Artigos inéditos

Direitos humanos, justiça reprodutiva e mortalidade materna no brasil 20 anos depois da morte de Alyne Pimentel

Human rights, reproductive justice and maternal mortality in brazil 20 years after the death of Alyne Pimentel

Joice Graciele Nielsson
Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, Brasil

Direitos humanos, justiça reprodutiva e mortalidade materna no brasil 20 anos depois da morte de Alyne Pimentel

Revista Direito e Práxis, vol. 16, no. 1, e78389, 2025

Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Received: 08 August 2023

Accepted: 15 September 2024

Resumo: O artigo analisa o complexo legal e as políticas públicas de enfrentamento à mortalidade materna colocadas em prática no Brasil nos últimos 20 anos, questionando: em que medida a condenação brasileira no “Caso Alyne” vs. Brasil repercutiu quando à incorporação e efetivação do paradigma da justiça reprodutiva? Utiliza uma abordagem qualitativa e metodologia dedutiva a partir da análise documental, estruturando-se em três partes: analise do caso e decisão de mérito; abordagem dos contornos teóricos do paradigma da justiça reprodutiva e; análise acerca da incorporação e efetivação do paradigma da justiça reprodutiva e redução das vidas materna perdidas no Brasil. Conclui que, embora a decisão seja relevante e inovadora, as políticas públicas colocadas em prática no Brasil nos últimos 20 anos não levaram em consideração os princípios da justiça reprodutiva.

Palavras-chave: Justiça Reprodutiva, Direitos Humanos, Direitos sexuais e reprodutivos, Mortalidade materna.

Abstract: The article analyzes the legal complex and the public policies to combat maternal mortality put into practice in Brazil in the last 20 years, questioning: to what extent the Brazilian condemnation in the “Caso Alyne”vs Brazil have repercussions when it came to the incorporation and implementation of the reproductive justice paradigm? It uses a qualitative approach and deductive methodology based on document analysis, structured in three parts: case analysis and decision on the merits; approach to the theoretical contours of the reproductive justice paradigm and; analysis about the incorporation and effectiveness of the paradigm of reproductive justice and reduction of maternal lives lost in Brazil. It concludes that, although the decision is relevant and innovative, the public policies put into practice in Brazil in the last 20 years have not taken into account the principles of reproductive justice.

Keywords: Reproductive Justice, Human rights, Sexual and reproductive rights, maternal mortality.

1. Introdução

O presente artigo analisa o arcabouço legal e as políticas públicas de enfrentamento à mortalidade materna colocadas em prática no Brasil nos últimos 20 anos, a fim de verificar a repercussão da condenação brasileira no caso internacional Alyne da Silva Pimentel Teixeira - “Caso Alyne” - vs. Brasil, quando à incorporação e efetivação do paradigma da justiça reprodutiva. O Caso Alyne Pimentel é a primeira denúncia sobre mortalidade materna acolhida pelo Comitê da Convenção para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW), incumbido de monitorar o cumprimento pelos Estados-parte da Convenção relativa aos Direitos das Mulheres, adotada pelas Nações Unidas em 1979. É o primeiro caso a abordar o tema da mortalidade materna como uma violação de direitos humanos, e a primeira “condenação” do Estado brasileiro proveniente de um órgão do Sistema Universal de Direitos Humanos.

Passados mais de 20 anos da morde de Alyne Pimentel, ocorrida em 2002, e mais de 12 anos da condenação brasileira, o questionamento central da pesquisa busca investigar: em que medida, as recomendações estabelecidas pelo Comitê CEDAW no caso Alyne repercutiram no arcabouço jurídico e nas públicas brasileiras, promovendo a incorporação do paradigma da justiça reprodutiva e diminuindo os índices de mortalidade materna no país? Para o desenvolvimento da pesquisa, utiliza-se uma abordagem qualitativa e metodologia dedutiva a partir da análise documental da Decisão acerca do Caso Alyne Pimentel v. Brasil proferida pelo Comitê CEDAW, e dos dados acerca da mortalidade materna no Brasil nos últimos 20 anos, analisados a partir do referencial teórico da justiça reprodutiva.

O artigo está estruturado em três partes. Na primeira, com apoio no relatório do Comitê CEDAW, apresentaremos uma descrição do caso, a representação feita ao Comitê CEDAW e a decisão de mérito. Na segunda, apresentamos os contornos teóricos do paradigma da justiça reprodutiva, pautando a sua utilização como uma forma de expansão do paradigma dos direitos sexuais e reprodutivos ao vincular elementos de justiça social e racial como imprescindíveis à análise. Na terceira parte, por fim, verificamos o complexo legislativo e jurídico e as políticas públicas de enfrentamento à mortalidade materna colocados em prática no Brasil nos últimos 20 anos e as confrontamos com os dados oficiais acerca do tema, a fim de verificar os reflexos e mudanças no que tange à incorporação e efetivação do paradigma da justiça reprodutiva e redução das vidas materna perdidas.

Em termos de conclusão, aponta que, em que pese a decisão de mérito do Comitê CEDAW, reconheça a morte de Alyne Pimentel como uma morte materna, fruto de violência de gênero, e articule as categorias gênero, raça e classe na análise do caso, as políticas públicas colocadas em prática no Brasil não levaram em consideração os princípios da justiça reprodutiva e não alcançaram a amplitude e interseccionalidade necessárias para a efetiva abordagem do tema, ocultando o racismo e as injustiças sociais estruturalmente vinculadas ao tema. Este cenário foi agravado pela Pandemia da COVID-19, de tal modo que, em 2022, os dados acerca da mortalidade materna - taxa de mortalidade materna para cada 100 mil nascidos vivos foi superior a 107 - indicam um retrocesso de duas décadas, ou seja, um retorno aos mesmos patamares do início dos anos 2000, momento histórico da morte de Alyne Pimentel.

2. Direitos sexuais e reprodutivos: o Caso Alyne Pimentel e suas repercussões

A incorporação dos direitos das mulheres, da perspectiva de gênero, e mais especificamente dos direitos sexuais e reprodutivos ao rol de direitos humanos reconhecidos e protegidos internacionalmente se deu de modo lento e ainda incompleto, em um contexto de lutas constantes (Corrêa; Alves; Januzzi, 2006). Seu rol de incorporação ao complexo dos direitos humanos possui, como marco relevante, a Convenção para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, de 1979 e a adoção, em 1999 do Protocolo Opcional à CEDAW que implementou o Comitê para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher - Comitê CEDAW, com a função de aplicar a Convenção.

A CEDAW é o primeiro tratado internacional que dispõe amplamente sobre os direitos das mulheres, buscando promover a igualdade de gênero e reprimir quaisquer discriminações pelo Estado parte1. Já no âmbito da saúde materna, conforme Cook (2013), seu reconhecimento no escopo dos direitos humanos passou a ganhar força em 1999 com a Recomendação Geral n. 24, do CEDAW, no entanto, conforme aponta Laura López (2016), sua construção como um objeto sanitário passa pela Conferência Internacional sobre a Maternidade sem Risco em Nairóbi, Quênia, em 1987, que desencadeou a iniciativa Maternidade Segura; a XXIII Conferência Sanitária Pan-Americana em Washington, em 1990, que aprovou o Plan de Acción Regional para la Reducción de la Mortalidad Materna en la Región de las Américas e, a inclusão da redução da mortalidade materna nas Metas de Desenvolvimento do Milênio - MDM, e posteriormente nas Metas de Desenvolvimento Sustentável - ODS.

Contudo, foi com o caso de Alyne que a vinculação entre direitos humanos e saúde materna adquiriu ênfase. O caso Alyne da Silva Pimentel Teixeira (“Alyne”) vs. Brasil, apresentado perante o Comitê CEDAW é a primeira reclamação sobre mortalidade materna apresentada ao Comitê internacional (De Oliveira, 2014). Alyne era uma mulher brasileira, pobre e negra, vivendo na periferia do Rio de Janeiro, que morreu aos 28 anos, devido ao precário tratamento médico recebido durante o pré-natal e o parto, que a deixou sangrar até a morte em um corredor de hospital, deixando uma filha de cinco anos2 (ONU, 2011). Alyne morreu em novembro de 2002, ano no qual outras 1.654 mulheres perderam a vida no país por complicações na gravidez.

A partir de sua morte, duas medidas legais, uma nacional e outra internacional, foram apresentadas. Uma ação indenizatória pleiteando o reconhecimento da responsabilidade do Estado do Rio de Janeiro e dos municípios de Belford Roxo e Nova Iguaçu pela falha na prestação de assistência médico-hospitalar que, em 2013, teve proferida decisão concedendo danos morais e uma pensão para a filha de Alyne retroativa à morte de sua mãe até a maioridade civil, que, por sua vez, foi paga no ano seguinte3. No entanto, conforme afirma Lardosa (2018), a decisão não reconheceu expressamente a responsabilidade do Estado pela má qualidade dos cuidados de saúde prestados nos hospitais e clínicas públicos ou conveniados.

Em 2008, Maria de Lourdes da Silva Pimentel4, apresentou comunicação individual contra o Estado brasileiro junto ao Comitê CEDAW, fundamentada no descumprimento do art. 2º, alínea “c” e do artigo 12, da Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres. O caso Alyne Pimentel v. Brasil foi o primeiro, no Sistema Global de Direitos Humanos, envolvendo mortalidade materna, buscando evidenciar o problema como violação do direito humano à saúde reprodutiva das mulheres.

Os fundamentos que levaram à comunicação junto ao Comitê CEDAW foram: a) a violação ao direito, à saúde e à vida; b) a ineficiência de prestação jurisdicional que garantisse a proteção de Alyne Pimentel e sua família contra a discriminação de gênero sofrida, e c) a sistêmica condição de discriminação de gênero e violação do direito à saúde das mulheres pela ineficiência dos serviços médicos prestados (Cook, 2013). O argumento era que a falta de atendimento médico que resultou na sua morte era reflexo de um quadro de violência estrutural e discriminatória que impacta as mulheres pobres e negras no Brasil (Onu, 2011).

O Comitê, quanto à análise do mérito, entendeu que a morte de Alyne Pimentel, ao contrário do afirmado pelo Estado brasileiro, foi uma morte materna, fato relevante na medida em que a classificação equivocada das causas de morte de mulheres acaba por ensejar a sua subnotificação (Cook, 2013). Quanto aos serviços de saúde prestados, o Comitê concluiu que não foram garantidos os serviços apropriados à sua condição de gravidez, e reconheceu que o Estado brasileiro não cumpriu com suas obrigações de manter políticas públicas que garantam a igualdade de tratamento em saúde entre homens e mulheres.

Segundo o Comitê, o Estado brasileiro violou o direito ao acesso à saúde; o direito ao acesso à justiça; e o direito a ter as atividades dos serviços privados de saúde regulados pelo Estado, conjuntamente com o direito a não ser discriminada. Ainda, a ausência de serviços apropriados de saúde materna constitui, além de violação ao direito à saúde, discriminação contra a mulher. Ainda, para o Comitê, além de Alyne Pimentel ter sofrido discriminação por ser mulher, também o foi por ser afrodescendente e pertencer à camada da população de baixa renda. Por fim, o Comitê reconhece que o Estado brasileiro não assegurou proteção judicial efetiva e remédios jurídicos apropriados (De Oliveira, 2014)

Foram sete recomendações feitas ao Estado brasileiro, uma de natureza compensatória, prevendo indenização à mãe e a filha de Alyne Pimentel; três sobre políticas públicas de saúde: assegurar o direito da mulher à maternidade saudável e o acesso de todas as mulheres a serviços adequados de emergência obstétrica; realizar treinamento adequado de profissionais de saúde, especialmente sobre direito à saúde reprodutiva das mulheres; reduzir as mortes maternas evitáveis, por meio da implementação do Pacto Nacional para a Redução da Mortalidade Materna e da instituição de comitês de mortalidade materna. E três sobre garantias judiciais: assegurar o acesso a remédios efetivos nos casos de violação dos direitos reprodutivos das mulheres e prover treinamento adequado para os profissionais do Poder Judiciário e operadores do direito; assegurar que os serviços privados de saúde sigam padrões internacionais sobre saúde reprodutiva; assegurar que sanções sejam impostas para profissionais de saúde que violem os direitos reprodutivos das mulheres (De Oliveira, 2014).

No que tange ao aspecto interseccional, Catoia, Severi e Firmino (2020), ressaltam que a decisão de mérito do Comitê considerou a morte de Alyne como uma violência de gênero e apontou que a situação vivenciada por ela e por outras mulheres que morrem em razão de morte materna evitável, é parte de um cenário de violência estrutural que circunda as mulheres negras e de condições socioeconômicas desprivilegiadas (Catoia; Severi; Firmino, 2020). O caso evidencia que raça e gênero são categorias moduladas por estruturas do racismo e de uma subalternidade histórica, responsáveis por assimetrias que atravessam todos os âmbitos sociais, marcando, em especial, a vida de mulheres negras e pobres.

Nas palavras de Cook (2013), o caso representa a primeira decisão de um órgão convencional internacional que responsabilizou um governo por uma morte materna evitável, tendo um papel fundamental no reconhecimento dos direitos reprodutivos não só no Brasil, mas na América Latina e no mundo. Ele “acrescenta uma dimensão importante à jurisprudência internacional emergente de direitos relacionados à saúde” (Cook, 2013, p. 109) ao reconhecer o direito das mulheres à uma maternidade segura e ao acesso sem discriminação à serviços básicos de saúde de qualidade.

Em uma leitura geral, ao estabelecer que o Brasil tem a responsabilidade legal de tomar medidas imediatas para reduzir a mortalidade materna, o Comitê apresentou a base jurídica necessária para uma abordagem de direitos humanos à saúde materna (Lardosa, 2018). E inovou ao abordar não somente a situação de Alyne, mas a situação de outras mulheres que não têm acesso à assistência de saúde materna oportuna e de qualidade. Alyne v. Brasil reconhece expressamente que os Estados têm uma obrigação imediata e exequível de abordar e reduzir a mortalidade materna, fortalecendo o reconhecimento de direitos reprodutivos como obrigações que devem ser cumpridas imediatamente pelos Estados.

Ainda, Catoia, Severi e Firmino (2020) destacam a capacidade do caso em identificar a discriminação interseccional com base em sexo, raça e classe. Para as autoras (2020), a discriminação interseccional refere-se a múltiplos aspectos de identidade interagindo para criar uma forma única de discriminação, com ênfase para o papel do racismo nesta imbricação. Nesse cenário, uma característica notável da decisão é a mudança de foco da vítima individual para populações vulneráveis. A decisão do Comitê condenou o governo brasileiro “por ter negado, não somente os direitos de Alyne, mas também os direitos de todas as mulheres brasileiras, de uma maneira que transcende as particularidades do evento individual, ao abordar os fatores sistêmicos da atenção à saúde, que levaram à morte materna” (Cook, 2013, p. 14).

Pode-se afirmar, portanto, que a decisão de mérito do Comitê deve ser lida como importante jurisprudência de direitos humanos das mulheres, por considerar a discriminação interseccional sofrida por Alyne Pimentel. O Comitê reafirmou tal posicionamento ao destacar o disposto em sua Recomendação Geral n.º 28/2010, na qual ficou exposto que a discriminação contra as mulheres baseada no sexo ou no gênero está intrinsecamente ligada a outros fatores que as afetam, como raça, etnia, religião ou crença, saúde, status, idade, classe social, casta, orientação sexual e identidade de gênero.

3. O paradigma da justiça reprodutiva: a justiça social e racial no cento da saúde e dos direitos reprodutivos

Como vimos, um dos grandes destaques da decisão proferida pelo Comitê CEDAW foi incorporar a perspectiva interseccional em sua análise, ao afirmar que todas as mulheres devem ser protegidas pelo Estado brasileiro, de forma a garantir atenção especial às necessidades de saúde e direitos da mulher, de grupos vulneráveis e desfavorecidos. Neste sentido, o Comitê delimitou o dever de eliminar a discriminação no acesso aos cuidados de saúde, o que inclui a responsabilidade de levar em conta a maneira pela qual os fatores sociais variáveis possam determinam o estado de saúde.

A decisão do caso Alyne Pimentel evidencia uma violência marcada não apenas pelo racismo institucional, mas por múltiplas formas de violências que atravessam a vida de mulheres negras e pobres no contexto brasileiro. A violência que resultou na sua morte demonstrou o perfil nacional e internacional do problema: a morte primordial e evitável de mulheres racializadas, pobres e periféricas. Nestes termos, abordar a questão da saúde das mulheres de forma interseccional implica compreender a centralidade do racismo e das diferentes discriminações na violação de direitos humanos das mulheres.

A experiência de Alyne Pimentel não pode ser pensada separada da discriminação racial e de gênero. Ambas precisam ser ampliadas para abordarmos as questões de interseccionalidade5: classe, raça, deficiência, idade, religião, etnia, sexualidade e outros regimes de desigualdade são definidores do acesso à saúde e determinam a autonomia possível tomar decisões sobre a sexualidade e a reprodução (Catoia; Severi; Firmino, 2020) . É neste contexto que neste estudo, propomos a incorporação do paradigma da justiça reprodutiva como uma perspectiva teórica capaz de dar suporte à interseccionalidade necessária para análise da vivência dos direitos reprodutivos e da garantia do acesso à saúde sexual e reprodutiva. Nestes termos, interseccionalidade e justiça reprodutiva são conceitos que devem se articular na análise das questões relacionadas à saúde materna e infantil, à autonomia sexual e à gestação (Collins, 2020).

Incorporar o paradigma da justiça reprodutiva não significa abandonar o paradigma, seja da saúde reprodutiva, seja dos direitos sexuais e reprodutivos, mas ampliá-los. A garantia efetiva dos direitos sexuais e reprodutivos como direitos humanos e sua incorporação em tratados internacionais e marcos jurídicos internacionais e nacionais é fundamental para a sua efetivação. Do mesmo modo como a construção de políticas públicas, programas e serviços que se proponham a materializar a garantia ao acesso e atendimento qualificado e universal à saúde é um dos grandes objetivos a serem alcançados. No entanto, em grande medida tais paradigmas estão centrados na dimensão individual, pautados na ética da liberdade individual de escolha e de acesso, de cada indivíduo quanto às possibilidades de tomada de decisões livres e saudáveis sobre sua vida reprodutiva.

A liberdade reprodutiva desempenha um papel fundamental nos debates sobre a ética da procriação, como um princípio moral que protege os interesses das pessoas em matéria procriativa e permite que decidam se querem ter filhos, o número de filhos que têm e, até certo ponto, o tipo de filhos que têm. A ênfase teórica e política da liberdade reprodutiva na autonomia e no bem-estar das pessoas é fundamentada em uma estrutura centrada no indivíduo, e protege os interesses das pessoas que reproduzem, reduzindo significativamente os motivos permitidos para interferência de terceiros.

No entanto, sobre cada indivíduo específico, se entrecruzam diferentes dimensões e contextos estruturais de vida que impactam na tomada de decisão sobre direitos e a construção de políticas de acesso à saúde reprodutiva. A compreensão de como as discriminações e desigualdade impactam as decisões sobre reprodução e sexualidade de pessoas que gestam é o que preconiza a ideia de justiça reprodutiva, uma vez que tais decisões não são dissociadas da comunidade em que se inserem os sujeitos e das injustiças enfrentadas por eles. A justiça reprodutiva muda o foco dos direitos sexuais e reprodutivos: em vez de evidenciar a importância de decisões individuais, enfrenta como os diferentes regimes de opressão impactam a saúde sexual e reprodutiva e prioriza a organização coletiva para demandar direitos e políticas fundamentais ao exercício livre e autônomo da sexualidade (Ross, 2006).

O conceito Justiça Reprodutiva foi criado nos Estados Unidos na National Prochoice Conference for the Black Women's Caucus, em 1994, dois meses após a Conferência sobre População e Desenvolvimento do Cairo, mas sua popularização ocorreu apenas em 2003, após a Conferência SisterSong, proferida por Loretta Ross, fundadora, em 1997, do grupo SisterSong Women of Color Reproductive Justice Collective (Oliveira, 2022). Nessa perspectiva, a ideia de justiça é bem mais ampla que a de direito, pela inclusão das intersecções ou imbricações sociais de meninas e mulheres em suas inúmeras diversidades. Dessa forma, a Justiça Reprodutiva refere-se aos recursos econômicos, sociais e políticos para que as mulheres possam tomar decisões saudáveis sobre os seus corpos, suas sexualidades e suas reproduções, não de uma maneira apenas individual, mas levando em conta suas famílias, comunidades e a estrutura social (opressiva sob diferentes aspectos) em que estão inseridas (Asian Communities For Reproductive Justice, 2005).

Logo, conforme Loretta Ross (2006), a abordagem da Justiça Reprodutiva analisa como a capacidade de qualquer mulher para determinar seu próprio destino reprodutivo está ligada às condições de sua comunidade, e essas condições não são apenas uma questão de escolha individual e acesso. A Justiça Reprodutiva aborda a realidade social da desigualdade, especificamente, a desigualdade de oportunidades para determinar o destino reprodutivo. Para além da demanda da privacidade e do respeito pelas tomadas de decisões individuais, considera os apoios sociais necessários para que as decisões individuais sejam realizadas e inclui obrigações estatais para proteger os direitos humanos das mulheres. “Nossas opções para fazer escolhas devem ser seguras, baratas e acessíveis, três pilares mínimos de suporte do governo para todas as decisões individuais de vida6” (Ross, s.d. p. 04, tradução nossa).

Neste contexto, explicita Ross (s.d. p. 04, tradução nossa7),

A Justiça Reprodutiva é o completo bem físico, mental, espiritual, político, social e econômico bem-estar de mulheres e meninas, com base na plena realização e proteção dos direitos das mulheres direitos humanos. Esta definição, conforme delineada pelas Comunidades Asiáticas para Justiça Reprodutiva (ACRJ) oferece uma nova perspectiva sobre a defesa de questões reprodutivas, apontando que para os povos indígenas mulheres e mulheres de cor é importante lutar igualmente por (1) o direito de ter um filho; (2) o direito de não ter filhos; e (3) o direito de cuidar dos filhos que temos, bem como de controlar nossas opções de parto, como a obstetrícia. Também lutamos pela necessária capacitação condições para exercer esses direitos. Isso contrasta com o foco singular no aborto pelo movimento pró-escolha que exclui outros movimentos de justiça social.

Conforme apontam Brandão e Cabral (2021) atualmente o conceito tem sido amplamente discutido no meio acadêmico e jurídico, adotando a teoria feminista interseccional em sua radicalidade para abordar questões reprodutivas, e produzindo uma crítica à perspectiva liberal centrada no par pró escolha/pró vida, propondo outra práxis política. Ao apontar limites dessa concepção mais estreita que embasa o direito à escolha reprodutiva, o conceito de justiça reprodutiva abarca também o direito a ter filhos em condições seguras, independente da condição social das mulheres, sejam privadas de liberdade, em situação de rua, em abrigos, e de criá-los com dignidade e segurança. Como enfatiza Dorothy Roberts (2015, p. 79, tradução nossa8) “é uma estrutura que inclui não apenas o direito da mulher de não ter filhos, mas também o direito de ter filhos e criá-los com dignidade em ambientes seguros, saudáveis e com apoio”.

Nestes termos, a estrutura da Justiça Reprodutiva aborda a desigualdade, especificamente, de oportunidades de controlar o destino reprodutivo, indo além de uma demanda por privacidade e respeito pela tomada de decisão individual para incluir os apoios sociais necessários para que as decisões possam ser realizadas. Portanto, conforme enfatiza Oliveira (2022) pretende ir além do aspecto reprodutivo, interpelando a democracia ao questionar as reais condições para a criação e educação de crianças racializadas, sem que elas sejam impostas às violências estatal, policial e sistêmica presentes nas periferias, tais como as brasileiras. Permite questionar, assim, em seu escopo, seja o genocídio de jovens negros ou o encarceramento seletivo tomados como formas de violação ou negação da possibilidade de vivências de certas formas de maternidade.

Analisado a partir deste paradigma, o caso Alyne evidencia as dimensões entrecruzadas da injustiça reprodutiva de sua morte, e ao fazê-lo, aponta a especificidade do racismo que se perpetua em silêncio sob o mito de democracia racial. No Brasil, as intersecções entre os regimes de poder de gênero, raça, sexualidade e classe foram objeto de análise de teóricas e ativistas do feminismo negro, que denunciaram nos movimentos sociais e na academia a precariedade das análises sobre as desigualdades. Por isso, apenas as chaves propostas por uma análise do racismo atrelado ao sexismo é que permitem explorar e identificar que as violências simbólicas operadas por esse regime de poder afetam com mais intensidade mulheres negras (Gonzalez, 1984).

É preciso mencionar, de acordo com Catoia, Severi e Firmino (2020) que essas chaves já vêm sendo desenvolvidas há tempos no Brasil, mesmo antes da adoção do termo e do conceito de justiça reprodutiva, especialmente na esteira dos estudos acerca da interseccionalidade. Estudos de feministas negras como Lélia Gonzalez, Sueli Carneiro, Jurema Werneck e outras já trilhavam o caminho na construção de uma perspectiva crítica ao paradigma dos direitos sexuais e reprodutivos quando desvinculados do contexto de desigualdade social. Já em 1996, Sonia Corrêa e Rosalind Petchesky (1996), abordavam as tensões entre os princípios da liberdade individual e da justiça social que permeavam o debate feminista acerca dos direitos sexuais e reprodutivos, questionando os limites de uma abordagem de defesa da autonomia sexual e reprodutiva das mulheres sem condições sociais estruturais para vivência de uma vida digna.

Para Brandão e Cabral (2021), recuperar a dimensão da justiça social torna-se importante para enfrentar o descaso frente às necessidades reprodutivas das mulheres. Portanto, o percurso indicado pelo paradigma da justiça reprodutiva não se limita à problematização das particularidades da vida de meninas e mulheres negras em relação ao direito ou à saúde reprodutiva, mas vincula a perspectiva dos direitos reprodutivos e sexuais, à ideia de justiça social. Ao fazê-lo, propõe analisar a mortalidade materna como expressão da articulação entre discursos e práticas de poder patriarcais, coloniais e racistas. Em suma, afirmam Brandão e Cabral (2021, p. 07), os “eventos da gravidez, contracepção e aborto, embora ocorram no corpo das mulheres, são fenômenos relacionais, envolto em uma teia de relações sociais, que implicam parceiros, familiares, amigos, profissionais de saúde e condições sociais objetivas para se efetivarem." Logo, “não são simples escolhas individuais, mas das condições de possibilidade que elas encontram para tomarem suas decisões reprodutivas”.

De tal modo, a presença de obstáculos que articulam estruturalmente a desigualdade social, racial, de classe e de gênero impedem a realização de escolhas livres e saudáveis, dificultando, e em alguns casos impedindo, a realização da tão propalada autonomia reprodutiva (Nielsson, 2022). A compreensão deste cenário auxilia na não responsabilização única das próprias mulheres acerca de suas vivências e (in)capacidade de gerir sua vida sexual e reprodutiva, o que muitas vezes precariza suas vidas e as coloca na condição de hysteras sacras, conforme Nielsson (2020). Nestes termos, a formulação de justiça reprodutiva incorpora explicitamente e de modo mais amplo a necessidade de garantia de direitos sociais e econômicos em aliança aos direitos sexuais e reprodutivos, que não se viabilizam sem condições estruturais que sustentem a sobrevida das mulheres.

Acerca da abrangência deste paradigma, Brandão e Cabral (2021) chamam a atenção para o necessário resgate estratégico no momento político atual da perspectiva da justiça reprodutiva, uma vez que recuperaria o elo perdido ao longo das últimas décadas, entre direitos sexuais e reprodutivos e direitos sociais, clamando sobretudo por justiça social. Em outras palavras, não se trata de substituição de uma perspectiva por outra, mas da necessária integração entre essas dimensões, sobretudo na proposição de políticas públicas que encampem o desafio de enfrentar as múltiplas formas de desigualdades sociais e seus impactos na vivência da saúde e dos direitos reprodutivos.

4. É possível falar em justiça reprodutiva? um olhar sobre a mortalidade materna no Brasil nos últimos 20 anos

Considerando o amplo espectro das recomendações da CEDAW no caso Alyne, este tópico pretende analisar, a partir do paradigma da justiça reprodutiva, os seus impactos no país nos últimos 20 anos, com foco nos dados acerca da mortalidade materna, um problema não só de saúde pública, mas também de violação de direitos humanos, entendimento conceitual preconizado pelo Comitê CEDAW. Nestes termos, a morte materna evitável consiste em violação à dignidade humana intrínseca da mulher, assim como flagrante injustiça social.

Conforme preconizam Barreto e Espinoza (2022), os índices de letalidade materna refletem a qualidade dos indicadores de um país e constituem um bom indicador de injustiça social: uma maior taxa de mortalidade materna indica índices elevados de pobreza e repercute sobre famílias e comunidades. A situação vivenciada por milhares de mulheres brasileiras, pobres e negras, que perdem a vida todos os anos faz parte de um quadro de violência estrutural refletido na omissão e negligência das decisões políticas e legislativas (Cook, 2013).

A mortalidade materna é qualificada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como a que ocorre durante a gestação ou dentro de um período de 42 dias após o término desta, conforme determina a OMS (Organização Mundial Da Saúde, 2016) devido a qualquer causa relacionada com a gravidez, ou por medidas em relação a ela, ou problemas que são acentuados, à exceção das causas acidentais. A maioria das mortes assim consideradas são plenamente evitáveis se houvesse acessos a serviços de saúde de referência e qualidade (Nogueira, 2018, Barreto; Espinoza, 2022).

No início do século XX, período histórico da morte de Alyne Pimentel, segundo o Ministério da Saúde (BRASIL, 2009, p. 10), “em 2003, a razão de mortalidade materna no Brasil obtida a partir de óbitos declarados foi de 51,7 óbitos maternos por 100.000 nascidos vivos, e a razão de mortalidade materna corrigida é de 72,4 por 100.000 nascidos vivos, correspondendo a 1.572 óbitos maternos”. Os maiores índices eram encontrados nas regiões Nordeste e Centro Oeste, com uma participação maior de mulheres da população parda, seguido de mulheres brancas e depois pretas. No contexto global, as maiores causas de letalidade eram doenças como hemorragia, hipertensão, aborto inseguro e infecções, que contribuem cumulativamente para cerca de 82% das mortes maternas (Cook, 2013).

Neste movimento, a ONU incorporou a redução das taxas de mortalidade materna como um dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, e posteriormente dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável - ODS, e da Agenda de Desenvolvimento Sustentável de 2030.

A Quinta Meta de Desenvolvimento do Milênio buscava a redução da taxa de mortalidade materna em 75% até o ano 2015: entre 1998 e 2010, o Brasil reduziu a taxa de mortalidade materna de 103,43 para 56 (Oms, 2012) o que representa uma redução de 51% (Cook, 2013). Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável - ODS, por sua vez, com uma agenda a ser cumprida até 2030, estabelecem o objetivo de redução da taxa de mortalidade materna global para 70 mortes por 100.000 nascidos vivos, e a meta brasileira para contribuir com a taxa global é a redução para 30 mortes a cada 100.000 nascidos vivos.

Para tanto, o complexo internacional de proteção aos direitos humanos considera que o direito à saúde sexual e reprodutiva está incluído na garantia do direito à saúde. E de acordo com o Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU, alguns componentes do direito à saúde - como a obrigação de garantir o acesso à serviços de saúde sem discriminação, inclusive o acesso à serviços de saúde sexual e reprodutiva - são obrigações de aplicação imediata, de tal modo que o Estado brasileiro deve prover acesso à assistência de saúde reprodutiva sem discriminação e de modo imediato.

Apesar destas garantias e metas, a realidade brasileira ainda é muito distante do que preconizam os dispositivos internacionais, em que pese algumas tentativas de viabilizar políticas públicas possam ser vislumbradas, até mesmo antes de 2011, tais como a iniciativa do Pacto pela Saúde. Criado em 2006, o pacto priorizava a melhoria da saúde materna e exigia ações de enfrentamento à mortalidade materna e infantil, como a criação da Comissão Nacional de Mortalidade Materna dos Comitês de Morte Materna, que se somava à Campanha Nacional de Incentivo ao Parto Normal e a Redução de Cesária Desnecessária (Reis et. al, 2011).

Ainda na década de 90, pressões internacionais levaram a criação de uma CPI - Comissão Parlamentar de Inquérito para apurar a mortalidade materna no Brasil, iniciada em 1996 e cujo relatório foi lançado em 2001 (Lopez, 2016). O documento expôs o perfil das mulheres vítimas de morte materna, mas concluiu que todos os fatores de injustiça social não estão conectados por uma relação de causa e efeito à morte materna, mas sim atuam conjuntamente para produzir esse resultado, vulnerabilizando mulheres9.

Uma das medidas mais conhecidas, objeto de recomendação pela CEDAW no caso Alyne, foi a criação, em 2011, da Rede Cegonha, no âmbito do Sistema Único de Saúde, consistindo em uma rede de cuidados que assegura o planejamento reprodutivo e atenção humanizada da gravidez, antes, durante e após a gestação. Com ela, o governo brasileiro procurou construir uma estratégia alinhada com os padrões internacionais de direitos humanos, em que pese, conforme Lardosa (2018), não dispunha de proteção específica para os grupos vulneráveis, especialmente mulheres negras e pobres. Segundo a autora (2018), tanto a rede Cegonha, quando o Pacto Nacional para a Redução da Mortalidade Materna, falham pela ausência de metas específicas para reduzir as desigualdades na saúde e por não abordarem a discriminação múltipla.

Acerca da Rede Cegonha, muitas dificuldades são apontadas em sua implementação. De Oliveira e Barros Schirmer (2012) destacavam naquele momento a dificuldade de acesso à informação sobre o programa, e a falta de recursos que são destinados, e Nogueira (2018), a questão das subnotificações. Sobre este tema, o Comitê CEDAW já havia destacado, no caso Alyne, que “a classificação errônea das causas de morte de mulheres leva a subnotificação das mortes maternas, em grande número.” (Cook, 2013, p. 107). No entanto, as subnotificações persistem e giram em torno de 40% a 50% em casos de mortalidade materna (Nogueira, 2018).

De um modo geral estas políticas não apresentaram grande efetividade pois esbarravam em barreiras, como: a descontinuidade das ações de vigilância e do monitoramento de agravos; baixo grau de implementação de comitês de mortalidade materna; baixo grau de interiorização das políticas de saúde voltadas para este problema e; desconhecimento dos gestores locais sobre as políticas que visam a redução da mortalidade materna (Dhesca, 2015).

Sob este quadro de (des)avanços, em 2015, treze anos após a morte de Alyne Pimentel, e quatro anos após a condenação do Brasil no Comitê CEDAW, pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) com a Secretaria Especial de Articulação Social, indicavam que a Razão por Morte Materna (RMM) em nível nacional, atingiu o número de 62, muito além das metas estabelecidas que estipulava o valor de 30 para o Brasil.

Este cenário já indicava a dificuldade na configuração de ações que fizessem frente ao tema, uma vez que a interseção entre gênero, raça e status socioeconômico cria formas de discriminação únicas que causam invisibilidade perante os processos de tomada de decisão. Conforme Paris (2022), é inegável que nos últimos anos o Brasil foi reconhecido por adotar uma perspectiva de direitos humanos por meio do quadro legal introduzido pela Constituição Federal de 1988 e leis infraconstitucionais, ratificando os principais instrumentos de direitos humanos e demonstrando avanços para implementação do direito à saúde e direitos reprodutivos. No entanto, embora haja aparente igualdade formal perante a lei, a igualdade substantiva permanece fora do alcance para muitas mulheres.

De um modo geral, é possível perceber que o arcabouço legal e as políticas públicas colocadas em prática no Brasil nos primeiros anos após a condenação do caso Alyne Pimentel não levaram em consideração os princípios da justiça reprodutiva e não alcançaram a amplitude e interseccionalidade necessárias para a efetiva abordagem do tema: enfrentamento conjunto às desigualdades de gênero, raça e classe que são estruturalmente vinculadas à mortandade materna e infantil no Brasil. Isto se evidencia se observarmos os dados epidemiológicos desagregados segundo raça-cor, que indicam o impacto que o racismo tem na condição de saúde da população negra (Werneck; Iraci, 2016). Em 2004, conforme Cruz (2004), logo após a morte de Alyne Pimentel, a taxa de mortalidade materna geral era de 51,7/100.000 nascidos vivos, mas nas mulheres brancas era de 37,73, e de 212,80/100.000 nas mulheres pretas.

Ou seja, conforme Werneck e Iraci (2016), as mulheres negras são 62% das vítimas de morte maternas no Brasil, mortes que seriam evitáveis com o acesso a um sistema de saúde adequado, no entanto, segundo as autoras, apenas 55% das mulheres negras fizeram sete consultas de pré-natal em 2012. O perfil mais traçado das mulheres que falecem é de mulheres com baixos níveis de escolaridade, solteiras, da cor parda, sendo apontadas deficiências no pré-natal, não reconhecimento de fatores de risco e superlotação nos hospitais (Rodrigues; Cavalcante; Viana, 2020)

Nestes termos, é possível vislumbrar que a literatura hegemônica que, em que pese em grande investimento formal, os documentos oficiais sobre saúde reprodutiva e a configuração da morte materna como objeto sanitário, bem como as legislações e políticas públicas acerca dos direitos reprodutivos, colocadas em prática no Brasil durante a primeira e segunda décadas do século XXI, no que tange ao enfrentamento à mortalidade materna falharam ao incorporar o paradigma da justiça reprodutiva, ocultando o racismo e as injustiças sociais estruturalmente vinculadas ao tema.

4.1 No meio do caminho tinha um vírus: COVID-19 e a injustiça reprodutiva escancarada

Se o cenário descrito anteriormente à 2020 já era preocupante, a emergência da Pandemia da COVID-19 acentuou ainda mais todas as dificuldades já apresentadas, precarizou as já debilitadas políticas públicas, e fez o número de mortes maternas disparar no Brasil.

Antes mesmo da pandemia da Covid-19, episódios como a Zica vírus, já evidenciavam que as desigualdades tendem a se intensificar durante emergências sanitárias, vulnerabilizando políticas e serviços de saúde sexual e reprodutiva. No Brasil, o perfil de famílias afetadas pela Zika Vírus revela a predominância de casos de microcefalia na região nordeste, e em 74% das mulheres e mães não brancas (Freitas, et al., 2019). Nas palavras de Débora Diniz (2016), a epidemia deixou marcas na vida de mulheres vulnerabilizadas pela raça e classe social, em especial por conta da ausência de políticas públicas para apoiá-las na tarefa de cuidado, e evidenciou que, nestes contextos, direitos como acesso à contracepção, planejamento familiar e aborto seguro foram minimizados. Para a autora, o desamparo experienciado na epidemia é também consequência da falta de centralidade das políticas de saúde sexual e reprodutiva nas respostas à emergência sanitária.

Com a pandemia de COVID-19 não foi diferente, conforme Fisseha Et al. (2021), as respostas à emergência sanitária levaram à redução de serviços de saúde sexual e reprodutiva10, impactando na vida de meninas e mulheres especialmente no Brasil, epicentro da mortalidade materna pela COVID-19. Conforme Paris (2022), essas continuidades entre a epidemia de Zika e a pandemia de COVID-19 não são acaso: as respostas às emergências sanitárias causaram impactos desproporcionais em populações vulneráveis, em especial meninas e mulheres negras, e compreender de que forma os regimes de desigualdade estruturantes do Sul Global engendram essa realidade parece tarefa fundamental, tanto para desvelar as falhas do Poder público quanto para interpelar as narrativas que contribuíram para elas.

Conforme Diniz, Brito e Rondon (2022), três grandes barreiras impediram um atendimento de saúde que considerasse as questões de saúde sexual e reprodutiva de pessoas gestantes e puérperas: a) houve demora na identificação dos sintomas relacionados à COVID-19; b) houve demora na hospitalização; c) houve demora na adoção de medidas eficazes para combater a infecção, como a antecipação do parto e a internação em unidade de terapia intensiva. Segundo as pesquisadoras, essas barreiras evidenciaram discriminação racial e de gênero, assim como em falhas sistêmicas do sistema de saúde brasileiro.

O Grupo Brasileiro de Estudos de COVID-19 e Gravidez acompanhou o fenômeno e em julho de 2020 demonstrou que, entre 26 de fevereiro de 2020 e 18 de junho de 2020, 124 pessoas gestantes e puérperas morreram por COVID-19 no Brasil - 77% dessas mortes no mundo - das quais 23% não tiveram acesso a um leito de UTI e 36% não chegaram a ser intubadas (Takemoto et al., 2020). Em agosto de 2020, as pesquisadoras identificaram que a cada 10 óbitos de gestantes no mundo, 8 aconteceram no Brasil e destacaram uma concentração de óbitos maternos no país (Nakamura-Pereira et al., 2020)

No mesmo sentido, o Observatório Obstétrico Brasileiro COVID-1911 identificou, entre os meses de março de 2020 a março de 2021, um total de 1.031 mortes maternas (680 mortes entre pessoas gestantes e 351 faleceram no período pós-parto). Destes casos, 22,5% não tiveram acesso à UTIs, o que se deveria, entre outros fatores, à precariedade do acesso ao sistema de saúde (Francisco; Lacerda; Rodrigues, 2021). Por sua vez, dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade, do Ministério da Saúde, mostram que em 2020, 1.965 mulheres morreram durante a gravidez, o parto ou puerpério no Brasil. Em 2021, os dados mostram que foram 3.030 mortes maternas.

Estudo do Observatório Covid-19 Fiocruz (Guimarães; Reis; Gomes, 2023) revelou que, em 2020, os óbitos maternos cresceram 40%, o que, mesmo considerando a expectativa de aumento das mortes em decorrência da pandemia, ainda houve excesso de 14%. O estudo identificou ainda que as chances de hospitalização de gestantes com diagnóstico da doença foram 337% maiores, e que, por sua vez, as chances de uma mulher negra, residente da zona rural e internada fora do município de residência entre os óbitos maternos foram 44%, 61% e 28% maiores em comparação ao grupo controle.

Em que pese os dados e pesquisas realizadas, durante a pandemia, ao menos nos documentos lançados pelo Governo Federal brasileiro, não são evidentes preocupações e politicas próprias de atenção a gestantes (Paris, 2022). O posicionamento genérico do governo federal brasileiro não considerou as evidências científicas de que o vírus oferece maior risco a gestantes e puérperas (Villar et al., 2021), fato que deveria impor a priorização do grupo entre os mais afetados no que diz respeito à vacinação e políticas de prevenção e resposta à pandemia12.

Sob a perspectiva do racismo estrutural13, estudo realizado por Santos et al. (2020), ao analisar casos de mulheres brancas e negras gestantes ou puérperas, com idades similares e perfis de comorbidade aproximados, identificaram que mulheres negras apresentavam não só um índice duas vezes maior de mortes, bem como acesso mais precário ao atendimento, sendo minoria entre as internadas em UTIs e eram hospitalizadas com quadros mais graves. O estudo concluiu, então, que dados clínicos ou biológicos não podem explicar o impacto desproporcional da COVID-19 entre as mulheres gestantes e puérperas negras. Na verdade, essa vulnerabilização se inicia em processos anteriores ao adoecimento, relacionados ao racismo e ao patriarcado que aprofundam desigualdades enfrentadas no acesso à saúde, às condições de vida e trabalho e vulnerabilizam a população negra, em especial mulheres negras.

Encarar a necessidade de políticas públicas de atendimento integral às necessidades de pessoas gestantes e puérperas é levar em consideração a justiça reprodutiva, uma vez que o alarmante cenário de morte materna por COVID-19 vivido no Brasil não se explica somente por causas biológicas ou médicas relacionadas à gestação e ao puerpério. Em vez disso, esses índices podem estar relacionados a problemas crônicos da assistência à saúde, entre eles disparidades raciais e a violência obstétrica (Souza; Amorim, 2021).

Neste sentido, o quadro que se apresenta atualmente, passados mais de 20 anos da morte de Alyne Pimentel, evidencia uma tragédia. Segundo alerta do Fundo de População da Organização das Nações Unidas (UNFPA), em 2021, a taxa de mortalidade materna para cada 100 mil nascidos vivos foi superior a 107. A alta é quase o dobro, mais de 94% em comparação a 2019, ano anterior à emergência sanitária global, quando o resultado chegou a 57 para 100 mil partos14. Em 2020, este mesmo número saltou para 71,97 mortes, um aumento de quase 25% em relação ao ano anterior e retrocedendo, em 2021, para os mesmos patamares registrados no início dos anos 2000, momento histórico da morte de Alyne Pimentel.

5. Conclusão

A partir da realização da pesquisa, pode-se destacar três pontos à guisa de conclusão: 1. O paradigma da justiça reprodutiva mostra-se o mais adequado para se pensar a efetividade dos direitos sexuais e reprodutivos e o acesso à programas e políticas de saúde que garantam a sua viabilidade e vivência; 2. A decisão de mérito do Comitê CEDAW é paradigmática ao reconhecer a morte materna e evitável de Alyne Pimentel como violência de gênero, articulando as categorias gênero, raça e classe na análise do caso; 3. Em que pese a decisão tenha garantido escopo para a abordagem interseccional e multidimensional na análise sobre a violência contra as mulheres, no que tange às legislações e políticas públicas acerca da mortalidade materna colocadas em prática no Brasil, estas falharam em garantir a justiça reprodutiva.

Acerca do primeiro ponto, tem-se que o paradigma da justiça reprodutiva deva ser adotado na abordagem do tema, uma vez que seu escopo promove a expansão dos paradigmas clássicos, seja da saúde, seja dos direitos sexuais e reprodutivos. Isto porque, ao expandir o escopo da ética da escolha e liberdade individual, enfatiza os elementos da justiça social e do racismo, considerando que não é possível falar na efetividade da garantia de direito de escolha acerca da vida sexual e reprodutiva sem considerar as imbricações estruturais do racismo, da pobreza e de outras estruturas de poder que se articulam precarizando vidas, especialmente de mulheres, meninas e pessoas que gestam negras, racializadas, pobres, periféricas.

Acerca do segundo ponto, é possível vislumbrar a relevância do Caso Alyne e de sua decisão. Trata-se do primeiro caso a abordar a temática da mortalidade materna perante o Sistema Global de proteção aos direitos humanos, e da primeira condenação do Brasil neste âmbito. Quando à sua decisão de mérito emitida pelo Comitê CEDAW, é igualmente paradigmática, uma vez que reconhece a morte materna evitável de Alyne Pimentel como uma violação de direitos humanos, fruto da imbricação entre violência de gênero, racismo e injustiça social. Constitui-se, portanto, em uma das principais decisões no que tange aos direitos humanos das mulheres.

Acerca do último ponto, por fim, é possível afirmar que, embora a decisão seja relevante e inovadora na abordagem interseccional e multidimensional sobre a violência contra as mulheres, no que tange às legislações e políticas públicas acerca da mortalidade materna colocadas em prática no Brasil, estas falharam em incorporar e garantir a justiça reprodutiva. Certos avanços, especialmente no campo jurídico formal podem ser evidenciados, seja na literatura hegemônica, nos documentos oficiais sobre saúde reprodutiva e a configuração da morte materna como objeto jurídico sanitário e de direitos humanos. No entanto, em grande medida, estes elementos não consideraram e incorporaram efetivamente políticas de enfrentamento ao racismo e da desigualdade social e suas consequências nas estruturas que levam à morte materna.

Se este cenário sempre foi preocupante, a emergência da Pandemia da COVID-19 acentuou ainda mais as dificuldades vivenciadas, precarizou políticas públicas, e fez o número de mortes maternas evitáveis, especialmente de mulheres negras, racializadas e periférica, disparar no Brasil. A tal ponto de vivenciarmos um retrocesso de 20 anos na saúde materna, nos trazendo aos mesmos patamares encontrados no início dos anos 2000, justamente no momento histórico da morte de Alyne Pimentel. Neste sentido, em que pese falarmos em números de mortes e dados estatísticos não deem conta de expressar a realidade da tragédia que cada morte representa, consideramos ser fundamental realizar um diagnóstico da realidade, a fim de apontar caminhos possíveis de superação, que, em nossa compreensão não podem ser encontrados sem a plena efetivação da justiça reprodutiva na vida de todas as meninas, mulheres e pessoas que gestam no Brasil.

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Notes

1 Para um maior aprofundamento acerca da relevância e funcionamento da CEDAW, verificar Silvia Pimentel (2008). Segundo a autora, os mecanismos de proteção e promoção dos direitos humanos anteriores não tinham por finalidade garantir os direitos das mulheres. A CEDAW é o primeiro tratado internacional que dispõe amplamente sobre tais direitos. Com duas frentes de atuação, esse tratado busca promover os direitos das mulheres no alcance da igualdade de gênero e reprimir quaisquer discriminações pelo Estado parte.
2 Poucos dias antes do parto de um feto morto, ela foi internada em uma clínica de saúde privada, reclamando de náuseas e dor abdominal, recebendo a recomendação de que voltasse dois dias depois. Nesse intervalo, partejou um feto de 27 semanas e submeteu-se, 14 horas depois, a uma cirurgia para remover a placenta. EM estado crítico, esperou durante oito horas para ser removida à um hospital. Ao chegar, ficou em uma área improvisada no corredor durante 21 horas até morrer. A causa da morte foi uma hemorragia digestiva em consequência do parto prematuro e desassistido. Verificar Onu (2011), Cook (2013), Lardosa (2018).
3 Veja-se: https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2014-03/governo-brasileiro-indeniza-familia-de-jovem-morta-em2002#:~:text=O%20governo%20pagou%20a%20Maria,pela%20redu%C3%A7%C3%A3o%20das%20mortes%20maternas
4 Assessorada pela organização não governamental internacional Center for Reproductive Rights (Centro de Direitos Reprodutivos) e pela organização não governamental Advocacia Cidadã pelos Direitos Humanos.
5 A interseccionalidade constitui um tema de análise cada vez mais potente no campo das lutas emancipatórias. Nascido no feminismo negro, tem sido amplamente analisado por autoras como Crenshaw (2002), Patrícia Hill Collins (2015) e, no Brasil, por Carla Akotirene (2018), dentre outras. Através da noção de interseccionalidade, pode-se vislumbrar e compreender as múltiplas formas de dominação e precarização da vida, pois, em conjunto “o racismo, o patriarcado, a opressão de classe e outros sistemas discriminatórios criam desigualdades básicas que estruturam as possibilidades” de cada um (Crenshaw, 2002, p. 177). Nessa perspectiva, Akotirene (2018, p. 38) destaca que “a interseccionalidade impede aforismos matemáticos hierarquizantes ou comparativos”, afastando, como afirma Patricia Hill Collins (2015), nossos discursos de análises somatórias ou aditivas da opressão e a pensar em nossas múltiplas identidades, mesmo quando somos convocadas a todo momento a nos categorizarmos em binômios excludentes, como, por exemplo, pessoas com e sem deficiências, pessoas negras e brancas ou mulheres que são mães e mulheres que trabalham fora do ambiente doméstico.
6 No original: Our options for making choices have to be safe, affordable and accessible, three minimal cornerstones of government support for all individual life decisions.
7 No original: Reproductive Justice is the complete physical, mental, spiritual, political, social, and economic well-being of women and girls, based on the full achievement and protection of women’s human rights. This definition as outlined by Asian Communities for Reproductive Justice (ACRJ) offers a new perspective on reproductive issues advocacy, pointing out that for Indigenous women and women of color it is important to fight equally for (1) the right to have a child; (2) the right not to have a child; and (3) the right to parent the children we have, as well as to control our birthing options, such as midwifery. We also fight for the necessary enabling conditions to realize these rights. This is in contrast to the singular focus on abortion by the prochoice movement that excludes other social justice movements.
8 Do original: “apoio it is a framework that includes not only a woman’s right not to have a child, but also the right to have children and to raise them with dignity in safe, healthy, and supportive environments”.
9 López (2016), aponta que o referido relatório “subvalorizou” a questão racial das mortes maternas no Brasil, mencionando apenas a influência desse quesito em uma suposta predominância racial de doenças. Essa perspectiva se repetiria no Manual dos Comitês de Morte Materna que menciona certa predisposição biológica para os referidos quadros, sem analisar as consequências do racismo no acesso à saúde das mulheres negras.
10 Veja-se publicação, pelo MS, em 27 de agosto de 2020, da Portaria 2.282, que “dispõe sobre o Procedimento de Justificação e Autorização da Interrupção da Gravidez nos casos previstos em lei, no âmbito do Sistema Único de Saúde” e impôs a obrigatoriedade da notificação policial de meninas e mulheres que buscam serviços de aborto legal. Esse documento foi revogado e substituído pela Portaria nº 2.561/2020, que manteve a mesma redação sobre a obrigatoriedade de notificação (CAMPOS, 2020).
12 Mulheres gestantes e puérperas foram consideradas grupo de risco para a COVID-19 ainda em 2020, mas só foram incluídas no Plano Nacional de Imunização como grupo prioritário em abril de 2021 (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2021). Em 14 de maio, o Ministério da Saúde publicou a NOTA TÉCNICA Nº 627/2021-CGPNI/DEIDT/SVS/MS, suspendendo a vacinação de mulheres grávidas e puérperas sem comorbidades, que só foi retomada em julho de 2021, em um contexto de insegurança e desinformação.
13 Para aprofundar o conceito verificar Silvio Almeida (2019). O autor parte do princípio de que o racismo é sempre estrutural, ou seja, integra a organização econômica e política da sociedade de forma inescapável, ou seja, “racismo é a manifestação normal de uma sociedade, e não um fenômeno patológico ou que expressa algum tipo de anormalidade”, e fornece o sentido, a lógica e a tecnologia para a reprodução das formas de desigualdade e violência que moldam a vida social contemporânea.
14 Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/203964-unfpa-mortalidade-materna-no-brasil-aumentou-944-durante-pandemia

Author notes

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