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Estado de direito vs. Arcaização do direito: a questão da especificidade da forma jurídica no capitalismo periférico dependente
Rule of Law vs. Law archaization: the question concerning the particularity of Law’s form in peripheral dependent capitalism
Revista Direito e Práxis, vol. 15, no. 4, e87726, 2024
Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Dossiê: Pachukanis, insurgências e práxis: 100 anos de Teoria geral do direito e marxismo - Volume 2


Received: 11 October 2024

Accepted: 19 October 2024

DOI: https://doi.org/10.1590/2179-8966/2024/87726

Resumo: O objeto de pesquisa é o fenômeno da arcaização da forma jurídica, que se revela em muitos sistemas jurídicos contemporâneos, incluindo o da Rússia de hoje. O estado da ordem jurídica russa atual indica o colapso de um dos objetivos declarados da política russa das últimas três décadas: a construção do assim chamado estado de direito. A teoria geral do direito acadêmica ainda não elaborou uma compreensão concreta dos processos correspondentes, na medida em que, temendo ultrapassar certas fronteiras ideológicas, ocupa-se principalmente com um dever-ser formalmente abstrato, e não com o concreto realmente existente. A arcaização nos sistemas jurídicos dos países contemporâneos é o renascimento de formas de direito, de prática jurídica e de consciência jurídica que são inerentes às sociedades pré-capitalistas. Fundamenta-se a tese de que o processo de arcaização do direito e da forma jurídica como um todo deve ser entendido como uma das regularidades objetivamente determinadas de desenvolvimento e de funcionamento das sociedades do capitalismo periférico dependente. O artigo examina os pré-requisitos objetivos desse fenômeno: seu condicionamento por relações socioeconômicas (preservação de elementos de outros modos de produção sob o capitalismo periférico), a desigualdade na distribuição de recursos sociais essenciais e a estrutura de classe social específica das correspondentes sociedades. O conceito geral de arcaização da forma jurídica assume contornos mais específicos quando a autora se volta à realidade da ordem jurídica russa contemporânea.

Palavras-chave: Arcaização do direito, Estado de Direito, Capitalismo periférico.

Abstract: The subject of this research is the phenomenon of archaization of legal form, which is reflected multiple modern legal systems, including the legal system of modern Russia. The author believes that the state of current Russian legal order testifies to the downfall of one of the declared goals of Russia’s policy of the last three decades - establishment of the so-called rule of law; while the general academic theory of law has not yet formulated a precise understanding of the corresponding processes, as fearing to go beyond the scope of certain ideological boundaries, it first and foremost deals with the formally due than with actually essential. Archaization in the legal systems of modern countries is the revival of the forms of law, legal practice and legal consciousness that are inherent to the pre-capitalist societies. The thesis is substantiated that the process of archaization of law and legal form as a whole, should be considered as one of the objectively determined development patterns and functionality of the societies of dependent peripheral capitalism. The article reviews the objective prerequisites for this phenomenon: its conditionality by socioeconomic relations (preservation of the elements of other production methods in terms of peripheral capitalism), inequality in distribution of the key social resources, and specific social-class structure of the corresponding societies. The general definition of archaization of legal form acquires more precise contours when the author turns to the realities of modern Russian legal order.

Keywords: Archaization of law, Rule of Law, Peripheral Capitalism.

Introdução1

Após a desagregação da URSS, do desaparecimento daquela forma social que os juristas liberais gostam de chamar de “sistema não-jurídico” e de “totalitarismo”, e do retorno da Rússia ao caminho do desenvolvimento jurídico “civilizado” na teoria geral do direito, no direito constitucional e em outras áreas da teoria do direito acadêmica2, a problemática do estado de direito (rule of law) adquiriu uma especial popularidade. Uma massa de livros e artigos foi escrita sobre esse tema, uma quantidade inumerável de horas acadêmicas foi gasta no debate sobre os meios de construção, fortalecimento e aperfeiçoamento do estado de direito em desenvolvimento, na discussão sobre a sua difícil, mas evidente evolução.

No entanto, nos últimos anos, o pathos que enchia os apologistas do emergente “estado de direito” diminuiu visivelmente, e as palavras correspondentes começaram cada vez mais a soar como um tributo formal aos “valores constitucionais” oficialmente declarados (tal como as palavras anteriores sobre o socialismo e o “estado de todo o povo” foram uma grande homenagem). Os teóricos do direito mainstream e ideólogos oficiais de hoje estão claramente tentando não problematizar este tópico, bem como outras ideias intimamente relacionadas a ele da tradição liberal-burguesa clássica (liberdade, democracia, sociedade civil, constitucionalismo, direitos humanos naturais, etc.), isto é, eles estão simplesmente tentando evitar esse aspecto. As ideias liberais outrora populares foram substituídas por discussões animadas sobre a “democracia soberana”, um “caminho especial”, o “apoio” nacional e a necessidade de apoio legal para a “modernização” em desacordo com os padrões ocidentais.

O que aconteceu? A explicação está à mostra, embora poucos na teoria do direito acadêmica escolhem voltar a atenção publicamente e de forma combativa a essa circunstância e tentar compreendê-la seriamente. A miragem do estado de direito, a cada passo dado em sua direção, foi se afastando para um horizonte cada vez mais longe no curso de três décadas (como não lembrar aqui do famoso ideal kantiano!) - e, no fim, quase desapareceu, transformou-se em puro espectro. Não surgiu nenhum estado de direito e não há fundamentos para pensar que a situação mudará em um futuro próximo. Aqueles que acreditavam nisso se desapontaram, e muitos se apressaram em desalojar da própria consciência esse erro verdadeiramente deplorável. Aqueles que inicialmente tão somente jogavam cinicamente um jogo ideológico assimilaram novas regras e se apressaram em mudar sua retórica. Não é que hoje não se fale mais sobre o estado de direito - falam, mas sem exagerar, apenas no formato daquelas palavras protocolares que são necessárias, por exemplo, para a justificação ideológica da “luta contra o extremismo” ou para a repressão dos protestos de rua. Falam em um formato que não se propõe a uma análise concreta daquela derrota por meio da qual acabou a “construção” e o “desenvolvimento” do estado de direito que alegadamente se realizava sob os escombros da URSS. Aqui, vem à mente uma leve comparação com o destino do conceito de socialismo na URSS: era possível usar a palavra e esconder-se atrás dela como uma cortina de fumaça ideológica, mas comparar a ideia e sua encarnação prática em um Estado tomado isoladamente é algo muito indesejável e prenhe de consequências.

A história da ciência, como também a história de outras esferas do espírito humano, testemunha o fato de que as melhores mentes de seu tempo agarraram-se em primeiro plano na resolução daquelas tarefas que mais agudamente se destacaram na própria realidade. Elas, mais agudamente que todos os seus contemporâneos, sentiram as contradições fundamentais do seu tempo e lançaram-se à sua resolução, mas não seguiram a estratégia do sábio gobião3 e não se esconderam da realidade, envolvendo-se em inofensivos jogos das contas de vidro4. Nesse sentido, a relação da teoria do direito acadêmica russa contemporânea, com a teoria geral do direito em particular, diante do problema da evidente falência do ideal do estado de direito serve como delimitador preciso daquele formato no qual ela, a teoria do direito acadêmica, existe e daquelas tarefas que ela resolve. Não sendo o último jogador do campo ideológico, a teoria do direito acadêmica se interessa em primeiro plano não na busca da verdade sobre o próprio objeto, não em compreendê-lo concretamente e sob todos os aspectos, mas sim em não cruzar as linhas vermelhas5.

De um jeito ou de outro, a óbvia derrota da ideia do estado de direito na teoria geral do direito nacional e da teoria do direito mainstream como um todo não foi compreendida no nível de regularidades particulares e gerais: tal compreensão, via de regra, é substituída por lamentações e menções exageradamente abstratas a um “caminho especial”, a uma mentalidade nacional específica e/ou a uma má vontade desses ou daqueles agentes políticos.

Outra consequência negativa da suplantação dessa problemática da ordem do dia consiste no fato de que ao mesmo tempo aqueles processos e fenômenos reais e muito sombrios que na realidade caracterizam a ordem jurídica russa contemporânea e a lógica de seu desenvolvimento são ignorados ou não encontram uma explicação concreta e em todos os seus aspectos. É ignorado, não é investigado em sua devida escala e dimensão, aquele fato de que nas últimas três décadas, na ordem jurídica russa, observam-se fenômenos de retrocesso de grandes proporções em muitas esferas. Retrocessos que vão desde os cantos obscuros da ordem jurídica até suas rodovias iluminadas, praticamente em todas as esferas do sistema jurídico: no direito positivo, nas relações jurídicas, na consciência jurídica na organização [устройстве] e na prática das instituições jurídicas. A cada momento origina-se o renascimento de outro gênero de arcaísmo [архаики], isto é, as formas jurídicas desenvolvidas, que em parte se formaram ainda no período soviético e em parte foram introduzidas formalmente já depois de 1991, são substituídas, deslocadas, por formas jurídicas arcaicas de outro gênero.

Não é possível dizer que os representantes da teoria do direito acadêmica não falaram de maneira alguma sobre esses processos (Ruvinski, 2020; Piermiakov, 2011; Piermiakov, 2017, p. 195; Karnauchenko, 2016), de todo modo, por exemplo, os representantes das outras ciências humanas, mais próximos da terra e que não se encontram sob tão forte supervisão ideológica, voltam sua atenção de maneira mais frequentemente a eles. O termo “arcaização” [архаизация], que já é ativamente usado há mais de uma década por sociólogos, culturólogos6, etnógrafos e representantes de outras ciências sociais russos que analisam a realidade pós-soviética (Akhiezer, 2001; Atchkassov, 1997, p. 170; Nikolaieva, 2005; Riabov, 2008; Lamajaa, 2009; Abdrakhmanov; Burantchin; Demitchev, 2016), provavelmente seria mais recepcionado no estudo do direito acadêmico se seus agentes se ocupassem mais frequentemente não com o dever-ser formalmente abstraído [отвлеченным формально должным] ou com o abstratamente desejado [абстрактно желаемым], mas com o concreto realmente existente.

Arcaização do direito no capitalismo periférico e na Rússia contemporânea

Se se fizer uma análise daqueles sentidos que os autores russos contemporâneos investem no conceito de arcaização, então é possível chegar à conclusão de que eles se reduzem a dois fundamentos. Em um sentido estrito, a arcaização nessa ou naquela esfera é entendida como uma restauração [возврат] de formas e práticas de sociedades pré-classistas e pré-estatais. Em um sentido mais amplo, o termo é usado para a designação de quaisquer fenômenos relativamente estáveis de retorno a quaisquer esferas de vida a um passado pré-industrial (muito frequentemente pré-capitalista), a formas e práticas de sociedades “tradicionais”. Por uma via ou por outra, o discurso em todos os casos discorre sobre o retorno a, ao que parece, normas, práticas sociais, institutos e formas de consciência para sempre perdidas no passado. Na maioria dos casos, a arcaização é examinada como um fenômeno negativo, um retrocesso, como um sintoma do mal-estar social ou mesmo da crise, embora alguns autores empreendem tentativas de fundamentar a normalidade do renascimento do arcaico desde a posição do “multiculturalismo” e do relativismo cultural.

Acredito que pode ser bastante produtivo compreender a arcaização na esfera jurídica dos países modernos como fenômenos de retrocesso, que se caracterizam pela restauração de formas do direito, de prática jurídica e de consciência jurídica inerentes às sociedades pré-capitalistas. Pode-se discutir se as abordagens dominantes para a compreensão da arcaização nas ciências humanas são suficientemente concretas, em qual grau essas abordagens satisfazem os critérios do conhecimento científico contemporâneo, mas não se pode negar que mesmo em seu aspecto mais abstrato, o conceito de arcaização é em grande medida mais apropriado para a descrição e análise de muitos processos que ocorrem em diferentes esferas da ordem jurídica russa do que os conceitos de “estado de direito em formação” e de “modernização jurídica”.

Acredito também que o uso proveitoso do conceito de arcaização do direito e da ordem jurídica é impossível sem a compreensão da regularidade fundamental que, de uma forma ou de outra, determina o desenvolvimento de todas as sociedades, Estados e sistemas jurídicos contemporâneos como resultado da assim-chamada globalização. Entende-se esse fenômeno como a formação de um único mercado capitalista mundial, que no mundo contemporâneo formou uma sociedade de classes global e dois mundos jurídicos completamente diferentes, mas inextricavelmente ligados entre si, desde o ponto de vista da segurança jurídica [правовой определенности7] e do desenvolvimento da forma jurídica: o mundo do capitalismo ocidental “clássico” (ortocapitalismo) e o mundo do capitalismo periférico (paracapitalismo), que por sua vez consiste na periferia capitalista dependente e independente (Siemionov, 2003a; Siemionov, 2003b). No mundo do ortocapitalismo, a segurança jurídica e o rule of law são incomparavelmente maiores do que no mundo do paracapitalismo, no qual a incerteza - e isto é particularmente característico dos países de capitalismo periférico dependente - acaba por ser uma das principais características do ser jurídico. Se em relação ao primeiro, bem ou mal, pode-se falar da existência um “estado de direito” ainda que formal, então, em relação ao segundo, pode-se falar sobre o arbítrio jurídico, que é elevado à norma, mas também sobre a peculiar arcaicidade [архаичности] e arcaização [архаизации] do direito e da ordem jurídica (Martinov, 2014; Lopatina, 2016; Zimmermann, 2013; Botcharov, 2009; Iassinski, s. d.; Kostogrizov, 2018).

Segundo a convicção do famoso antropólogo V. V. Botcharov, o “caos jurídico” é característico “de praticamente todos os estados do Oriente. No melhor dos casos, a própria elite política do Estado torna-se sujeito do direito ocidental copiado. Como resultado, o direito aparece apenas como uma fachada por trás da qual todos os estratos da sociedade vivem de acordo com ‘leis não escritas’. Em uma palavra, é possível constatar que as práticas político-jurídicas cotidianas nos países da Ásia, África ou América Latina são verdadeiramente uma refutação completa da legislação oficialmente existente, elaborada principalmente desde o modelo europeu” (Botcharov, 2009). Além disso, o pesquisador nota especialmente que a cultura jurídica do Oriente consiste em duas partes: a cultura jurídica consuetudinária [обычно-правовой] tradicional (do contexto deduz-se que o autor entende esse direito informal no sentido amplo como uma “lei não escrita”) e a cultura jurídica do Ocidente, representada pela legislação oficial, sendo que é a cultura jurídica consuetudinária que domina propriamente (Botcharov, 2009). “Como resultado de tal interação”, resume V. V. Botcharov (2009), “surge uma realidade jurídica única em que Estados inteiros se enquadram na classificação de ‘criminosos’. Na verdade, as ‘leis não escritas’ tornam-se as normas de toda a sociedade”.

Outros representantes do mainstream jurídico também focalizam essa diferença entre as ordens jurídicas ocidentais desenvolvidas e outras ordens jurídicas menos desenvolvidas, mas além disso, via de regra, eles tentam compreendê-la em uma chave abstrato-idealista, reduzem as correspondentes “anomalias” jurídicas à mentalidade ou a outros fatores subjetivo-voluntaristas e propõem, na qualidade de recomendações cientificamente fundamentadas, ou elevar a cultura jurídica e fortalecer a legalidade, ou aceitar o arcaísmo jurídico e o particularismo jurídico como algo dado. Mencionamos os votos de congratulação do primeiro tipo concernentes à correção dos vícios do sistema jurídico russo, ouvidos na ciência jurídica nacional há algumas décadas, mas as coisas ainda estão lá - ou, mais precisamente, estão a avançar firmemente em direção a uma indeterminação [неопределенности] ainda maior da ordem jurídica.

A indeterminação [неопределенность] jurídica fundamental inerente à ordem jurídica dos países de capitalismo periférico em geral e dos países de capitalismo periférico dependente em particular é condicionada pelo modo de produção específico existente, pelas relações de propriedade peculiares e por uma estrutura social e classista específica. Nesses países não há os pré-requisitos que condicionam a forma do “estado de direito” [правового государства] e a segurança jurídica [правовую определенность] a ele correspondente, que é imensamente maior nos países do capitalismo ocidental clássico (ortocapitalismo).

Quais são precisamente esses pré-requisitos ausentes? Antes de tudo, o capitalismo periférico não é uma etapa “transitória” no desenvolvimento da sociedade, da qual a indeterminação jurídica poderia ser explicada pelas complexidades desse mesmo “trânsito”, e não é uma forma inicial de capitalismo clássico do tipo ocidental, mediada em seu estado normal por uma forma jurídica relativamente determinada e estável (“the rule of law”). O capitalismo periférico é uma forma social específica plenamente estável em seus traços essenciais, tendo, precisamente por sua própria natureza, como característica determinada simbiose de relações capitalistas e pré-capitalistas (Siemionov, 2003a), e consequentemente é também uma simbiose da forma jurídica burguesa clássica e de vários gêneros de formas jurídicas “arcaicas” [архаичных] que medeiam estas relações pré-capitalistas.

Além disso, é necessário compreender nitidamente que o “poder de direito” [власть права], incluindo a ligação relativa do poder estatal com um sistema unificado de direito positivo, é inerente à própria sociedade burguesa, na medida em que ela, na expressão certeira de E. Pachukanis (2017, p. 146), “representa um mercado”. A ligação do poder estatal e dos participantes na vida económica com um sistema unificado de direito positivo é uma garantia de troca estável de mercadorias no mercado, uma condição de existência de um mercado capitalista concorrencial unificado nos limites de todo o país. No entanto, nos mercados internos dos países de capitalismo periférico dependente, a livre concorrência praticamente não existe: todos os principais recursos econômicos nesses países estão concentrados nas mãos de grupelhos oligárquicos e o mercado aqui não funciona como regulador da produção (Siemionov, 2003b) - sua lógica é “corrigida” pela ação do assim chamado “recurso administrativo” e de outros mecanismos extramercantis. Como consequência, a forma jurídica burguesa, determinada e unificada para todo o espaço econômico, revela-se não apenas como algo não reivindicado, mas muitas vezes até mesmo prejudicial para os beneficiários de tal sistema: ela entra em conflito com os direitos-privilégios reais da elite econômica e política, incluindo o seu “direito ao arbítrio”, uma espécie de “nova lei do mais forte” [новым кулачным правом].

Há muito que não é segredo que, sob o capitalismo clássico, a igualdade jurídica formal medeia a desigualdade fática, mas existe ainda outra regularidade [закономерность8]: o princípio da igualdade jurídica formal ainda não resiste às tensões gestadas pela profunda desigualdade social; se a distribuição fática dos capitais sociais fundamentas, antes de tudo a propriedade e o poder, é caracterizada por desproporções demasiadamente grandes, o princípio da igualdade formal começa a ser castrado tanto no próprio direito positivo como na aplicação do direito, isto é, os sujeitos mais poderosos nas relações econômicas e políticas escapam da influência desse princípio, recebem tanto direitos-privilégios oficiais quanto direitos-privilégios fáticos, que lembram os privilégios de casta [сословные] nas sociedades pré-capitalistas.

Na medida em que todas as sociedades de capitalismo periférico dependente são caracterizadas por um nível muito elevado de desigualdade social, consequentemente uma forma jurídica unificada, mesmo se ela for formalmente introduzida em uma etapa qualquer e em quaisquer esferas, revela bastante rapidamente a sua inaptidão e desintegra-se gradualmente. Por um lado, essa forma jurídica é substituída pelo particularismo do direito [правовой партикуляризм] fático e até mesmo jurídico-formal [формально-юридический], por outro lado, aquelas relações sociais que não se enquadram na esfera de influência do direito positivo, ou pelo menos na do direito faticamente sancionado pelo Estado, passam a ser reguladas por um gênero diverso de direito não-estatal “consuetudinário”, que se baseia na força de coerção de outras comunidades sociais. Estes são os pré-requisitos mais gerais que condicionam a indeterminação jurídica [правовую неопределенность] e a “arcaização” [архаизацию] da forma jurídica nos países de capitalismo periférico em geral e do capitalismo periférico dependente em particular.

Repetindo mantras sobre uma mentalidade indesejável, o pesado legado de um passado totalitário ou “laços” nacionais únicos e as vantagens da “democracia soberana”, os juristas mainstream nacionais estão longe da compreensão concreta da circunstância de que a Rússia contemporânea, sete décadas após a Revolução de Outubro, regressou ao caminho do capitalismo periférico dependente e que, portanto, não pode haver “supremacia do direito” [верховенства права] ou “domínio da lei” [господства закона] na sociedade russa contemporânea por causa daquela mesma regra geral [закономерности], que causa a sua ausência em todas as sociedades típicas de capitalismo periférico dependente da América Latina, da África e da Ásia.

Concretizando aqueles fundamentos que predeterminam o retrocesso da ordem jurídica russa contemporânea, deve-se, em primeiro lugar, voltar a atenção à especificidade do modo de produção dominante na Rússia: como em outros países periféricos, ele é muito menos homogêneo do que nos países do Ocidente - em particular, estão nele presentes impregnações bastante significativas de neopolitarismo9 (Siemionov, 2008, p. 380-400), que, na qualidade de forma jurídica própria, pressupõe sempre uma arbitrariedade jurídica evidentemente expressa; além disso, «nas margens» desse modo de produção continuamente brotam atavismos de relações quase feudais e até mesmo escravistas (Riabov, 2008; Peritos…, s.d.; Charafiev, s.d.; Vassalagem…, 2010).

A classe dominante na sociedade russa contemporânea não é a burguesia clássica de tipo ocidental, mas uma burguesia-burocracia interessada em métodos informais e forçados de redistribuição do produto social e da propriedade dos meios de produção. A indeterminação jurídica é a água turva na qual essa classe pesca o seu peixe. Não é por acaso que a seguinte regularidade [закономерность] pode ser traçada na implementação das decisões do TEDH [Tribunal Europeu dos Direitos Humanos] pela Rússia. A Rússia toma frequentemente vários tipos de medidas privadas, tais como a revisão de decisões judiciais em casos concretos e o pagamento de compensações monetárias àqueles cujos direitos foram violados, mas medidas de caráter geral, incluindo mudanças da legislação, transformação de instituições, rejeição desta ou daquela outra prática viciosa (violação da liberdade de reunião pacífica, etc.), via de regra, são por ela sabotados (Tchiernikh, 2020).

Finalmente, no país não há uma democracia burguesa que permita em grau significativo “entrelaçar” o aparato de Estado ao direito: de um lado, a própria burguesia não se tornou em grande parte uma classe para si mesma, capaz de competir seriamente com a burocracia, de outro lado, a consciência de classe do povo encontra-se em um nível extremamente baixo, o povo não se tornou ao menos um sujeito independente da política. A cultura de auto-organização das bases e da luta de classes consciente pelos seus interesses nunca foi por ele obtida. Deparando-se na realidade com uma nova sociedade de classes, nas garras de uma dupla exploração - interna e externa -, o povo russo aparece no palco político apenas no papel de objeto de manipulações ideológicas e de uma política bonapartista.

É precisamente por causa das razões e regularidades [закономерностей] mencionadas que, em vez do rule of law nos diversos níveis do sistema jurídico pós-soviético - na esfera do direito positivo, na esfera do direito realmente vigente (ordem jurídica fática) e na esfera da consciência jurídica - os sintomas de retrocesso e de arcaização podem ser distinguidos até mesmo a olho nu.

Assim, no campo do direito positivo (oficialmente sancionado), há uma contradição flagrante entre a Constituição formal e as leis que a castram, a negação de elementos da forma jurídica constitucional democrático-burguesa em prol de mecanismos constitucionais autoritários, a substituição de princípios e de garantias constitucionais liberal-burguesas por “valores” e ideologemas “patriarcais” e de diversos matizes da direita (emendas à Constituição da Federação Russa em 2020). Em um nível mais inferior, acontece uma castração das leis pelos atos infralegais e de aplicação do direito. No mesmo direito positivo, há muito que ocorre uma rejeição parcial dos princípios de um Estado laico: a introdução da propaganda religiosa nas escolas sob o pretexto de cursos formalmente laicos sob a base das culturas religiosas e da ética secular; regimes jurídicos preferenciais para a Igreja Ortodoxa Russa; a introdução da responsabilização penal por ofensa aos sentimentos dos fiéis; uma recente emenda simbólica à Constituição, que entrelaça a continuidade histórica do Estado russo à fé religiosa. Na última década, é notável uma virada conservadora de direita na regulação das relações familiares: descriminalização da violência doméstica familiar (Kozlova, 2017), tentativas persistentes de restringir legislativamente o direito ao aborto (Pushkina…, 2020) e de discriminação das pessoas LGBT. Nesse sentido, privando - não sem o amparo dos teóricos mainstream do direito, que argumentaram a viciosidade do paternalismo estatal - a maioria dos cidadãos de uma parte significativa daqueles direitos sociais que foram garantidos durante o período soviético, o poder gradualmente expande os privilégios jurídicos de caráter estamental-classista para a elite econômica e política, de vários agrupamentos das classes dominantes (Luneev, 2017).

No nível da ordem jurídica fática, um sintoma marcante de retrocesso jurídico revela-se na ausência de reivindicação de muitas formas desenvolvidas de direito positivo, de sua “primitivização” nas relações jurídicas reais. “Dificilmente se pode negar”, constata o conhecido civilista A. A. Ivanov, que por muitos anos foi presidente do Supremo Tribunal de Arbitragem da Federação Russa, “que a nossa atividade civil é bastante primitiva em comparação com o nível da legislação civil. O Código Civil sim, e, talvez, outras leis na esfera do direito civil, têm um nível mais ou menos decente mesmo para os padrões europeus, particularmente se os comparar com os numerosos atos público-jurídicos que não formam um sistema coerente. A prática mesma de aplicação da legislação civil possui um caráter fundamentalmente diferente. Muitas instituições de direito civil, na sua maioria complexas, não são reivindicadas. Se elas são utilizadas, então a sua essência é frequentemente distorcida e elas servem a outros fins que não os das ordens jurídicas desenvolvidas” (Ivanov, 2015).

Houve uma espécie própria de institucionalização da lei do mais forte [кулачного права], incluindo a redistribuição forçada de pedacinhos de propriedade com a ajuda do famigerado “recurso administrativo” (O recurso…, s. d.). Em comparação com o período soviético, expandiu-se a esfera de ação dos padrões duplos e triplos na aplicação do direito [правоприменении] e notou-se um aumento da violência “estatal-institucional” diversificada e dos costumes coincidente com o poder patriarcal: em relação a pessoas detidas pela polícia; a tortura de suspeitos da realização de crimes; a violência no sistema de cumprimento de penas; trotes no exército; a violência contra crianças em internatos e outros casos.

A nova normalidade tornou-se o renascimento do direito religioso na periferia do país (Cáucaso do Norte) (Gozguiecheva, 2011; Miskorov, 2002). “O renascimento da religiosidade e do tradicionalismo islâmico”, escreve S. M. Gozguiecheva (2011), “tem sido cada vez mais observado na última década na região do Cáucaso do Norte. Então, o ex-presidente da Inguchétia, o general R. S. Auchev, levantou a questão de levar em conta as especificidades locais na legislação federal, até mesmo em suas manifestações extremas: a da rixa de sangue. No oeste e no centro do Cáucaso do Norte, restauram-se a poligamia limitada e os casamentos com garotas menores de idade. O dote de casamento ainda está em vigor nos presentes dias. Tudo isto não é legalizado pela legislação russa, mas o já fraco sistema de cumprimento da lei na região não consegue dar conta da situação e, em alguns casos, assimila uma recaída tão massiva dos antigos costumes dos povos do Cáucaso do Norte como algo inalienável e familiar à vida da região.”

A unidade da ordem jurídica estatal é abalada pelo particularismo jurídico, algumas manifestações do qual recordam a ordem jurídica do despotismo oriental, na qual o chefe de estado era dotado do direito incondicional à vida e à morte dos seus súditos (Ruvinski, 2020). Como um todo, a esfera das relações sociais expandiu-se visivelmente, as quais não são mediadas pelo direito positivo, mas são mediadas por um direito obscuro [теневым правом], incluindo o direito consuetudinário (Botcharov, 2009). Assim, é o direito obscuro que propriamente medeia formas de exploração que não são distinguíveis ou são difíceis de distinguir da escravidão e da dependência feudal (Riabov, 2008; Peritos…, s. d.; Charafiev, s. d.; Vassalagem…, 2010; Kovalienko, 2017).

Certamente, essa não é uma lista exaustiva dos fenômenos em que se manifestam o retrocesso jurídico e a arcaização do direito e que, em algum grau, constituem a vida cotidiana do cidadão comum e de qualquer jurista e operador do direito. No entanto, a teoria mainstream do direito, quando fala sobre qualquer um destes problemas, o faz da forma mais abstrata, sem nomear muitas das manifestações odiosas, mais flagrantes e socialmente perigosas de retrocesso jurídico e de arbitrariedade. Acontece que esses problemas específicos muitas vezes recebem atenção não de teóricos acadêmicos do direito, mas de escritores, jornalistas, ativistas de direitos humanos, bem como dos próprios cidadãos, que vez ou outra conseguem relatar alguma história ultrajante nas redes sociais.

Ao contrário do que a ideologia oficial tenta convencer a sociedade, a dinâmica da ordem jurídica russa não deixa ilusões aos cidadãos comuns e aos juristas e operadores do direito. Três décadas depois do desaparecimento da sociedade soviética, recobra forças na consciência pública, especialmente na consciência daqueles que tiveram a experiência de viver na URSS, a convicção de que após esse período não houve nenhuma evolução qualitativa da ordem jurídica desde o ponto de vista dos interesses sociais, que, pelo contrário, houve a sua degradação em muitos parâmetros-chave. De acordo com a expressão bem-sucedida de Iu. E. Permiakov (2011, p. 4), que se relaciona diretamente com as nossas realidades, “a degradação da vida jurídica [...] é sentida intuitiva e inequivocamente”.

Em uma entrevista recente, K. I. Sklovski, um dos principais civilistas russos, falou sem rodeios: “na minha opinião, nunca houve uma crise da justiça tão grande como hoje na história da Rússia. [...] Se não considerarmos a era do Grande Terror, etc., sim, a crise atual pode realmente ser considerada sem precedentes, isso nunca aconteceu em processos judiciais civis. Nos tempos soviéticos, com certeza, a justiça civil lidava com uma esfera de assuntos muito mais restrita do que agora, mas o grau de objetividade, validade e previsibilidade das decisões judiciais era muito maior” (A instituição…, s. d.). Os especialistas fazem avaliações semelhantes também sobre a justiça criminal. O membro do Conselho Presidencial para o Desenvolvimento da Sociedade Civil e dos Direitos Humanos E. Mislovski tem repetidamente, inclusive em reuniões do Conselho com a participação de V. Putin (O forno…, 2020), constatado a degradação da justiça penal e a queda de sua classificação, de acordo com o jurista: “os tribunais transformaram-se num lamentável apêndice da investigação preliminar, e a procuradoria age como um criado a servições do patrão - ‘o que queres?’” (Mislovski, s. d.).

O diretor do Instituto Jurídico M-Logos, o Doutor em Direito A. G. Karapietov, que está entre os mais respeitados civilistas russos, comentando o discurso aclamado do chefe da Guarda Russa V. Zolotov contra A. Navalny, em sua página na rede social Facebook, 11 de setembro de 2018, escreveu isto: “O arcaico está crescendo10. Agora, as provações como meio de se livrar das acusações de corrupção, exílio [поток11] e pilhagem para os inimigos do soberano já são praticados em várias regiões. A tortura há muito tempo se tornou a norma. A abordagem feudal da propriedade criou raízes. A propina [кормление12] e o localismo são evidentes. O parlamentarismo e a separação de poderes foram destruídos e deram lugar à bem conhecida monarquia absoluta. A menos que um cavalo seja trazido para a Duma, o princípio hereditário de transferência de poder ou algo no espírito do principado romano está gradualmente emergindo. Os mesmos cossacos com chicotes... O que vem a seguir? Açoites e corredores poloneses para os servos, a ressurreição do domostroi [Домострой13], masmorras para os apoiadores das ‘heresias judaizantes’, proscrições…” (Karapietov, s. d.).

Como consequência da degradação da ordem jurídica revela-se um nível invariavelmente baixo de confiança no sistema de cumprimento da lei [правоохранительной системе], um elevado nível de insatisfação com as suas atividades. Uma das pesquisas recentes (agosto de 2020) do Levada Center mostrou que a procuradoria russa, os tribunais e a polícia têm um déficit de confiança, encontrando-se em “uma zona de avaliação predominantemente negativa” (Gudkov, s. d.). Referindo-se aos dados do VTsIOM [Centro de Estudos da Opinião Pública de Toda a Rússia], o famoso criminólogo V. V. Luneev constata que, na Rússia, quase metade das vítimas de crimes (49%) evita procurar ajuda dos órgãos de cumprimento da lei [правоохранительные органы], na medida em que as pessoas acreditam que a polícia não as ajudará (Luneev, 2018, p. 35). A insatisfação com as ações dos órgãos de aplicação da lei [правоприменительных органов] está correlacionada com o número de recursos dos russos ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. Assim, desde 2018, a Rússia lidera o número de queixas apresentadas a essa estrutura. Em 2019, mais de um quarto (15.050) de todos os recursos tiveram origem da Rússia, o que é um recorde para os últimos sete anos (Kornia, 2020).

A consciência jurídica frustrada da pessoa comum [обывателя] russa tem oscilado entre os extremos do idealismo jurídico e do niilismo jurídico durante três décadas, ocasionalmente encontrando consolo naqueles - também, em essência, arcaicos - ideologemas e falsos ideais jurídicos que a ideologia jurídica utilmente lhes sugere. Se nos anos 90 e na primeira década do século XXI, a pessoa comum [обывателя] no contexto pós-soviético foi bem-sucedidamente servida pelas ilusões jurídicas do início dos Novos Tempos e pelos ideologemas do liberalismo burguês refinado, purificado de conteúdo revolucionário, na última década tanto o poder oficial quanto -- com sua ajuda -- uma série de detentores de autoridade da consciência jurídica sistematizada empreendem esforços consideráveis para, sob o pretexto de vários tipos de “vínculos jurídicos nacionais” e de valores da “democracia soberana”, reviver na consciência dos russos a boa e velha tríade de Uvarov14. Infelizmente, esses esforços obtiveram algum sucesso. Se, em apenas algumas décadas, a sociedade quase suplantou da sua consciência política e jurídica aqueles ideais que estão gravados nas pedras das valas comuns do Champs de Mars e pelos quais o herói do filme “Tenho Vinte Anos”15 seriamente se envolveu. Ainda, se esta sociedade primeiro se deixou seduzir pelo ideal jurídico do filisteu vulgar Nevzorov da história de A. N. Tolstoi16, e, então, tendo sido feita de tola, resignou-se com sua própria falta de subjetividade e tolera silenciosamente quando se limitam direitos políticos, civis e sociais sucessivos, então estes não são simplesmente sintomas de retrocesso e de arcaização -- são, portanto, sintomas de uma catástrofe nacional.

A ordem jurídica dos países do capitalismo periférico dependente não é remediada nem com a pregação e internalização de um comportamento jurídico, nem com o cassetete policial. Tampouco com o aparafusamento de vários tipos de porcas e com o fortalecimento de vários tipos de “amarras” e de um poder vertical, nem com receitas jurídico-formais, incluindo bons votos de concretizar e harmonizar no máximo possível o direito positivo a nível nacional e a nível internacional. Como a prática também já demonstrou, não pode ser remediada com o investimento de dinheiro em projetos de rule of law (Trubek, s. d.). A história do século XX, principalmente a história da Revolução de Outubro e de outras revoluções antiparacapitalistas (termo de Iu. I. Siemionov) bem-sucedidas, sugere que este tipo de regressão e arcaização é superado exclusivamente por alguma redistribuição suficientemente radical dos capitais sociais fundamentais - a propriedade dos meios de produção, de poder político e de conhecimento.

No mínimo, é necessária uma suavização da desigualdade socioeconômica, bem como é necessário um rumo à socialização da propriedade privada e à democratização radical da vida política e social. Esta é a única receita eficaz para a superação daquela indeterminação jurídica que serve os interesses da minoria privilegiada. Considerando a realidade de uma sociedade de classes global, em que o retrocesso jurídico e social de uns países é a condição para o relativo bem-estar jurídico e social de outros, há todos os fundamentos para insistir que a ideia de uma nova revolução socialista mundial não é menos atual hoje do que há um século atrás, e que não é coincidência que, na consciência da sociedade ocidental, o socialismo já não seja mais o espantalho que ele foi durante o decurso de grande parte do século XX.

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Notes

1 O presente artigo é uma tradução realizada por Pedro Pompeo Pistelli Ferreira e Moisés Alves Soares de SOLOMKO, Zarianna Vladimirovna. Правовое государство vs архаизация права: к вопросу о специфике правовой формы зависимого периферийного капитализма. Право и политика [Direito e Política], [s. l.], n. 11, p. 41-56, 2020. A inserção deste texto dentro do segundo volume do dossiê “Pachukanis, insurgências e práxis” ocorre desde um cenário de continuidade com a entrevista realizada pelos tradutores com a autora, disponível no primeiro volume e publicado na revista InSURgência (Cf. SOLOMKO; SOARES; FERREIRA, 2024). Especificamente, optamos por trazer ao público brasileiro um artigo da autora que aprofunda e debate com maior cuidado a questão da peculiaridade da forma jurídica em países de capitalismo periférico e, em especial, na Rússia atual. Aqui, será possível perceber uma aplicação criativa e contemporânea dos marcos gerais da crítica da forma jurídica elaborados por Pachukanis para destrinchar um caso concreto cujo diálogo com a realidade brasileira é evidente. Com essa aposta de estreitamento das pesquisas sobre crítica marxista ao direito no Brasil e na Rússia, reiteramos a atualidade da contribuição da Teoria Geral do Direito e Marxismo, bem como seu possível emprego para pensar uma práxis de libertação desde o capitalismo dependente e periférico [Nota da Equipe de Tradução].
2 No decorrer do texto, Zarianna Solomko, ao se referir à “teoria acadêmica do direito”, realiza um contraste entre o produzido pela ciência jurídica, sobretudo nas universidades, e um direito teorizado por “escritores, jornalistas, ativistas de direitos humanos”, inclusive os próprios cidadãos relatando as violações de seus direitos em redes sociais. Uma leitura que opõe uma espécie de teoria sobre o direito oficial a outras categorizações derivadas de outras fontes e sujeitos [Nota da Equipe de Tradução].
3 Trata-se de uma referência a um conto de fadas satírico de Mikhail Saltykov-Shchedrin, publicado em 1883. Consiste na história de um peixe, o gobião, que, alertado dos perigos do mundo, cavou um buraco em que só ele conseguia entrar, escondendo-se durante o dia e saindo apenas sob a segurança da escuridão da noite. Assim, acabou por ter uma vida longa, mas começou a questionar se, de fato, tinha vivido plenamente, já que evitou os riscos e desafios que fazem parte de uma vida vivida fora da proteção. Lênin utilizou o termo para identificar os liberais russos que passaram a apoiar o modelo de democracia constitucional. Embora possua outras interpretações, o Peixe Sábio, ou Sábio de Gobião, representa um ideal de conformismo preocupado apenas com a própria sobrevivência pessoal ou com a manutenção de sua posição na sociedade [Nota da Equipe de Tradução].
4 A referência é ao romance “O Jogo das Contas de Vidro”, de Hermann Hesse, publicado em 1943. Nesse livro, os jogos de vidro regem uma sociedade futura, que é estruturada em torno de decisões tomadas por meio de jogos intelectuais dissociados da materialidade da vida social [Nota da Equipe de Tradução].
5 “Linha vermelha” ou “cruzar a linha vermelha” é uma expressão utilizada mundialmente em discussões militares e de geopolítica para se referir a um ponto ou fronteira imaginária cujo cruzamento implica uma série de consequências graves e irreparáveis que chegam a justificar uma retaliação bélica. Trata-se de um limite que, uma vez ultrapassado, não há ponto de retorno [Nota da Equipe de Tradução].
6 A culturologia é uma disciplina de estudo da cultura como seu objeto privilegiado. Diferentemente da tradição acadêmica francesa, estadunidense (na qual há a centralidade da antropologia) ou alemã (centrada nos estudos sobre a cultura), a culturologia é um ramo do conhecimento dotado de particularidades próprias e que se institucionalizou na União Soviética, principalmente desde a influência de autores como Mikhail Bakhtin, Iuri Lotman e Viatcheslav Ivanov. A partir da década de 1980, essa linha de estudos foi reconhecida como uma disciplina independente pelas universidades e pelas instituições de regulação do ensino superior na Rússia. Preocupa-se, basicamente, com o estudo das culturas humanas desde um instrumental interdisciplinar (historiográfico, linguístico, sociológico e psicológico, por exemplo) e voltado à compreensão, descrição, análise e previsão do processo cultural como um todo [Nota da Equipe de Tradução].
7 Aqui, é interessante justificar a escolha de tradução de um par de vocábulos intrinsecamente atrelados no argumento de Solomko: os de правовая неопределённость [pravovaya neopredelyonnost’] e de правовая определённость [pravovaya opredelyonnost’]. Eles foram traduzidos respectivamente como “indeterminação jurídica” e como “segurança jurídica”. No caso, a intenção foi a de manter o sentido de indeterminação, falta de nitidez e de previsibilidade característicos do termo neopredelyonnost’, o que nos conduziu à escolha do vocábulo mais literal disponível (em especial quando o verbo opredelit’ é tão profundamente associado à noção de determinar, fixar ou definir) no primeiro caso, optando-o em detrimento de noções como incerteza ou insegurança jurídica, que estão associados a tradições jusfilosóficas específicas de interpretação do direito que não são subscritos pela autora. No segundo, optamos pela noção de “segurança jurídica” como a expressão que mais condizentemente conecta-se à percepção de que as pessoas, nessas ordens jurídicas de baixa determinabilidade, são ameaçadas pelas imensas possibilidades de decisões judiciais e punições que podem surgir de qualquer lugar ou por meio dos argumentos mais inusitados durante a prestação jurisdicional, isto é, são vistas como infratoras permanentes em uma zona cinzenta jurídica (Cf. SOLOMKO; SOARES; FERREIRA, 2024, p. 39-40). Assim, o oposto a essa situação seria a sensação de estar em segurança ou a salvo desses múltiplos acossamentos [Nota da Equipe de Tradução].
8 Na língua russa, há a diferenciação terminológica de dois sentidos que, em português, estão agregados na palavra “lei”: de um lado, há a lei-norma, lei como regra de conduta ou como lei objetiva natural [закон, zakon]; de outro, há a lei-regularidade, isto é, a lei científica que identifica regularidades, contradições e interdependências entre os fenômenos [закономерность, zakonomernost’]. Desse modo, o último termo, por essa complexidade, aparece ao longo do texto indicado quando ocorre seu emprego pela autora. Na maior parte dos casos, optamos por traduzi-lo como “regularidade”, mas, em certos momentos, o contexto específico do argumento pode transformá-lo na noção de lei, regra geral ou padrão. [Nota da Equipe de Tradução].
9 A partir do conceito de “neopolitarismo”, Solomko faz referência à obra de Siemionov (2008) e ao seu conceito-chave de modo de produção politário. Com essa categoria, o antropólogo russo pretendeu renomear as sociedades do modo de produção asiático a partir de um adjetivo que pusesse ênfase na sua organização como polis e, portanto, como entidade política altamente dependente do Estado, da burocracia, das instituições e do exército. Assim, afastou-se do termo политическое polititcheskoe [político] e empregou uma palavra semelhante: politarnoe [политарное]. No caso, portanto, o neopolitarismo referenciado por Solomko quer indicar uma aparição contemporânea de traços característicos dessas sociedades politárias antigas [Nota da Equipe de Tradução].
10 A tradução da presente citação suscitou uma série de dificuldades, decorrentes principalmente do uso recorrente de menções diretas a tradições, medidas e práticas costumeiras antigas e ancestrais da Rússia. No caso, tentou-se facilitar a compreensão direta dos sentidos aos quais se referia com palavras semelhantes na língua portuguesa, mas sempre com notas explicativas para permitir a compreensão mais aprofundada de qual instituição social foi especificamente mencionada. Além disso, o central do argumento é justamente o como essas práticas “arcaicas” começam a tomar forma e retornar em várias regiões e localidades do território russo [Nota da Equipe de Tradução].
11 Potok [поток] faz referência a uma forma de punição na Rússia medieval que combinava exílio, confisco de bens e escravização. Além da perda de propriedade e do banimento, o condenado poderia ser escravizado como uma medida adicional de degradação e reparação em relação ao seu estamento social [Nota da Equipe de Tradução].
12 Kormlenie [кормление], cuja tradução literal significa “alimentação” ou até mesmo “amamentação”, faz referência a uma espécie de imposto ou tributo da época da Rus’ antiga que perdurou até meados do século XVI. Nela, o príncipe costumeiramente enviava governadores, funcionários públicos e oficiais militares para cidades e regiões [volosts] afastadas, onde, então, defendia-se que era dever dos habitantes manter e “alimentar” [кормить] os funcionários da nobreza enquanto eles estivessem estabelecidos na região tanto com contribuições de bens in natura quanto com contribuições monetárias [Nota da Equipe de Tradução].
13 É um conjunto de regras, instruções e conselhos do século XVI que regulava diversos aspectos da vida religiosa, social, doméstica e familiar na Rússia. Com foco no controle tanto da esfera pública quanto privada, o Domostroi [Домострой] promovia a submissão a Deus, representado pela Igreja, e ao tsar, reforçando a hierarquia social e a ordem estabelecida. Suas principais obrigações incluíam o jejum, a oração, a veneração de ícones e a prática da caridade, refletindo um forte compromisso com os preceitos ortodoxos. Essas orientações buscavam garantir a coesão familiar e social dentro de um modelo patriarcal rigidamente estruturado [Nota da Equipe de Tradução].
14 A tríade de Uvarov é, em seu sentido mais restrito, uma referência ao lema “Ortodoxia, autocracia e nacionalidade”, cunhado por Sergei Semionovitch Uvarov (1786-1855), o qual, por sua vez, exerceu o papel de principal conselheiro político e intelectual de Nicolau I (1796-1855). Em sentido mais amplo, abrange toda a doutrina oficial tsarista adotada durante o reinado desse monarca, baseada principalmente na busca de uma unidade do Império por meio de um reforço da direção moral do cristianismo ortodoxo e da autoridade soberana e absoluta do imperador como Pai do Povo e representante de toda a nacionalidade russa, que deveria, por sua vez, demonstrar lealdade incondicional a seu líder e opor-se a influências estrangeiras [Nota da Equipe de Tradução].
15 Aqui, faz-se menção à última versão autoral do filme Tenho Vinte Anos, do cineasta georgiano-soviético Marlen Khutsiev, lançado inicialmente no ano de 1965 e reeditado em 1988, com os cortes do diretor. A obra, inicialmente projetada com o nome Застава Ильича [Zastava Il’itcha - O Portão de Ilitch] (um bairro cujo nome fazia uma homenagem a Lênin), faz um retrato do período do Degelo Soviético, após o XX Congresso do PCUS, acompanhando a história de três jovens moscovitas cujos pais morreram na Segunda Guerra Mundial. Em especial, segue-se a vida e as experiências político-cotidianas de Sergei Juravliov, que tenta, após retornar de dois anos de serviços militares a seu bairro natal, manter acesos os ideais da Revolução de Outubro [Nota da Equipe de Tradução].
16 Nevzorov é o personagem principal da história As aventuras de Nevzorov, ou Ibicus [Похождения Невзорова, или Ибикус], publicada por Aleksei Nikolaievitch Tolstoi, escritor soviético e um dos precursores da ficção científica, entre 1924 e 1925. Trata-se de um relato satírico sobre um funcionário de uma companhia de transporte que passa a ter visões com a caveira falante Ibicus, representada como o símbolo da morte no tarot de uma vidente que faz previsões sobre o futuro de Nevzorov. Assim, o homem experimenta um destino repleto de aventuras, de fama e de riqueza obtida de maneiras inusitadas -- principalmente por meio de trapaças e oportunismos --, durante o período da Revolução Russa e da Guerra Civil que lhe seguiu [Nota da Equipe de Tradução].

Author notes

A autora é a única responsável pela redação do artigo.
Sobre os tradutores Pedro Pompeo Pistelli Ferreira

Doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Mestre em Direitos Humanos e Cidadania pela Universidade de Brasília (UnB). Graduado em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Associado ao Instituto de Pesquisa, Direitos e Movimentos Sociais (IPDMS). Pesquisador do Núcleo de Direito Cooperativo e Cidadania da UFPR (NDCC-UFPR) e do Centro de Investigações em Economia Política, Movimentos Populares e Direito Insurgente na América Latina (CIEMPRE InSUR).

Moisés Alves Soares

Professor Adjunto de História do Direito da Universidade Federal de Jataí (UFJ). Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Direito (PPGD) da UFJ. Coordenador do Grupo de Pesquisa Teorias Críticas do Direito e Desigualdades Sociais (Críticas do Direito -UFJ). Doutor em Direito do Estado pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Mestre em Teoria e Filosofia do Direito pelo Curso de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Foi membro da Secretaria Executiva do Instituto de Pesquisa Direitos e Movimentos Sociais (IPDMS) e, atualmente, é coordenador do GT Direito e Marxismo.

Tradução Pedro Pompeo Pistelli Ferreira, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Paraná, Brasil. E-mail: pedro.pistelli.ferreira@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2532-8593.

Moisés Alves Soares, Universidade Federal de Jataí (UFJ), Jataí, Coiás, Brasil. E-mail: moises.soares@ufj.edu.br. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2251-4788.



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