Artigos inéditos

Por que descolonizar o Direito da Antidiscriminação? Uma crítica à racionalidade liberal-colonial do direito à igualdade

Why decolonize Antidiscrimination Law? A critique of the liberal-colonial rationality of the right to equality

Derek Assenço Creuz
Universidade Federal do Paraná, Brasil

Por que descolonizar o Direito da Antidiscriminação? Uma crítica à racionalidade liberal-colonial do direito à igualdade

Revista Direito e Práxis, vol. 16, no. 1, e83410, 2025

Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Received: 09 April 2024

Accepted: 08 September 2024

Resumo: Esta pesquisa almeja teorizar e avaliar a influência da lógica liberal-colonial sobre o Direito da Antidiscriminação, propondo uma abordagem descolonial para sua análise. Busca-se identificar as consequências dessa influência sobre o mandamento antidiscriminatório, em especial a essencialização das identidades e a priorização do individual em detrimento do coletivo. Utilizando uma abordagem teórico-conceitual, este estudo destaca a necessidade de uma crítica descolonial contínua e aprofundada que refine a aplicação de normas antidiscriminatórias e a proteção de grupos vulnerabilizados para a proteção efetiva dos direitos humanos. Os resultados destacam a importância de uma reflexão sobre as bases colonizadas e colonizantes do Direito da Antidiscriminação para a promoção de uma transformação efetiva e inclusiva. Este trabalho representa um passo inicial para futuras pesquisas politicamente engajadas na descolonização do Direito da Antidiscriminação, como forma de fortalecer a cultura de direitos humanos a partir de uma perspectiva globalmente justa e equitativa.

Palavras-chave: Direito da Antidiscriminação, Descolonialidade, Igualdade, Racionalidade liberal.

Abstract: This research aims to theorize and evaluate the influence of liberal-colonial logic on Antidiscrimination Law, proposing a decolonial approach to its analysis. It seeks to identify the consequences of this influence over the antidiscrimination commandment, such as the essentialization of identities and the prioritization of the individual over the collective. Using a theoretical-conceptual approach, this study highlights the need for a continuous and deep decolonial critique that refines the application of antidiscrimination norms and the protection of vulnerable groups for the effective protection of human rights. The results underscore the importance of reflecting on the colonized and colonizing bases of Antidiscrimination Law for the promotion of effective and inclusive transformation. This work represents an initial step for future politically engaged research in the decolonization of Antidiscrimination Law, aiming to strengthen the culture of human rights for a globally just and equitable perspective.

Keywords: Antidiscrimination Law, Decoloniality, Equality, Liberal rationality.

Introdução

A igualdade e a não-discriminação, hoje operacionalizadas como um binômio normativo, tornaram-se pedras angulares, ou o coração (Farrior, 2017), da estrutura protetiva oferecida pelo Direito Internacional contemporâneo (Bragato; Adamatti, 2014, p. 93). Não à toa, virtualmente todos os tratados internacionais de direitos humanos, e outros que não concernem diretamente esses direitos, como a Carta de São Francisco, contém menção à igualdade e não-discriminação. A posição de elevada consideração dessas garantias dentro do esquema normativo internacional demonstra uma preocupação globalmente compartilhada, ainda que em maior ou menor grau, inclusive em relação a diferentes grupos dentro de uma mesma jurisdição, com a vedação dos efeitos da diferenciação arbitrária e, por isso, discriminatória.

São criados não só dispositivos específicos em tratados gerais de direitos humanos, como tratados específicos de direitos humanos, bem como jurisprudência internacional, para tornar efetivo o mandamento antidiscriminatório. Esse esforço, somado à sua reflexão e sistematização, resulta no Direito da Antidiscriminação (Rios, 2022), que tem como seu objetivo primário o combate à desvantagem entre grupos, ou seja, a formas relativas de desvantagem entre diferentes grupos cujo pertencimento é definido por característica(s) moralmente irrelevante(s) que ganha(m) relevância jurídica a partir da sua instrumentalização para processos de exclusão social e cultural (Khaitan, 2015; Moreira, 2020). O Direito da Antidiscriminação se encontra em livre crescimento e desenvolvimento, mas é, ao menos no Brasil, uma disciplina jurídica recente1.

Ao passo que o mandamento antidiscriminatório no Brasil contribui para a efetivação da promoção e proteção da dignidade humana, convive com a colonialidade dos direitos humanos (Maldonado-Torres, 2017), produto da colonialidade do poder que surge da naturalização das relações coloniais e da consequente legitimação de grupos social e racialmente classificados como inferiores (Quijano, 2005; 2010; Lugones, 2008). A partir da lógica colonial, desqualificam-se indivíduos divergentes dos padrões hegemônicos da sociedade colonial e da própria condição de humanidade (Bragato, 2014). Por isso, vem crescendo a preocupação com as bases colonizadas e colonizantes do Direito brasileiro (Ferraz Junior; Borges, 2020; Borges, 2023).

Na medida em que há ampla literatura sobre a influência da colonialidade em marcadores sociais específicos como gênero, raça, etnia, deficiência e orientação sexual, inclusive no âmbito do Direito (e.g.Mutua, 2001; Lugones, 2007; 2008; Mendoza, 2016; Quijano, 2005; 2008; Moreira, 2019; Squeff; Damasceno; Taroco, 2022; Sartori Junior, 2016; Santana; Ávila; Matos, 2024; Gomes, 2017; Chaveiro, 2024; Borges, 2023), identifica-se uma lacuna teórica no que tange a influência colonial sobre o Direito da Antidiscriminação enquanto disciplina jurídica própria. Nesse sentido, este trabalho tem por objetivo teorizar e explorar a descolonização do Direito Antidiscriminatório enquanto proposta atrelada à efetividade dos direitos humanos. Adota-se como pressuposto que para alcançar esse objetivo, é preciso primeiro entender a relação entre a matriz liberal dos direitos humanos e a colonialidade do poder que assola a estrutura protetiva internacional (e, consequentemente, nacional também) hoje.

Este é um trabalho teórico, e, por isso, é “eminentemente conceitual [e] destina-se a formular ou rever teorias, conceitos, referências teórico-doutrinárias” (Gustin; Dias; Nicácio, 2020, p. 74). É também exploratório, na medida em que aborda uma proposição ainda prematura e em desenvolvimento. Assim, o objetivo da pesquisa não é, nem pretende sê-lo, esgotar a discussão, mas delinear, inicial e embrionariamente, os contornos e a operacionalização e aplicação do filtro descolonial no ordenamento jurídico brasileiro - junta-se, portanto, a outros esforços que pretendem a aplicação deste filtro na teoria jurídica (e.g.Bragato, 2014; 2016; Ferraz Junior; Borges, 2020; Borges, 2023). Executa-se o objeto de pesquisa deste estudo a partir da pesquisa bibliográfica em relação ao Direito da Antidiscriminação, dos Direitos Humanos e da descolonialidade.

1. O direito à igualdade e a racionalidade liberal

Liberdade, igualdade e fraternidade. O tríptico clássico da Revolução Francesa ecoa, ainda hoje, nos livros que tratam da história dos Direitos Humanos. Trata-se de sintoma claro da influência das revoluções liberais do século XVIII - particularmente as Revoluções Francesa e Americana - na historiografia tradicional da emergência do regime internacional de direitos humanos. Ramos, por exemplo, destaca que são esses conjuntos de eventos que “marcam a primeira clara afirmação histórica dos direitos humanos” (Ramos, 2019, p. 44). Evidentemente, essa influência - para o olhar mais atento e, quiçá, crítico - é vitalmente eurocêntrico e, por isso, intrinsicamente liberal.

A historiografia tradicional dos direitos humanos é marcada pela centralidade do Ocidente em detrimento da exclusão de histórias do Sul, e uma das premissas básicas desse modelo eurocêntrico tem justamente os direitos humanos como o manifesto político da modernidade, cuja manifestação ocorre a partir das Revoluções Francesa e Americana (Barreto, 2018). As contribuições oriundas da Revolução Haitiana são um exemplo do apagamento de histórias marginalizadas para a invenção dos Direitos Humanos (Queiroz, 2022), apesar de sua mais clara aderência a tradições jurídicas latino-americanas, tal qual a brasileira.

A revigorada historiografia dos direitos humanos se divide, no presente, em duas tendências: uma que busca por pontos estáveis do presente na evolução longue durée dos direitos humanos, e outra que almeja demonstrar, a partir de uma perspectiva revisionista, a instabilidade de narrativas universalistas e, consequentemente, a historicidade e transitoriedade das convicções morais e políticas contemporâneas (Hoffmann, 2016). É no contexto dessa tensão que a igualdade, aparentemente um valor que abaliza os direitos humanos desde sua concepção, pode ser escrutinizada, sobretudo em relação à sua origem e papel na estrutura internacional que se construiu para a proteção de direitos humanos.

Isso porque tanto a igualdade quanto, mais amplamente, os direitos humanos guardam uma relação próxima, se não estreita, com a racionalidade liberal. Apesar das discordâncias expressadas por parte da literatura sobre a fundação liberal dos direitos humanos2, costuma-se entender que a teoria eurocêntrica de direitos tem inspiração liberal e democrática e se preocupa com a proteção de indivíduos para contrabalancear e controlar o poder estatal (Barreto, 2013). Não só isso: perspectivas críticas aos direitos humanos expõem sua relação íntima com o colonialismo (Burke, 2010; Samson, 2020), buscando avançar noções que não se subsumam à função ou dimensão legal-judicial, tipicamente liberal, dos direitos humanos (Herrera Flores, 2009).

A ligação entre os direitos humanos e o liberalismo é histórica, já que o nascimento daqueles costuma ser creditado, na esteira historiográfica tradicional, ao “início da era moderna, juntamente com a concepção individualista de sociedade” (Bobbio, 2004, p. 2). A noção iluminista da emergência dos direitos humanos (Griffin, 2008, p. 13), que culmina nas declarações resultantes das revoluções liberais do século XVIII, é produto da essência jurídica da modernidade: a proteção dos direitos do “homem”, que substitui Deus como a base do significado e da ação contra o poder do Estado (Douzinas, 2009, p. 109). As declarações liberais do século XVIII, de nítida inspiração individualista e propósitos burgueses, resultaram “das necessidades, interesses e aspirações do indivíduo racional e da viabilização do projeto liberal-burguês de sociedade” (Bragato, 2022, p. 17).

A racionalidade liberal tem como suas principais características a maximização e valorização da liberdade individual e a existência de uma comunidade de indivíduos autônomos (Hindess, 1993). Como a ideologia prevalecente em sociedades ocidentais capitalistas e democráticas desde sua concepção, no século XVIII, o liberalismo tem, em seu âmago, um comprometimento com ideais como igualdade, liberdade, individualidade e racionalidade (Bellamy, 2015). A racionalidade liberal persevera enquanto a escolha padrão de design político do Direito Internacional clássico e no pós-Segunda Guerra Mundial na Europa e nos Estados Unidos (Koskenniemi, 2005; Ginsburg; Huq; Versteeg, 2018, p. 239), perpetuando-se até a atualidade.

O foco do pensamento liberal recai sobre o sujeito/indivíduo, que se “constitui no pensamento filosófico e político a partir da modernidade como o princípio determinante do mundo, como o fundamento da verdade e do direito” (Ramos, 2021, p. 183). A expressão máxima da racionalidade liberal se expressa, portanto, na estruturação de interações individuais em sociedade baseadas em um rol de direitos que requerem o respeito aos valores liberais fundamentais: a liberdade e a igualdade (Charvet; Kazynska-Nay, 2008, p. 3-6). Nesse contexto, partindo da ideia de que indivíduos devem ser tratados como iguais, tanto em termos de processos de tomada de decisões políticas quanto em arranjos sociais que habilitem as relações desses indivíduos como iguais (Arneson, 2015), a igualdade liberal não só almeja proteger as liberdades individuais, mas também regular, todavia não necessariamente eliminar, desigualdades sociais e econômicas (Tan, 2008).

O sujeito é considerado em sua universalidade e, por isso, em sua abstração: todos os seres humanos têm a mesma capacidade básica e, por isso, devem ter direitos básicos iguais, e é dessa presunção que surge a igualdade guiada pela racionalidade liberal (Charvet; Kazynska-Nay, 2008, p. 33). Essa igualdade liberal corresponde a uma noção formal da igualdade, que não necessariamente se confunde com igualdade perante a lei3, foi estabelecida em um contexto marcado por desigualdades, em que inúmeros grupos, como mulheres, escravos, minorias religiosas, pessoas negras, povos ciganos e grupos sem propriedade, eram considerados irracionais e, por isso, não eram intitulados aos direitos iguais devidos a indivíduos tidos como racionais (Fredman, 2011, p. 5). Assim, essa abstração do sujeito e a consequente igualdade formal que se seguiu “acabou por legitimar discriminações e desvantagens produzidas pela dominação do sujeito de direito proprietário, branco, europeu, cristão, masculino e heterossexual” (Rios, 2022, p. 233-234), inclusive em relação à matriz colonial de poder que assola a proteção internacional dos direitos humanos.

Não obstante os avanços em termos da não-discriminação em direção à antidiscriminação e ao refinamento da igualdade em dimensões mais substantivas, o paradigma liberal persiste. Isso é, em regra, as preocupações atinentes ao mandamento antidiscriminatório olham, sobretudo (e, muitas vezes, exclusivamente), para o sujeito. A noção de um sujeito abstrato já não se põe mais como um problema em si, já que, à primeira vista, as ações e os litígios relacionados à não-discriminação se debruçam sobre a realidade fática, a pessoa concreta e inúmeras implicações sociais, políticas e culturais correspondentes. No entanto, é esse foco no sujeito e sua autonomia que atende à manutenção da racionalidade liberal. Por isso, cuida-se, na próxima seção, da emergência do Direito da Antidiscriminação no Brasil, com aportes internacionais, correlacionando-a à prevalência da racionalidade liberal no regime de proteção do direito ou princípio da igualdade.

2. A emergência do Direito da Antidiscriminação brasileiro: superando paradigmas ou mantendo a tradição?

Desde a humanização e o consequente início da era contemporânea do Direito Internacional, na década de 1940, e a partir do efeito reformativo que normas de direitos humanos e do Direito Humanitário exerceram e continuam a exercer sobre o corpus iuris internacional (Meron, 2006), a igualdade tem sido considerada o alicerce moral e jurídico do estado de Direito e dos direitos humanos (Clifford, 2013). A igualdade, que não logra ir além da sua feição formal durante a modernidade liberal, junto de sua contraparte, a não-discriminação, logo se tornam o elemento fundamental do Direito Internacional dos Direitos Humanos (Bragato; Adamatti, 2014, p. 93).

É justamente a interligação entre igualdade e não-discriminação que passa a marcar os tratados internacionais de direitos humanos da era contemporânea do Direito Internacional que traz à tona a dimensão substantiva do princípio da igualdade, já que o mandamento antidiscriminatório “aponta para a reprovação de condutas e situações em que desvantagens e subordinações são historicamente forjadas e socialmente estabelecidas” (Rios, 2022, p. 233). Em outras palavras, veda-se a utilização de categoria com relevância jurídica em virtude de seu papel em processos de exclusão social (Moreira, 2020, p. 324-330), já que à pessoa se atribuem qualidades estereotípicas baseadas em noções degradantes, associadas a determinadas características decorrentes do pertencimento a um grupo (Fredman, 2011, p. 14-17).

Nesse contexto, a identidade e a discriminação são relacionais, produzidas a partir de marcações das diferenças em suas dimensões social e simbólica (Woodward, 2022) em um contexto sócio-histórico, criando seus próprios significados sociais (Hall, 1997). Por isso, a proteção da igualdade, seja ela formal ou substantiva, dá-se pela proteção do grupo vulnerabilizado4, que é uma construção histórico-filosófico-político-social-jurídico-teórica que se opera pelos pares maioria-minoria, dominância-subjugação e identidade-diferença (Ramacciotti; Calgaro, 2021). Nesse cenário, o Direito da Antidiscriminação explora o duplo processo da diferenciação e avaliação levados à cabo pela diferença (Dahrendorf, 1968).

O Direito Antidiscriminatório, aliás, é operado a partir do direito à diferença5, uma vez que a valorização da igualdade resulta na produção social da diferença (i.e., a diferença produz outras diferenças além/por causa/contra (d)ela) (Pierucci, 2013, p. 119-149). Assim, o mandamento antidiscriminatório não se exaure com a afirmação de subjetividades identitárias tipicamente subjugadas, mas, também e principalmente, atua contra “práticas excludentes responsáveis por diferenciações arbitrárias” (Moreira, 2020, p. 45) que impactam grupos e pessoas negativamente. Isso é possível a partir de uma combinação entre a concepção intercultural da igualdade e da diferença na atualidade (Sousa Santos, 2010) e a evolução do sujeito de direitos, que se torna concreto e socio-cultural-historicamente localizado (Herrera Flores, 2009).

No âmbito global, os primeiros instrumentos de proteção (a Declaração Universal dos Direitos Humanos e os dois Pactos Internacionais que a sucedem) asseguram uma proteção genérica e abstrata a partir de uma concepção formal de igualdade, enquanto os instrumentos internacionais voltados a pessoas e grupos específicos, como os tratados contra a discriminação racial e a discriminação de gênero, trazem uma proteção específica e concreta (Piovesan, 2018, p. 390). No Brasil, o caminho é similar: por se tratar de um “sistema aberto de regras e princípios, de normas que possuem diferentes níveis de concretização” (Moreira, 2020, p. 99), o Direito da Antidiscriminação se concretiza a partir de normas gerais, como aquelas dispostas no texto constitucional, e específicas, voltadas à tutela jurídica de pessoas e grupos vulnerabilizados e em posição de desvantagem político-social em virtude da associação a características negativamente valoradas, sejam elas de origem nacional ou internacional, no caso de tratados de direitos humanos incorporados ao ordenamento jurídico brasileiro6.

A estrutura antidiscriminatória nacional, em que pese sua inteligibilidade e regras de funcionamento, não se diferencia substancialmente das normas antidiscriminatórias internacionais. É nesse sentido que não se pode desassociar a crítica à racionalidade liberal-colonial do Direito Antidiscriminatório brasileiro. A própria estruturação do ordenamento jurídico nacional, intrinsicamente democrático e liberal, determina largamente a forma como, em geral, operadores(as) do Direito - juízes(as), promotores(as), defensores(as), advogados(as) e outros(as) - costumam abordar problemáticas que envolvam a quebra do pacto da igualdade no Brasil a partir de uma perspectiva individualista.

A identificação da não-discriminação a partir de uma perspectiva restritivamente individual impede o reconhecimento de sua dimensão coletiva, que pode se evidenciar, por exemplo, a partir da concepção de grupo social de Young, que insere em sua constituição não o compartilhamento de certas características, mas sim um senso de identidade - ou seja, a identificação com um certo status social por parte de uma pessoa, a história comum que este status social produz e a autoidentificação que define o grupo como um grupo (Young, 2011, p. 62). A marginalização social incide em indivíduos não meramente em virtude de suas características pessoais, mas sobretudo em razão do seu pertencimento a certos grupos sociais que não possuem o mesmo status cultural e material que membros de outros grupos (Moreira, 2019, p. 248-249). Um grupo social sujeito à subjugação sociocultural pode vir a existir tão somente por seus indivíduos serem excluídos e categorizados enquanto uma categoria particular de pessoas; os indivíduos ora identificados passam a se compreender enquanto outsiders e membros desse grupo em razão de sua opressão compartilhada (Young, 2011, p. 64), a partir da imposição de-fora-para-dentro e aquisição de sentidos sociais anteriores ao sujeito (Moreira, 2019, p. 43-50).

Se, de um lado, movimentos sociais tendem a pautar suas atuações a partir de demandas e estratégias coletivas (Wolkmer, 2022; Gonzalez, 2019), inclusive pujando pelo reconhecimento das (intrinsicamente coletivas) dimensões institucional e estrutural7 da discriminação, do outro, a presença da racionalidade liberal e individualista é notória nas práticas jurídicas legislativas, judiciais e pedagógicas (por exemplo, Monica, 2020; Avritzer; Marona, 2014; Moreira; Almeida; Corbo, 2022, p. 27-59). Há, nesse sentido, uma tensão de difícil digestão: movimentos sociais e coletivos buscam superar, ao menos parcialmente, o paradigma liberal ao invocar noções coletivas de discriminação, enquanto elaboradores(as) e operadores(as) do Direito parecem mais se preocupar - quando se preocupam, já que não é incomum a recusa da tutela judicial ou legislativa de direitos atrelados a grupos vulnerabilizados - com indivíduos, sem a prospecção do coletivo.

A marca individualista da racionalidade liberal, quando aplicada ao Direito da Antidiscriminação, pode resultar na essencialização das identidades e da aplicação e interpretação do mandamento antidiscriminatório, e a imposição, ou, ao menos, priorização, do individual sobre o coletivo e o consequente cerceamento da potencialidade emancipatória do Direito da Antidiscriminação ao impedir transformações sociais, políticas e culturais efetivas. Urge-se, dessa maneira, a adoção de uma lente analítica que dê conta de (re)imaginar as bases teóricas e metodológicas da disciplina, em prol de sua máxima eficácia. Como já se apresentou em momento anterior, a lente analítica que este trabalho se propõe adotar é a teoria descolonial.

3. Por um Direito da Antidiscriminação descolonial e descolonizante

O conceito de colonialidade se debruça sobre a lógica subjacente à fundação da civilização ocidental, cuja dimensão constitutiva recai sobre colonialismos históricos (Mignolo, 2011, p. 2). Seu propósito é “expor e descontruir a herança colonial que ainda perpassa de modo estrutural as formações burocráticas e práticas do poder” (Borges, 2023, p. 45), rompendo, portanto, com a lógica (mono)lógica moderna (Maldonado-Torres, 2007, p. 162). A modernidade, cuja origem remonta aproximadamente aos séculos XV e XVI, é um ponto de partida de extrema relevância para os estudos decoloniais na medida em que a presença europeia em áreas não-europeias resultou no desenvolvimento de doutrinas jurídicas (criadas ou adaptadas por europeus) que dessem conta de formas mais complexas de interação entre europeus e não-europeus (Anghie, 2006, p. 742). A colonialidade se preocupa não apenas à dominação e expansão europeia, mas, também, ao vínculo político e econômico formal entre a metrópole e as colônias (Quijano, 2008; Squeff; Damasceno, 2024), já que, mesmo após a partida dos europeus dos territórios colonizados, a dominação ocidental nas formas de ser, fazer e viver persistem nos níveis político, social, cultural e jurídico (Ballestrin, 2013).

A modernidade tem uma dimensão - ou, mais adequadamente, uma contraparte - colonial, que caracteriza a relação entre a Europa e suas colônias. O binômio modernidade/colonialidade alude à colonialidade do poder, baseada na constituição de um poder capitalista moderno/colonial a partir da criação da noção de raça, ligada à relação superioridade-inferioridade estrutural (Quijano, 2010, p. 25) que substancia a dominação do colonizador sobre o colonizado. Essa dominação ocorre pela naturalização das relações coloniais e pela legitimação da subordinação dos grupos ditos inferiores, dos atrelados a certas características fenotípicas, mentais, culturais e sociais que estão em direta dissidência da figura do homem branco, heterossexual e cristão da Europa (Quijano, 2005; 2010). A colonialidade do poder opera a partir da classificação social e racial da população mundial, que, na interseção entre raça, classe, gênero e sexualidade (Lugones, 2008, p. 73), desqualifica os indivíduos que divergem dos padrões hegemônicos da sociedade colonial como consequência da condição de (pertencimento à) humanidade (Bragato, 2014, p. 221-225).

A descolonialidade8 surge das lacunas e insuficiências da descolonização (ou seja, do processo de saída da Europa das colônias), como uma ferramenta para des-fazer e des-vincular do paradigma Europeu que marca a racionalidade moderna (Mignolo, 2008; Mignolo; Walsh, 2018, p. 120). A partir da ótica colonial, “uma característica do poder exercido nas relações de dominação colonial da modernidade” (Bragato, 2014, p. 212), desvela-se a diferença colonial, isso é, “o local ao mesmo tempo físico e imaginário onde atua a colonialidade do poder, no confronto de duas espécies de histórias locais visíveis em diferentes espaços e tempos do planeta” (Mignolo, 2003, p. 10). Essa diferença tem como resultado a criação simultânea de, por um lado, sujeitos com poderes e privilégios e, por outro, vidas subalternizadas (Grosfoguel, 2008). A descolonialidade, marca das relações assimétricas de poder contemporâneas (Bragato, 2016), propõe uma reflexão outra que objetiva a construção coletiva de saberes, práticas e teorias e é enraizada no giro descolonial, movimento de resistência teórico-prático-político-epistemológico à lógica moderna/colonial (Ballestrin, 2013, p. 105).

A dicotomização promovida pela colonialidade entre humanidade/barbárie, racional/irracional, europeu/não-europeu tem consequência direta às maneiras como se entendem as identidades - que, apesar de não serem a preocupação central do Direito da Antidiscriminação, atuam como princípio orientador do mandamento antidiscriminatório. As identidades são construções sociais relacionais, vinculadas a condições sociais e materiais, marcadas pela diferença, que é estabelecida por uma marcação simbólica e excludente em relação a outras identidades (Woodward, 2022, p. 13-15). Como uma categoria política que estabelece relações de poder (Jones; Stablein, 2006), a identidade é produzida a partir da afirmação da diferença pelo discurso, e não um ato voluntário do sujeito (Foucault, 1982; Hall, 2022). Nesse sentido, ainda que identidades se localizem no nível pessoal, elas são social, histórica, cultural e coletivamente construídas a partir de processos complexos de similaridade e diferenciação (Eisenstadt, 1998; Ainsworth; Hardy, 2004).

As relações assimétricas de poder hoje, como aquelas marcadas por raça, gênero e classe, são resultado, ou continuação, das divisões produzidas pelo colonialismo, que construiu a noção de humanidade em contraposição ao não-humano, o Outro colonial (Spivak, 2010; Lugones, 2008). Essas divisões coloniais foram estabelecidas como instrumentos básicos de classificação social: uma vez que as identidades constituíam hierarquias, lugares e papéis sociais, bem como o próprio modelo de dominação colonial imposto, as relações sociais delas decorrentes se configuraram como relações de dominação e subjugação (Quijano, 2008, p. 182). O processo de descolonização - incluindo a descolonização formal, mas também a descolonização das relações de poder, de ser e de viver - deve se atentar às identidades sociais, já que a demarcação dessas identidades é sempre parcialmente arbitrária (Alcoff, 1991).

Isso porque a partir da (des)colonialidade, as relações coloniais de poder deixaram marcas não apenas nas áreas de autoridade, sexualidade, conhecimento e economia, mas também no entendimento geral do ser (Mignolo, 2003). A colonialidade do ser, que se evidencia em projetos históricos e ideias de civilização que avançam projetos coloniais inspirados ou legitimados pela classificação social-racial, debruça-se, então, sobre os efeitos da colonialidade nas experiências e vivências a partir da normalização da diferenciação colonial e da violação da alteridade (Maldonado-Torres, 2007). É dizer: o colonialismo (e sua contiguidade, a colonialidade) produz discriminações sociais dentro de múltiplas estruturas de poder complexas e desigualmente articuladas (Quijano, 1992; Lugones, 2007), o que tem consequências diretas sobre a forma como marcadores sociais da diferença e a cultura em si se manifestam, organizam e configuraram (Okazaki; David; Abelmann, 2008).

O que se argumenta a partir da colonialidade e de seus efeitos sobre as identidades é que essa configuração se replica, plena e inevitavelmente, no discurso jurídico - e, consequentemente, do mandamento antidiscriminatório. Na medida em que o Direito - incluindo os direitos humanos - é marcado pela influência colonial e, hoje, pela colonialidade (Esmeir, 2015; Maldonado-Torres, 2017), sua descolonização necessariamente passa pela desconstrução da ideologia do universalismo (Wallerstein, 1985, p. 68). Isso é, ao fomentar diferentes categorias e conhecimentos alternativos à ciência jurídica ocidental, a descolonialidade questiona os universalismos ocidentais (Castro-Gómez, 2017), permitindo que se entendam os discursos jurídicos como construções que emergem e se perpetuam a partir da lógica colonial e colonizante.

O giro descolonial do Direito da Antidiscriminação perpassa pelo questionamento de sua fundação: os princípios da igualdade e da não-discriminação, inseridos na tradição liberal dos Direitos Humanos. Amplamente, descolonizar o Direito é abri-lo para a insurgência do Outro subjugado, a partir da mudança social (Ribeiro; Figueredo; Sparemberger, 2019). Dentro desse contexto, descolonizar o mandamento antidiscriminatório significa, em primeiro lugar, reconhecer sua insuficiência diante de arranjos sociais e institucionais desiguais e, quiçá principalmente, das dimensões coletivas da discriminação (Bagenstos, 2006; Fineman, 2020). Se se assume como pressuposto que existem diferentes núcleos sociais de onde identidades múltiplas e fluídas emergem (Laclau, 1990; Weeks, 1994), inclusive em conflito umas com as outras, a descolonização do Direito da Antidiscriminação deve, necessariamente, enfrentar qualquer tentativa de fixar essas identidades - opondo-se, aliás, ao imperativo da equiparação (Segato, 2012) -, em atenção ao contexto no qual a disciplina se insere, em que “discursos específicos da diferença são constituídos, contestados, reproduzidos e ressignificados” (Brah, 2006, p. 374). Evidentemente, isso inclui a própria influência colonial sobre as compreensões acerca dos marcadores sociais da diferença - raça, gênero, classe, orientação sexual... - e seus elementos constitutivos, isso é, concepções limitantes e geralmente binárias desses vetores.

A proposta que aqui se apresenta contribui para o aprimoramento da igualdade substantiva nas quatro dimensões propostas por Fredman (2016): reparar desvantagens; enfrentar estigmas, estereótipos, preconceito e violência; potenciar vozes e participações; e acomodar diferenças e concretizar mudanças estruturais. Isso porque, a partir da perspectiva descolonial, atender às diversidades internas e externas a cada grupo “desuniversaliza os sujeitos políticos, rompe com essencialismos, dando vazão à heterogeneidade e ao político, com toda a sua marca de desentendimentos nas relações sociais” (Ferraz Junior; Borges, 2020, p. 14). A descolonização do Direito da Antidiscriminação, a partir da aplicação do filtro descolonial para a desmarginalização de subjetividades (Borges, 2023), enfrenta diretamente a subhumanização de certos corpos e grupos, considerados inferiores e descartáveis na escala do ser que divide sujeitos a partir das linhas abissais (Sousa Santos, 2022). Não só isso: a descolonização da disciplina também puja pela interdisciplinaridade e complexificação do mandamento antidiscriminatório, já que, respectivamente, volta-se para os efeitos sociais, políticos e culturais, e não apenas jurídicos, que a discriminação exerce, e olha para processos sociais de dominação e subjugação, transpondo o individual para se ater a formas coletivas de discriminação e, assim, alcançar mudanças estruturais e duradouras.

A descolonização do Direito da Antidiscriminação demanda intencionalidade, uma atitude comissiva, afastando-se da mera não-discriminação para emplacar uma contradiscriminação. Essa ideia é fomentada por Mignolo (2007), para quem a gramática descolonial implica uma desvinculação, ou um delinking, da retórica e da lógica moderna/colonial. A descolonialidade implica romper não só com a hierarquização social que estabelece e mantém as relações desiguais de poder, mantidas a despeito da própria ideação igualitária dos direitos humanos (Mutua, 2001; Bragato, 2016; Squeff; Damasceno; Taroco, 2022), mas também com a própria racionalidade liberal que acomete o regime de direitos humanos e, performativamente, impele o Direito à violência discursiva (e.g.Gomes, 2017).

É necessário operar os direitos humanos para além do roteiro liberal. É, nesse sentido, necessário desmontar e desfazer o ‘etnojuricídio brasileiro’ a partir do movimento DE: desterritorializar o saber jurídico, desvendar tradições, desconstruir institutos, desmistificar naturalizações epistêmicas, descobrir formas e pensamentos ignorados, destravar maneiras criativas de lidar com a moralidade, desmarginalizar subjetividades e, afinal, desestruturar o direito oficial brasileiro (Borges, 2023, p. 81-85). Isso demanda, sem dúvidas, um esforço perene e continuado, a ser executado a partir de diferentes pontos de partidas e com instrumentos diversos, dada a amplitude e a complexidade da discriminação e da colonialidade.

A proposta de descolonização aqui posta não recai sobre a proeminência do individual dentro do sistema jurídico, mas, sim, dessa situação em detrimento de noções coletivas do mandamento antidiscriminatório, bem como da limitação do potencial resolutivo e emancipatório que resulta da essencialização das identidades protegidas. A crítica, portanto, valoriza tanto a desocultação das identidades e de ideologias (Haas, 2017) quanto as práticas discursivas diversas que constituem a proposta descolonial dos direitos humanos (Hoffmann; Assy, 2019), e já vem sendo empregada, em relação a diferentes grupos vulnerabilizados e de diferentes formas e perspectivas, em parte da literatura especializada em relação a decisões judiciais específicas (por exemplo, Sartori Junior, 2016; Bragato; Colares, 2017; Santana; Ávila; Matos, 2024). Cabe agora, àqueles e àquelas que propõem e praticam a descolonização da operação do Direito da Antidiscriminação, e dos próprios Direitos Humanos mais amplamente, buscar maneiras de expandir a aplicação desse filtro descolonial, não só em relação à essencialização das identidades e da proeminência do individual sobre o coletivo, mas de outras maneiras em que relações coloniais (e, por isso, hierárquicas) de poder se revelem na operação do Direito.

Conclusão

A preocupação com a garantia do direito à igualdade não é uma inovação jurídica do século XXI. Ainda que de forma incipiente e consideravelmente diferente dos moldes contemporâneos, desde, no mínimo, as sociedades modernas, encontram-se debates sobre o conteúdo e a forma desse direito. Tipicamente, à igualdade corresponde a não-discriminação: tidas como dois lados de uma mesma moeda, não é incomum que normas nacionais e internacionais, desde tratados internacionais a constituições e leis infraconstitucionais, inscrevam ambas as provisões em seus textos. Entretanto, parte da literatura vem apontando, sobretudo a parte da adoção de teorias jurídicas (e/ou sociais) críticas, como a estrutura normativa construída pelo pleito da igualdade tem efeitos que, se a priori parecem neutros, na realidade almejam a manutenção de uma igualdade para alguns, não para outros. Um exemplo foi apresentado neste trabalho: sob a ótica da crítica (ao) liberal, a igualdade é apontada como severamente restritiva e lamentavelmente excludente.

Isso porque, como se discutiu anteriormente, a lógica liberal é marca inata das sociedades europeias da modernidade - e, por isso, da estrutura colonialista que as acompanha. Nesse cenário, a igualdade só poderia ser atribuída, ou reconhecida, para a civilização, jamais para a barbárie. O colonialismo, como produto da exploração e subjugação pela Europa dos territórios ditos “descobertos”, era como uma faca de dois gumes: ao passo que funcionava como uma afirmação de direitos do homem branco-hétero-europeu-cristão-burguês-proprietário, excluía tantas outras populações que não se enquadravam ao retrato da humanidade e, por isso, não poderiam acessar as mesmas garantias jurídicas, políticas e sociais. Se, por um lado, a colonização encontra um fim em algum momento da história recente, seus efeitos, expressos pela colonialidade do poder e seus frutos - colonialidade do ser, do fazer, do saber... -, se prolongam até a contemporaneidade.

Não se espanta, então, que a teorização e a prática descolonial e descolonizante busque identificar e, tanto quanto possível, neutralizar a operação da lógica colonial dentro da estrutura social e jurídica contemporânea. Particularmente, a disciplina jurídica vem ocupando cada vez mais os holofotes de pesquisas e práticas que se alinham à descolonialidade, sobretudo em virtude da promessa de neutralidade e imparcialidade do Direito. Dentro desse panorama, as identidades (que não se limitam à dimensão jurídica, mas se tornam um dos seus objetos quando se discutem a proteção de grupos vulnerabilizados) são um tema de interesse, principalmente a partir do estabelecimento do mandamento antidiscriminatório com maior vitalidade na Constituição de 1988 e da construção do Direito da Antidiscriminação brasileiro.

Como se argumentou nesta pesquisa, o Direito da Antidiscriminação pode e deve ser analisado a partir da ótica descolonial. A constituição social - e invariavelmente jurídica - das identidades, ponto central para o mandamento antidiscriminatório, é atravessada e trespassada múltiplas vezes pela colonialidade do poder e do ser, e isso tem consequência direta sobre a maneira como se opera o dever de proteção contra a discriminação. Questionar as bases coloniais e colonizantes da teoria jurídica antidiscriminatória é uma forma, entre muitas, de refinar a aplicação da lei de maneira a promover efetivamente o escopo protetivo dos direitos humanos em desvio da estrutura eurocêntrica que caracterizam sua história. É dizer: a aplicação do filtro descolonial ao mandamento antidiscriminatório possibilita a proteção de outras vivências ou vivências outras, de formas alternativas de ser e existir que podem e costumam ser excluídas do molde estatal (super) bem definido, alienado às realidades locais em prol de uma suposta universalidade imanente, incomunicável e por vezes deslocada das demandas concretas de uma sociedade sujeita às influências e heranças coloniais.

Em especial, foram identificadas duas principais consequências da influência da lógica liberal-colonial no Direito da Antidiscriminação. Primeiro, a essencialização das identidades, como uma restrição de quem pode ser identificado com traços social e culturalmente relevantes, leva à essencialização da própria estrutura normativa, o que prejudica a aplicação da proteção antidiscriminatória ao caso concreto. Segundo, porque a lógica liberal se volta à garantia da autonomia e da liberdade individuais, a influência do pensamento liberal sobre o mandamento antidiscriminatório potencialmente acarreta a priorização do individual em detrimento do coletivo, colocando em risco o potencial emancipatório e transformador do Direito da Antidiscriminação em relação a estruturais sociais mais sólidas e, paradoxalmente, invisibilizadas pela operação das relações hierárquicas de poder.

Isso não significa que outras consequências, bem como outros objetos de crítica e outras ferramentas descoloniais não possam ser desenvolvidas e trabalhadas. Pelo contrário, é importante que a crítica descolonial continue a ser incrementada e expandida, inclusive (e sobretudo) a partir de outros pontos de partida outrora não considerados. Este trabalho foi um desses pontos de partida: ainda que não se busque afirmar que a proposta de descolonização de identidades seja inédita, agora, com uma estrutura normativa própria que surge a partir do reconhecimento da existência de uma disciplina jurídica específica, o Direito da Antidiscriminação, é preciso manter a atenção para que essa “nova” disciplina não incorra nos mesmos erros já discutidos, talvez até exauridos, quando se tratavam de marcadores sociais sem se considerar uma rede normativa mais ampla como a que se debate agora.

Como se tratou na Introdução deste trabalho, este é um primeiro esforço. Não um esforço singelo, porque não é singela a proposta que sugere a transformação social, política e cultural. Com certeza um esforço incipiente, que vai exigir profunda teorização e, principalmente, inesgotável e incansável prática. É preciso que estudos futuros politicamente engajados e igualmente preocupados com as bases coloniais e colonizantes do Direito da Antidiscriminação almejem identificar, em casos práticos, as discretas e complexas nuances e influências da colonialidade do poder, do saber, do ser e do fazer sobre a forma como se operacionaliza a luta contra qualquer forma de discriminação, para garantir que a recente disciplina antidiscriminatória possa encontrar sua voz e efetividade. A cultura de direitos humanos, um esforço eternamente em andamento sob fortes disputas (trans)nacionais de poder e controle social, só tem de se beneficiar da descolonização de qualquer estrutura protetiva que se centralize no sujeito concreto de direitos.

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Notes

1 A despeito da afirmação, existem, no Brasil, uma série de iniciativas acadêmicas que já adotam o Direito da Antidiscriminação como marco teórico referencial. Por exemplo (e assumindo o risco inevitável de não sequer chegar perto da totalidade de iniciativas de fato existentes), é possível mencionar as disciplinas nos cursos de graduação e pós-graduação em Direito da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Novos Direitos e Antidiscriminação: leituras foucaultianas, pelos professores Roger Raupp Rios e Maria Claudia Dal Igna, e Novos Direitos, Antidiscriminação e “Sociedade do Ódio”, pelo professor Roger Raupp Rios), da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (Direito, Gênero e Igualdade: gênero, raça, classe e sexualidade em uma perspectiva interseccional e decolonial, pela professora Silvia Carlos da Silva Pimentel), na Fundação Getúlio Vargas (Direito antidiscriminatório, pelo professor Dimitrios Dimoulis), na Universidade de Brasília (Direitos humanos e coletivos, antirracismo e direitos da antidiscriminação, pela professora Rebecca Igreja), na Universidade La Salle (Direito Antidiscriminatório e Desafios Contemporâneos, pelo professor Lúcio Antônio Machado Almeida) e na Universidade Presbiteriana Mackenzie (pelo professor Adilson Moreira). Todas as disciplinas mencionadas são recentes, com menos de 10 anos, o que parece corroborar para o argumento feito no texto. Evidentemente, outras inúmeras iniciativas, certamente muito mais antigas, vinculadas a marcadores sociais da diferença específicos - gênero, raça, deficiência, orientação sexual, nacionalidade... - podem ser agrupados nesse brevíssimo levantamento. Aquelas mencionadas nesta nota de rodapé, entretanto, adotam explicitamente o Direito da Antidiscriminação como marco teórico.
2 Por exemplo, Gourevitch (2009) afirma que os direitos humanos contemporâneos conceitualizam o sujeito de direitos como um indivíduo carenciado cujos interesses vitais requerem proteção, e não como um agente moral com vontade própria, e que essa reconceitualização abre as portas para uma prática política paternalista - algo diametricamente oposto à racionalidade liberal. Essas duas tendências contradiriam, necessariamente, a essência de conteúdo e valor do liberalismo. Já Moyn (2017) argumenta que os direitos humanos são apenas mais um projeto liberal tardio e que, historicamente, o movimento contemporâneo de direitos humanos existe somente em virtude do truncamento e quebra abruptos de tradições liberais no pensamento e prática modernos.
3 Para Foran (2023, p. 15), o direito ou o princípio da igualdade perante a lei incorpora tanto aspectos jurídicos quanto o valor abstrato da igualdade, demandando, a partir dessa combinação, que sujeitos de direito sejam tratados como moralmente iguais na criação, interpretação e aplicação da lei.
4 Jubilut (2013, p. 16) define grupo vulnerável como um grupo composto por “pessoas não pertencentes às minorias nacionais, mas que, em face de suas relações de subjugação no que tange à sociedade majoritária, precisariam estar englobados nos tratamentos diferenciados que devem ser dados às minorias em geral e precisariam de uma proteção diferenciada em função de suas peculiaridades”. No entanto, porque aqui se entende que a construção do termo “vulnerável” torna inata e normaliza a condição de vulnerabilidade, em uma pequena dissonância, adota-se o termo “grupo vulnerabilizado”, para evidenciar o tornar vulnerável de forma ativa e intencional que é atribuído ao grupo.
5 Para Rios (2012), o direito à diferença surge da crítica a um universalismo político e jurídico que arrisca se restringir ao formalismo, criando e reforçando novas e antigas desigualdades e discriminações. Puja-se, portanto, pelo respeito à peculiaridade das diferenças, abraçando a diferença sem abrir mão da igualdade.
6 Para um apanhado da incorporação da igualdade (e da não-discriminação) no ordenamento jurídico brasileiro, cf. Barroso; Osorio, 2016; Guedes, 2013, p. 89-118.
7 Em síntese, a discriminação institucional preconiza que a discriminação seria o resultado da operação de instituições, que atuariam na formulação de regras e imposição de padrões sociais que atribuem privilégios a um determinado grupo em detrimento de outro, enquanto a discriminação estrutural, em perspectiva macro, atribuem o funcionamento discriminatório à ordem e estrutura social (Almeida, 2020).
8 Não sem oportunamente registrar a diferença gramatical entre decolonialidade e descolonialidade, este trabalho se alinha com a posição de Borges (2023, p. 73): “Então, mais adequado em termos epistemológicos, porque um movimento de características particulares em seu contexto brasileiro, e em termos linguísticos, porque a língua portuguesa, como visto, não nos conduz ao apagamento fonético do “s”, é o uso sempre das palavras “descolonização”, “descolonizar” [...]”.

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