida (remessas de lucros); c) remessas de lucros, royalties e dividendos; d) apropriação da renda diferencial e de renda absoluta de monopólio sobre os recursos naturais. São formas aparentes que podem se desdobrar e transformar conforme determinações históricas.

Dussel (2014, p. 175-177) debate formas de transferência de valor da periferia ao centro do capital, que se transforma em lucro extraordinário, possibilitando o que denomina “acumulação por dependência”. Quando países desenvolvidos adquirem produtos tropicais (como o café e açúcar), corporações de compradores dessas mercadorias (para a realização da manufatura ou refinamento, por exemplo) fixam preços abaixo da média mundial e armazenam mercadorias em grandes proporções, o que facilita a especulação. Ocorre, ainda, o monopólio de vendedores de meio de produção, como máquinas e instrumentos tecnológicos, vendendo-os com preço acima de seu valor ao capital periférico.

Dentre as formas de transferência de valor como intercâmbio desigual listadas acima, cabe fazer um paralelo ao debate das relações agronegociais.

A primeira, deterioração dos termos de intercâmbio, refere-se à especialização produtiva em matérias-primas agrícolas cujos preços de mercado internacional se reduzem em comparação com os produtos importados, especialmente os industrializados ou com maior matriz tecnológica. Existe uma tendência, ao longo das décadas de capitalismo dependente, à redução e declínio do preço das matérias-primas em comparação aos produtos industriais. Embora se tenha visto uma ampliação no preço das commodities na década de 2000, especialmente advinda da especulação e aumento da demanda internacional, a partir de 2008 novamente a tendência de queda se verifica (LUCE, 2018, p. 56; OSÓRIO, 2012, p. 120). É justamente nesse período que se amplia a dependência tecnológica dos insumos, em especial das sementes geneticamente modificadas, ou seja, o aumento de preços das commodities é acompanhado de maior transferência de valor via intercâmbio desigual na modalidade de remessa de lucros e royalties. A saída de capitais, portanto, é muito superior ao ingresso (SANTOS, 2011, p. 373).

Não podemos deixar de mencionar que a aquisição de mais insumos, mais sementes (híbridas ou transgênicas), mais agrotóxicos e mais maquinários também elevam o valor da mercadoria-commodity, com mais trabalho objetivado. Mesmo assim, a queda dos preços é tendencial.

No que tange ao tema da dívida, é importante indicar a baixa ou quase nula participação do agronegócio no financiamento do Estado, que mais suga recurso por meio de “inúmeras isenções e subsídios, incentivos fiscais etc., de tal maneira que os tributos arrecadados do setor são próximos de zero” (FATORELLI, 2021). E de outro lado, embora a exportação de commodities possa ser uma das impulsionadoras do ingresso de divisas que apoiaram o pagamento somente dos juros da dívida externa no período ditatorial, há indícios graves de ilegalidades, irregularidades e fraudes no pagamento dessa dívida (FATORELLI, 2021). A ampliação da dívida pública (externa e interna) demonstra o parasitismo de uma classe do agronegócio dependente de políticas econômicas e fiscais altamente protetivas ao modelo primário-exportador.

A terceira forma, é primordial, pois preconiza que a regra, nos séculos XX e XXI, é que o valor investido de empresas e capitais estrangeiros gera remessas de lucros, royalties e dividendos maiores do que o aplicado (LUCE, 2018, p. 67). Essa forma é intensificada por fatores de natureza política a partir de 1950 que estimulam o investimento estrangeiro, por meio da supressão de barreiras fiscais e incentivos tributários, alfandegários e cambiais e ainda facilitam as remessas de lucros via “regulamentação liberal” (BAMBIRRA, 2012, p. 136).

Para Bambirra, esses mecanismos são “acumulativos em espiral”. Investimentos estrangeiros geram descapitalização e exigem mais e mais investimentos estrangeiros.

Esses mecanismos acumulativos, em espiral, derivam da forma como as empresas imperialistas funcionam: dos lucros obtidos, uma parte em geral pequena, é reinvestida; outra parte é enviada ao exterior como remessa, que aumenta indiretamente através dos pagamentos de royalties, de serviços técnicos e de depreciação, cujo resultado é a descapitalização da economia. Esta descapitalização se reflete nos déficits do balanço de pagamento. Para suprir esses déficits são requeridas ajudas externas, por meio de empréstimos. Os empréstimos aumentam os serviços da dívida externa e esta aumenta ainda mais os déficits, aumentando progressivamente a necessidade de mais capital estrangeiro (BAMBIRRA, 2012, p. 143).

A última forma remete ao debate que já fizemos sobre a renda da terra na América Latina. Em especial, quem se apropria dessa renda. “A América Latina, na sua condição de região abundante em recursos naturais, constitui uma zona de reserva para geração de renda diferencial, no âmbito da economia global” (LUCE, 2018, p. 68). Desse modo, boa parte da renda gerada com as commodities flui para os conglomerados e complexos do agronegócio e seus acionistas, vez que este ramo está altamente financeirizado, ou então é pago no capital constante importado, seja em maquinário ou em insumos. Além disso, as reservas agrícolas de área plantada no Brasil só crescem. Segundo o MapBiomas, por meio de satélites, de 1985 a 2020 a área agrícola saltou de 19 milhões para 55 milhões de hectares. Milho e soja tiveram as áreas plantadas triplicadas no mesmo período (MAPBIOMAS, 2021), avançando prioritariamente sobre o Cerrado e a região do Matopiba12.

Vige, portanto, um padrão de reprodução do capital com especialização produtiva em que avança o caráter exportador de bens oriundos da mineração e agricultura, em que se abdica de um projeto nacional de industrialização. Ela, ao revés, está a serviço da produção de bens primários e as manufaturas são baseadas em recursos naturais. Isto é, a industrialização volta-se a embalagem e rotulagem das matérias-primas agrominerais (OSÓRIO, 2012, p. 116).

Theotônio dos Santos dedicou parte relevante de suas investigações sobre as empresas transnacionais ou multinacionais na fase de acumulação do capital, que tem papel mais complexo que as formas empresariais antecessoras. A deslocalização empresarial transnacional implica, em verdade, mais territorialização da dependência. As atividades externas se tornam um elemento necessário e determinante na produção, distribuição, quantidade de lucros e acumulação de capital dessas empresas, voltadas ao mercado internacional e ao mercado doméstico. O multinacionalismo empresarial avoca, portanto, mais concentração e monopólio (SANTOS, 2011, p. 89).

As empresas transnacionais, que não estão somente nos monopólios agrícolas, mas também nos conglomerados agroindustriais com capital estrangeiro, transferem mais-valia da periferia ao centro, pois produzem os bens na própria periferia com menos valor do que as empresas e indústrias nacionais. Para Dussel, há um duplo jogo das transnacionais: o menor salário nos países periféricos e a maior composição orgânica do capitalismo central. Além do lucro normal há a extração de dois lucros extraordinários por extrair mais-valia a partir da força de trabalho periférica: “pela extração de mais-valia através da transferência de valor na concorrência nacional periférica; e, novamente, pela extração de mais-valia através da concorrência dentro do mercado nacional central” (DUSEL; 1988, p. 355-356)13.

Tendo tecido tais considerações, a transferência de valor via intercâmbio desigual também abarca relações jurídicas, que as garantem e que avançam em especial na, ao incorporar ao mercado transações nascentes, como a própria remuneração pela propriedade intelectual, o monopólio tecnológico e a concentração empresarial de capital estrangeiro, minando o desenvolvimento interno e atrelando a produção de commodities aos países periféricos, na divisão internacional do trabalho.

Nesse âmbito, as formas aparentes nos permitem identificar alguns dessas questões históricas, mas em particular essa garantia, nas relações jurídicas, se verifica nos contratos de intercâmbios de mercadorias (em suas várias novas formas), entre sujeitos de direitos nacionais e estrangeiros, públicos e privados14, que formalmente se apresentam livres e iguais. Isto é, a transferência de valor via intercâmbio desigual expressa-se em diversas escalas das relações jurídicas, inclusive garantindo a superexploração da força de trabalho.

Assim, as formas aparentes são expressões fenomênicas das relações jurídicas, desde sua historicidade, compreendendo que na realidade material sempre é a relação jurídica real que prevalecerá sobre a norma deontológica (PACHUKANIS, 2017, p. 98). A norma, a lei, “não cria a relação jurídica, mas a garante e preserva” (PAZELLO, 2021, p. 2019), indicando ou a expressão de uma relação jurídica existente ou a previsão de surgimento das relações em futuro próximo:

A norma como tal, ou seja, o conteúdo lógico, ou deriva diretamente de uma relação já existente ou se é dada na forma de uma lei do estado, representa apenas um sintoma por meio do qual é possível prever uma certa probabilidade o surgimento em um futuro próximo das relações correspondentes. Mas, para afirmar a existência objetiva do direito, não basta conhecer seu conteúdo normativo, é necessário, antes, saber se o conteúdo normativo tem lugar na vida, ou seja, nas relações sociais (PACHUKANIS, 2017, p. 99).

Mesmo não criando a relação jurídica, a lei pode lidar com forma e conteúdo das relações, bem como qual mercadoria poderá ser transacionada com “segurança” e estabilidade de proteção estatal.

A relação econômica de troca deve existir para que surja a relação jurídica contratual de compra e venda. O poder político, com a ajuda das leis, pode regular, alterar, determinar e concretizar das mais diversas maneiras a forma e o conteúdo dessa transação jurídica. A lei pode determinar de modo detalhado o que é passível de ser comprado e vendido, pode determinar, ainda, como, em que condições e por quem algo é passível de ser comprado e vendido (PACHUKANIS, 2017, p. 103).

E é justamente na fase do capitalismo monopolista, para além do concorrencial, que se faz mais necessária uma “organização planificada, centralizada” por intermédio do Estado, engendrada pelos trustes, pelos cartéis, entre outras associações de caráter monopolista. Nesse momento, a produção e reprodução social eleva a qualidade de inúmeros “contratos particulares entre unidades econômicas autônomas” para um sistema de capitalismo de Estado burguês (PACHUKANIS, 2017, p. 134).

Mas, novamente, o direito não é um conjunto de normas. É a relação jurídica a célula central do tecido jurídico. Se não houver a relação jurídica em si, o conjunto de normas é uma abstração sem vida. Ao mesmo tempo, a regulamentação jurídica tem como premissa fundamental “o antagonismo dos interesses privados” e “uma causa real do desenvolvimento da superestrutura jurídica” (PACHUKANIS, 2017, p. 94). A norma jurídica, portanto, se diferencia da norma técnica. Enquanto a primeira trata das diferenças e oposições de interesses, de um eventual “litígio”, a segunda aborda uma “unidade de finalidade” (PACHUKANIS, 2017, p. 94).

Não é acaso que a comoditização de determinadas culturas agrícolas, a exemplo do milho, cana e café, ocorre justamente no domínio da fase monopolista do capitalismo dependente brasileiro, quando se faz mais historicamente importante o desenvolvimento da “superestrutura jurídica”, com suas legislações específicas e tribunais para a tratativa de litígios sobre a régua da compensação por equivalentes. E é então que conseguimos, por meio das formas aparentes jurídicas, concatenar elementos que evidenciam as próprias relações jurídicas entre sujeitos de direitos.

Determinados tratados e acordos internacionais operam, neste momento, como “contratos internacionais” de como circular e remunerar mercadorias, bem como manter seu monopólio. Depois de como esses contratos internacionais reverberam para a circulação de mercadorias em âmbito doméstico, em variadas escalas do direito agrário, agronegocial e civil, em geral.

Um exemplo é a paulatina transformação de sementes em mercadorias foi acompanhada de relações jurídicas que garantiram cercamentos e mecanismos de controle (tecnológicos e jurídicos). Isto é, para que houvesse a incorporação de sementes ao mercado, era preciso garantir seu domínio econômico com tecnologias concentradas e não facilmente reproduzíveis, mas garantir que tais sementes e insumos fossem protegidos, reduzindo os sujeitos jurídicos que poderiam circular tais mercadorias, na fase do capitalismo imperialista monopolista. É nesse sentido que as relações jurídicas são aprofundadas, com mecanismos que começam a ser operados em âmbitos internacionais, por meio de acordos da Organização Mundial do Comércio (OMC) e são enraizados nas relações jurídicas internas, dos próprios Estados-Nações, em especial com imposições aos países de capitalismo periférico.

Pachukanis é enfático ao afirmar que a difusão e o desenvolvimento do direito internacional ocorreram com base na difusão e no desenvolvimento do modo capitalista de produção (PACHUKANIS, 1980, p. 170). A vitória da burguesia nos países europeus determinou a edificação de um novo arcabouço de regras e instituições para proteger os interesses dessa classe em ascensão, dominando os países coloniais.

Os sujeitos de direito internacional são, portanto, os próprios Estados-Nações e a forma jurídica internacional, por excelência, atos e negócios jurídicos como tratados, acordos, convenções e contratos (PACHUKANIS, 1980, p. 182). Na forma jurídica complexificada, as empresas e corporações internacionais também assumem a condição de sujeitos de direito, especialmente em acordos de comércio e de investimento.

Tais “contratos internacionais”, que revelam uma relação jurídica internacional, seguem a mesma lógica das relações jurídicas internas no que se refere à pressuposição de igualdade formal. Sujeitos de direito são formalmente iguais, embora possa haver disparidades materiais. No direito internacional também há uma pressuposição de igualdade, mesmo que sejam “desiguais em seu significado e em seu poder” (PACHUKANIS, 1980, p. 178). Em caso conflitivo, quando acontece uma ruptura do equilíbrio entre Estados-nações, as consequências variam da guerra a sanções econômicas e cada Estado elege qual a medida irá adotar em caso de violação do direito.

Soares e Pazello (2019, p. 209-211) sintetizam a leitura pachukaniana do direito internacional indicando dois vértices: “de um lado, o de visualizar o direito internacional como extensão da garantia para as relações de troca, fazendo incidir a forma jurídica neste contexto; de outro, concebê-lo como forma de dominação pela via do imperialismo”. Isto é, o direito internacional situa-se na partilha econômica e territorial.

Na prática, tais contratos jurídicos internacionais operam na forma de adesão, entre sujeitos internacionais formalmente iguais e materialmente desiguais, a exemplo da União para a Proteção das Obtenções Vegetais (UPOV), o Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio (TRIPS/OMC), a Convenção Sobre a Diversidade Biológica (CDB) e o Tratado sobre Recursos Fitogenéticos para Alimentação e Agricultura (TIRFAA-FAO) (BITTENCOURT, 2023).

Após a adesão contratual, diversos países de capitalismo periférico latino-americanos editaram legislações de propriedade intelectual aplicável às variedades vegetais15, sob os parâmetros da UPOV, após a adesão ao TRIPS/OMC. Isto é, “o agente econômico global, por ser transnacional, estende seu poder explorando sistematicamente as brechas entre os diferentes sistemas jurídicos nacionais” (DUPAS, 2007, p. 20).

Essas leis, em geral, abordam a criação de sistema de registro e certificação de sementes, tornando-o rígido de forma a abarcar quase que exclusivamente as variedades industriais patenteadas. Existem inclusive regras sobre monitoramento e circulação de sementes, com restrições e sanções, o que favorece as sementes protegidas pela propriedade intelectual em detrimento das sementes nativas, locais, tradicionais ou crioulas (BRAVO, 2005, p. 08).

4. Considerações Finais

Com o objetivo de aprofundar os fundamentos basilares do escopo de análise das relações jurídicas dependentes no âmbito agronegocial no Brasil, fizemos a escolha de percurso teórico através da costura teórica entre a Teoria Marxista do Direito de Pachukanis com a Teoria Marxista da Dependência, por meio da enfatização das categorias da teoria trinitária de Marx, capital-lucro, terra-renda fundiária e trabalho-salário, as quais dialogam, no capitalismo dependente com as categorias de: i. acumulação originária de capital, ii. subsunção formal e material do processo de trabalho, iii. renda da terra, além da iv. categoria da transferência de valor através do intercâmbio desigual.

A acumulação primitiva de capital evidencia a dissociação dos povos agrícolas de seus meios de produção, como sementes e insumos, transformando-os em mercadorias. Anteriormente, esses grupos eram autossuficientes na produção de seu alimento, assegurando sua sobrevivência, e atualmente se veem na posição de comerciantes de mercadorias. A extração de trabalho vivo e recursos naturais da América Latina se entrelaçou com a desvalorização dos saberes tradicionais e das práticas agrícolas, além da degradação da agrobiodiversidade, o que resultou na diminuição do valor da força de trabalho assalariada na Europa e na perpetuação do trabalho escravizado no Brasil. A acumulação primitiva de capital, que se manifesta atualmente de forma contínua, também se utiliza de mecanismos sofisticados de biopirataria e controle dos saberes tradicionais dos agricultores.

A renda da terra revela as desigualdades e contradições relacionadas à apropriação e à distribuição das terras no país. A concentração de vastas extensões de terra nas mãos de donatários, cuja configuração permanece essencialmente inalterada, contrasta com a estrutura fundiária do capitalismo central. A herança colonial que persiste na dependência destaca essa realidade. Na fase atual de aprofundamento da dependência, sustentada pela transnacionalização corporativa e pela concentração produtiva, são os magnatas da soja e do milho (mesmo que formalmente organizados como empresas, sujeitos de direitos e capital negociado) que se apropriam da renda absoluta e diferencial, por serem proprietários das terras mais produtivas e bem localizadas. A renda diferencial de tipo II, incrementada com base na dependência, está associada à aquisição de tecnologias e meios de produção desenvolvidos nos países centrais. Em contrapartida, os agricultores são relegados às piores terras, em um contexto de expulsão e cercamento contínuos, exacerbados pela contaminação química e genética resultante dos agrotóxicos e organismos geneticamente modificados das corporações transnacionais.

Após considerar a subsunção do processo de trabalho, observamos a disparidade entre o capitalismo central e o periférico, reconhecendo que a subsunção na dependência nacional combina a mais-valia absoluta e relativa. Esse fenômeno resulta na ampliação do tempo e na intensificação do ritmo de trabalho. A aceleração desse processo ocorre juntamente à expulsão territorial, com a ultratecnificação e mecanização da agricultura, priorizando o trabalho morto em detrimento do trabalho vivo dos povos agricultores.

As categorias mencionadas refletem tanto o passado quanto o presente das dinâmicas de mercantilização e comoditização de espécies agrícolas. Elas se inter-relacionam e aperfeiçoam a transferência de valor por meio de intercâmbios desiguais, em que os países do capitalismo central produzem abaixo do custo de produção, apropriando-se de uma maior fatia de riqueza. Em contrapartida, os países periféricos são obrigados a reduzir o preço de venda das mercadorias ao limite de seu valor. A divisão internacional do trabalho, a desnacionalização progressiva da propriedade dos meios de produção, a integração das empresas estrangeiras com as elites internas e o monopólio de fornecedores de meios de produção, como máquinas e instrumentos tecnológicos, são fenômenos que intensificam a transferência de valor e as trocas desiguais.

Identificamos que a transferência de valor por meio de intercâmbios desiguais apresenta características tanto gerais quanto específicas, a exemplo da perspectiva da privatização, das tecnologias de sementes híbridas, transgênicas e das novas edições genéticas, da associação da cultura com agrotóxicos, da biopirataria e das restrições à circulação de sementes crioulas, tradicionais e locais. A dependência em relação aos insumos fornecidos pelas empresas transnacionais do setor agrícola tem aumentado, à medida que as sementes transgênicas e híbridas, atreladas ao controle tecnológico e jurídico, obstruem o desenvolvimento das empresas nacionais e consolidam a hegemonia do agronegócio em conexão com as cadeias globais de valor das commodities. Os agentes nessas relações jurídicas, tanto em nível internacional quanto doméstico, mostram uma hiperdesigualdade, especialmente em relação ao poder econômico das grandes corporações de tecnologia agrícola em comparação ao poder dos povos agricultores.

No âmbito jurídico, constatamos que o processo de mercantilização e comoditização é sustentado por relações jurídicas dependentes, que asseguram a circulação de mercadorias equivalentes entre proprietários que, juridicamente, se equivalem. No capitalismo periférico, as relações jurídicas apresentam particularidades fundamentadas na transferência de valor através de intercâmbios desiguais e na superexploração da força de trabalho. Tanto o direito quanto a dependência são fenômenos sociais que se interconectam e se influenciam mutuamente, formando uma rede complexa de relações sociais.

Dessa forma, a transferência de valor das periferias para o centro pode ser entendida como um "roubo de vida humana objetivada" (DUSSEL, 1988, p. 356). Essa dinâmica se traduz em trabalho vivo extraído dos países em desenvolvimento, funcionando como a fonte geradora de todo o valor que transita do capital nacional dependente para o capital global central. Esta situação é o resultado de processos contínuos e violentos de extração de trabalho vivo.

A partir dessa análise de fundamentos e categorias iniciais, pode-se desenvolver agenda de pesquisa de relações agronegociais em múltiplas escalas, seja em âmbito local, em relações jurídicas de trabalho e comerciais, nacionais do âmbito da produção e circulação, bem como entre sujeitos de direito internacionais, público ou privados. Nessa seara concreta, convidamos, modestamente, à leitura de nosso aprofundamento em tese de doutoramento (BITTENCOURT, 2023), em que aprofundamos as relações jurídicas e suas formas aparentes legislativas e judiciais acerca da tensão entre o milho-cultura e o milho-commodity.

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Notes

1 O termo é calcado por Ricardo Pazello (2016, p. 566).
2 Este trabalho trata-se de versão adaptada de parte da Tese de Doutorado intitulada “O milho entre o alimento-cultura e a mercadoria-commodity: relações jurídicas dependentes e o cercamento das práticas dos povos agricultores no Brasil”, no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Paraná, em Curitiba, 2023, a qual recebeu menção honrosa pelo Prêmio CAPES de Tese 2024.
3 O avanço político do agronegócio tenta indicar que compreende sob seu manto político interesses econômicos próprios, toda a agricultura, inclusive familiar e tradicional. No entanto, tal caracterização nos parece estratégia de marketing e poder do que propriamente uma conceituação teórica concreta do agronegócio.
4 Segundo Marx, uma “coisa pode ser útil e produto do trabalho humano, sem ser mercadoria. Quem, por meio de seu produto, satisfaz sua própria necessidade, cria certamente valor de uso, mas não mercadoria. (MARX, 2013, p. 118).
5 . Atualmente, cerca de seis commodities têm cultivo e exportação ampliados - soja, milho, açúcar, carne bovina e de frango, celulose de madeira.
6 Esse baixo grau de industrialização do produto não significa baixo grau de industrialização ou de avanço tecnológico do processo agromineral. Há, hoje, alto grau de utilização de maquinários, insumos com complexa cadeia de produção e utilização de dados e informações oriundos da mecanização e inteligência artificial na agricultura.
7 “A noção de padrão de reprodução do capital surge para dar conta das formas como o capital se reproduz em períodos históricos específicos e em espaços geoterritoriais determinados, tanto no centro como na semiperiferia e na periferia, ou em regiões no interior de cada um deles, considerando as características de sua metamorfose na passagem pelas esferas da produção e da circulação (como o dinheiro, meios de produção, força de trabalho, novas mercadorias, dinheiro incrementado) integrando o processo de valorização (incremento do valor e do dinheiro investido) e sua encarnação em valores de uso específicos (calças, rádios, celulares, tanques de guerra), assim como as contradições que esses processos geram” (OSÓRIO, 2012, p. 40).
8 Conforme Marini, “A oferta mundial de alimentos que a América Latina contribuiu para criar e, que alcançou seu auge na segunda metade do século XIX, será um elemento decisivo para que os países industriais confiem ao comércio exterior a atenção de suas necessidades de meios de subsistência” (MARINI, 2011, p. 140).
9 O termo “superestrutura jurídica” aqui empregado por Pachukanis nas traduções ao português não indicam o mesmo sentido compreendido por Althusser, posteriormente, ao interpretar a introdução da “Contribuição à crítica da economia política”, de Marx, que nos invoca certo “esquematismo”. Em nossa leitura, a superestrutura legislativa se ergue a partir de relações jurídicas, antecipando-as, garantindo-as ou confirmando-as. No entanto, essas formas jurídicas aparentes também podem moldar o conteúdo e o modo da troca de mercadoria que será protegido, garantido pelo Estado.
10 Ver PERELMUTER, Tamara. El cercamiento global de las semillas: propiedad intelectual y libre comercio. Revista Observatorio Latinoamericano y Caribeño, n. 2, 2018; BRAVO, Elizabeth. Normativas sobre semillas en America Latina: al servicio del control corporativo, 2015; BIANCO, Mariela. El valor de la semilla: propiedad intelectual y acumulación capitalista. Revista de Ciencias Sociales, DS-FCS, vol. 28, n.º 36, enero-junio 2015; RIBEIRO, Silvia. Maíz, transgénicos y transnacionales. Ciudad de México: Fundación Heinrich Böll México y el Caribe; Grupo ETC; Editorial Itaca, 2020.
11 Conforme o artigo 1ª da Lei Imperial de Terras de 1850.
12 Matopiba é a sigla para o conjunto dos estados Maranhão, Tocantins Piauí e Bahia, como atrativos à expansão das fronteiras agrícolas e do agronegócio nos últimos anos.
13 Dussel também esboça cinco mecanismos de transferência de valor em debate com Marini. Inclusive questiona a superexploração da força de trabalho como fundamento da dependência, como apontou Marini. No entanto, a sistematização e formulação de Luce nos parece teoricamente mais adequada e atualizada. Também em “16 teses de economia política”: “a composição orgânica mais desenvolvida dos países centrais com os salários mais baixos dos países subdesenvolvidos” (DUSSEL, 2014, p. 177).
14 Tratamos dos sujeitos de direitos internacionais que realizam acordos que garantem a circulação de mercadorias em âmbito internacional baseada numa divisão internacional do trabalho. Alguns desses sujeitos intercambiam patrimônio genético, conhecimento tradicional acumulado e matéria-prima na forma commodity e outros vendem insumos e maquinários com tecnologia agregada, cobrando inclusive royalties e patentes sobre eles.
15 Algumas das legislações nacionais de proteção de cultivares são: a Ley de Semillas 16.811/1997 no Uruguai; a Ley de Semillas y Creaciones Fitogenéticas 20.247/1973, com reforma em 1991, na Argentina; a Resolución 970/2010 na Colômbia; o Decreto Ley 1764/1977 no Chile, a Ley de 1991 sobre Producción, Certificación y Comercio de Semillas no México; a Ley General de Semillas de 1976 e o Regulamento de 2010 no Equador; a Ley 8.631/2008 na Costa Rica; a Ley 385/1994 no Paraguai; a Ley 23/1997 no Panamá; a Ley 2.9316/2009 no Peru; a Ley 37.552/2002 na Venezuela; a Lei de Cultivares 9.456/1997 no Brasil, entre outras.

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