Dossiê: Pachukanis, insurgências e práxis: 100 anos de Teoria geral do direito e marxismo - Volume 2
Received: 08 October 2024
Accepted: 01 December 2024
DOI: https://doi.org/10.1590/2179-8966/2024/87707
Resumo: Em “Direito internacional, raça e marxismo: esboço de uma abordagem baseada na forma-mercadoria”, de Robert Knox, deparamo-nos com um arsenal de possíveis interações transatlânticas convergentes no sentido da emergência de uma outra - na medida em que não abstencionista - crítica marxista-pachukaniana ao direito. Buscamos neste artigo descobrir elos teóricos possíveis em torno de um direito insurgente a partir do estabelecimento de diálogos com Knox sobre a teoria do valor, a coimplicação entre dependência e imperialismo, os processos de racialização e a possibilidade de usos táticos do direito.
Palavras-chave: Evguiéni Pachukanis, Crítica marxista ao direito, Direito insurgente, Teoria marxista da dependência, Robert Knox.
Abstract: In Robert Knox’s “International Law, race and Marxism: an outline of a commodity-form approach”, we come across an arsenal of possible transatlantic interactions converging towards the emergence of another - because non-abstentionist - Marxist-Pashukanian critique of law. In this article, we seek to discover the possible theorists bonds around an insurgent law by establishing dialogues with Knox on the theory of value, the co-implication between dependency and imperialism, the processes of racialization and the possibility of tactical uses of law.
Keywords: Evgeni Pashukanis, Marxist critique of law, Insurgent law, Marxist dependency theory, Robert Knox.
Introdução emergente
A comemoração do centenário de aparecimento de Teoria geral do direito e marxismo, de Evguiéni Pachukanis, serve de marco de reflexão para as teorias críticas do direito, em geral, e para o campo do direito e marxismo, em particular. Para as primeiras, representa a oportunidade de reorientar sua práxis a partir da autocrítica teórica: o ecletismo e o abandono do marxismo são profundamente questionados à luz dos ensinamentos do livro de 1924, em toda sua sofisticação e agenda de investigações. Para o segundo, a obra é um sinal de alerta: trata-se de uma introdução, que precisa ser aprofundada e que exige uma coerente postura prática em torno daquilo para o que aponta a práxis marxista, inclusive a crítica jurídica.
Nada melhor que, estando cientes disso, travarmos um rico conjunto de debates mobilizando variadas interlocuções para levarmos adiante tal intento. A organização de dois volumes de um dossiê dedicado a “Pachukanis, insurgências e práxis: 100 anos de Teoria geral do direito e marxismo” insere-se nesse escopo, ainda mais mediado pelos diálogos que elegemos realizar. Privilegiamos as noções de insurgência e práxis para realizar essa dialogicidade, o que gera consequências em termos de com quais interpretações pretendemos interagir. Não se trata de desconsiderar antecedentes e mais amplos debates já realizados no interior das teorias críticas do direito ou do campo de investigações que relaciona direito e marxismo, mas sim de apontar para as possibilidades que uma crítica marxista ao direito dá à práxis jurídica insurgente. Sem concessões mas sem fatalismos - eis uma árdua tarefa.
No primeiro volume de nosso dossiê,1 o diálogo que envidamos “por um Pachukanis insurgente” (SOARES, 2024), combinando a implacável crítica pachukaniana à forma jurídica com os necessários usos políticos do direito, trouxe a lume tanto “o Lênin de Pachukanis” (PAZELLO, 2024c), o qual potencializa a luta revolucionária que caracteriza o marxismo, quanto a exigência da realização da “pesquisa de práticas jurídicas insurgentes” (UCHIMURA, 2024), enfocando as contradições pelas quais os movimentos populares são atravessados. Por consequência, os debates que frisaram uma leitura de Pachukanis a partir do “vínculo entre forma jurídica e estratégia política” (ROMERO ESCALANTE, 2024) e sua “revolução contra a forma jurídica” (RIVERA-LUGO, 2024) ou ainda, a partir de “notas marginais” (CONDE GAXIOLA, 2024), juízos críticos embora aquiescentes à obra do autor, convergiram para os mesmos desideratos que nos propusemos, como organizadores do dossiê junto a Moisés Alves Soares. Citamos os diálogos com autores latino-americanos externos ao Brasil presentes no primeiro volume destinado à efeméride, mas poderíamos estender para as demais interlocuções, de pesquisadoras e pesquisadores brasileiros, avaliações condizentes com aquelas.
Igual cenário desenha-se neste segundo volume do dossiê. Nele apresentamos ao público brasileiro o texto de Robert Knox (2024) intitulado Direito internacional, raça e marxismo: esboço de uma abordagem baseada na forma-mercadoria. Assim como os demais convidados e convidadas, Knox possui repertório vasto de fundamentos críticos para analisar o direito e uma apreensão bastante estimulante da obra de Pachukanis. Ao lermos, contudo, seu artigo, entendemos por bem mudarmos o rumo do ensaio que escreveríamos para o dossiê de cuja organização participamos: como nos interessam aspectos da crítica jurídica marxista que revelam no interior dela uma práxis insurgente, o texto de Knox se mostrou sensivelmente provocador. Diferentemente, porém, das usuais polêmicas entre textos escritos sobre um mesmo tema, com abordagens ou posições distintas, resolvemos destacar mais nossas aproximações que nossos distanciamentos, com o objetivo de refletir sobre a sintonização possível em torno de um “direito insurgente”.
Apesar de já termos tido contato prévio com a obra do autor no campo brasileiro do direito e marxismo - como se pode ler em Pazello e Soares (2020), Ferreira (2023) e Pazello (2024c) -, consideramos que agora seria oportuno dedicar maior atenção à interlocução à qual ele mesmo se permitiu fazer, enviando-nos seu texto. Foi durante o seminário “Horizontes para a Crítica do Direito”, em comemoração aos 15 anos de existência da Revista direito e práxis, ocorrido no Rio de Janeiro, entre 22 e 23 de agosto de 2024, com lançamento de um número do periódico para celebrar a data, que tivemos uma primeira indicação mais forte da confluência entre a obra de Knox e nossa leitura acerca de um direito insurgente. Durante referido evento, João Telésforo (2024) apresentou trabalho que destacou essa proximidade e, a partir dali, decidimos realizar o presente diálogo.
Não deixa de haver algo de inusitado em nos atermos a essa interação com Robert Knox, afinal, trata-se de um jurista, ainda que crítico e marxista, que escreve desde a realidade britânica. Entretanto, como sublinhado no último período (PAZELLO, 2024b), uma leitura latino-americanizada como a que pretendemos impingir ao marxismo - dentro do direito ou não - precisa conviver com uma análise marxista da crítica ao(s) anti/pós/de/des-colonialismo(s). Nesse sentido, a posição expressa por Knox, um jurista - acrescentemos - negro, além de marxista, revela a capacidade de articulação analítica incisivamente crítica, debruçando-se sobre temas proscritos do atual cenário teórico, mesmo o mais “progressista”, como os do imperialismo, do neocolonialismo ou da crítica marxista ao racismo.
Ademais, o resgate das contribuições da teoria crítica do direito anglo-saxã (é verdade que não só britânica, portanto) para a crítica jurídica marxista brasileira tem antecedentes dignos de menção. E, ainda que seja verdade se tratar, comezinhamente, de via de mão única, dessa vez estamos imbuídos de um sentido recíproco da interação - oxalá a língua portuguesa não seja uma barreira intransponível, como não o é para nós, estruturalmente, o idioma inglês.
A título de exemplos, bem sumariamente, lembremos que, na década de 1980, Celso Soares (1984; republicado em 1993) fazia seu estudo sobre Os caminhos de um direito insurgente, argumentação “inspirada no livro O Direito e a Ascensão do Capitalismo”, de Michael Tigar e Madeleine Levy (1978), ambos estadunidenses, os quais “tinham criado o termo jurisprudência insurgente2” (SOARES, 2015, p. 45). Nos anais de fundação do Instituto Apoio Jurídico Popular, que ocorre em 1987, o nome que se dá ao volume é exatamente Direito insurgente e, na apresentação da proposta, além de citar Pachukanis (e Gramsci), Miguel Pressburger (1988, p. 6-7), um de seus fundadores, cita exatamente o livro de Tigar e Levy.
É surpreendente notar que Celso Soares (1993, p. 93-94) também faz menção à revista Crítica do direito, editada por Márcio Naves e Aguiar Barros (1980), incluindo tal crítica no horizonte de um direito insurgente. Inequivocamente, Naves é o mais importante estudioso da obra de Pachukanis, no Brasil e na América Latina. Também ele, entrementes, realizou interlocução com juristas anglófonos, como no exemplo dos textos respondidos em sua coletânea sobre O discreto charme do direito burguês: ensaios sobre Pachukanis (NAVES, 2009). Trata-se de polêmicas sobre a leitura de Pachukanis feita pelos britânicos Steve Redhead (2009) e Roger Cotterrell (2009) - ambos já mencionados na tese de Naves sobre Pachukanis (2008).
Por fim, é possível lembrar ainda que Alysson Mascaro, outro importante difusor da obra de Pachukanis no Brasil, também mobiliza diálogos com juristas da tradição britânica, sendo o caso mais evidente o de China Miéville (2017), de quem ele inclui um excerto na edição brasileira do livro que completa cem anos, por cuja revisão técnica foi responsável, ao lado de Pedro Davoglio.
Esses são todos exemplos dessa profícua e tensa interação que, cremos nós, ganha um provável novo capítulo com a abertura de diálogos com Robert Knox. De nossa parte, interessa principalmente encontrar pontos de contato para além de uma simples leitura crítica do direito ou mesmo de uma aproximação a interpretações sintonizadas do marxismo e de Pachukanis, mas sobretudo descobrir elos teóricos possíveis em torno de um direito insurgente.
São mais de quarenta anos desde a formulação original de um direito insurgente, no Brasil, nas versões de Celso Soares (1984; 1993; 2015), João Luiz Duboc Pinaud (1987), Miguel Pressburger (1988; 1990; 1993), Miguel Baldez (1989; 2010), ou Dimas Salustiano da Silva (1994) - que foi, é verdade, recepcionada difusamente nas teorias críticas do direito brasileira e latino-americana. Mais de uma década se passou desde o início do resgate dessa tradição por um conjunto jovens juristas entre os quais nos identificamos, crivando o direito insurgente com os fundamentos da crítica marxista ao direito de Pachukanis (e Stutchka), como ocorre nas pesquisas de Luiz Otávio Ribas (2009, 2015), Ricardo Prestes Pazello (2014; 2018; 2021; 2022; 2024a), Moisés Alves Soares (2017; 2024) - incluindo-se, aí, as produções conjuntas de Pazello e Ribas (2014; 2015), bem como de Pazello e Soares (2014) -, Ana Lia Almeida (2015; 2024), Guilherme Cavicchioli Uchimura (2022; 2023; 2024), Pedro Pompeo Pistelli Ferreira (2023, 2024), Naiara Andreoli Bittencourt (2023, 2024), Daniel Vitor de Castro (2024), entre tantos outros. Depois de tudo isso, entendemos estar razoavelmente madura a proposta de direito insurgente a qual pretendemos manejar. E, nesse contexto, queremos nos aventurar em um diálogo que enriqueça sua leitura, tendo por marca exatamente a interpretação e retomada que fazemos de Pachukanis.
Essa é a intenção que nos guia para dialogar, então, com Knox sobre seu Direito internacional, raça e marxismo: esboço de uma abordagem baseada na forma-mercadoria. A ele voltaremos a atenção, propondo um diálogo dividido em duas partes, sendo a primeira destinada a realizar um breve panorama da presença de Pachukanis na sua produção teórica, enfocando suas contribuições relativas aos temas de direito internacional, imperialismo e raça, enquanto a segunda vai se desdobrar em comentários sobre o texto, abordando as problemáticas convergentes com a agenda de pesquisa que é proposta por um direito insurgente, notadamente a partir da relação entre valor, dependência e direito, e, finalmente, as fundamentações marxistas para um uso tático do direito. O que nos parece emergir dessa interação é justamente um diálogo transatlântico em que a crítica marxista ao direito se desdobra da crítica da economia política enquanto ambas envazam tanto uma crítica marxista ao racismo quanto à dependência. Tal envasadura sustenta a embarcação de um direito insurgente, ao menos aqui pretendido, que bordeja, portanto, criticando a juridificação dos modernos processos racialização de mas também a conformação de uma relação jurídica dependente.
1. Panorama da presença de Pachukanis na produção de Knox sobre direito, imperialismo e raça
Nosso diálogo com Robert Knox se inicia por um breve panorama de sua produção teórica para localizar as vias pelas quais ele mobiliza a perspectiva pachukaniana na interpretação crítica que faz do direito, desde a Inglaterra. A primeira publicação em que lemos Knox abordando a obra de Pachukanis, ao menos entre aquelas por nós conhecidas, é o artigo intitulado Marxismo, direito internacional e estratégia política,3 de 2009. O bombardeio de Cossovo pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) havia ocorrido em 1999. A década de 2000, na sequência, foi marcada por numerosos conflitos internacionais, entre os quais as invasões dos territórios do Afeganistão e do Iraque pelos Estados Unidos, no contexto da campanha militar imperialista da assim chamada “guerra ao terror”. No mesmo ano em que o artigo de Knox era publicado, Israel promovia a Operação Chumbo Fundido, um massacre étnico sobre territórios da Faixa de Gaza, o qual resultou - como o próprio britânico destacou, fazendo ecoar o passado no presente - em “protestos em massas” contra os “crimes de guerra” israelenses (KNOX, 2009, p. 414).
No plano da produção intelectual sob tal contexto, Knox viu-se diante de entendimentos distintos sobre o direito internacional sendo produzidos na Europa. Para certos juristas, por exemplo, tratava-se de uma época de violações do direito internacional, enquanto Negri e Hardt (2010) formulavam a tese do estado de exceção. Havia também a perspectiva de teóricos identificados com o movimento das Abordagens do Terceiro Mundo para o Direito Internacional (Third World Approaches to International Law [TWAIL]), a qual enfatizava a conexão entre as relações de direito internacional e o imperialismo. Entre os e as marxistas que se dedicaram a investigar o direito internacional à época desde a Inglaterra, estavam China Miéville, Bill Bowring e Susan Marks.
Diante dessa profusão de diferentes abordagens em desenvolvimento sobre a caracterização do direito internacional, foi a então recente obra de Miéville intitulada Entre direitos iguais: uma teoria marxista do direito internacional, de 2005, que, para Knox (2009, p. 414), destacou-se “pela sua sistematicidade e pela natureza incisiva da sua crítica”. A partir daí, sob o impacto da obra de Miéville, Knox passou a situar Pachukanis como um autor chave para o desenvolvimento de uma crítica materialista ao direito internacional.
Para tanto, ao lado de Teoria geral do direito e marxismo, aparece em destaque o verbete Direito internacional, redigido por Pachukanis para a Enciclopédia do estado e do direito, organizada pela Academia Comunista entre 1925 e 1927. Para além dessas duas referências, Knox frisou a importância de Lênin e os problemas do direito, texto publicado por Pachukanis em 1925.4
Knox lamentou a ausência da análise das dimensões desse texto nas formulações de Miéville, especialmente considerando “o mais explícito tratamento do papel do direito na estratégia revolucionária” e a importância do entendimento do “papel positivo que a juridicidade pode desempenhar em determinadas circunstâncias concretas” (KNOX, 2009, p. 429) nele sustentados por Pachukanis. Merece particular atenção aqui um emblemático excerto do referido texto de Pachukanis citado por Knox:
Para a pequena-burguesia revolucionária, a própria negação da legalidade é transformada em um tipo de fetiche, obediência que suplanta tanto o cálculo sóbrio das forças e condições de luta quanto a habilidade para usar e fortalecer até mesmo as mais efêmeras vitórias na preparação do próximo assalto. A natureza revolucionária da tática leninista nunca degenerou em um fetichismo de negação da legalidade; esta nunca foi uma frase revolucionária. Pelo contrário, em estágios históricos determinados, ele apelou firmemente ao uso dessas “possibilidades legais”, as quais o inimigo, que fora meramente debilitado mas não totalmente derrotado, era obrigado a fornecer (PACHUKANIS, 2018, p. 1904).
Essa assunção parece ter sido central para que Knox (2009, p. 434) concluísse seu artigo apontando para o fato de que o direito internacional pode apresentar um “potencial progressista” desde que reduzido a um plano “tático”. A isso, atribuiu a expressão “principled opportunism” - que, em tradução bastante livre, pode ser vertida como “oportunismo baseado em princípios”.
Ainda em 2009, Knox publicou no periódico marxista Materialismo histórico uma resenha sobre o Homo juridicus de Alain Supiot, contrapondo o pensamento desenvolvido no livro sobre a “função antropológica do direito” - que caracterizou como liberal - com o manejo da perspectiva materialista de Pachukanis. No ano seguinte, publicou o ensaio Estratégia e tática, novamente articulando o pensamento pachukaniano na defesa de um “principled opportunism” que permitisse “intervir em debates jurídicos conjunturais, sem perder de vista objetivos estratégicos” (KNOX, 2010, p. 228).
Em 2011, em um debate travado com Bowring no anuário Anuário finlandês de direito internacional sobre “o que fazer” - parafraseando Lênin - com práticas jurídicas críticas (“critical legal practice””), Knox (2011, p. 34) enfatizou que, sem desconsiderar a conexão entre direito e capitalismo, Pachukanis “buscou intervir politicamente na constituição do estado soviético e suas práticas”. No mesmo texto, citou como exemplos de “advocacia radical” (“radical lawyering”) o fato de que Huey Newton, membro dos Panteras Negras, defendia o direito de pessoas negras portarem armas para autodefesa com base na Segunda Emenda à Constituição dos Estados Unidos.
Tais argumentos foram desenvolvidos de modo mais amplo e sistemático na tese de doutoramento em filosofia de Knox, apresentada no ano de 2014 ao Departamento de Direito da London School of Economics. O trabalho, cujo título pode ser traduzido por Um exame crítico do conceito de imperialismo nas abordagens marxista e do terceiro mundo sobre o direito internacional, foi estruturado em quatro capítulos: (i) o conceito de imperialismo; (ii) as perspectivas das TWAIL sobre imperialismo e direito internacional; (iii) as críticas marxistas ao imperialismo; e (iv) a proposição de um marxismo “esticado” ou “alargado” (stretched) para a apreensão teórica dos problemas do imperialismo e do direito internacional.
É no terceiro desses capítulos que podemos encontrar uma apresentação sistematizada da aplicação do pensamento de Pachukanis sobre a forma do direito internacional (KNOX, 2014, p. 178-186). Não sendo o espaço aqui para reapresentar os fundamentos teóricos presentes em Teoria geral do direito e marxismo articulados por Knox, por ele categorialmente referidos como “teoria da forma-mercadoria” (commodity-form theory), de modo resumido, o autor argumenta que a base da contribuição da perspectiva pachukaniana para o entendimento do direito internacional está no fato de que, se “o direito está intimamente conectado com a troca de mercadorias, então também está intimamente conectado com o imperialismo, que é a forma pela qual essa troca alcança escala global” (KNOX, 2014, p. 181).
Aqui Knox se refere mais diretamente ao verbete Direito internacional. De modo próximo ao que viria a ser desenvolvido por Pazello e Soares (2020) em Pachukanis em Caracas: o direito internacional entre a forma jurídica e a guerra (neo)colonial, Knox identifica que, para Pachukanis, “a violência competitiva está no coração do direito internacional” (KNOX, 2014, p. 182). O estabelecimento de relações internacionais, por seu turno, não tem por base a harmonia entre interesses, mas sim os interesses em comum das classes dominantes das nações capitalistas. A soberania que os estados contrapõem entre si é a base para relações realizadas sob a mesma forma que sujeitos de direito estabelecem entre si.
Knox extrai dos textos de Pachukanis a premissa de que existe uma conexão estrutural entre o direito (internacional) e o imperialismo. “A forma do direito internacional é gerada pela troca de mercadorias”, sustenta (KNOX, 2014, p. 184). Os estados promovem diretamente trocas de mercadorias como se fossem proprietários privados de seus territórios. Com isso, Pachukanis permite afastar a concepção de que o direito internacional se caracteriza como um tipo de regulação neutra para, em vez disso, identificá-lo como “a forma jurídica da luta dos Estados capitalistas entre si pelo domínio do resto do mundo” (PACHUKANIS, 2023, p. 319-320).
Outro ponto importante sobre a caracterização materialista do direito internacional realizada por Knox é que, concordando com uma apreensão elaborada por Miéville em Entre direitos iguais, o autor enfatizou a concepção pachukaniana de que é “a forma da igualdade abstrata que assinala a presença de uma relação jurídica”, e não o poder estatal. A assunção de tal premissa é importante para superar o dilema por vezes suscitado por juristas sobre se o direito internacional é “’realmente’ jurídico” ou não (KNOX, 2014, p. 184). Por outro lado, Knox também manifestou concordância com a análise de Miéville de que Pachukanis falhara em não identificar que “a violência e a troca de mercadorias estão intimamente relacionadas e, como resultado, a violência e o direito também”. (KNOX, 2014, p. 185). Sobre esse ponto, no entanto, é importante observar que Pachukanis (2017, p. 139) foi bastante explícito no entendimento de que “a relação jurídica não pressupõe por sua própria ‘natureza’ um estado de paz”, de modo que “direito e arbítrio - conceitos que poderiam parecer opostos - estão, na verdade, estreitamente ligados”.5 Em todo caso, essa observação é particularmente importante na caracterização materialista do direito internacional realizada por Knox, uma vez que situa a coerção “na própria natureza da troca e da produção de mercadorias” (MIÉVILLE, 2005, p. 127).
Em Um exame crítico do conceito de imperialismo..., Knox passou a aproximar-se do problema da conexão entre o desenvolvimento histórico do direito internacional e o processo de racialização à luz das críticas marxistas ao imperialismo. Para tanto, com inspiração em uma formulação de Frantz Fanon,6 elaborou a proposição de um “stretched marxism”:
O direito internacional tem desempenhado um papel vital na racialização das periferias do capitalismo, abrindo-as à penetração do capital europeu, estruturando a sua relação com o imperialismo e fornecendo justificações para intervenções militares, a fim de garantir isso. Uma abordagem “marxista esticada” do direito internacional é aquela que traça o modo pelo qual essas formas racializadas são geradas por processos de acumulação de capital e, ao mesmo tempo, estruturam esses processos. (KNOX, 2014, p. 272).
Knox identifica que o desenvolvimento histórico de formas de racialização combinadas à expansão territorial dos processos de acumulação capitalista desde a Europa assume a posição de um aspecto central na constituição das relações imperialistas e, logo, na conformação do capitalismo global. Tanto que Knox chega a apontar para uma teoria materialista-fanoniana do direito internacional como modo de, “esticando” o marxismo, superar limitações das perspectivas das TWAIL sobre como operam as diferenças etnoculturais sob o imperialismo.
Knox defende que, uma vez que o imperialismo possui uma íntima conexão com o direito internacional, as experiências de dominação exercida entre culturas a partir de processos de racialização devem ser historicizadas, passando a ser compreendidas como “estruturadas pela lógica da expansão e da acumulação capitalistas” e, por consequência, desenvolvidas dentro da forma jurídica (KNOX, 2014, p. 260).
O esforço de Knox para enfrentar o problema do imperialismo combinando a crítica pachukaniana e a concepção fanoniana de raça como relação social culmina na conclusão, de ordem ontológica, de que “mesmo que o direito possa ser eficaz no combate a alguns dos efeitos do imperialismo, ele só pode fazê-lo dentro de suas coordenadas materiais”. O direito, com isso, “só pode parar alguns de seus excessos, mas, em última análise, permanecerá vinculado aos fundamentos das relações sociais imperialistas e seus efeitos necessários” (KNOX, 2014, p. 261).
A crítica radical à forma jurídica, porém, não leva Knox à abstenção niilista - por ele enfaticamente rejeitada - de práticas jurídicas contestatórias do imperialismo ou do racismo. Tanto que as frases de desfecho de Um exame crítico do conceito de imperialismo... são as seguintes:
Não se pode simplesmente denunciar o imperialismo como sendo “contra” o direito internacional, e é impossível “ignorar” o direito internacional. Em vez disso, é preciso entender como negociar a ordem jurídica internacional de forma tática tendo consciência da necessidade estratégica de sua derrubada. (KNOX, 2014, p. 288).
Aqui podemos observar uma das principais convergências com as perspectivas do direito insurgente que estamos procurando desenvolver no Brasil, tema ao qual retornaremos com mais atenção adiante.
O que queremos destacar neste momento é que, entre 2009 e 2014, a trajetória do desenvolvimento das produções de Knox apresenta uma original aproximação materialista entre imperialismo, raça e direito. Dez anos depois, como continuidade desse projeto, ao ensejo dos 100 anos de Teoria geral do direito e marxismo, Knox publica, neste dossiê, texto no qual apresenta novidades na forma com que elabora sobre os vínculos que conectam essas três ordens de relações sociais no processo global de acumulação capitalista. É a tal texto que passaremos a dedicar detida atenção, a partir de agora.
2. Comentários ao texto de Robert Knox a propósito de um direito insurgente
O texto de Robert Knox, intitulado Direito internacional, raça e marxismo: esboço de uma abordagem baseada na forma-mercadoria, amplia e atualiza publicação anterior que apareceu no suplemento ao dossiê “Raça, racismo e direito internacional”, da Revista Americana de Direito Internacional (AJIL), da Sociedade Americana de Direito Internacional (ASIL). A nosso convite, o ensaio reaparece traduzido no segundo volume do dossiê dedicado a “Pachukanis, insurgências e práxis: 100 anos de Teoria geral do direito e marxismo”, organizado pelo Grupo Temático de Direito e Marxismo do Instituto de Pesquisa, Direitos e Movimentos Sociais (IPDMS) e publicado na Revista direito e práxis, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) - após a edição do primeiro volume na InSURgência: revista de direitos e movimentos sociais, do IPDMS.
De modo geral, Knox tem se destacado no campo do direito e marxismo pelo exercício de uma investida sobre a realidade mundial do capitalismo que busca combinar aportes teóricos sobre o imperialismo, as relações raciais (ou de racialização) e o direito internacional. Como visto na seção anterior, a produção teórica de Evguiéni Pachukanis é um dos pivôs desse projeto. Em seus escritos, Knox tem se dedicado ao menos desde 2009 a buscar nos escritos em Teoria Geral do Direito e Marxismo e outros escritos de Pachukanis fundamentos para interpelar os problemas de ordem teórica e prática do presente. Um ponto importante aqui é que, após 15 anos, é em uma das seções de Direito internacional, raça e marxismo que Knox aprofundou suas formulações sobre as conexões estruturais entre capitalismo, raça e direito.
É bem verdade que o próprio Knox (2024, p. 14) reconhece que se trata ainda de uma exposição breve, de modo que algumas das aproximações nele realizadas se situa em um “nível muito básico”. Para nós, ainda assim, é bastante oportuna a abertura de debates com o texto de Knox - o primeiro, aliás, a ser traduzido ao português -, pois deles emerge um outro Pachukanis. Na realidade, há aí um verdadeiro programa de investigações que decorre do estudo da obra pachukaniana, a partir do qual se visibiliza a possibilidade de teorizarmos acerca de um direito insurgente. A realização desses diálogos sul-norte, com fulcro na crítica marxista ao direito, comprova haver uma potencial apreensão transatlântica de Pachukanis, em que, como já nos posicionamos, é possível encontrar um marxismo periférico (ou “descolonizado”) assim como materializar historicamente a crítica oriunda dessas periferias.
É o que lemos, pois bem, no texto veiculado neste dossiê de autoria de Knox, autor que convocamos para figurar em nosso cenário de formulações por apresentar um conjunto de reflexões que, a despeito de ter sido produzido no âmbito de discussões sobre direito internacional, sugere interações com a teoria crítica do direito latino-americana que queremos ressaltar. A propósito desse debate, em que frisamos nossas convergências, interessa-nos destacar que as elaborações realizadas desde a América Latina têm a contribuir sensivelmente para uma sua incidência mais ampla (cf. TELÉSFORO, 2024), com teorização autônoma desde o sul global, mas com correspondências significativas com a crítica jurídica feita por um marxista desde a Grã-Bretanha cujas atenções se destinam ao imperialismo, ao (neo)colonialismo e ao racismo. Estamos, então, buscando inverter a lógica da situação transatlântica que forjou a América Latina extrativista, escravista e dependente para, ainda que de modo singelo, aproximar marxistas que se aliam em insurgências pachukanianas em face das dinâmicas juridificadas do capitalismo global.
Levando todas essas questões em consideração é que passamos a apresentar nas seções seguintes, a partir de comentários ao referido texto de Knox, uma agenda de debates, a qual se pode encontrar no âmbito de suas preocupações. Trata-se, na verdade, de uma proposta de diálogo que mobiliza nossas investigações prévias cujas conclusões (que, em alguns casos, são provisórias) retomamos a fim de espelhar teorizações produzidas em cada lado do Atlântico, entre América Latina e Europa Ocidental, as quais, mesmo sem correspondência anterior, chegam a resultados convergentes à medida que se valem de uma leitura insurgente do debate jurídico marxista e soviético, notadamente do legado pachukaniano.
A seguir, organizamos em quatro momentos nosso diálogo de cuja resultante pretendemos extrair uma aproximação à pauta que temos elaborado em torno do direito insurgente. Por isso, nós a organizamos a partir do modo como, no tratamento dado por Knox às questões do imperialismo e da racialização, aparecem, ainda que em linhas bastantes gerais, a teoria marxista do valor; o problema da dependência; a relação entre valor, dependência e direito; e, finalmente, a possibilidade de um uso tático do direito. Iniciemos, então, nossos diálogos insurgentes.
2.1. “...Uma dialética complexa de relações sociais capitalistas e suas formas de aparição”: o uso da teoria do valor
Indicamos acima que Knox dirige seu texto a uma análise que conecta três ordens de problemas: direito internacional, capitalismo e a raça. Sua orientação para a realizar, contudo, assume a feição de uma chave-mestra sem a qual as portas que encerram os segredos de fenômenos sociais tão complexos - quanto direito (internacional), capital e raça - não se abrem. A senha da qual Knox se vale é a do marxismo e a materialidade histórica das relações sociais do capital se torna apreensível, desdobrando-se em relações jurídicas e de racialização.
Assim é que a perspectiva marxista apresenta-se como guia que o conduz a um espaço reflexivo que torna a teoria do valor seu pressuposto e, inevitavelmente, leva-o a ter por referência o aporte pachukaniano. Daí seu objetivo de desvelar a “relação entre direito internacional, capitalismo e raça por meio da teoria da forma-mercadoria ” (KNOX, 2024, p. 3).
Na tradição anglo-saxã de interpretações da obra de Pachukanis, esta é caracterizada pela teoria da forma-mercadoria (commodity-form theory) da qual se extrai o lugar do direito. Knox assume, igualmente, esse ponto de partida, o que faz de sua abordagem sobre uma teoria do valor algo não explícito, ainda que subjacente à teoria das formas mercantil e jurídica que encontra em Pachukanis. Ainda assim, independentemente dessa pressuposição, tal teorização se expressa em vários momentos de sua abordagem, como podemos comprovar resgatando, inclusive, sua tese doutoral dedicada ao estudo do imperialismo, na qual, “ao tentar compreender o direito internacional, os marxistas situam-no numa totalidade de relações sociais ” (KNOX, 2014, p. 177).
Referida “totalidade de relações sociais” enseja o problema do valor em um nível de abstração diferente daquele a partir do qual surgirão as “formas sociais do capital”. Em pesquisa recente, esta posição foi defendida por um de nós (PAZELLO, 2024d) não como um déficit, mas como uma complexificação: trata-se do nível de análise no qual se encontra Stutchka, mais concreto que o de Pachukanis, e que pode indicar uma diferenciação relevante entre “relações sociais” (no caso, jurídicas, tal como se pode depreender de Stutchka) e “forma social” (também no caso, jurídica, enfatizada por Pachukanis). É curioso que em Knox a conclusão se dê em torno mais das relações sociais que da forma social - mesmo que possamos encontrar ambas em sua elaboração. Mas isso, a nosso ver, tem uma razão de ser.
Na prática, Robert Knox apela para um nível de análise que contempla maior concreção: estamos nos referindo a seu debate sobre a categoria “raça”. Seu argumento de partida é o de que a raça é produto do racismo e não o contrário, conforme surge na cantilena liberal de exposição desse tema. Para afirmar tal compreensão, Knox fixa entendimento na apreensão que o marxismo faz do problema. Dessa maneira, a “‘raça é um produto do racismo” (KNOX, 2024, p. 5) e, por conseguinte, “processos de racialização e racismo são formas de aparição das relações sociais capitalistas ” (KNOX, 2024, p. 8).
A questão das formas de aparição do capital tem enorme relevância em nosso diálogo. Além de sugerirem a concreção acima aludida (em torno das relações sociais), apontam também para a estruturação combinada entre essência e aparência das formas sociais do capital (nível de análise em que se destaca haver maior abstração). Por exemplo, no volume 1 de Direito insurgente, Pazello (2021) apresenta uma leitura dos sentidos do direito tomados de Marx (2014), especialmente percebidos a partir de como em O capital ele os dispôs. Dos sentidos do direito encontrados em Marx, todos compreendidos como relações sociais, chega-se aos momentos da forma jurídica tais como podem ser apreendidos seguindo a exposição de Pachukanis (2017), sobretudo em Teoria geral do direito e marxismo. Entre esses momentos, há tanto a essência da forma/relação jurídica quanto suas aparências normativas as mais diversas (legisladas, jurisprudencializadas ou até mesmo no âmbito privado).7 Em nosso entendimento, toda essa problemática se comunica com o que serve de substrato para a análise de Knox quando ela se refere às formas de aparição do capital.
É assim que podemos estabelecer um denominador comum entre a base inegociável de um direito insurgente, qual seja, a crítica marxiana e marxista à forma jurídica, e a aproximação que Knox faz, para fins de crítica ao racismo, às teorias de Marx e Pachukanis. Eis como a questão se faz perceber no texto do jurista marxista britânico: “por um lado, o racismo não é um fenômeno natural, mas sim um fenômeno sistematicamente gerado por meio de relações sociais capitalistas. Por outro lado, as relações sociais capitalistas exigem que formas de racialização existam” (KNOX, 2024, p. 9).
O capitalismo, então, ao gerar o racismo, vê-se diante de formas específicas de sua racialização. Essas são formas de sua aparição, as quais compelem a compreender que a “forma (social)” não é problema da ordem do formal, ou seja, de meras fôrmas que se opõem a conteúdos, tendo nestes a substância que as preenchem. Ao contrário, a dialética entre forma e conteúdo é muito mais complexa, não sendo de composição arbitrária. Na realidade, há aqui um processo de (con)formação, pois, como diz Knox - e nós voltaremos a esse tema -, existe uma “conexão estrutural entre capitalismo e raça” assim como entre “direito e capitalismo” e a crítica que se costuma fazer a Pachukanis é inepta já que assevera que Pachukanis “não deu atenção suficiente ao conteúdo do direito em comparação à sua forma” (KNOX, 2024, p. 11). O equívoco, como fica evidente, é supor uma separação entre ambas as dimensões, perdendo de vista o significado da formação jurídica e sua conformação com outros setores da atividade humana.
Para finalizarmos essa aproximação que faz convergir os argumentos de Knox ao horizonte da crítica jurídica insurgente desenvolvida na América Latina, em geral, e no Brasil, em especial, ressaltemos mais um exemplo a partir do qual, cremos nós, fica estabelecido um certo uso da teoria do valor, de Marx. Trata-se de sua crítica ao “direito a autodeterminação” e à “forma-estado”.
É mais do que evidente que não temos condições de aprofundar, aqui, a temática, no entanto sua menção vale por si. Segundo Knox, o direito à autodeterminação “capturou”, via forma-estado (e preservação das fronteiras coloniais), a resistência anti-imperialista: “o direito internacional preservou aquelas mesmas fronteiras coloniais” e “a autodeterminação teve que ocorrer dentro da forma estatal” (KNOX, 2024, p. 14-15). Para Knox - e vemos todo sentido nisso - referida situação se deve ao fato de que as relações sociais capitalistas exigiam tal configuração, valendo-se - ainda que de modo historicamente menos uniforme do que o retratado por Knox - do horizonte jurídico que transitava do período colonial para o posterior e mais bem assentado, compatibilizando as derivas anticoloniais às novas configurações do capitalismo, incluindo-se aí a racialização do mundo moderno.
Pois bem, essas questões assim apresentadas revelam o potencial do materialismo histórico para a compreensão do sistema mundial capitalista que, como sabemos, forja-se colonialmente. Daí o debate sobre a racialização adquirir centralidade para um marxismo a partir do qual podemos fazer dialogar conjunturas do sul e do norte global, transatlanticamente. Em realidade, sem o marxismo são insuficientes as análises que pretendem criticar a colonialidade do poder e a racialização gestada em seu seio. Portanto, a teoria do valor, a partir de Marx, rende frutos inestimáveis, notadamente o fabrico de chaves que escancarem cômodos recônditos ao trânsito normal dos que passeiam em seu entorno (ou, no fundo, que ficam presos dentro deles). Mesmo assim, por outro lado, apreender o segredo de cada fechadura é fundamental, já que cada uma possui uma lingüeta que funciona de modo específico e, no final das contas, insidioso. É exatamente o que veremos a seguir com o lugar da dependência na crítica ao colonialismo e ao imperialismo (o que nos interessa muito de perto, devido à tradição latino-americana do marxismo com a qual mais trabalhamos), bem como com o emparelhamento das formas e relações socais do capital, em sua especificidade.
2.2. “...Sob a forma de colonialismo e imperialismo”: o lugar da (crítica à) da dependência
Ao conectar o direito internacional com o capitalismo e o racismo a ele imbricado, podemos compreender que o debate de Robert Knox converge com o nosso conforme ressalta, a partir de sua objetiva posição geopolítica, o papel do imperialismo e do colonialismo que lhe subjazeu.
Como dizia Theotonio dos Santos, no contexto do marxismo latino-americano, “o estudo do desenvolvimento do capitalismo nos centros hegemônicos deu origem à teoria do colonialismo e do imperialismo. O estudo do desenvolvimento de nossos países deve dar origem à teoria da dependência” (DOS SANTOS, 2006, p. 395). Apesar de não ser autor ao qual Knox se refere diretamente, podemos deduzir que, de algum modo, Knox conhece algumas dimensões da discussão em torno das teorias críticas sobre a dependência (abarcando-se também teorias sobre o subdesenvolvimento ou ainda sobre o sistema-mundo), porque menciona, em sua tese de doutorado, trabalhos de André Gunder Frank, Paul Sweezy, Immanuel Wallerstein ou Harry Magdoff, além de citar Fernando Cardoso e Enzo Faletto, Ernesto Laclau, Jorge Larraín, Helen Yaffe, Rameshwar Tandon, Ian Roxborough, Thomas Hodgkin ou Benjamin Cohen. Outros autores mobilizados nesse sentido são Samir Amin, Walter Rodney e ainda Kwame Nkrumah (KNOX, 2014, p. 52).
O problema da dependência, portanto, se insinua no conjunto das preocupações do jurista britânico, ainda que não ocupe um espaço explícito. Seguindo o argumento que Dos Santos exprimiu, tal como o citamos anteriormente, podemos objetar que ao passo que há reflexão sobre colonialismo e imperialismo, haverá também ali a questão dependentista.
Aliás, é o que se depreende com ainda mais força das referências que Knox faz a Marx, no artigo de nosso dossiê, ou a Lênin, em sua tese de doutoramento. Reconhecemos, então, um verdadeiro diálogo inaudito quando do resgate do livro 3 de O capital, de Marx (2017), por Knox, o qual aparece na seguinte citação: “. Ao mesmo tempo, as sociedades capitalistas são competitivas com essa busca do lucro enquadrada pelo potencial de que os concorrentes farão inovações produtivas e, assim, reduzirão os preços”. E arremata: “Ao mesmo tempo, as sociedades capitalistas são altamente propensas a crises, sem que nenhuma delas resolva as contradições do capitalismo” (KNOX, 2024, p. 7).
Há, nesse momento da reflexão, uma potencial aproximação dialógica com a crítica marxista à dependência, por intermédio dos temas da competição e da crise, remetidas ao livro 3 de O capital. De Ruy Mauro Marini (2022) - e seu encadeamento argumentativo de que há cisão do ciclo do capital nas sociedades dependentes em cuja vigência se destaca a superexploração da força de trabalho e a transferência de valor - a Enrique Dussel (1988) - para quem o lugar da dependência é a competição - esboça-se todo um programa de pesquisa que, em nosso espectro de preocupações, tem nos conduzido a formular sobre uma “relação jurídica dependente” (PAZELLO, 2024d). Sobre esta última, voltaremos a seguir.
Além de tudo isso, ainda há outros diálogos incubados, os quais poderíamos sugerir. Um deles diz respeito a como se operou o processo civilizatório na periferia do sistema mundial moderno e capitalista. Aqui, a interação pode ser feita com a obra antropológica de Darcy Ribeiro (1972), quando caracteriza o desenvolvimento latino-americano como marcado por uma atualização histórica, quer dizer, por um desenvolvimento subordinado ao desenvolvimento de povos que produziram suas acelerações evolutivas autocentradas. Talvez com essa referência fique mais bem pavimentado o caminho de entendimento da frase de Knox (2024, p. 6): “O capitalismo nasceu na Europa e espalhou e consolidou seu domínio sobre o globo com base na expansão europeia sob a forma de colonialismo e imperialismo ”. Para o capital expansionista europeu a aceleração evolutiva é que toma as rédeas de seu próprio desenvolvimento; para os territórios invadidos e conquistados, a inserção histórica no mundo capitalista europeu por via do colonialismo e do que o imperialismo ofereceu como migalhas.
Não bastasse este, ainda haveria outro possível diálogo, qual seja, o relativo à avaliação de Knox sobre o processo de expansão capitalista - processo este que congloba colonialismo, imperialismo e, acrescentemos, a dependência - que foi, ao mesmo tempo, um processo de racialização. Em estudos pretéritos, realizamos nossas avaliações sobre a relação entre a acumulação originária do capital, o que há de permanente nela (em diálogo com as contemporâneas teorias da acumulação por espoliação ou despossessão) e o direito (PAZELLO, 2016a; PAZELLO; UCHIMURA; FERREIRA, 2021; UCHIMURA; FARIA; PAZELLO, 2023). Robert Knox dá a conhecer uma incisiva interpretação sobre o assunto:
Dessa forma, a expansão do capitalismo foi acompanhada por formas de violência e despossessão, por meio das quais territórios poderiam ser acumulados e administrados. Mesmo após o firme estabelecimento do capitalismo, a divisão desigual global do trabalho e sua exigência concomitante de permitir transformações capitalistas continuam a demandá-las. (KNOX, 2024, p. 8).
A nosso ver, a tese fanoniana de um Marx “esticado” ou “alargado” (stretched) que Knox defende faz todo o sentido para os fins de nosso diálogo. É o que vemos operar-se com sua denúncia do processo capitalista como um processo de racialização. De nossa parte, estamos cada vez mais convencidos de que, se é preciso, de uma banda, descolonizar o marxismo, por outra, é necessário materializar historicamente o giro descolonial (cf. PAZELLO, 2024b). Sob esse prisma, não há como pensar o direito descolonial e descolonizadamente sem o perceber como uma forma social do capital que precisa ser superada, como todas as demais formas da sociabilidade capitalista. Mas não há, também, como deixar de notar que, sob condições específicas, medram situações particulares, as quais exigem um enfrentamento próprio, inclusive lançando-se mão do direito. Como aponta Knox, o processo de racialização típico do capitalismo - e, para nós, marcado pela violência da acumulação originária que se repristina8 (cf. PAZELLO, 2016a; PAZELLO; UCHIMURA; FERREIRA, 2021; UCHIMURA; FARIA; PAZELLO, 2023) - exige um Marx estendido, no limite, tensionado, pois “captura o fato de que esta não é nem uma tentativa de aplicar categorias marxistas pré-existentes ao Terceiro Mundo nem um abandono do marxismo, mas sim - de uma maneira materialista - uma tentativa de ler as categorias do marxismo por meio da experiência do Terceiro Mundo” (KNOX, 2014, p. 269). Esticar Marx significa, aqui, crivá-lo com a crítica latino-americanizada (em última instância, periferizada) do capital, em cujo cerne atua de maneira especial a crítica ao imperialismo - em Knox - e à dependência - em nós. Adentremos, agora, ao salão oval no qual as encruzilhadas anteriores se encontram.
2.3. “Formas mais insidiosas”: o encontro entre valor, dependência e direito
A base do diálogo que estamos travando com Robert Knox tem uma ancoragem decisiva e ela radica exatamente no desenvolvimento de sua tese que entrelaça a questão racial à contribuição teórica pachukaniana: “Tal análise de raça tem uma semelhança notável com a teoria do jurista bolchevique Evguiéni Pachukanis sobre a teoria do direito baseada na forma-mercadoria” (KNOX, 2024, p. 10).
A proposta é um desdobramento do que já havia sido estabelecido anteriormente em Marxismo, direito internacional e estratégia política (KNOX, 2009a). O aprofundamento, entretanto, dessa tese no item “Raça e forma jurídica” aponta para a centralidade da teoria de Pachukanis, por intermédio da qual ele absorve o problema marxista do valor como forma social e as relações sociais que dele se desprendem, assim como admite uma interface com o “giro dependentista” (cf. CÁRDENAS CASTRO; SEABRA, 2021) operado por uma das mais potentes vertentes do marxismo latino-americano. E a relativa novidade9 que aparece no horizonte é justamente a que permite promover a aproximação entre relação jurídica, relação de dependência e relações de racialização, tudo ancorado na crítica marxista ao valor/capital.
Sob essa perspectiva, interessa-nos indicar que encontramos, em Knox, operação análoga à que concebemos como um dos mais recentes desenvolvimentos da perspectiva do direito insurgente, no Brasil: o estudo da “relação jurídica dependente”. Em sua pesquisa de pós-doutoramento,10Pazello (2024d) propõe justamente cruzar dois espelhamentos já bem assentados criando uma terceira camada de interação teórico-categorial que imbrica capital, direito e dependência. Essa consubstanciação do debate é fundamentalmente uma decorrência da mesma tese pachukaniana que faz Knox correlacionar capital, direito e raça. Quer dizer, de um lado, temos a relação entre valor e forma jurídica - eis o pressuposto oriundo de Teoria geral do direito e marxismo, cem anos após sua primeira publicação; de outro, temos o problema das relações capitalistas dependentes (como se depreende da leitura do marxismo latino-americano que fez a viragem dependentista) ou o das relações originadas dos processos - Knox fala também em práticas, projetos e formas - de racialização (sendo descoberta nodal do marxismo negro, sem a qual não se pode compreender o capitalismo).
É verdade que Knox não elabora uma categoria nova para o feixe de problemas em que se coimplicam capital, raça e direito. Mas, independentemente disso, há o explícito reconhecimento da existência de uma “conexão estrutural tripartite entre capitalismo, racismo e direito internacional ” (KNOX, 2024, p. 13). Desde o materialismo histórico de Marx (e, como veremos a seguir, de outros marxistas, sobretudo Lênin), Robert Knox encadeia sua interpretação acerca da forma jurídica, tal como apresentada por Pachukanis, no âmbito de uma teoria crítica do direito internacional. Dada, por sua vez, a linha de continuidades e rupturas em que se conformam colonialismo e imperialismo, objetos de seu interesse mais próximo, Knox aterrissa no problema do racismo, como verdadeira forma social do capital. Já que, para o autor, o capitalismo tende a uma contínua e infinita transformação e expansão; mas também a uma abstração baseada na relação social de valor (do qual se desprende sua forma, o valor de troca e todos os demais elementos econômico-políticos criticados por Marx e seus continuadores); como para Knox isso tudo se dá, a racialização é um imperativo do capital, à medida que destrói “modos anteriores de existência humana” e suas hierarquizações singulares (KNOX, 2024, p. 7).
Logo, a natureza transformativa e expansiva do capital tende a uma acumulação originária permanente do capital que depende, inequivocamente, de processos de racialização, renovadas hierarquizações sem as quais o lastro da abstratividade do valor não se enraíza. Assim é que “a expansão do capitalismo foi acompanhada por formas de violência e despossessão, por meio das quais territórios poderiam ser acumulados e administrados” (KNOX, 2024, p. 8). Além disso, reenfatizemos, Knox extrai suas mais interessantes conclusões fazendo interagir o marxismo - de Marx, Engels, Lênin, Rosa Luxemburgo ou Pachukanis - com o que podemos chamar de marxismo negro, tendo como referências, no caso específico do texto sob nosso comento, Frantz Fanon, Kwame Nkrumah, Eric Williams, William DuBois e Walter Rodney.
A ponte que entendemos poder ser estabelecida com o debate do direito insurgente reside no fato de que o substrato para se pensar tal crítica jurídica está na noção de relação jurídica dependente cujo sentido se dá a partir da interação da teoria do valor, em Marx, da teoria da forma jurídica, em Pachukanis (mas em diálogo não conflitivo com Stutchka), e da assim chamada teoria marxista da dependência, partindo-se principalmente de Ruy Mauro Marini, ainda que também de Vânia Bambirra, Theotônio dos Santos, Jaime Osorio ou, entre outros, André Gunder Frank - este último referenciado por Knox. A categoria da relação jurídica dependente, a qual Pazello vem procurando consolidar, tem sua significação a partir do direito como relação social que garante a circulação mercantil entre sujeitos de direito supondo as injunções do capitalismo dependente: a transferência do valor, a superexploração da força de trabalho e a cisão do ciclo do capital (cf. MARINI, 2022a). Vale dizer, mesmo que corramos o risco da redundância, a relação jurídica dependente é aquela que garante referidas transferência, superexploração e cisão. Trata-se, portanto, de um desdobramento da leitura cruzada que o marxismo faz do direito e da dependência. Entendemos, nesse sentido, que ela é análoga, ainda que não só, ao processo de racialização ao qual Knox dedica sua atenção.
Dissemos, todavia, que a operação não é só análoga. Dois motivos nos encorajam a encarar assim a situação: por uma parte, o possível diálogo com Marini, a partir de citação direta de Pachukanis que Knox mobiliza; de outra, o único momento em que Marini, explicitamente, menciona o fenômeno jurídico em seu clássico ensaio Dialética da dependência.11 Senão vejamos.
Manejando a tese pachukaniana, Knox (2024, p. 11) concorda que “a troca de mercadorias e, com ela, a forma jurídica tornam-se universais”. Tal universalização é marca do capitalismo e, por isso, tal modo de produzir e reproduzir a vida não se viabiliza sem as relações jurídicas que garantem a mercantilização da sociabilidade. Como uma espécie de derivação disso, Knox perfilha os desenvolvimentos teóricos que encontram paralelos em outros planos da vida social. Por exemplo, citando Pachukanis, “Ao nível internacional, ‘os Estados soberanos coexistem e são contrapostos uns aos outros da mesma forma que os proprietários individuais com direitos iguais’” (KNOX, 2024, p. 11). Na realidade, Knox faz uma leitura mediada de Pachukanis, tendo por influência a crítica marxista ao direito internacional, notadamente, como já indicado, a de China Miéville. A nosso juízo, há aqui um inegável diálogo possível com o ponto de partida para a definição de dependência que Marini propõe, ou seja, “como uma relação de subordinação entre nações formalmente independentes, em cujo marco as relações de produção das nações subordinadas são modificadas ou recriadas para assegurar a reprodução ampliada da dependência” (MARINI, 2022, p. 171). Sendo assim, a independência formal das nações, conforme o texto mariniano, equipara-se à soberania estatal a que remete Pachukanis, estabelecendo-se um elo entre as relações de produção subordinadas e a equivalência dos proprietários privados individuais. No caso pachukaniano, replica-se ao nível estatal a lógica da propriedade individualizada; no caso de Marini, há a reprodução ampliada da dependência própria das relações econômicas ao nível da relação entre os estados. A nosso ver, o marco para um diálogo entre Pachukanis e Marini se entrevê em Knox sem que este propriamente o saiba, porque o problema sobre o qual se debruça é o mesmo.
Já Marini descortina, sob o capitalismo dependente, a situação da superexploração da classe trabalhadora e, com isso, torna visível o problema jurídico, no contexto da transição do trabalho escravizado para o assalariado:
a criação desse mercado [livre de trabalho], com a lei da abolição da escravatura em 1888, que culminava uma série de medidas graduais nessa direção (como a condição de homem livre assegurada aos filhos de escravos etc.), constitui um fenômeno dos mais interessantes; por um lado, definia-se como uma medida extremamente radical, que liquidava com as bases da sociedade imperial (a monarquia sobreviverá pouco mais de um ano à lei de 1888) e chegava inclusive a negar qualquer tipo de indenização aos antigos proprietários de escravos; por outra parte, buscava compensar o impacto de seu efeito, por meio de medidas destinadas a atar o trabalhador à terra (a inclusão de um artigo no código civil que vinculava à pessoa as dívidas contraídas; o sistema de “barracão”, verdadeiro monopólio do comércio de bens de consumo exercido pelo latifundiário no interior da fazenda etc.) e da outorga de créditos generosos aos proprietários afetados (MARINI, 2022, p. 191-192 - grifamos).
Portanto, o nascimento do específico capitalismo dependente latino-americano, a partir do caso brasileiro, implica compreender a ruptura com a escravidão formal mas também a continuidade do processo de racialização. Daí fazer todo sentido, com vistosos fundamentos encontrados na crítica marxista à dependência feita por Marini, o diagnóstico de Knox, segundo o qual “a racialização não está simplesmente conectada à forma jurídica, mas é também crucial para sua própria formação além da troca difundida” (KNOX, 2024, p. 12).
Ou seja, passamos a um verdadeiro processo de racialização do fenômeno jurídico ou, sob outro ponto de vista, a uma juridificação dos processos de racialização. Quem nos dirá sobre essa interpenetração é o próprio Knox: “este processo de racialização foi completamente juridificado, efetivando-se por meio de estruturas jurídicas internacionais” (KNOX, 2024, p. 14). Assim, a instauração do livre mercado de trabalho (ou, o que no caso é igual, o mercado do livre trabalho) importou na abolição da escravatura mas também na criação da tendência à plena subjetividade jurídica marcada pela injunção da superexploração, garantindo-a tanto quanto os antigos proprietários eram compensados por suas “perdas”, as de não serem mais desiguais aos brasileiros escravizados. Logo, a relação jurídica dependente garante a livre circulação mercantil transferindo valores da periferia ao centro, entre sujeitos de direito livres e iguais entre si, incluindo-se aí o sujeito de direito superexplorado que é igual a seu (hiper)explorador.
É verdade que todos esses lampejos teóricos exigem aprofundamentos. De nossa parte, reivindicamos o ensaio sobre a relação jurídica dependente, de Pazello (2024d), como um exemplo, ao nível teórico-abstrato. Outra tentativa é a tese de doutoramento de Uchimura (2022; 2023) dedicada a esboçar a silhueta, dentre outras coisas, de uma forma jurídica da dissolução comunitária a partir de um caso de rompimento de barragem de rejeitos de minérios de propriedade de mineradoras transnacionais que operam no Brasil. Também fazendo uso das sugestões deixadas por Pachukanis para além da Rússia revolucionária do primeiro meado do século XX, Uchimura desenha a estranha forma da subjetividade jurídica na lama que destruiu partes da comunidade de Gesteira no ano de 2015, projetando uma apreensão das práticas insurgentes de movimentos populares por um lado e, por outro, uma crítica às relações jurídicas de reparação que se prestam a garantir a conversibilidade mercantil do espaço destruído em valores pecuniários ou títulos de crédito fictamente equivalentes.
Da parte de Knox, lemos em seu texto o reconhecimento da necessidade de aprofundar a indicação de Pachukanis: “A consideração de Pachukanis sobre a generalização da forma jurídica não era simplesmente sobre a extensão mecânica da troca de mercadorias. Em vez disso, ele argumentou que o capitalismo representava uma transformação qualitativa” (KNOX, 2024, p. 12). Knox, para quem é preciso ir mais a fundo, a questão central reside mesmo no papel que jogo o direito internacional na criação dos processos de racialização. Como racialização e juridificação emparelham-se, abre-se a necessidade para toda uma avaliação de como “O direito internacional desempenhou um papel vital na racialização das periferias do capitalismo, abrindo-as para a penetração do capital europeu, estruturando sua relação com o imperialismo e fornecendo justificativas para intervenções militares visando garantir isso.” (KNOX, 2014, p. 272), tal qual ele registra em sua tese de doutoramento.
Postas essas questões em tela, podemos dizer que o que vimos até aqui, então e a partir da analogia entre os entrelaçamentos valor/(teoria do) direito/dependência e valor/direito (internacional)/racismo, foram as “formas insidiosas” do capital, após sua acumulação originária de capital, subsunções formal e real do trabalho ao capital, acumulação originária permanente de capital, reprodução ampliada do capital... Para Knox, a passagem do colonialismo ao neocolonialismo não encerra a experiência do racismo e - diríamos nós - a mudança de territórios subjugados para nações independentes não afasta o problema da dependência. Ao revés, estamos diante de novas formas de violência, porém agora re-con-formadas.
Um dos limites do texto de Knox é não demonstrar de modo mais concreto de que maneira os processos de racialização juridificada operam para além do período colonial. A força do argumento certamente tem muito a ganhar com um nível maior de concretude histórica. Ainda assim, parece-nos convincente a tese de Knox, à qual acrescentamos que, no caso da América Latina, a normalização neocolonial e dependente segue os mesmos passos da normatização da exploração da força de trabalho - antecedida pela legalização da escravidão e da servidão e sucedida pela convivência entre exploração e superexploração da classe trabalhadora, em nível mundial. Eis, portanto, o que consideramos outra - quiçá a mais importante - convergência entre nós: o neocolonialismo “não foi uma situação em que o racismo desapareceu, mas sim em que mudou para formas mais insidiosas ” (KNOX, 2024, p. 14). Assim como a relação jurídica dependente, as relações de racialização juridificada são estas formas insidiosas em face das quais Knox mobiliza a crítica nada mais nada menos que de Kwame Nkrumah (1973, p. 172): “o neocolonialismo é a concessão de independência política menos a independência econômica, vale dizer, uma independência que torna um Estado politicamente livre mas economicamente dependente do poder colonial”.
Por decorrência, revela-se no argumento de Knox ao menos mais um tema - que, para nós, será o derradeiro no contexto do presente diálogo - que se desdobra a partir do encontro entre valor, direito, dependência e racialização. Estamos nos referindo ao quefazer que Knox propõe, por ele delimitado em torno da expressão principled opportunism. Passemos, então, à oficina que a construção esconde, lugar onde trabalho é feito e que nossas chaves conseguem, descobrindo-a, abrir. Como sugere Telésforo (2024, p. 4), trata-se do principal elemento de aproximação ao direito insurgente naquilo que ele se diferencia, no contexto da América Latina, das teorias críticas do direito, em geral, e da crítica marxista do/ao direito, em particular - referimo-nos ao “uso tático do direito”.
2.4. “As táticas jurídicas precisam ser subordinadas ao objetivo estratégico mais amplo de contestar as relações sociais capitalistas...”: a aproximação insurgente a um uso tático do direito
Knox percorre um interessantíssimo caminho, ao fazer sua crítica pachukaniana ao direito, que o leva a afirmar a possibilidade de haver táticas jurídicas, dentro de um cenário teórico mais amplo que as diferencia das dimensões mais propriamente estratégicas de enfrentamento do capitalismo. Esse percurso, em realidade, destoa do que vem caracterizando o resgate mais difundido de Pachukanis para a crítica jurídica, uma vez que sua crítica avassaladora não costuma deixar sobrar espaço para o uso do direito, segundo seus mais divulgados intérpretes.
Para Robert Knox, “Pachukanis - como um membro comprometido e bastante ortodoxo do Partido Comunista - manteve uma compreensão leninista do imperialismo”. Portanto, um Pachukanis leninista emerge de sua leitura ao se referir a práticas de racialização do direito internacional, o qual se insere no “o imperialismo como estruturado por uma divisão internacional racializada do trabalho” (KNOX, 2024, p. 11). Isto quer dizer, para nossa abordagem, que faz sentido resgatar a presença de Lênin na obra de Pachukanis, o que, aliás, está presente em um dos ensaios publicados no primeiro volume de nosso dossiê devotado ao centenário de Teoria geral do direito e marxismo (PAZELLO, 2024c).
Esgrimindo as já mencionadas noções de estratégia e tática, Knox aponta para o horizonte de lutas que caracteriza os marxistas e que também não pode restar distante dos juristas marxistas, nem mesmo os pachukanianos, dado que sua práxis é composta tanto por teoria crítica quanto por prática revolucionária em suas mais diversas mediações (na qual se fazem sentir a resistência e a revolta populares, entre outros processos transformadores, para além de apenas a revolução como evento apoteótico, embora necessário).
A tradução que propomos para isso fecha o fio argumentativo de nosso diálogo aproximativo com Knox: o direito insurgente parte da crítica estruturante ao direito mas supõe, igualmente, seus usos políticos, dada a compulsoriedade do jurídico sob o capitalismo. Sendo assim, entendemos que a reflexão sobre estratégia e tática que Knox faz nos encaminha para o delineamento final de uma crítica jurídica insurgente.
É interessante observar o tratamento que o jurista britânico dá à questão, criando um elo entre textos anteriores (KNOX, 2010; 2011; 2014) e o mais recente, alvo de nosso interesse. Apesar de não termos condições de esmiuçar seus argumentos, é curioso notar sua crítica a dois extremos constantes nos estudos jurídicos críticos e que têm a ver com o problema da relação entre estratégia e direito: por um lado, o legalismo liberal e, por outro, o niilismo jurídico. Desse modo, essa crítica é reafirmada e resolvida, de uma maneira ou de outra, pela compreensão de que a estratégia remete aos objetivos políticos últimos, enquanto a tática tem a ver com a flexibilidade dos meios para se alcançar aqueles. Assim, aplicado ao problema da relação entre capitalismo, direito internacional e racismo, “as táticas jurídicas precisam ser subordinadas ao objetivo estratégico mais amplo de contestar as relações sociais capitalistas que geram processos de racialização” (KNOX, 2024, p. 17).
Ressaltamos que nosso esforço, em torno da elaboração acerca de um direito insurgente, vem seguindo o mesmo caminho (PAZELLO; FERREIRA, 2017) e tendeu a se explicitar, lastreado por alguns exemplos, reforçando basicamente o mesmo argumento (PAZELLO, 2022). Pois bem, nesse caso estendemos nosso diálogo levando em conta dois elementos conclusivos dele.
Primeiramente, assim como uma dimensão constitutiva do direito insurgente é a crítica sem concessões à forma jurídica, na mais tradicional interpretação que sói ser feita do legado pachukaniano, em Knox a questão aparece sublinhando-se os limites do direito, em um nível estratégico, especialmente aplicado à luta antirracista. Logo, “as lutas antirracistas, portanto, devem ser entendidas como parte de um conjunto mais amplo de lutas. Ao impulsionar o direito, devemos nos concentrar não no direito por si só, mas sim em como ele pode ajudar e fortalecer as forças sociais capazes de contestar as relações sociais capitalistas”. O corolário da proposta de Knox é suficientemente incisivo para que justifiquemos a reprodução de seu entendimento: “fundamentalmente, isto deve ser perseguido de modo abertamente subordinado à luta política contra o racismo, uma vez que apelar ao direito em seus próprios termos é, em última análise, apelar aos mesmos termos que produzem o racismo em primeiro lugar” (KNOX, 2024, p. 17).
O segundo elemento diz respeito à dimensão tática, que, tomando em consideração o que viemos formulando sobre um direito insurgente, implica um inafastável uso tático do direito. Knox concebe essa questão, muitíssimo corretamente, como uma subordinação explícita das táticas jurídicas à luta estratégica contra o racismo, uma das formas de aparição do capital, e enfeixa tal compreensão no principled opportunism. De forma bastante interessante, em debates pregressos - notadamente em uma das polêmicas que assume ante o jurista Bill Bowring -, Knox (2011, p. 38-39) define os limites da questão da seguinte maneira: “há um mundo de diferença entre aproveitar as oportunidades legais que surgem no curso das lutas sociais e enquadrar essas lutas sociais em termos de direitos”. Ao final de sua resposta ao colega jurista, ele sintetiza o problema: “as questões ‘táticas’ mais imediatas da luta jurídica não são determinadas pela lógica do campo jurídico, mas sim pela deliberação política coletiva, enquadrada por perspectivas teóricas, estratégicas e políticas” (KNOX, 2011, p. 45).
Eis, portanto, que a ideia do principled opportunism vem a se justificar, por ser expressão que permite tantos nos desvencilhar de moralismos analíticos quanto da lógica da coerência do uso do direito, a qual faz parte da cosmovisão jurídica (STUTCHKA, 2023, p. 83), solapando mesmo os mais valorosos juristas críticos, como os assessores jurídicos populares em suas imprescindíveis ações nos fronts jurídicos de batalha, de uma práxis (porque também teoria) insurgente. Para não remanescer obscuridades: a coerência precisa ser defendida, mas, como diria Knox, não é o campo jurídico que a define e sim a luta política dos movimentos populares com os quais os juristas se comprometem.
O que se nos revela, assim, é que ao percorrermos o edifício fechado - tais como nos são apresentadas - das mais diversas formas sociais do capital, descobrimos que as chaves que podem abri-las são produzidas em uma indústria, situada em alto-mar. O franco diálogo com Robert Knox permitiu-nos subir nessa embarcação industrial, a qual produz suas forjas na rota que atravessa o Atlântico. O quefazer em torno de um uso tático do direito traz à tona, também, o acesso à praça de máquinas do navio. E, com ele, emerge um verdadeiro Pachukanis transatlântico.
Considerações transatlânticas
Neste artigo, ao ensejo dos 100 anos de Teoria geral do direito e marxismo, buscamos abrir possíveis diálogos sul-norte sobre a coimplicação entre dependência e imperialismo, processos de racialização e direito insurgente com Robert Knox. Situamos o texto Direito internacional, raça e marxismo: esboço de abordagem baseada na forma-mercadoria, publicado neste segundo volume do dossiê “Pachukanis, insurgências e práxis”, no panorama da presença das formulações pachukanianas na produção teórica do autor. No texto, deparamo-nos com um arsenal de possíveis interações transatlânticas convergentes no sentido da emergência uma crítica marxista-pachukaniana geopoliticamente assentada e não niilista-abstencionista quanto ao direito e aos usos táticos que dele podem ser feitos.
É o que nos permitiu enfeixar desenvolvimentos categoriais em um conjunto de diálogos cuja resultante pode ser traduzida pela noção de direito insurgente, enriquecida por apreensões ainda não bem desenvolvidas no curso de tal formulação. A última seção de nossa exposição dedicou-se aos usos táticos do direito, o que se mostra coerente com o percurso no qual o marxismo se comunicou com a dependência e os processos de racialização e, em sua cúspide, entrelaçou-os com a forma e as relações jurídicas. Evidentemente, Pachukanis foi a mediatriz que, de uma maneira ou de outra, serviu de sustentáculo às fundamentações dialógicas que ousamos aqui realizar com o texto de Knox.
O exercício aqui realizado tem por resultado a apreensão de que, cem anos depois da primeira edição de Teoria geral do direito e marxismo, o Pachukanis que emerge desses diálogos transatlânticos é outro que aquele meramente teórico com o qual estamos acostumados a nos defrontar. Um Pachukanis dialógico, anti-imperialista, racializado, crítico da dependência e proponente de um uso tático-político do direito, do qual é exemplo histórico prático, soma-se ao culto debatedor da teoria do valor, ao expositor da mais alta abstração da forma jurídica e ao venerado formulador do marxismo revolucionário expurgado pelos descaminhos soviéticos. Um outro Pachukanis, pois bem, é um Pachukanis que - como nós e Knox - converge urgente e emergentemente para o direito insurgente.
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Notes
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