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A forma jurídica burguesa em condições dependentes. A atualidade de Pachukanis para a crítica jurídica latino-americana
The Bourgeois Legal Form in Dependent Conditions. The actuality of Pashukanis for the Latin American Critique of Law
La forma jurídica burguesa en condiciones dependientes. La actualidad de Pashukanis para la crítica jurídica latinoamericana
Revista Direito e Práxis, vol. 15, núm. 4, e88375, 2024
Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Dossiê: Pachukanis, insurgências e práxis: 100 anos de Teoria geral do direito e marxismo - Volume 2


Recepción: 24 Septiembre 2024

Aprobación: 16 Octubre 2024

DOI: https://doi.org/10.1590/2179-8966/2024/88375

Resumo: O trabalho tem por objetivo analisar o papel que os conceitos de forma jurídica burguesa, de análise dialética do direito e destruição revolucionária do direito capitalista, propostos por Pachukanis, têm à construção de uma crítica jurídica latino-americana contemporânea. Tal análise se realiza através dos conceitos e da metodologia da crítica jurídica latino-americana e da teoría marxista da dependência. O artigo se divide em três seções: a primeira analisa as reconfigurações da ciência jurídica burguesa e o direito capitalista; a segunda estuda os conceitos de Pachukanis e sua importância na crítica jurídica contemporânea; a terceira e última expõe a necessidade de aprofundar tais conceitos considerando a condição de dependência da América Latina.

Palavras-chave: Crítica Jurídica Latino-americana, Teoria Marxista da dependência, Forma jurídica burguesa, Pashukanis, América Latina.

Abstract: The objective of the work is to analyze the role that the concepts of bourgeois legal form, dialectical analysis of law and revolutionary destruction of capitalist law proposed by Pashukanis have in constructing a contemporary Latin American legal critique. This analysis is carried out through the concepts and methodology of Latin American legal criticism and Marxist dependency theory. The article is divided into three sections: the first analyzes the reconfigurations of bourgeois legal science and capitalist law; the second studies Pashukanis' concepts and their importance in contemporary legal criticism; The third and last, raises the need to deepen these concepts considering the dependent condition of Latin America.

Keywords: Latin-American Critique of Law, Marxist Dependency Theory, Legal Bourgeois Form, Pashukanis, Latin America.

Resumen: El trabajo tiene como objetivo analizar el papel que los conceptos de forma jurídica burguesa, de análisis dialéctico del derecho y destrucción revolucionaria del derecho capitalista propuestos por Pashukanis tienen la construcción de una crítica jurídica latinoamericana contemporánea. Dicho análisis se realiza a través de los conceptos y la metodología de la crítica jurídica latinoamericana y la teoría marxista de la dependencia. El artículo se divide en tres secciones: la primera analiza las reconfiguraciones de la ciencia jurídica burguesa y el derecho capitalista; la segunda estudia los conceptos de Pashukanis y su importancia en la crítica jurídica contemporánea; la tercera y última, plantea la necesidad de profundizar dichos conceptos considerando la condición dependiente de América Latina.

Palabras claves: Crítica Jurídica Latinoamericana, Teoría Marxista de la dependencia, Forma jurídica burguesa, Pashukanis, América Latina.

Introdução

O presente texto tem por objetivo visualizar o papel que a obra de Pachukanis tem para a crítica latino-americana atual, em particular, seu conceito de forma jurídica burguesa e sua aproximação dialética ao direito capitalista. Isto será enfocado a partir dos conceitos da crítica jurídica latino-americana de Oscar Correas e da teoria marxista da dependência, considerando as reconfigurações que sofreu tanto o modo de produção capitalista como o direito burguês dos séculos XIX, XX e do começo do século XXI, analisando tais mudanças partindo da distinção básica entre uma ciência jurídica burguesa emergente e uma ciência jurídica apologética.

Para realizá-lo, o trabalho se organiza em três seções. Na primeira, se abordará a análise das reconfigurações do direito burguês, a partir da distinção entre ciência jurídica burguesa emergente e apologética. Na segunda, se analisará a importância do conceito da forma jurídica burguesa e da análise dialética proposta por Pachukanis para pensar o direito capitalista contemporâneo. Por útimo, na terceira, se analisará a condição dependente e a maneira em que esta nuança a maneira pela qual se desenvolve a forma jurídica burguesa em nossa região, apontando para a importância que tem este conceito na análise do direito capitalista em condições dependentes.

A proposta deste escrito está em delinear os pontos em que se torna importante aprofundar o conceito de forma jurídica burguesa e de análise dialética do direito capitalista, não somente para construir uma crítica jurídica latino-americana ou uma crítica jurídica do direito em condições dependentes; mas também para vislumbrar as condições da superação da sociedade capitalista e seu direito.

1. Os avatares da ciência jurídica burguesa

A presente investigação parte de traçar um paralelo entre a maneira em que Marx abordava a economia política burguesa e a forma que se construiu a ciência jurídica burguesa desde o século XX. Neste sentido, observamos dois conceitos para descrever a ciência jurídica burguesa: a ciência jurídica burguesa emergente e a ciência jurídica burguesa apologética (MARX, 2008; CORREAS, 1982). Entre ambos existe uma diferença qualitativa que deve ser compreendida em seus dois aspectos: sobre os temas centrais para construir o direito como uma técnica específica de regulação social e como objeto de desenvolvimento científico, conforme os parâmetros da ciência burguesa. Cada um destes aspectos surge de preocupações distintas e implica táticas distintas para sua resolução; ambos devem ser problematizados tendo em consideração que cada um se apresenta em uma condição histórica específica em relação à correlação de forças que é necessária do ponto de vista da reprodução ampliada do capital, o que demanda uma instrumentalização também específica do direito.

O objetivo desta seção é problematizar a relação - mutável conforme se modifica a correlação de forças -, entre a ciência jurídica burguesa e a aparência do direito capitalista com o fim de entender tanto o contexto político-científico en que Pachukanis constrói sua crítica jurídica marxista (1976), como também o contexto em que, na atualidade, se pode retomar suas categorias para construir uma crítica jurídica marxista no século XXI. Esta seção se divide em três subseções: na primeira se abordará uma caracterização do que chamamos de ciência jurídica burguesa emergente, na segunda serão problematizadas aquelas que, desde uma perspectiva marxista, concebemos como suas limitações epistêmico-políticas; e, na terceira, será analisada nossa concepção de ciência jurídica burguesa apologética.

1.1. A ciência jurídica burguesa emergente e sua descrição do direito capitalista

A ciência jurídica burguesa emergente é aquela que se constrói entre a segunda metade do século XIX e a primeira metade do século XX, surge em um contexto social de agravamento dos conflitos de classe (HOBSBAWN, 1998); também se constrói sobre a necessidade da época de legitimar os campos do saber que analisam as diferentes faces da realidade concreta como ciências sociais ou humanistas (FOUCAULT, 2022). Neste sentido, uma das principais características da ciência jurídica burguesa emergente será a de consolidar o direito como um objeto específico e diferenciado de um saber científico concreto e distinto tanto das ciências naturais como das ciências sociais também emergentes (sociologia, psicologia, linguística e inclusive a psicanálise) (KELSEN, 1982; Correas, 1989); ao mesmo tempo em que também tem o objetivo, embora não declarado, de consolidar o direito capitalista como qualitativamente distinto da forma normativa dos modos de produção precedentes, ancorados teoricamente em uma perspectiva naturalista-conservadora do jurídico (KELSEN, 1982; CAPELLA, 2008).

A consolidação do direito como objeto de uma ciência própria requer mostrá-lo como uma técnica de regulação social distinta de otras técnicas que a precederam e que foram próprias dos modos de produção precedentes. Em primeiro lugar, requer distinguir as técnicas de regulação da conduta do olhar determinista e extrassocial próprio da análise do jurídico a partir de perspectivas das ciências naturais, em particular, distinguir o direito mesmo como uma técnica de regulação jurídica própria de uma concepção jusnaturalista; em segundo lugar, requer distinguir a ciência do direito de otras disciplinas científicas sociais que, ao analisarem a realidade social, se articulan com estudos sobre o direito, embora com diferentes perspectivas (KELSEN, 1982; ROSS, 1963).

Quanto à distinção em face dos métodos de análise da natureza, a ciência jurídica burguesa emergente constrói o objeto jurídico, primeiro, como um objeto construído artificialmente, isto é, necesariamente através da ação humana. O caráter artificial do direito resulta em que este se distingue por não contar com um referente no mundo tangível, mas que se constitui como um conteúdo ideológico, como um discurso; uma perspectiva contingente, no sentido de não ser naturalmente necessária, de interpretar o mundo. Esta característica do direito e da ciência jurídica é compartilhada pelas demais ciências sociais (KELSEN, 1982; WEBER, 2002; CORREAS, 2010).

Neste aspecto, encontramos amplas discussões sobre as características da existência do direito. Uma que transcendeu de maneira dominante é a construída por Kelsen sobre a norma fundamental. Esta postura, embora com nuanças resultantes das mudanças na aproximação teórica de Kelsen ao longo de sua vida, mantém continuidade quanto ao caráter artificial e socialmente construído do direito. Um sistema jurídico não existe de forma natural, mas através de uma ideologia compartilhada que parte de pressupor ou de fingir uma norma fundamental que não é direito positivo, mas que lhe serve de fundamento (KELSEN, 1982; KELSEN, 2010; CORREAS, 2001).

Além do mais, é fundamental distinguir as condições de existencia das normas jurídicas frente às leis da natureza. Enquanto as segundas se definem externamente à vontade humana, pois esta, embora possa não ser capaz de as descrever, não pode modificá-las; além do mais, a humanidade em seu conjunto se encontra sujeita necessariamente a estas. Ao contrário, para a ciência jurídica burguesa emergente ancorada no positivismo, as normas jurídicas são sempre produto da vontade de um ser humano, quer seja concertada ou individualmente, neste sentido todo direito existente é necessariamente direito positivo, direito posto por uma vontade humana, com exceção da norma fundante que funciona como fundamento lógico para a existência da interpretação jurídica do mundo (KELSEN, 1982).

Quanto à distinção científica do direito frente a outras técnicas de regulação da conduta - como as normas sociais, morais e, inclusive, as religiosas - esta se constrói através da relação entre o direito e a organização da violência socialmente organizada. Desta maneira, o direito se distingue pela relação mutuamente constituinte com a organização da violência social e a legitimação ou aceitação desta. As normas jurídicas são tais na medida em que são normas regulam a conduta externa dos indivíduos e que estabelecem sanções para orientar a conduta, é a possibilidade do cumprimento coativo das condutas prescritas pelo direito, o que distingue as normas de outros tipos de normas sociais (KELSEN, 1982; WEBER, 2002; CORREAS, 2010).

Neste contexto, a ciência jurídica burguesa emergente constrói uma realidade jurídica com uma noção de dever específica, distinta - primeiro a noção de necessidade natural; segundo, a ideia de dever moral, social ou religioso. Neste sentido, o direito regula e, de forma concomitante, estrutura o campo da liberdade que os indivíduos têm no mundo jurídico, o define normativamente. Inclusive, o direito constrói uma nova forma de subjetividade: a pessoa jurídica, individual ou coletiva, a qual existe somente dentro do campo normativo desenhado pelos diferentes sistemas jurídicos. (KELSEN, 1982).

As necessidades de construção científica do direito, em condições de agravamento da luta de classes durante o século XX, implicou a necessidade de traduzir “juridicamente”, e, portanto, de forma unilateral, o papel das lutas sociais e os antagonismos de classe agravados, através da formalização da análise da produção do direito. Os conteúdos das normas jurídicas são descritos como dependentes dos valores sociais próprios das forças sociais representadas no estado e capazes de imprimir esses valores no direito e dar-lhes o caráter de dever jurídico. De maneira que, embora a forma do direito seja abstraída da conflitividade social, os conteúdos normativos são produto do resultado da luta social e da capacidade dos diferentes setores de obter representatividade dentro do rstado moderno (KELSEN, 1982; 1955; ROSS, 1963).

1.2. As limitações da ciência jurídica burguesa emergente

A ciência jurídica burguesa emergente tem a pretensão de descrever o direito como um produto social e, se bem, sua descrição integra o conflito social, em especial com relação aos conteúdos das normas jurídicas, nos apresenta com uma descrição parcial e unilateral do direito capitalista. Esta descrição parcial, se bem serve para construir uma concepção inicial do direito nas sociedades capitalista, não permite construir uma concepção integral do direito e, em particular, não permite construir uma compreensão da lógica interna do funcionamento do direito nas sociedades capitalistas (PASHUKANIS, 1976; CORREAS, 1982).

Em primeiro lugar, a ciência jurídica burguesa emergente tem sido incapaz de incorporar uma perspectiva classista do funcionamento do direito nas sociedades capitalistas. Isto constitui uma limitação epistêmico-política fundamental, posto que implica invisibilizar uma das condições sociais fundamentais dentro das quais o direito é produzido e aplicado nas sociedades capitalistas; posto que não reconhece dita sociedade como estruturalmente dividida em classes sociais irredutivelmente antagônicas, assim como também o caráter instrumental do direito dentro da luta de classes. De maneira que sua descrição do direito capitalista resulta parcial e superficial (KELSEN, 1955; PASHUKANIS, 1976; CORREAS, 1982; CAPELLA, 2008).

Assim, por exemplo, se pode observar na caracterização da relação mutuamente constituinte entre violência social organizada e o direito, a incapacidade de caracterizar dita violência organizada como uma violência classista, uma organização da violência produzida no contexto da necessidade da classe dominante limitar os conflitos abertos entre as classes sociais, o que se resolve com a emergência do estado do século XIX, o estado gerente/capataz da classe burguesa. O anterior é amplamente visível na tendência da época de ilegalizar as formas de organização das classes subalternas, especialmente da classe trabalhadora, e sua função abertamente repressiva ante as organizações e ações de fato - ou seja, sem reconhecimento jurídico - das classes subalternas (LENIN, 1997; PASHUKANIS, 1976; CORREAS, 1982; CAPELLA, 2008).

Sem dúvida, o reconhecimento da norma fundamental - que implica o cumprimneto geral efetivo de um sistema jurídico - na realidade concreta não se apresenta pelo reconhecimento das normas jurídicas, mas através de sua imposição mediante a violência classista socialmente organizada; a consolidação da norma fundante constitui a face jurídica visível dos processos de acumulação originária, os quais requereram uma instrumentalização de classe muito mais direta do direito (KELSEN, 1982; CAPELLA, 2008).

Por outro lado, inclusive esse reconhecimento parcial e limitado da relação mutuamente constitutiva da violência social organizada nos apresenta uma aparência deformada do direito como técnica social de regulação imparcial ou objetiva da conduta. Desconhecer o caráter classista de dita violência impede reconstruir, contra a aparência jurídica, a lógica interna de funcionamento do direito na sociedade capitalista. As normas jurídicas não veiculam uma técnica de controle social neutra ou dependente da força política com maior representação no estado, mas, em seu núcleo, tem o objetivo de construir as condições sociais necessárias para a reprodução ampliada do capital. A ciência jurídica burguesa emergente, ao abstrair a formalidade do direito da conflitividade social, nauturaliza-o como uma técnica de controle social (CORREAS, 1982; LENIN, 1997; CAPELLA, 2008).

1.3. A ciência jurídica burguesa apologética e a fetichização do direito capitalista

1.3.1. A ciência jurídica burguesa nas condições de reconfiguração do capital

Se a ciência jurídica burguesa emergente se construiu em um contexto de necessidade de legitimar social e cientificamente o direito capitalista, ainda não consolidado em condições do agravamento da conflitividade derivada da luta de classes; a ciência jurídica burguesa apologética se desenvolve em um contexto qualitativamente diferente, que se destaca pela consolidação do direito capitalista, o qual joga, especialmente a partir do século XX e com mais intensidade durante sua segunda metade, um papel fundamental no avanço do processo de construção de hegemonia capitalista (SANDOVAL, 2018; CAPELLA, 2008).

Neste contexto de reconfiguração do capital, de transformação das técnicas por meio das quais se produz e se legitima sua reprodução ampliada, entre elas a função social do direito; as preocupações da teoría jurídica se transformam de maneira qualitativa. Por um lado, a forma em que se instrumentaliza o direito dentro da luta de classes muda de maneira importante, observando uma tendência de diminuir seus traços abertamente repressivos - não se elimina seu caráter repressivo e seu recurso à violencia organizada, somente se transforma a maneira em que aparece socialmente -, cobrando maior importância, em especial com a ascenção e consolidação do discurso dos direitos humanos sociais e coletivos, seu papel de mediação - aparente - do direito. Em todo o caso, se transforma em um dispositivo com mecanismos mais discretos, porém mais contínuos e mais efetivos para permitir a reprodução ampliada do capital (FOUCAULT, 2009; FERRAJOLI, 2011; 2002).

Por outro lado, uma vez consolidado o direito como a forma de controle social dominnate nas sociedades capitalistas, a necessidade de construir uma ciência jurídica específica se desloca para uma posição secundária. O central para a ciência jurídica apologética não será descrever como funciona o direito na sociedade capitalista, mas legitimar seu papel como uma técnica específica e com pretensões de neutralidade para resolver os conflitos. A ciência jurídica reclama para si um caráter descritivo e normativo. Desta transformação são testemunhas duas instituições fundamentais para comprender o direito capitalista da segunda metade do século XX: o estado constitucional de direito - projetado parcialmente e deformado também no direito internacional, em particular, dos direitos humanos - e a justiça constitucional, figuras que acentuam a pretensão do direito ter um caráter técnico - em oposição ao político - do direito contemporâneo (FERRAJOLI, 2002; ARAGÓN, 2002).

Esta reconfiguração da teoria jurídica desloca as preocupações até então dominantes na ciência jurídica burguesa emergente: a pergunta pelas características essenciais do direito se transforma na análise das condições em que este favorece a resolução pacífica e abstratamente justa dos conflitos sociais. Neste sentido, a teoría jurídica burguesa contemporânea tende a fugir da pergunta pela origem do direito nas sociedades capitalistas, considerando-a, no melhor dos casos, uma pergunta sem solução que não é fundamental para compreender o funcionamento do direito. A elisão da pergunta pela juridicidade implica um aprofundamento da abstração social do dirieto nas sociedades capitalistas, a maior descontextualização do jurídico permite naturalizá-lo não somente em quanto a suas formas mas, sobretudo, em relação aos seus conteúdos (HART, 1992; ALEXY, 2008; FERRAJOLI, 2011).

1.3.2. A inversão jurídica da realidade

Nestas condições, a consolidação do discurso dos direitos humanos como vértice da validade dos sistemas jurídicos e suas normas, uma vez que gerou um conjunto de ferramentas importantes para a luta das classes subalternas, sob uma subjetividade política contra-hegemônica; ao se constituir em um discurso abstrato e se converter em um equivalente geral ao qual se traduzem os interesses de todas as classes sociais como estratégia de legitimidade social, também foi fundamental para a inversão jurídica da realidade.

O conceito de inversão jurídica da realidade ou subsunção jurídica da vida indica o ponto culminante do papel ideológico do discurso do direito capitalista em seu papel de naturalização das relações de exploração e exclusão próprias das sociedades capitalistas. Se, durante a época da ciência jurídica burguesa emergente, a construção teórica e política do direito como objeto subsumia materialmente a realidade, através da concepção das normas jurídicas como uma técnica de controle social; durante a época da ciência jurídica burguesa apologética o discurso do direito estrutura a percepção dominante da realidade, de maneira que dito discurso aparece como precedendo e legitimando a realidade social e suas conflitividades.

Nestas condições, o discurso do direito capitalista não somente aparece como um mecanismo relativamente externo de resolução tendencialmente pacífica de conflitos sociais, mas se apresenta, ao invés, como um dos mecanismos ideológicos fundamentais da classe dominante para perceber e valorar a realidade, aparece como um equivalente geral em que são traduzidos os intereses das distintas classes, assim como suas táticas e organizações para estar em condições de colocar ditos interesses no campo social.

2. Pachukanis e a construção de uma crítica jurídica marxista no século XXI

O trabalho de Pachukanis (1976) foi, sem sombra de dúvidas, uma grande inovação, posto que, junto com obras de outros juristas marxistas da época, constitui um dos primeiros esforços de analisar o direito burguês a partir dos conceitos e da metodologia da crítica da economia política. Apesar de, como assinalamos, o direito burguês e o capitalismo em geral terem se reconfigurado e os mecanismos de mediação jurídica terem se refinado em uma relação inversamente proporcional entre sua efetividade para eliminar a desigualdade e a injustiça e sua eficácia política para legitimar o capitalismo do século XXI, os conceitos de Pachukanis seguem tendo uma vigência e um aporte importante na construção de uma crítica jurídica marxista latino-amerciana.

Uma primeira característica que consideramos fundamental para qualquer teoria crítica e, especificamente, as que se inspiram no materialismo histórico, é o vínculo que Pachukanis intenta visibilizar entre o direito burguês e o modo de produção capitalista. Para o materialismo este vínculo é induvidável; no entanto, até o dia de hoje a maneira de caracterizar tal vínculo continua sendo um profundo debate, no qual, apesar da certeza de sua existência, se apresentam mais perguntas que respostas. Neste sentido, na primeira subseção desta parte abordaremos o conceito de forma jurídica burguesa proposto por Pachukanis, o qual consideramos fundamental para a inteligibilidade de dito vínculo e, portanto, não somente plenamente vigente mas também algo que debe ser aprofundado e analisado nas condições do capitalismo contemporâneo (PASHUKANIS, 1976).

Uma segunda caracetrística é o fato de que Pachukanis integra sua concepção do fenômeno jurídico no capital à análise da relação dialética. Se bem que em sua obra o utiliza predominantemente para analisar o papel fundamental do direito privado como aquele que estabelece o vínculo entre o direito burguês e a reprodução da sociedade capitalista, o que não é um dado menor. Consideramos que a análise dialética, na atualidade, resulta fundamental para compreender a forma, complexa e inclusive muitas vezes contraditória, em que os planos do direito se articulam entre si para gerar, em conjunto, condições favoráveis para a reprodução ampliada do capital. Neste sentido, na segunda subseção, examinamos a análise dialética e a perspectiva de totalidade como elementos antecipados por Pachukanis que permitem compreender, a partir da crítica da economia política, o direito burguês (PASHUKANIS, 1976; BRUNO, 2011; LEFEVBRE, 2011).

Por último, talvez o coração da proposta teórico-política de Pachukanis, em sua obra Teoria geral do direito e marxismo, seja a ideia da destruição revolucionária do direito burguês. Em primeiro lugar, esta destruição revolucionária não permite escamotear ou invisibilizar o caráter de instrumento de classe do direito burguês, em todo caso permite posicionar de maneira clara e efetiva a possibilidade de utilizar taticamente alguns de seus elementos para construir as condições para fazer a revolução. Por outro lado, esta perspectiva revolucionária coloca no centro da construção metodológica a perspectiva das classes subalternas, elemento fundamental para revelar o fetichismo jurídico em toda sua extensão. Para nós, este caráter revolucionário da teoria de Pachukanis é, ao mesmo tempo, o elemento menos visibilizado de sua obra, assim como também é mais atual e o que mais necessita ser aprofundado (PASHUKANIS, 1976; LENIN, 1997).

2.1. A forma jurídica burguesa. Marco de inteligibilidade

Um dos probelmas centrais para a construção de uma crítica jurídica marxista latino-americana se encontra na construção ainda incompleta de um marco de inteligibilidade do direito burguês, que permita compreender integralmente seu papel na reprodução da sociedade capitalista. Neste sentido, consideramos que o conceito de forma jurídica burguesa, proposto por Pachukanis (1976) - muito pouco aprofundado pelas diversas teorias críticas do direito posteriores -, constitui um ponto de partida importante para esta tarefa.

Partimos do esclarecimento de que o conceito de forma jurídica de Pachukanis é qualitativamente diferente do que se entende por forma jurídica na teoria do direito burguesa e, em particular, na teoria positivista. Esta entende a forma como os processos de produção e aplicação do direito; partindo desta concepção qualquer explicação do fenômeno jurídico que se construa termina sendo uma explicação unilateral que, no fundo, pretende explicar tal fenômeno universalizando todo Direito sob uma forma historicamente contingente de produção jurídica (KELSEN, 1982; PASHUKANIS, 1976).

O conceito da forma jurídica burguesa, desde a perspectiva de Pashukanis e desde a perspectiva da crítica da economia política, busca visibilizar o núcleo determinante que, por um lado, vincula o direito burguês com a reprodução do capital e, por outro, permite caracterizar, a partir de tal vínculo, a lógica interna do funcionamento desse direito. Neste sentido, o conceito de forma jurídica concebe a característica do direito e seu funcionamento determinado pelo regime de reprodução social capitalista. Esta questão desenvolve, de uma maneira mais específica, as abordagens realizadas por Marx tanto em A Ideologia Alemã como em O Capital, expondo uma questão metodológica fundamental para a análise crítica do direito burguês, no sentido de que este, não somente quanto a seus conteúdos normativos mas, especialmente, quanto a seus processos de produção e aplicação, se encontra determinado, em seu núcleo e lógica interna, pelas características que determinam a reprodução da sociedade capitalista (PASHUKANIS, 1976; MARX e ENGELS, 1968; MARX, 2008; MIAILLE, 2008).

Tal determinação não implica o desconhecimento das diferentes formas que o capital tem de instrumentalizar seu direito, cujas transformações - especialmente as derivadas da centralidade do discurso dos direitos humanos - aparecem com graus relativamente mais amplos de autonomía aparente. Neste sentido, a autonomia aparente do direito frente ao capital se reconfigura conforme se agrava ou se reduz a conflitividade social da luta de classes; quando se agrava, o direito burguês mostra sua cara repressiva e sua determinação pelo modo de produção capitalista; enquanto que quando a conflitividade se reduz, incorpora mecanismos de mediação aparente de forma mais visível (SANDOVAL, 2021).

Uma caracterização do direito moderno como o direito da sociedade capitalista permite comprender as reconfigurações do direito sem perder de vista que, apesar da forma aparente em que se apresenta o fenômeno jurídico, o direito burgués segue estando determinado pelo modo de produção capitalista (CORREAS, 1982; SANDOVAL, 2022). Isto permite analisar o direito burguês a partir de uma perspectiva de larga duração, analizando-se desde a crítica da economía política suas transformações e a maneira em que estas modificam, sem destruir ou eliminar, a maneira em que se vincula e se instrumentaliza o direito para a reprodução de capital.

Para Pachukanis, o vínculo entre capital e direito determina a lógica interna da produção do direito burguês, caracteriza a forma jurídica burguesa - e deriva da relação de troca de mercadorias (PASHUKANIS, 1976). Como se sabe, a troca de mercadorias pressupõe certas condições de reprodução social: em primeiro lugar, o predomínio do trabalho assalariado como forma dominante da organização do trabalho, o qual, por sua vez, pressupõe a separação dos produtores diretos dos meios de produção e sua concentração em mãos da classe burguesa; o que, por sua parte, implica a necessidade de que os produtores diretos adquiram, ao menos de forma predominante, os satisfatores de suas necesidades básicas no mercado (MARX, 2009; MANDEL, 1980).

Neste sentido, a relação de troca que estrutura a forma jurídica burguesa pressupõe já uma sociedade mediada por mercadorias alheias a seus produtores, pressupõe a objetivação dos produtores diretos e a subjetivação das mercadorias, condição para a emergência do fetichismo da mercadoria e da subsunção real da vida sob o capital, assim como o predomínio da lógica de valorização do valor nas relações de produção (MARX, 2009). Assim, considerando que, para o materialismo, a ideologia dominante de uma época é a ideologia da classe dominante, ao ser determinada pelas relações de produção social, o direito nas sociedades capitalistas não pode senão ser direito capitalista, no sentido específico de ser uma construção ideológica cuja lógica interna de funcionamento tem por objetivo a reprodução do regime capitalista (MARX e ENGELS, 1968).

Nestas condições, o conceito de forma jurídica burguesa resulta fundamental para compreender a especificidade histórica do fenômeno normativo e jurídico nas sociedades capitalistas; o que, por um lado, permite visibilizar o caráter classista do direito burguês em toda sua complexidade e com todas as suas reconfigurações. Isto é fundamental porque sendo o direito moderno burguês altamente complexo e composto por planos jurídicos que se justapõem e regulam de maneira contraditória as mesmas relações de produção, aparece - e assim é caracterizado pela ciência jurídica burguesa apologética - como um conjunto de normas e princípios cujo objetivo não é a reprodução da sociedade capitalista e suas desigualdades, mas a justiça abstrata (CORREAS, 1982; MIAILLE, 2008). Vale dizer, a ocultação do vínculo determinante entre capitalismo e direito é a condição de emergência e consolidação do fetichismo jurídico.

2.2. A análise dialética e a perspectiva de totalidade

A complexidade do direito burguês que indicamos no parágrafo anterior não somente nos mostra a necessidade de aprofundar o conceito de forma jurídica burguesa para estar em condições de construir um marco de inteligibilidade que permita comprender a especificidade histórica de dito direito; mas também nos coloca ante a necessidade de considerar a importância da análise dialética do direito desde uma perspectiva de totalidade. Neste ponto, consideramos que, embora Pachukanis tenha sido central para mostrar a necessidade de uma análise dialética do direito não somente para compreeender a forma em que se vincula com a reprodução do capital, mas também para visibilizar a maneira com que as transformações da reprodução do capital empurram para reconfigurações nos conteúdos do direito burguês e de seus mecanismos de produção e aplicação (PASHUKANIS, 1976).

Assim, por exemplo, o avanço do proceso de construção de hegemonia do capital a partir da segunda metade do século XX foi a condição necessária para a emergência e consolidação do discurso dos direitos humanos como elemento fundamental para determinar a validade normativa dentro da lógica do direito burguês (FERRAJOLI, 2011; SANDOVAL, 2018); transformação que implicou uma reconfiguração de seus procedimentos de produção e aplicação, cedendo a centralidade da produção normativa através do proceso legislativo à produção normativa cuja validade se determina, tendencialmente, em última instância, sob os procedimentos da denominada justiça constitucional (ARAGÓN, 2002; SANDOVAL, 2018). Esta transformação nos processos é fundamental na produção e aplicação normativa e tem sido acompanhada de uma tecnificação do jurídico, que pressupõe uma distinção qualitativa entre a argumentação e o raciocínio jurídico frente à razoabilidade política, condição que permite tanto uma maior abstração dos processos e conteúdos normativos, como também a juridificação da realidade ou inversão jurídica da realidade (ARAGÓN, 2002).

No entanto, consideramos que a análise dialética do direito não somente deve realizar-se para vinculá-lo à reprodução do capital, mas também para visibilizar a articulação complexa entre planos do jurídico aparentemente contraditórios e inclusive antagônicos, e o papel que tal complexidade tem na reprodução ampliada do capital em nossos dias (CORREAS, 1982). Na segunda metade do século XX e, com maior intensidade, nesta primeira metade do século XXI, mostra-se um aumento qualitativo da complexidade do direito burguês de mãos dadas com o surgimento de regimes complexos de regulação, os quais não somente implicam que uma relação social se encontra regulada por diferentes regimes materiais normativos, mas também por escalas geográficas distintas (SANDOVAL, 2022).

Assim, por exemplo, a proteção do meio ambiente não somente implica normas ambientais, mas as regulações trabalhistas, de comércio internacional, de propriedade industrial, de produção energética, entre outras -, mas também diferentes regimes com relação à escala de regulação - no mesmo exemplo, a regulação ambiental não é somente uma regulação local, mas nacional, regional e inclusive de nível global; por último também implica uma regulação tanto a partir do que se conhece como direito duro - o direito tradicional emitido por um estado ou um conjunto de estados e que tem caráter juridicamente vinculante - como também pelo direito suave - um conjunto de regulações que não são propriamente direito, não são produto da ação estatal ou interestatal, mas que podem ser produzidas por sujeitos privados, em particular conjuntos de empresas, e tampouco tem um caráter juridicamente vinculante em termos estritos, mas encontra, em muitos casos, uma maior efetividade por meio de pressões contratuais ou do comércio internacional (SANDOVAL, 2023).

Nestas condições, onde o direito português dá a aparência de conter regimes jurídicos diferentes e inclusive antagônicos, analisar esta complexidade desde a perspectiva dialética e de totalidade resulta em um pressuposto para compreender integralmente a forma jurídica burguesa, o caráter unitário - ainda que não homogêneo - do direito burguês e seu papel na reprodução ampliada do capital. Neste sentido, consideramos que é necessário aprofundar a análise dialética de Pachukanis interligando-o com a proposta de planos jurídicos diferenciados, mas parte de um mesmo direito burgués, como propôs Oscar Correa há várias décadas; em particular, analisar a relação aparentemente contraditória entre os regimes de regulação vinculados aos direitos humanos, de forma específica aos direitos sociais - ambiental, ao desenvolvimento, trabalho, saúde - caracterizados tanto nacional quanto globalmente pela sua falta estrutural de efetividade (de cumprimento) e sua alta eficácia política (legitimação do direito burguês), frente aos regimes regulatórios associados à proteção da propriedade privada, em particular dos meios de produção, e à reprodução do capital (direito mercantil, comércio internacional, proteção do investimento privado estrangeiro, direito penal, direito da propriedade industrial) que se caracterizam pela sua alta efetividade, mas por um papel secundário na legitimação do direito português, em todo caso, um papel associado ao desenvolvimento dos direitos humanos - por exemplo, o investimento estrangeiro se legitima através de seu papel na efetivação dos direitos sociais como criação de postos de trabalho, construção de infraestrutura básica para a saúde etc (PASHUKANIS, 1976; LEFEVBRE, 2011; CORREAS, 1982).

2.3. A destruição revolucionária do direito burguês

Por último, a centralidade do caráter revolucionário da crítica de Pachukanis, ao menos em sua primeira etapa, nos parece um elemento importante de resgatar e aprofundar, não somente em termos da ação revolucionária, como objetivo estratégico de toda crítica jurídica marxista, mas também em termos das condições epistêmico-políticas de compreensão integral do papel do direito burguês na reprodução do capital. Como dito acima, o caráter revolucionário da crítica jurídica marxista é o fundamento para comprender, desde uma perspectiva de classe subalterna, o direito como direito capitalista; ou seja, comprender na longa duração sua instrumentalização, embora complexa e mutável, pelo capital (PASHUKANIS, 1976; CORREAS, 1982).

O caráter revolucionário da crítica marxista ao mostrar a estratégia revolucionária da crítica da economía política; por um lado, permite caracterizar o direito moderno como direito burguês, ou seja, permite aprofundar a construção do conceito de forma jurídica burguesa. Como foi dito, especialmente nos momentos em que o fenômeno capitalista aparece como contendo um conjunto de discursos, normas e processos que promovem a justiça e a inclusão social, como por exemplo o discurso dos direitos humanos e os mecanismos de produção e aplicação associados à justiça constitucional e à valoração da validade das normas jurídicas a partir da interpretação progressiva de tais direitos humanos.

Em primeira instância, embora haja o reconhecimento de direitos humanos concretos - direitos das e dos trabalhadores, direitos ambientais, entre otros - está determinado política e socialmente pelo agravamento da luta de classe como condição necessária. O certo é que sua “tradução” jurídica sempre esta carregada de um conjunto de mecanismos políticos e jurídicos que, embora permita o reconhecimento formal e abstrato de tais direitos, em sua jornada histórica estabelecem as condições para uma efetividade estrutural muito limitada e, em última instância, um uso ideológico de tais direitos reconhecidos, condição que produz um aumento na eficácia política de legitimação do capital do discurso do direito. Um exemplo clásico disso se apresenta nos direitos das e dos trabalhadores ou direito do trabalho. O reconhecimento destes direitos não é produto de uma concessão por obra graciosa da classe burguesa e seus representantes estatais, mas do agravamento da luta organizada da clase trabalhadora ampliada (ANTUNES, 2018: 91) que faz fronteira com o estado a partir do seu reconhecimento como condição para manter, ainda que transformada, a reprodução do capital (SANDOVAL, 2022; CORREAS, 2003). No entanto, seu reconhecimento observa um caráter aparentemente irônico, parecido ao traçado por Foucault sobre a aparição da prisão moderna; posto que seu reconhecimento aparece como a maneira pela qual a sociedade capitalista protege a clase trabalhadora, harmonizando sua reprodução com os intereses desta classe e, no entanto, ao mesmo tempo e com caráter aparentemente contaditório a seu espírito, permite o aprofundamento da exploração capitalisra e, portanto, ao agravemento, na longa duração, das condições de vida da classe trabalhadora (FOUCAULT, 2009; MARX, 2009).

Desde a perspectiva da ciência jurídica burguesa apologética, a emergência e consolidação da centralidade do discurso dos direitos humanos ou fundamentais como critério último de validade do direito, se apresenta ou aparece como uma mostra de que o direito contemporâneo corre no sentido contrário da reprodução do capital e das desigualdades e injustiças que lhe são inerentes (FERRAJOLI, 2002). Pelo contrário, para a crítica jurídica marxista latino-americana e sua perspectiva revolucionária, esta característica se analisa como uma forma complementar do sistema capitalista, a partir deste horizonte, a centralidade do discurso dos direitos humanos não resulta contraditória com o aprofundamento - em níveis de crise civilizatória - da reprodução ampliada do capital, mas como uma de suas condições de aceitabilidade/legitimação social (SANDOVAL, 2022; BARTRA, 2013).

3. A forma jurídica burguesa na condição dependente

O conceito da forma jurídica constitui um marco de inteligibilidade geral do papel do direito nas sociedades capitalistas, como tal, parte do entendimento de que existem sociedades concretas que podem ser caracterizadas como capitalistas e que tal caracterização parte de um núcleo de traços que a determinam. Pachukanis, como vimos, contribui para esta caracterização com a ideia de que são as relações sociais de troca de mercadorias o que determina uma socidade como propriamente capitalista no sentido que tal relação somente se apresenta no regime capitalista. Neste sentido, Pachukanis (1976) contribui com um elemento central na compreensão do caráter capitalista de uma sociedade concreta, no entanto, é importante pensar esta contribuição em contraste com otros desenvolvimentos marxistas como os de István Mészáros, para quem embora este elemento seja central para a determinação do caráter capitalista de uma sociedade, é importante fazer uma distinção histórica entre aquelas sociedades onde existem relações de capital e aquelas nas quais as relações capitalistas conformam um sistema, tal distinção permitirá comprender a conexão entre sociedades como a romana na qual já existem relações de troca mercantil e a sociedade atual na qual o sistema mundial tende à subsunção do conjunto da vida do planeta (MÉSZÁROS, 2002: 206-207).

Outro elemento para a caracetrização da sociedade capitalista é o que se refere a que tal troca mercantil integra a compra e venda da força de trabalho, constituindo assim a relação de dominação do capital ao trabalho: o trabalho assalariado.

Agora bem, tal fato de que existía uma relação social que determine as características e o sentido geral de um regime de reprodução social não significa que se trate de sociedades homogêneas ou de relações mecânicas. É importante ter em conta isto debido a nossa região latino-americana, assim como otras regiões do denominado Terceiro Mundo, se constituírem em regiões onde a reprodução do capital adquire matizes que aparecem, em primeira instância, como contraditórios, um exemplo disso é a condição dependente, que analisamos nesta seção. De maneira que existem ao menos dois níveis de análise da sociedade capitalista e de seu direito: o nivel da formação social latino-americana que dá conta dos matizes e do papel de suas economías dependentes (BAMBIRRA, 1999), incluindo as especificidades que adquire a forma jurídica burguesa na reprodução ampliada do capital; e outro nivel que, considerando tais condições, analisa as tendências gerais da reprodução da sociedade capitalista. Em todo caso, não se trata da existencia de diferentes formas do regime capitalista, mas da articulação dentro de um mesmo regime capitalista, de diferentes mecanismos que operam articulados em sua reprodução (MELGARITO, 2019).

Nestas coordeandas, a presente seção se subdivide em 3 subseções. Na primeira se aborda uma caracterização sucinta da condição dependente e seu papel na reprodução do regime capitalista; na segunda são analisadas as condições de mediação política nas economías dependentes; na terceira se estudam as especificidades da forma jurídica burguesa. Em todo caso, a intenção desta seção é ressaltar linhas de aprofundamento do conceito pachuakaniano da forma jurídica burguesa que permitan ao mesmo tempo analisar suas especificidades nas economias dependentes, como também uma articulação entre a forma jurídica burguesa em condições de dependencia e a forma jurídica burguesa global.

3.1. Sobre a condição dependente e o regime capitalista

Devemos, em boa medida, a Ruy Mauro Marini o conceito de condição dependente que retomamos nesta investigação. Nesta subseção daremos uma caracterização geral da condição dependente, reconhecendo que existe uma ampla discussão acerca do conceito. Em primeiro lugar, é importante ressaltar o caráter estrutural da condição dependente, o qual adquire um duplo sentido, por um lado, o reconhecimento de que a condição dependente resulta em uma condição necessária para a reprodução ampliada do capital, em particular por sua contribuição econômica e socioambiental; a segunda é que tal condição dependente não é voluntária nem deriva de uma questão cultural, mas das condições de integração da economia global das economias dependentes, de maneira que, enquanto esas mesmas condições globais subsistirem, se reproduzirá e se aprofundará a condição dependente (MARINI, 1977; MELGARITO, 2019).

Quanto ao papel que tem a condição dependente na reprodução do capital, em poucas palavras podemos remeter à descrição “celeiro da Europa” que utilizou Marini. O anterior significa que, na etapa da emergência e consolidação do regime capitalista, a contribuição das economías dependentes foi fundamental ao colocar bens-salário, matérias-primas e diversos meios de pagamento ao desenvolvimento capitalista dos países centrais. Na América Latina, os nascentes estados-nação independentes das colônias herdaram esta dinâmica econômica sem a qual difícilmente poderíamos pensar o desenvolvimento capitalista do século XXI, sobretudo porque a carga da redução do valor da força de trabalho nos países desenvueltos caiu sobre as costas da classe trabalhadora ampliada da região latino-americana, a qual contribuiu, por um lado, com os ativos salariais necessários para que as sociedades capitalistas daqueles pudessem concentrar-se no desenvolvimento industrial capitalista e com isso alcançar um regime de exportação com base na mais-valia relativa. Como corolário, na região latino-americana, a dinâmica econômica teve o modelo primário-exportador e de especialidade produtiva (MARINI, 1977).

O efeito desta troca desigual foi a estruturação das economias dependentes e suas sociedades em torno deste modelo de desenvolvimento, ou seja, seus aparatos produtivos e suas relações de produção se concentraram basicamente em satisfazer as demandas por insumos básicos das economías centrais, condição que reproduz e aprofunda a condição dependente, e cuja saída não pode dar-se no marco de uma maior dependência mas de uma transformação radical das relações de produção: a revolução (MARINI, 1977; MELGARITO, 2019).

Esta forma de estruturar a produção tem como correlato uma deformação do mercado interno das economias dependentes, pois sua reprodução não requer o consumo masivo da classe trabalhadora, se conforma uma separação entre a produção e a circulação de mercadorías, em que estas tendem a se realizar por meio do mercado externo, com isso a contradição inherente à produção capitalista em geral, isto é, a que opõe o capital ao trabalhador como vendedor e comprador de mercadorias, se apresenta também de maneira específica dado que o consumo individual do trabalhador não incide não realização das mercadorias, por isso, explica Ruy Mauro Marini: “a tendência natural do sistema será a de explorar ao máximo a força de trabalho do operário sem se preocupar em criar as condições para que este reponha, sempre e quando se possa realocar mediante a incorporação de novos braços ao processo produtivo” (MARINI, 1977: 50-52).

Para explicar esta tendência, Ruy Mauro Marini desenvolve o conceito de Superexploração da força de trabalho que em termos gerais significa que o “trabalho se remunera abaixo de seu valor”, parte da explicação de Marx acerca de que o valor da força de trabalho se integra pelos bens sociais e histórico-morais para que esta possa se reproducir nas condições de seu tempo histórico e agrega que, diferentemente das economias desenvolvidas, na economía dependente se dissocia o aparato produtivo da necessidade de consumo das massas, o que encontra sua expressão na diversificação do aparato produtivo, no desequilíbrio entre a produção suntuária e o setor de produtos de bens necessários, e na distorção do setor de produção de bens de capital (MARINI, 1978). Tal dissociação faz possível a deterioração do salário, o qual chega a sobrepassar os limites da reprodução da força de trabalho. Isto não significa que o valor da força de trabalho tenda a reduzir-se, pelo contrario, significa que enquanto este aumenta os salários se deterioram e não estimulam o consumo da classe trabalhadora, como sucede nas economias desenvolvidas (MARINI, 1978).

Neste sentido, Ruy Mauro Marini (1977) caracteriza a Superexploração da força de trabalho (Sft) como um regime de produção fundado exclusivamente na maior exploração do trabalhador e não no desenvolvimento de sua capacidade produtiva, este se mantém sobre a base da existência da superpopulação relativa e é realizado através de três mecanismos cuja característica essencial radica em que se nega ao trabalhador as condições necessárias para repor o desgaste de sua força de trabalho, seja porque se exclui a pessoa em cujo corpo se encontra contida a força de trabalho da possibilidade de consumir o estritamente necessário ou porque se exige um amplo gasto de força de trabalho, o que provoca o esgotamento prematuro: aumento da intensidade do trabalho, a prolongação da jornada de trabalho e a redução do consumo do trabalhador para além de seu limite normal, mediante este último “o fundo necessário de consumo do trabalhador se converte de fato, dentro de certos limites, no fundo de acumulação de capital”, estes mecanismos podem se apresentar de forma combinada (MARINI, 1977: 38-39).

3.2. A mediação aparente

A superexploração como característica definidora das relações de produção nas economias dependentes tem profundos efeitos na maneira com que o estado capitalista emerge e se reproduz em tais regiões; assim como também as capacidades de mediação aparente que pode desenvolver e, em última instância, na forma em que se desenvolvem as relações entre estado e sociedade civil (BARTRA, 1978).

Por um lado, a superexploração consitui uma condição para a emergência de mercados informais, assim como também de relações cooperativas de reprodução da vida; em todo caso, se trata de mecanismos parcialmente externos à reprodução do capital, mas que, como formas subalternas de reprodução, se encontram imersos no predomínio das relações sociais capitalistas. Estas relações subalternas ultrapassam as capacidades estatais e implicam amplas zonas nas quais os aparatos estatais não têm um papel construtivo na estruturação direta e material das realções sociais; embora sempre tenham um papel repressivo (O’DONELL, 2002; OSORIO, 2016).

Por outro lado, o padrão primário exportador, ao disminuir a presença do consumo operário na estruturação dos aparatos produtivos, também tende a contribuir com a diminuição da importância política para o estado de dito consumo na definição - e particularmente na efetividade -, da regulação e das políticas públicas. A estructura da regulação estatal se define sobre as necesidades do capital - mais visivelmente as exigencias externas de dotar de certeza jurídica o investimento estrangeiro direto, como condição preponderante dos sistemas estatais dependentes (MARINI, 1977; OSORIO, 2016).

Nestas condições, os traços de mediação aparente através de processos redistributivos parciais que fomentem o consumo operário dentro dos limites do capital adquirem uma importância secundária. O anterior tem como efeito que os estados dependentes tenham um menor interesse em mediar as exigências da classe trabalhadora, que em satisfazer as necesidades das empresas transnacionais e de otros atores chave na reprodução do capital. Por um lado, isto tem como consequência uma crescente inefetividade estrutural daqueles setores da regulação e ação estatal destinados a construir processos redistributivos limitados e parciais; por outro lado, tem como efeito o agravamento dos conflitos de classe e a agudização do caráter repressivo dos estados, tendência notável nos processos de reformas estruturais nas economías dependentes, assim como também a tendência à militarização e às táticas permanentes de contrainsurgência (OSORIO, 2016).

Desta forma, o estado em condições dependentes, assim como a economia dependente, não implicam condições de estatalidade que antagonizam com as leis tendenciais da reprodução capitalista; mas, pelo contrário, como havia demonstrado Marini, representa o agravamento das contradições irredutíveis do capital. Como em nenhum outro setor, o estado dependente mostra o estado capitalista em toda sua extensão, um instrumento de classe encarregado de gerir as condições estruturais e sociais da reprodução do capital, em última instância, desde a violência classista socialemnte organizada; seu caráter mediador dos problemas sociais associados à desigualdade e à injustiça, constitui somente uma aparência legitimidaora que a reprodução do capital se permite em condições de agravamento da luta de classes (MARINI, 1977; LENIN, 1997).

Por último, esta condições de margens reduzidas de mediação aparente também têm sido uma das condições para o agravamento dos dois processos aparentemente contraditórios, mas historicamente articulados: o caráter corporativo do estado e as organizações de classe trabalhadora; e os processos de ditadura militar aberta, ou ainda processos de repressão e assassinatos seletivos. Quanto ao primeiro, o caráter corporativo, com diferentes matizes, tem sido fundamental para a institucionalização dos regimes políticos posteriores a revoluções ou revoltas sociais, sendo o caso mexicano o mais emblemático. Quanto ao segundo, resulta uma tendência histórica so século XX desestruturar as organizações de classe autônomas frente ao estado e ao capital através da violência organizada, seja na forma de uma ditadura militar, quando é necessário, seja por via da violência estatal e paraestatal seletiva através de táticas de contrainsurgência, como é o caso mexicano (SANDOVAL, 2019; MELGARITO, 2019).

3.3. A forma juríica burguesa em condições dependentes

A condição dependente tem efeitos também na maneira em que tendencialmente se desenvolve a forma jurídica burguesa em tais economias. Em termos gerais, a forma jurídica dependente se caracteriza por uma superideologização dos elementos que permitem uma aparência mediadora do estado frente aos conflitos sociais de classe; assim como também por uma sublimação da violência socialmente organizada que caracteriza os estados em que, pelas condições de reprodução material, se agrava seu caráter repressivo (SANDOVAL, 2023).

A condição dependente não implica o desaparecimento da aparência mediadora do estado capitalista, mas observa um proceso de superideologização de tal papel, principalmente dos direitos sociais e coletivos reconhecidos pelo direito positivo. Este proceso se dá sobre a base da ampliação da brecha entre a inefetividade estrutural dos direitos socaiis e coletivos e sua eficiência na legitimação política do regime capitalista. Podemos tomar o caso do México, no qual os direitos sociais são amplamente reconhecidos há mais de um século, reconhecimento que ocupa um lugar central na estruturação do nacionalismo mexicano. No entanto, no reconhecimento constitucional e no desenvolvimento jurídico de tais direitos se observa condições pradoxais: por um lado, tal reconhecimento foi realizado esvaziando seu caráter de classe e, em vários casos, somente depois do aniquilamento estatal ou da submissão corporativa forçada das organizações que os exigiam, como o caso emblemático do zapatismo do incício do século XX, das ligas agrárias ou das centrais operárias combativas. Por outro lado, tal reconhecimento tem sido acompanhado de uma inefetividade estrutral paralela, ou seja, caracterizada tanto pela ausência dos recursos econômicos como de mecanismos de cumprimento necessários para sua efetividade. De maneira que seu reconhecimento, no lugar de significar aprofundamento de sua importância na reprodução social, tem sido bastante paralelo à eliminação das condições de organização social necessárias para garantir sua efetivdade (SANDOVAL, 2023).

No entanto, esta tendência à inefetividade estrutural de origem dos direitos sociais não tem sido paralela à perda de sua eficiência política de legitimação. Os direitos sociais reconhecidos pelo estado, somados aos direitos sociais reconhecidos através de instrumentos internacionais formam parte importante das condições de aceitabilidade social do estado dependente e do regime capitalista. No caso mexicano, os direitos agrários e do trabalho, associados à Revolução Mexicana, continuam, apesar das reformas constitucionais e de sua estructura inefetiva, sendo uma parte importante da legitimação do estado dependente. Condição de articulação entre uma inefetividade estrutural e uma alta eficácia política de legitimação, nós denominamos como superideologização dos direitos sociais, assinalando um agravamento da característica brecha entre efetividade e eficácia dos direitos sociais no capital

Ao lado da superideologização dos direitos sociais, se apresenta um fenômeno aparentemente contraditório, a sublimação da violência social organizada, especialmente visível nos processos de militarização de nossa região. A sublimação da violência social deriva da naturalização do agravamento do caráter repressivo do estado em condições dependentes, e adquire a forma dominante da tendência à militarização. Militarização que não implica somente uma crescente centralidade de um conceito simplificado, limitado e unilateral da segurança como em otras áreas. Esta tendência à militarização culmina com sua naturalização, uma aceitação relativamente passiva e parcialmente refletida do que legitima a presença militar não somente no desenvolvimento do estado, mas também na reprodução social (SANDOVAL, 2023).

Conclusões

O aparato teórico e conceitual de Pachukanis mantém sua vigência na reconstrução crítica da realidade concreta e na análise do papel que a forma jurídica burguesa tem na reprodução do capital. O conceito e a metodologia da análise por detrás da forma jurídica burguesa, com aprofundamentos concretos em torno da maneira como se desenvolve o direito capitalista nas sociedades depentendes, permite, por um lado, reconhecer e analisar as especificidades e matizes próprios da condição dependente; enquanto que, ao mesmo tempo, permite integrá-los numa anáilise geral da forma jurídica burguesa, que parta das especificdades do desenvolvimento desigual e combinado do direito capitalista.

Consideramos que é fundamental para a crítica jurídica marxista latino-americana e mundial partir de análises específicas do papel do discurso do direito capitalista no desenvolvimento da realidade concreta que permitan dar conta dos matizes em que se desenvolve o direito capitalista nas diferentes economias e sociedades, e articular estas diferenças na recpnstrução da lógica interna da forma jurídica burguesa. Sem dúvida, a obra de Pachukanis tem muito a contribuir com tais análises.

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Notas de autor

Os autores contribuíram igualmente para a redação do artigo.
Tradução Thiago Ameal Sant’Anna, Universidade do Estado Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil. Bolsista CAPES. E-mail: ameal.advocacia@gmail.com.
Revisão Ricardo Prestes Pazello, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Paraná, Brasil. E-mail: ricardo2p@yahoo.com.br. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9961-0583.


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