Dossiê: Revisitando o debate sobre a teoria da derivação do estado
Forma estado e capital global: fundamentos para a crítica marxista às relações interestatais
State form and global capital: foundations for a Marxist critique of interstate relations
Forma estado e capital global: fundamentos para a crítica marxista às relações interestatais
Revista Direito e Práxis, vol. 16, no. 1, e88996, 2025
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Received: 14 January 2025
Accepted: 18 January 2025
Resumo: O trabalho apresenta as bases conceituais para uma crítica marxista das relações entre os estados na perspectiva do capitalismo global, propondo uma releitura crítica do debate acerca da forma estado na tradição marxista a partir da teoria althusseriana do estado, que se apresenta na forma de uma teoria da ideologia. Trata das relações interestatais retornando ao texto de O Capital, com o objetivo de demonstrar que Marx lançou bases para entender as relações entre os estados no capitalismo global contemporâneo. Para tanto, realiza apontamentos metodológicos necessários para a compreensão do debate em toda a sua potencialidade, e aponta as divergências verificadas entre escolas da crítica marxista do direito, que aderem ou rejeitam o referencial derivacionista.
Palavras-chave: Estado, Forma jurídica, Derivação, Capitalismo global, Marxismo.
Abstract: The paper presents the conceptual bases for a Marxist critique of relations between states from the perspective of global capitalism, proposing a critical re-reading of the debate about the state form in the Marxist tradition from the point of view of the Althusserian theory of the state, which is presented in the form of a theory of ideology. It deals with interstate relations by returning to the text of Capital, with the aim of demonstrating that Marx laid the foundations for understanding relations between states in contemporary global capitalism. To this end, it makes the methodological points necessary to understand the debate in all its potential, and points out the divergences between schools of Marxist critique of law, which adhere to or reject the derivationist framework.
Keywords: State, Legal form, Derivation, Global capitalism, Marxism.
1. Introdução
O objetivo do presente texto é apresentar as bases conceituais para uma crítica marxista, isto é, fundada nas premissas do materialismo histórico-dialético, das relações entre os estados na perspectiva do capitalismo global.
O cumprimento desta tarefa pressupõe o tratamento de dois dos mais problemáticos temas explorados pela tradição marxista.
De um lado, será necessária uma releitura do debate acerca da forma estado na tradição marxista. Marx jamais desenvolveu uma teoria do estado de forma sistemática. A teoria do estado1 clássica no campo do que se costuma chamar de marxismo-leninismo é da pena de Lênin, que, em sua obra O Estado e a Revolução (2007), identificou o caráter imanentemente capitalista do estado e a imprescindibilidade de seu fenecimento para a implantação definitiva do comunismo como modo de produção em substituição ao capitalismo (Lênin, 2007, p. 101-120). Lênin, entretanto, formulou tais ideias entre agosto e setembro de 1917, num contexto em que os bolcheviques estavam às vésperas de tomar o poder com a revolução de outubro do mesmo ano. Seu direcionamento ao debate de uma situação iminentemente revolucionária, assim, volta-se ao tratamento do estado no contexto da transição de modos de produção, o que se torna um pressuposto ausente no caso ocidental, especialmente depois que o ímpeto expansionista bolchevique se deteve por volta da metade do século XX. Por isso, o debate do estado na tradição marxista ocidental foi tomado por uma indefinição, dando azo a uma multiplicidade de correntes e teorias que buscavam dar conta do fenômeno. Em atenção ao recorte escolhido para o texto e suas dimensões, não será possível recensear a totalidade deste debate, de modo que se fez a opção de escrutinar criticamente o pressuposto fundamental da teoria da derivação do estado, uma das mais difundidas a lidar com o tema, mas sem se prender a elaborações particulares senão de modo exemplificativo. O exercício crítico será feito à luz da teoria althusseriana do estado, que se apresenta na forma de uma teoria da ideologia. Essa escolha parte do marco metodológico assumido pelo texto, que, além de Marx, leva em conta as ponderações de Evgeni Pachukanis (2017) e Louis Althusser (2008), no contexto da crítica da forma jurídica.
De outro lado, não é possível tratar das relações interestatais sem uma compreensão adequada dos marcos em que se apresenta o caráter global do capitalismo na contemporaneidade. Trata-se de outro tema problemático porque, obviamente, Marx o abordou em um contexto completamente diferente do atual, observando-se que faleceu, durante a elaboração dos manuscritos do Livro III de O Capital, no ano de 1883. Assim, sua obra foi produzida sem que tivesse visto as duas guerras mundiais, as guerras de libertação colonial, ao menos duas crises econômicas globais de proporções catastróficas - sem mencionar os fenômenos ocorridos a partir de 2008, que aparentam ainda estar longe da conclusão de seus desdobramentos, e a crise climática -, bem como a constituição de um sistema internacional de estados no ano de 1948, e que perdura, apesar dos acidentes de percurso, até hoje. Não bastasse isso, o Livro III de O Capital, cujo subtítulo é exatamente O processo global de produção capitalista, foi deixado inacabado e na forma manuscrita, tornando-o o mais confuso e desorganizado dos três livros, a despeito das certeiras intervenções de Engels em sua organização para publicação. Diante desse quadro, nota-se em muitos pensadores que reivindicam o marxismo uma tendência de se afastar da literalidade dos textos de Marx sobre o tema, o que, invariavelmente, redunda em divergências teóricas cuja fidelidade aos marcos do materialismo histórico-dialético torna-se por vezes bastante questionável. Mais uma vez, seria excessivamente pretensioso e não caberia nos limites propostos para este texto escrutinar profundamente todo este debate. Por isso, pretende-se fazer justamente o movimento inverso, e muito mais pontual, de retornar ao texto de O Capital, com o objetivo de demonstrar que, ao desvendar os mecanismos mais profundos de funcionamento do modo de produção capitalista, Marx lançou bases inafastáveis para entender as relações entre os estados no capitalismo global contemporâneo, ao identificar tendências que a história não fez mais que confirmar e aprofundar.
Antes de declinar o tratamento aos temas na forma indicada e pretendendo o adensamento teórico do tratamento das categorias aqui mobilizadas, realizaremos alguns apontamentos metodológicos imprescindíveis para a compreensão de toda a potencialidade dos dois debates propostos. Não se pode olvidar que a crítica marxista do direito passa pela disputa hoje existente em torno do significado e alcance da obra pachukaniana. Mais que diletantismo acadêmico, essa disputa é expressão da luta de classes, e traz consequências importantes no que diz respeito à ação orientada pela construção de uma realidade liberta do jugo do capital. Na medida dos limites do presente artigo, esboçaremos as divergências centralmente verificadas, no que diz respeito ao objeto imediatamente tratado, mediante a abordagem da leitura que admite e toma por referencial a Teoria da Derivação, especialmente a partir das elaborações de Alysson Mascaro, que se desdobram hoje numa abordagem insurgente de Pachukanis2, e aquela proposta pela escola da nova ciência do direito do trabalho, a que nos filiamos.
2. Ainda a questão do método
Os textos que lidam contemporaneamente com a crítica da forma jurídica de matriz pachukaniana, especialmente aqueles ligados à escola da nova ciência do direito do trabalho, em geral possuem a marcante característica de apresentar seus fundamentos metodológicos. Em bancas de avaliação de pós-graduação e debates em apresentações de trabalhos em eventos científicos esta característica tem sido muito questionada, já que é incomum em outras ciências sociais e, especialmente, nas ciências sociais aplicadas. A despeito disso, sua importância segue inarredável, seja porque o método da crítica da forma jurídica ainda carece de difusão nos meios acadêmicos jurídicos, sendo relevante aumentar a quantidade de trabalhos que o apresentem ao público leitor, seja por uma segunda razão, que anima sua abordagem no presente texto: não apenas há uma necessidade de desenvolvimento e aprofundamento das determinações da crítica da forma jurídica - já que suas bases foram lançadas há um século por Pachukanis (2017) e seu último desenvolvimento mais expressivo deu-se há meio século com Edelman (2016) -, como ainda pende de maior aprofundamento sua relação com os fundamentos teóricos que a informam, especialmente na relação com a crítica de Marx aos pressupostos filosóficos de Kant e Hegel.
Com relação ao primeiro ponto, é necessário registrar que os pesquisadores ligados à nova ciência do direito do trabalho têm identificado que o retorno ao debate metodológico deve estar ligado à complexidade das determinações da economia política, o que implica utilizar as elaborações de Marx nos livros II e III de O Capital (1985-1986). É um esforço que, de alguma maneira, ultrapassa aquele empreendido por Pachukanis, que se concentrou nas determinações marxianas do livro I de O Capital. A tarefa, portanto, a partir de Pachukanis, consiste em retornar ao método na perspectiva da complexidade da crítica da economia política.
Ao contrário do que possa parecer, a questão não se liga apenas à extensão do esforço, mas está no âmago do debate sobre o método da economia política, na forma entendida por Karl Marx. Para ele, no único texto em que aborda o tema, o trajeto de investigação deve partir da realidade caótica, do concreto imediato, onde devem ser identificadas suas abstrações mais simples, para que depois seja possível, a partir delas, retornar ao concreto como concreto pensado, como uma rica multiplicidade de determinações (Marx, 1982, p, 14-15). O que se pretende aqui é iniciar um esforço de demonstração de que Pachukanis, desenvolvendo as disposições metodológicas do livro I de O Capital para a crítica da forma jurídica, concentrou sua formulação teórica na articulação das determinações abstratas mais simples, que caracterizam esse primeiro livro. Ao buscar continuar o trabalho de Pachukanis repetindo seus esforços de modo mais concentrado no conteúdo dos livros II e III de O Capital, assume-se que a crítica da forma jurídica se aproxima mais da reprodução do concreto como concreto pensado, que está muito mais presente no conteúdo destes dois últimos livros.
Para que esta proposição não permaneça na forma de uma petição de princípio vazia, registra-se que se pretende que isso fique demonstrado na forma prática na última seção de desenvolvimento deste texto, quando se fizer um tratamento da interpenetração entre as relações interestatais - e suas distintas formas de compreensão - com as determinações do modo de produção capitalista em seu funcionamento global, estabelecidas no livro III de O Capital. Trata-se aqui, ainda, de outra característica imprescindível para o manejo adequado das questões metodológicas: a indissociabilidade do emprego prático do método em relação à sua exposição teórica. Althusser aponta, nesse sentido, ser essa a razão pela qual Marx nunca se preocupou em tratar detalhadamente de aspectos metodológicos, por entender que o emprego direto do método já demonstrava seus pressupostos. Embora se entenda aqui, como dito, serem necessários os apontamentos metodológicos, nem por isso é possível se afastar da compreensão de Marx de que não há entendimento completo do método fora da imanência de sua aplicação (Althusser, 1979, p. 151).
Com relação ao segundo ponto, o esforço metodológico é constantemente confrontado ao desafio de se afastar do uso de representações. Este desafio compõe-se de várias camadas. Antes de tudo, releva notar que a concepção representacional do conhecimento é de matriz kantiana, portanto pré-dialética e informada pelas aparências necessárias do período de afirmação do modo de produção capitalista. Ora, se é certo que a sociedade se encontra até hoje sob a predominância do modo de produção capitalista, decorre daí muito imediatamente que a forma predominante de pensar continua sendo representacional. Assim, desenvolver a crítica das formas sociais capitalistas valendo-se de representações é extremamente mais didático quando se lida com cérebros representacionais, e a tentação de utilizá-las é quase irresistível. É necessário um grande esforço, tanto na apresentação das ideias quanto em sua absorção e apreensão, para lidar com a crítica de maneira dialética, sem o recurso às representações. Para isso, é preciso substituir algumas ideias muito arraigadas no cérebro capitalista, especialmente a de causalidade. Não é possível compreender a categoria da sobredeterminação, central para o entendimento do esforço metodológico dialético, sem tal substituição.
O estado é um excelente exemplo para demonstrar o que aqui se afirma. Quando se pensa o estado de forma presa à lógica representacional, mesmo num contexto pretensamente marxista, o procedimento típico é buscar relações de causação, por exemplo, entre legislação e estado, valor e estado, etc. Conforme se verá adiante, esse é o esforço inerente à teoria da derivação do estado, como o próprio nome sugere. Apesar da fraseologia marxista, a conclusão central é a de que a forma estado deriva da forma mercadoria, isto é, que a forma política deriva da forma econômica, o que não se distancia de uma relação de causalidade.
O esforço de leitura dialética de tais relações, ao contrário, passaria por compreender sua unidade na contradição, o que, inclusive, provoca uma alteração completa na própria concepção do que são formas sociais, como a forma mercadoria e a forma estado. Conforme foi proposto por John Holloway na década de 1970, ainda que este em alguma medida estivesse envolvido com a teoria da derivação, as formas sociais - valor, mercadoria, estado, dinheiro, direito, etc - não são estáticas, elas se colocam na realidade, de modo constante, em um processo, tanto que Holloway as denominava, de maneira muito percuciente, formas-processamento (Holloway, 2019, p. 1477). Em outras palavras, Holloway recusava até mesmo a já existente expressão forma-processo, em geral utilizada para recusar a leitura estática decorrente da concepção representacional em favor de uma leitura dinâmica e processual, algo como substituir uma fotografia por um filme. Na concepção de Holloway, a expressão forma-processo ainda não alcançaria a plenitude da dialética, porque implicaria assumir um processo que já está dado, enquanto a expressão forma-processamento tenta transmitir a ideia de uma forma social que se processa constantemente, recolocando-se como processo o tempo todo. É impossível entender a forma estado sem essa percepção.
Ainda nesse segundo aspecto do esforço metodológico, além da lógica do processamento das formas, é necessário entender que existem dois âmbitos que se interpenetram, nos quais se deve focar a atenção, mais uma vez, sabendo da sua diferença, mas colocando a sua unidade na sua diferença: os âmbitos lógico e histórico de processamento das formas. Aqui também há um excelente exemplo relacionado à questão do estado: as diferenças na constituição da forma estado e da forma jurídica no Brasil e na Europa, conforme retratadas por Marcus Orione em A invenção da classe trabalhadora no Brasil (2022). Quando se observa a história europeia, a legislação social não aparenta desempenhar um papel relevante na constituição do estado, já que este surge a partir das noções ligadas à cidadania, sobrevindo a legislação social muito tempo mais tarde. Entretanto, se é verdade que esta constatação é historicamente acertada, deve-se observar que este processo é sobredeterminado pela articulação lógica, no sentido de que a contratualidade que subjaz à formação do estado na perspectiva da universalização da cidadania, por meio da condição de sujeito de direito, é a contratualidade das relações de trabalho. O contrato que torna necessário que todo ser humano seja livre e igual em direitos e obrigações é o contrato de trabalho. Perceba-se a unidade na contradição: a forma histórica se apresenta de uma maneira que historiciza uma forma lógica que é, aparentemente, contrária a ela, mas que na sua essência está com ela em unidade. Na América Latina, por outro lado, Marcus Orione pôde se colocar na condição de um observador privilegiado de uma realidade em que a forma histórica e a forma lógica coincidem, porque a formação do estado na América Latina não se coloca no processo de consolidação do capitalismo como modo de produção dominante, mas no processo de espraiamento do modo de produção capitalista para outros lugares do planeta onde ele não se apresentava, dado que é inerente à lógica do modo de produção capitalista o seu aspecto expansivo.
Assim, portanto, todo o esforço teórico a ser desenvolvido nas seções seguintes deve ser informado por estas duas disposições: investir na sequência do trabalho pachukaniano, lidando com a reprodução do concreto como concreto pensado a partir das abstrações por ele trabalhadas, iniciando um processo de repetição de seu esforço com foco nos livros II e III de O Capital; e afastar-se da lógica representacional, lidando com formas-processamento que se sobredeterminam a partir de sua unidade em sua contradição. É o que se pretende que fique evidenciado na prática.
3. Forma estatal e contratualidade
A Teoria da Derivação é produto dos esforços para a compreensão do estado, considerando a insuficiência da leitura instrumental (aquela que considera o estado como instrumento da classe dominante) e daquela legada pela metáfora arquitetônica marxiana. Parte de um correto pressuposto, convergente com a obra de E. Pachukanis, no sentido de historicizar o estado, compreendê-lo como uma forma social que, para além de deter o monopólio da força, expressa a impossibilidade do exercício da violência, ou da sujeição direta e imediata de uma classe à outra, o que se deve ao fato de que a produção capitalista é organizada pela forma mercadoria, que atinge. inclusive e principalmente, a força de trabalho, cuja exploração passa a exigir a mediação contratual.
Há um consenso no sentido de que o estado não se restringe ao aparelho estatal, vale dizer, seu corpo burocrático, procedimentos e equipamentos, constituindo-se como uma forma social especificamente capitalista, como dito, decorrente das condições concretas de produção em que o sobretrabalho é apropriado pela classe dominante “por meio da aparente troca de mercadorias equivalentes, inclusive a força de trabalho” (Hirsch, 2014, p. 28). No entanto, acreditamos que a teoria derivacionista negligencia o elemento contratual, expresso na forma jurídica, o que terá repercussões importantes sobre as conclusões derivacionistas e a sua apropriação por setores da crítica do direito.
A contratualidade (forma jurídica) é elemento basilar exigido pela dinâmica de apropriação do sobretrabalho mediante a universalização da forma mercadoria e a aparente cisão entre o público e o privado, com o deslocamento do exercício do poder político para uma esfera aparentemente extra classe, o estado.
Para Hirsch, “[a]s duas formas sociais fundamentais que objetivam a ligação social no capitalismo são a forma valor, expressa no dinheiro, e a forma política, manifesta na existência de um Estado separado da sociedade” (2014, p. 30 - grifos do original).
O ocultamento ou a supressão da forma jurídica do esquema teórico derivacionista resulta numa prevalência da forma política sobre o elemento contratual. Seria então a forma política que faz manifestar no estado a “igualdade formal, a independência e a liberdade dos indivíduos” (Hirsch, 2014, p. 33). A cisão das esferas econômica e política que resulta na constituição do estado, “é uma expressão de sua ligação específica”, havendo, no curso da luta de classes, a incidência de “pressupostos estruturais específicos” que a impedem de “assumir uma configuração arbitrária”, resultando, conforme Hirsch, no “primado da política na análise dos processos sociais” (2014, p. 68, 69 - grifos do original)
As repercussões metodológicas da proposta derivacionista se farão sentir no distanciamento das vertentes que reivindicam a crítica pachukaniana do direito, como adiante será demonstrado, a começar pelo tratamento da tendência que admite o referencial derivacionista na crítica jurídica.
Em Estado e forma política (2013), Mascaro sustenta que “[a] forma-valor, que permeia as relações de circulação e produção, está até então derivada em forma jurídica. Mas a forma-valor só pode existir quando também se derivar em forma política estatal” (2013, p. 26), havendo uma relação estruturalmente simbiótica entre Estado e direito. “No capitalismo, a forma política é imediatamente acompanhada da forma jurídica, a tal ponto que se dá, nesse caso, além da derivação de uma forma social comum, a forma-valor, uma conformação (...), uma consubstanciação ou uma derivação secundária recíproca” (2013, p. 34). Sinteticamente, “[a] institucionalização normativa do sujeito de direito, os contornos da capacidade e as garantias a essa condição jurídica é que são estatais. A troca de mercadorias e o trabalho feito mercadoria são os dados que talham a forma-sujeito de direito. A normatividade estatal opera sobre essa forma já dada, conformando-a” (Mascaro, 2013, p. 41).
É possível constatar que há uma aproximação do que seria uma leitura dialética da relação entre forma jurídica e forma estatal, considerando o aspecto de “simbiose”, que poderia, numa leitura generosa, apontar o sentido de unidade na diversidade. No entanto, o caráter dialético da relação entre as formas sociais não é levado às últimas consequências, porque se coloca sobre a relação de derivação, repita-se, relação derivada que expressa decorrência, casualidade, não contemplada pelo sentido de forma-processamento, ou pelo movimento que se estabelece entre as formas como unidade na diversidade. A formulação é clara ao identificar que da forma-valor derivam-se a forma estado e a forma jurídica, havendo uma relação de causalidade.
Soma-se à questão, o comprometimento da leitura como produto de um percurso metodológico que parte de categorias abstratas, e não do concreto, o que se faz notar pela adoção da categoria valor ao invés de mercadoria.
Como já mencionado, o percurso metodológico adotado por Pachukanis nos foi legado por Marx, principalmente em sua conhecida obra Para a crítica da economia política (1982), e se apresenta, em estado prático, no conjunto das suas elaborações, especialmente aquelas de maturidade, alcançando maior grau de sofisticação em sua obra de maior envergadura, O Capital (1985-1986). É de amplo conhecimento que a primeira seção do primeiro capítulo da obra trata justamente da mercadoria. No prefácio da primeira edição de O Capital, Marx justifica que “na análise das formas econômicas não podem servir nem o microscópio nem reagentes químicos. A faculdade de abstrair deve substituir ambos. Para a sociedade burguesa, a forma celular da economia é a forma de mercadoria do produto do trabalho ou a forma do valor da mercadoria” (1985-1986, v. 1, t. 1, p. 11, 12).
Marx somente acessa o valor mediante a constatação de que “[a] riqueza das sociedades em que domina o modo de produção capitalista aparece como uma ‘imensa coleção de mercadorias’, e a mercadoria individual como sua forma elementar”, advertindo que “[a] mercadoria é, antes de tudo, um objeto externo, uma coisa (...)” (1985-1986, v. 1, t. 1, p. 44).
A mercadoria condensa uma série de determinações que só podem ser alcançadas pelo processo de abstração. Deve-se destacar, no entanto, que essas determinações são compreendidas partindo da realidade concreta, da materialidade. Esse é o salto contido no movimento da dialética marxiana. As relações sociais não são estabelecidas mediante movimentos ideais fundados em aspectos e formas abstratas. São as coisas concretas que mobilizam os agentes sociais e nesse processo obstam o acesso às reais relações que os impulsionam.
Como coisas, as mercadorias se colocam em relação recíproca mediante a ação de seus portadores. É nesse movimento que aparece a essencialidade do elemento contratual apontado por Pachukanis como forma jurídica, fundado na oposição sujeito e coisa, o que nos leva a afirmar a necessária relação entre forma mercadoria e forma jurídica. No entanto, em que pese aparecer no momento da troca, da circulação, seu primado é na produção, como componente da subsunção do trabalho ao capital.
A forma jurídica é alcançada por Pachukanis, mediante a análise de seu elemento mais básico e nuclear, o sujeito de direito, que existe, no capitalismo, na relação direta com a coisa. A “oposição entre sujeito e coisa é a chave para a compreensão da forma jurídica” (Pachukanis, 2017, p. 139). Conforme Pachukanis, a relação mercantil revela o sentido específico da oposição entre sujeito e objeto. “O objeto é a mercadoria, o sujeito é o possuidor da mercadoria, que dispõe da mercadoria nos atos de aquisição e alienação. É precisamente no acordo de troca que o sujeito se manifesta pela primeira vez na plenitude de suas determinações”. O autor nos revela que no modo de produção capitalista, “a capacidade de ter um direito em geral”, o direito subjetivo, se separa das pretensões concretas. Trata-se de um fenômeno social que acompanha o processo de abstração do trabalho. A subjetividade jurídica é intimamente relacionada com o caráter de substância social que toma a força de trabalho por exigência da produção capitalista. “O fetichismo da mercadoria completa-se com o fetichismo jurídico” (2017, p. 146), o que no nosso sentir revela a intransponibilidade do elemento contratual para a compreensão das relações de produção capitalista, sua reprodução e a própria forma estado, não como um dado adicional, ou meramente informativo das delimitações e contornos do estado, mas como categoria que possui centralidade no processo, e impede uma compreensão científica do processo social a partir do primado da política.
Cabe ressaltar, no entanto, que Pachukanis não pôde alcançar todas os aspectos da categoria descoberta, uma vez que, em sua época, não teve acesso às elaborações marxianas e engelsianas a respeito da ideologia, os livros II e III d’O Capital, ao passo em que teve seu trabalho prematuramente interrompido pela stalinização da ex-URSS. Coube a Edelman (1976), realizando o diálogo entre a obra pachukaniana e a teoria das ideologias, de Althusser, jogar luzes à essencialidade da prática jurídica, como externalização e exercício dos atributos do sujeito de direito, para a reprodução das relações sociais capitalistas, no que consideramos residir o aspecto ideológico (no sentido material althusseriano, de prática reiterada) do direito.
Esse conjunto de considerações se expressa de maneira mais acabada na divergência que consideramos fundamental com relação às elaborações derivacionistas.
Compreendemos que a derivação do Estado da forma valor e, como proposto por Mascaro, uma “derivação secundária recíproca” (2013, p. 34) entre estado e direito, expressa problemas metodológicos, pela adoção de uma categoria abstrata como determinante, sem a atenção necessária aos aspectos da concretude, o que nos parece conduzir ao negligenciamento do elemento contratual, resultando no superdimensionamento da política, inerente à relativa autonomia do estado.
A rigor, Mascaro realiza um esforço no sentido de aperfeiçoar a Teoria da Derivação, trazendo o elemento jurídico. No entanto, a imprecisão metodológica revela-se ao tentar compatibilizá-la com a crítica pachukaniana, na redução do elemento contratual à normatividade, em um sentido que parece materializar, colocar em prática, os aspectos destacados por Caldas, ao compreender que o elemento jurídico reside em determinar “quais os princípios formais que a mencionada força coercitiva estatal deve necessariamente observar para estar adequada à forma mercadoria. Tais princípios são encontrados no conceito geral de Direito e se expressam por meio de normas gerais, impessoais e abstratas” (2013, p. 99).
Acreditamos que a melhor compreensão das formas sociais nucleares do modo de produção capitalista, e por conseguinte, da relação entre Estado, forma política e forma jurídica, pode ser alcançada por uma leitura que considere a relevância do elemento contratual, como exaustivamente colocado, presente na oposição sujeito e objeto, que é uma relação necessária ao modo de produção pautado na mercantilização da força de trabalho. Vale dizer, a forma jurídica é uma manifestação necessária da produção, e não um mero aspecto mediador da circulação. A produção só é capitalista se emprega a força de trabalho como valor de uso que cria valor, o que se deve à sua forma mercantil. Em outras palavras, o modo de produção capitalista apresenta, perante os anteriores, a peculiaridade de ter sua produção organizada pela ideologia, e não pela violência como até então ocorria.
Podemos considerar, a princípio, que o estado aparece descolado das classes, como um agente neutro que monopoliza o exercício da força, e que na concretude garante a reprodução das relações sociais capitalistas, fundadas na exploração de classe, ou seja, garante o poder do capital sobre o trabalho, mas essa consideração, em que pese os avanços, não esgota o fenômeno sob análise.
A posição de aparente neutralidade do estado é possível, como demonstra Pachukanis, “com o desenvolvimento do comércio e da economia monetária” que “trazem consigo a contraposição entre vida pública e vida privada” (2017, p. 167).
É a sujeição mediada pelo contrato que faz com que o poder de dominação da classe capitalista assuma a “forma de poder oficial de Estado (...), um aparato público de poder impessoal e apartado da sociedade” (Pachukanis, 2017, p. 171), o que resulta numa submissão “ideologicamente duplicada” do trabalhador ao poder burguês, ou seja, uma subordinação ao empregador, pelo invólucro contratual, e uma sujeição mediada pela forma estatal, a toda a classe capitalista (Pachukanis, 2017, p.172). “A coerção, como ordem de um homem dirigida a outro e reforçada pela força, contradiz a premissa fundamental da relação entre possuidores de mercadoria. (...) A função de coerção não pode atuar como função social sem ser abstrata e impessoal” (Pachukanis, 2017, p. 174).
Isso revela a limitação da metáfora arquitetônica empregada por Marx, já mencionada, e a imprecisão da teoria derivacionista, já que as formas sociais não decorrem, simplesmente, umas das outras mas estão em relações recíprocas de determinação, sob o primado, em última instância, da produção. O que determina a aparente cisão do público e do privado é a produção, a partir daí, relações são estabelecidas sob determinadas formas sociais conferindo a sua reprodução.
A derivação, no seu sentido unidimensional, não alcança o movimento recíproco que é concreto e materialmente ideológico, impulsionando os agentes sociais a reproduzirem o movimento do capital por si mesmos. Essa limitação inviabiliza, por exemplo, a compreensão do processo de conformação da forma jurídica nos diversos momentos do modo de produção capitalista, reclamada conforme as especificidades históricas de cada formação social.
Considerando o estado na relação de sobredeterminação com a forma mercadoria e a forma jurídica, compreendemos que os atributos do jurídico, aquilo que demarca o direito como forma social, se farão presentes também no estado e integram seu processo de autonomização relativa. A partir da contribuição da crítica da forma jurídica legada por Pachukanis, é imperativo considerar que os atributos do sujeito de direito (a liberdade, a equivalência e a propriedade) delimitam ou determinam a forma política, o estado e a soberania como exercício de equivalência estatal, estando na raiz da sua função de ocultamento da essência das relações sociais.
Essa localização do estado e da forma política estatal está no cerne das nossas diferenças. Para nós, os atributos da forma jurídica são imanentes à produção capitalista e se fazem presentes na forma política estatal, não podendo ser restritos à normatividade. A autonomia relativa do estado não implica um campo de atuação ou, no sentido gramsciano, um espaço de disputa de hegemonias. A relação específica entre economia e política não assume uma configuração arbitrária porque é determinada pela dinâmica de reprodução das relações capitalistas, relações estas fundadas no antagonismo entre as classes. A superlativa autonomização da política descarta a determinação em última instância da produção e acaba por reforçar os mecanismos de reprodução das relações capitalistas e ocultação do real. Trata-se de uma prática que, ao pretexto de infirmar o poder do capital, por se restringir ao campo da aparência, reitera seus mecanismos.
Acreditamos que essa consequência teórica pode ser observada na obra de Mascaro, frise-se, tomado aqui como objeto de análise considerando sua filiação ao derivacionismo e sugestão de compatibilização com a crítica pachukaniana e o enfoque dependentista.
Ao deslocar a centralidade da forma jurídica na produção capitalista para o âmbito da circulação, a potência da teoria pachukaniana é esvaziada, confinada ao âmbito da normatividade.
O resultado dessa leitura é a compreensão de uma forma política não plenamente desenvolvida, o que sob o enfoque dependentista se explica pela suposta subordinação dos estados periféricos aos estados de capitalismo central, o que se observa em textos como Crise e golpe (Mascaro, 2018), e Sociologia do Brasil (Mascaro, 2024), em que se sustenta o trabalhismo e o petismo no Brasil, como “momentos simbólicos de administrações divergentes do capitalismo nacional”, exemplificando a chamada “insuficiência da forma política estatal numa formação social específica, como a brasileira, para comandar ou homogeneizar, de modo capitalista, a forma-mercadoria, a forma-valor e a acumulação” (Mascaro, 2018, p. 16 - grifo do original).
Para Mascaro, “países de capitalismo semiperiférico, como o Brasil, revelam constantes e grandes dificuldades em alinhavar coesões político-econômicas capitalistas maiúsculas” em virtude da “insuficiência estrutural da forma política estatal” que impede sociedades como a brasileira “de concretizar o fortalecimento e o desenvolvimento do capitalismo nacional” (Mascaro, 2018, p. 28), o que, conforme o autor, implicaria uma mudança “de posição relativa do Brasil no quadro do capitalismo internacional, portando suas contradições a outro patamar” (Mascaro, 2018, p. 65).
Ainda segundo o autor, as instituições de estado “[p]odem ser apropriadas ou influenciadas de modo majoritário por pressões de grupos ou classes específicas, fazendo com que a política estatal seja amplamente mais favorável aos seus interesses” (Mascaro, 2013, p. 47). O estado opera em um campo de autonomia relativa, na medida em que suas instituições e ações são porosas à ação das classes, implicando modificações na dinâmica da acumulação capitalista, sempre orientadas à preservação da acumulação em si, sendo “o resultado de variáveis relações sociais concorrentes e em conflito”, não podendo “ser tomado como um elemento fixo do domínio de uma classe” (Mascaro, 2013, p. 47).
A autonomia relativa do estado, superlativizada, fundamenta uma compreensão assentada na porosidade “em face de todas as classes, grupos e indivíduos da sociedade”, o que sugere que a classe trabalhadora possa influenciar decisivamente o estado, sem sucumbir às suas práticas, o que contraria absolutamente todos os exemplos da realidade histórica até a atualidade. Para o autor, “[a]s contradições que atravessam a sociedade capitalista se refletem dentro do próprio Estado, que, excetuando-se condições extremas, nunca é absolutamente capturado apenas por uma classe ou grupo” de modo que “essa abertura dos organismos estatais a várias classes exprime, de algum modo, as posições de poder relativo dessas mesmas classes” (Mascaro, 2013, p. 49).
A leitura se coloca em choque com o referencial teórico da crítica marxista do direito, em especial as formulações de Pachukanis, no exato sentido que lhe rendeu a perseguição pelo stalinismo, ou seja a negação da possibilidade de apropriação das formas sociais por classes ou frações de classes.
Fica evidenciado que a postulada forma política estatal derivada da forma valor reduz o alcance da forma jurídica colocando em prejuízo aspectos centrais da categoria, atribuindo à normatividade um alcance que extrapola o direito (novamente no sentido de forma nucleada pela categoria sujeito de direito), de maneira inconsistente com a sua centralidade no modo capitalista de produção. As manifestações contingenciais no contexto da reprodução das relações de produção (instrumentos normativos, atos administrativos, leis, sentenças, estatutos, regulamentos) não constituem ou tampouco reduzem o caráter jurídico das relações sociais capitalistas. Na verdade expressam esse caráter, reproduzindo a lógica contratual própria da relação entre sujeitos.
4. A forma estado na tradição marxista: esboço de uma crítica althusseriana-pachukaniana da teoria da derivação
Conforme explicitado na introdução, o recorte escolhido para este texto é o de uma apreciação crítica dos pressupostos gerais da teoria da derivação do estado, partindo-se de uma leitura conjugada da teoria althusseriana do estado e da crítica da forma jurídica de matriz pachukaniana, com foco nas relações interestatais.
A teoria da derivação do estado, na forma apresentada na seção anterior, pode ser sintetizada na seguinte sentença: “o Estado é a forma política do capitalismo” (Mascaro, 2013, p. 63). Na linha do que foi desenvolvido na prévia seção metodológica, é preciso apontar as razões pelas quais esta formulação é absolutamente representacional e não dá conta da complexidade da sobredeterminação que envolve o estado e as relações entre os estados.
A frase destacada faz supor que existem trans-historicamente formas políticas que possam ser identificadas em quaisquer modos de produção e que, no capitalismo, haveria uma forma política determinada, que seria o estado. Esta suposição, implicada na formulação da teoria da derivação, contradiz frontalmente a disposição metodológica do materialismo histórico-dialético de identificar as contradições e a unidade dos extremos antitéticos em sua diferença. Só é possível pensar uma forma política como forma social destacada de outras formas sociais no contexto do modo de produção capitalista. Este modo de produção, portanto, é a própria condição da existência de uma forma política cindida de outras formas sociais. E isso não significa que a forma social da mercadoria ou do valor engendre como derivação uma forma política, porque elas se constituem consentaneamente uma à outra ao se dividir com a afirmação do modo de produção capitalista. Perceba-se como essa realidade não pode ser apreendida em uma perspectiva representacional. Não há a possibilidade de existência de uma forma econômica sem que ela se constitua na sua diferença com relação a uma forma política e uma forma jurídica. As formas sociais, como formas-processamento, se engendram na sua contínua afirmação enquanto distintas e contrárias, num processo de sobredeterminação.
Althusser faz um exercício análogo a este ao apresentar sua leitura sobre a luta de classes de modo diferente de uma compreensão politicista da luta de classes (Althusser, 2008: 250-251). Esta proposição althusseriana precisa ser adquirida teoricamente pelo campo marxista de maneira inarredável. Althusser aponta uma tendência profundamente equivocada de compreender a luta de classes, num processo representacional, como se fosse análoga a um jogo de futebol: existem, previamente, dois times diversos, e num dado momento, ao soar o apito do juiz, eles começam a se enfrentar. Nessa representação, portanto, haveria, de um lado, a classe trabalhadora, e, de outro, a classe proprietária, e haveria um embate entre essas duas classes que recebe o nome de luta de classes. Esta representação pode fazer algum sentido na perspectiva dos embates políticos entre as classes, mas jamais em relação à sua própria existência. Althusser destaca, assim, que as classes só se constituem enquanto tal no seu processo de diferenciação, que é o próprio processo de assalariamento de mão de obra, ou seja, um contrato. A partir do momento em que alguém que só é proprietário de sua própria força de trabalho coloca-a à disposição de alguém mediante um pagamento, essa pessoa se constitui enquanto integrante da classe trabalhadora por oposição a uma outra classe, proprietária dos meios de produção. Althusser, portanto, identifica o primeiro ato da luta de classes com a extração de trabalho excedente, que, no modo de produção capitalista, assume a forma de extração contratual de mais-valor.
Reproduzindo este mesmo exercício dialético de sobredeterminação à questão do estado, impõe-se constatar que, para existir modo de produção capitalista, seja logicamente, seja historicamente, a extração de trabalho excedente de uma classe por outra, que constitui o primeiro ato da luta entre as classes, consentâneo ao seu próprio processo de constituição em sua diferença, precisa se dar a partir da cisão entre uma forma econômica - que, nos termos da seção anterior, é mediada na realidade por uma forma jurídica, porque a forma jurídica está baseada nas premissas da troca de mercadorias, que parece ser um dado da circulação, mas não se limita a ela na medida em que essas formas mediam a própria produção capitalista, já que só há produção porque alguém compra a mercadoria força de trabalho -, e a forma política. Este processo não acontecia até então, seja histórica, seja logicamente, na medida em que a extração de trabalho excedente se dava de forma direta e violenta. A única conclusão possível a partir daí é a de que o estado não é a forma política do capital, ele é a própria forma política enquanto tal, e só existe e faz sentido histórica e logicamente a partir da sua contradição com a forma mercadoria que media o modo de produção.
Com a substituição da extração violenta de trabalho excedente por sua extração contratual, outro momento desta sobredeterminação, e que integra a própria constituição da forma estado enquanto tal, ganha relevo: a participação do estado enquanto forma política, que se constitui na sua diferença em relação à forma mercadoria, na formação - ou, mais precisamente, na interpelação - dos indivíduos enquanto sujeitos. Como visto, a cisão entre forma econômica e forma política se dá nas aparências da autocompreensão da sociedade engendrada pelo modo de produção capitalista. A colocação dessa cisão de forma estanque na perspectiva da aparência é essencial para que esse modo de produção se reproduza continuamente, porque, em essência, seus polos não estão propriamente separados, mas são contrários em unidade na sua diferença, do ponto de vista do conhecimento dialético. Conclui-se, assim, que qualquer formulação a respeito do estado que assuma como dada a cisão entre política e economia, entre forma mercadoria e forma estado, é uma formulação que se rendeu à autocompreensão burguesa da sociedade capitalista. A condição para qualquer possibilidade de crítica, seja da forma mercadoria, seja da forma estado, seja da forma sujeito de direito, é recusar a validade da separação entre forma econômica e forma política. Não porque elas não sejam separadas, mas porque essa não é uma separação representacional, mas uma separação na unidade de sua diferença em perspectiva dialética.
Esta disposição teórica se materializa, no campo do marxismo, na teoria althusseriana da ideologia. No âmbito desta teoria, Althusser sustenta que, para ser consequente com os pressupostos do materialismo histórico-dialético, não é possível formular uma teoria do estado que parta da divisão entre público e privado, que é a essência da autocompreensão da sociedade burguesa, baseada na cisão entre forma econômica e forma política (Althusser, 2008, p. 106-107). Disso decorre que o estado deve ser identificado em qualquer instância em que se observe a dominação de classe. Assim, haverá dominação de classe desde dentro da empresa, quando há a extração de trabalho excedente, até o momento usualmente compreendido como dominação política de classe, por exemplo, na repressão policial a um protesto contra as más condições de vida.
É fácil reconhecer a repressão policial como parte do estado, porque o estado é a aparência da dominação política de classe na unidade dessa diferença. Muito mais complexo é observar o que, em geral, está excluído do âmbito do estado em suas teorizações, por ser tratado como parte do âmbito privado da vida, mas que também pertence à dominação política de classe. Trata-se do que Althusser denomina aparelho ideológico de estado, por oposição ao aparelho repressivo de estado, que está limitado à estrutura institucional mais aparente: polícia, exército, judiciário, etc.
Althusser identifica a cisão entre aparelho repressivo e aparelhos ideológicos de estado a partir da forma de dominação pressuposta a cada uma dessas realidades, isto é, a violência, no caso do aparelho repressivo, e a ideologia, no caso dos aparelhos ideológicos. Para ele, a diferença entre aparelho repressivo e aparelhos ideológicos é que o primeiro funciona predominantemente pela violência, embora também subsidiariamente pela ideologia, enquanto os segundos funcionam predominantemente pela ideologia, embora também subsidiariamente pela violência. Com isso, embora operando num nível mais elevado de determinação, Althusser acaba aceitando a separação que existe entre ideologia e violência sem levar às últimas consequências as premissas do seu próprio raciocínio no sentido de que a ideologia só se constitui enquanto tal a partir da sua separação em relação à violência. Embora exista um debate no campo althusseriano sobre a perspectiva da eternidade - ou, para alguns, trans-historicidade - da ideologia, ele é irrelevante para a conclusão de que é só no modo de produção capitalista que a unidade da diferença entre violência e ideologia se dá a partir de uma prioridade lógica da ideologia, justamente porque é a contratualidade do assalariamento de mão de obra que é o elemento essencial da dominação de classe no modo de produção capitalista. É justamente por isso que a ideologia ostenta a prevalência da sua separação em relação à violência no modo de produção capitalista, porque, ainda que se identifique ideologia em modos de produção passados, a cisão entre ideologia e violência nesses modos de produção passados estava dada sob a direção lógica da violência e não da ideologia. A especificidade histórica do modo de produção capitalista é a ideologia ser o critério de unidade na diferença na separação entre ideologia e violência. É por isso, então, que a ideologia por excelência, no modo de produção capitalista, é a ideologia contratual. Esse dado será central para compreender as relações entre os estados, num contexto em que, como se verá adiante, não há um terceiro titular da legitimidade da violência da mesma maneira em que o próprio aparelho repressivo de estado opera nas relações entre os sujeitos de direito3.
A ideologia contratual como ideologia primordial no modo de produção capitalista aparece desde onde é óbvia, como no direito, em que a interpelação do indivíduo enquanto sujeito de direito se dá na condição de sujeito livre e igual em direitos e obrigações, proprietário de mercadorias, ainda que a única mercadoria de sua propriedade seja ele mesmo enquanto força de trabalho, até na própria forma aparente da dominação política, porque no modo de produção capitalista o estado se coloca unicamente como o estado que se constitui a partir do contrato social, do igual direito de voto e de participação política de cada cidadão. Fosse outro o objeto do texto, a mesma realidade poderia ser transbordada, como já tem sido em pesquisas recentes, para mais aparelhos ideológicos de estado, como o sindicato, a escola, etc.
É importante ainda, nesse contexto, lidar com o modo pelo qual a ideologia contratual se coloca nessa formação social. No contexto da recusa das aparências da autocompreensão da sociedade burguesa, no que tange à forma contratual, deve-se recusar a ideia de que o contrato é um livre acordo de vontades. Althusser sustenta que a ideologia interpela indivíduos enquanto sujeitos e, ao fazer isso, faz com que esse sujeito se entenda a partir da sua individualidade, não como interpelado por um Sujeito que o assujeita. Na lógica contratual, esta formulação reflete-se na ideia de que o indivíduo se engaja enquanto sujeito em contratos a partir da sua vontade livremente manifestada. E é justamente a legislação social, particularmente o direito do trabalho, que demonstra o quanto essa ideia é inerente à autocompreensão da sociedade burguesa.
A contratualidade do assalariamento de mão de obra, que é a principal forma contratual do modo de produção capitalista, não se dá a partir da vontade das partes contratantes, mas a partir de seu comportamento numa relação jurídica de troca de força de trabalho pelo seu equivalente na forma salarial, ainda que isso se coloque de maneira alheia à vontade dos indivíduos envolvidos e potencialmente contra a vontade dos indivíduos envolvidos, como ocorre, para ficar no campo do direito do trabalho, especialmente no exame da figura da pejotização. Essa é a constituição da ideologia jurídica na sua essência. E que constitui, portanto, a forma estado, não na sua limitada autocompreensão burguesa, mas na sua unidade entre ideologia e violência sob a direção da ideologia.
Com isso, pode-se passar ao exame da constituição ideológica do estado, partindo da elaboração de Althusser a respeito da dupla estrutura especular da ideologia (Althusser, 2008, p. 218-219). Althusser lida com a questão da interpelação ideológica a partir de uma categoria emprestada de Jacques Lacan: a dupla estrutura especular, ou seja, o sujeito se reconhece em quem o sujeita à medida em que se constitui à sua imagem. Em outras palavras, o sujeito reflete o Sujeito. E, portanto, o Sujeito, aquele que sujeita, precisa também se reconhecer no sujeito, de forma duplicada e especular. Obviamente, Lacan trata do tema psicanaliticamente, mas, na medida em que Althusser desenvolve sua formulação para lidar com questões da sociedade, o exemplo mais explícito é justamente o do sujeito de direito com o estado, que ocupa nessa relação o papel de Sujeito. O sujeito de direito que se constitui como sujeito contratante, interpelado pela ideologia contratual, reconhecerá o estado na medida em que o estado se constitui enquanto um contrato. E o estado reconhecerá esse sujeito somente na medida em que ele próprio se colocar também enquanto sujeito, e é o que acontecerá com o estado na ordem internacional ou no sistema de estados, na medida em que ele se reconhece mutuamente nos outros estados enquanto sujeitos. Então, o estado se colocará nessa perspectiva da dupla relação especular tanto na constituição do sujeito internamente, quanto na constituição do sujeito, nessa esfera internacional em que ele se relaciona “com os seus iguais”, e na qual, na perspectiva da interpelação ideológica, logicamente não há necessidade de um terceiro a impor qualquer coisa que seja a essa comunidade de estados, na medida em que ele já se coloca nesta dupla relação especular dos estados entre si e do estado em relação ao sujeito.
Perceba-se como isso dá contornos muito diferentes para a posição que o estado ocupará não só na ordem internacional e nas relações entre os estados, mas no próprio desenvolvimento categorial da crítica marxiana. Mas essa complexidade incita a perceber que o reconhecimento da interpelação ideológica duplamente especular entre sujeito e estado e entre estados entre si na ordem internacional é uma das determinações da multiplicidade de determinações que se colocam nesse fenômeno complexo.
5. As relações entre os estados e o caráter global do modo de produção capitalista
O exame das relações entre os estados é o âmbito mais frutífero para fazer refletir toda a complexidade da forma estado, entre outros motivos, porque se trata de um campo privilegiado de observação de outra disposição metodológica de Marx, já mencionada nas seções anteriores, no sentido de que nem sempre as articulações lógica e histórica coincidem.
Esta disposição aparece, por exemplo, na delimitação que Marx faz do tema do capital comercial e do capital usurário, em analogia que será útil para o tratamento do tema das relações entre os estados. O capital mercantil e o usurário são as formas mais antigas de capital do ponto de vista histórico e, consequentemente, são primordiais historicamente: não haveria capitalismo sem capital comercial e usurário. Marx chega a chamá-los, inclusive, de formas antediluvianas do capital. Estas formas antediluvianas, entretanto, sequer aparecem no livro I de O Capital, já que, no desenvolvimento da crítica da economia política, elas só aparecem ao final, quando todas as determinações do capital industrial já estão colocadas.
Um processo semelhante se dá com as relações dos estados entre si. O estado, visto como forma estado em sua especificidade histórica ligada ao modo de produção capitalista, só se coloca como uma forma social própria a partir da metade do século XIX, por obra do processo que o Marx descreve em suas obras políticas. É evidente que se trata de um processo muito longo, na perspectiva da forma-processamento, mas este é o momento histórico em que o processamento se coloca da forma contemporânea, historicamente específica. Por outro lado, obviamente a divisão territorial em unidades soberanas já estava presente cerca de três séculos antes disso em um modo muito semelhante ao atual, o que conduz à tentação de compreender o estado contemporâneo como uma decorrência da Paz de Vestfália, por exemplo.
Qualquer tentativa de fazer com que essa primazia histórica corresponda de alguma maneira também à primazia lógica levará a problemas metodológicos graves. É o que se dá, por exemplo, com um dos principais nomes da teoria da derivação do estado, Joachin Hirsch. Quando Hirsch afirma que “o sistema de estados é uma expressão estrutural das relações capitalistas de classe e de concorrência” (Hirsch, 2010, p. 71), ele inadvertidamente se limita de modo excessivo ao âmbito da circulação, o que implica tratar a dimensão histórica como se lógica fosse. É necessário, para um tratamento consequente do problema, jamais perder de vista a produção capitalista, na exata medida em que o materialismo histórico-dialético implica considerar a produção da vida material como disposição metodológica fundamental. A concorrência entre os estados pode até explicar a cisão de estados em um sistema de estados numa perspectiva histórica, até porque o próprio Marx coloca que o comércio internacional ou global se inicia a partir de comunidades produtoras distintas. O próprio estado, historicamente, está em grande medida em relação com esta temática a partir de outro ponto muito negligenciado em algumas elaborações, que é a perspectiva monetária, à qual Marx dá novos contornos quando está falando sobre o capital comercial e capital portador de juros no livro III de O Capital. Nesse sentido, deve-se observar que ainda em 1883, quando o falecimento de Marx interrompe o processo de redação do último livro de O Capital, o Banco da Inglaterra ainda não era uma instituição completamente integrada ao que denominamos aqui de aparelho repressivo de estado.
Observando-se o tratamento que Marx dá à concorrência e o papel que ela desempenha na formação da taxa de lucro e do lucro médio em perspectiva global, veem-se antecipadas tendências que só se desenvolveriam em sua plenitude muitas décadas mais tarde, em especial a formação de blocos regionais que têm como caso paradigmático a União Europeia. Ao tratar da equalização global da taxa de lucro, que constitui um aspecto essencial do desenvolvimento de sua crítica da economia política, Marx sustenta que ela depende do desenvolvimento do capitalismo em dada sociedade nacional, da mobilidade do capital e da mobilidade da força de trabalho. Em outras palavras, numa perspectiva puramente lógica, que ignore a multiplicidade de determinações do concreto, sequer faria sentido a divisão política em estados. A União Europeia é uma demonstração material disso, na medida em que funciona perfeitamente prescindindo de uma divisão de estados tão marcada como se coloca no restante do assim chamado sistema internacional de estados. Esta constatação só pode significar que é necessário explicar as relações entre os estados não somente igualando de forma indevida a ordem histórica com a ordem lógica, mas sim procurando as relações categoriais que se colocam entre as diversas determinações do estado. Não fosse assim, a crítica estaria presa a uma concepção centrada na figura do estado e que, portanto, não poderia ultrapassar os limites daquela realidade que pretende criticar. É o que ocorre, exemplificativamente, com os estudos que reivindicam a chamada teoria da dependência. O estado, embora possa ser em alguma medida um pressuposto histórico do desenvolvimento do modo de produção capitalista, precisa ocupar uma posição muito diferente no desenvolvimento lógico das categorias.
É muito importante, na perspectiva do capital globalmente visto, ou seja, do modo de produção capitalista como um modo de produção inerentemente expansivo e global, que nunca se perca de vista que é somente a exploração do trabalho que pode criar valor e, consequentemente, criar valor em escala ampliada. É a partir dessa constatação que é possível observar que todas as assimetrias que se colocam nas relações práticas entre os estados na ordem internacional encontrariam explicação muito mais satisfatória nas dinâmicas de formação de mais valia relativa e na dinâmica de aumento da composição orgânica do capital e consequente diminuição tendencial da taxa de lucro do que em relações interestatais de dependência ou de soberania ou subsoberania entre os estados. Marx dá esse exemplo pontualmente no livro III de O Capital. Logicamente, até pela época em que estava escrevendo, Marx usava como exemplo um país asiático e não um país latinoamericano, mas a lógica não discrepa. No exemplo do livro, num país asiático em que, pela pouca produtividade do trabalho, houvesse uma taxa de mais valia de metade ou um terço da taxa de mais valia verificada nos países tecnologicamente mais desenvolvidos, em que, consequentemente, o trabalho é mais produtivo, seria possível, a despeito disso, vir a ter o dobro ou o triplo da taxa de lucro em razão da diversidade de composição orgânica do capital. Só é possível compreender que a exploração está baseada na força de trabalho observando que as grandes concentrações de capital dos países centrais do capitalismo estão explorando força de trabalho na América Latina, em partes da Ásia e na África. Essa compreensão só é possível com o olhar voltado à crítica da economia política, ou, do contrário, o exercício será o de tentar explicar as relações sociais a partir do estado e não o estado a partir das relações sociais. As relações sociais que explicam o estado são as relações sociais de produção capitalistas, que determinam uma certa forma de interpelação ideológica e determinam uma certa forma de relação de exploração entre as classes que são lutas que começam justamente com a extração de trabalho excedente se recolocando cotidianamente e sempre.
6. Considerações finais
Há hoje uma disputa aberta em torno dos sentidos e alcance do legado pachukaniano. A compreensão do estado, como aspecto central da sua teoria, integra o complexo de categorias sob debate. Acreditamos que a formulação da nossa crítica ao derivacionismo contribui para a elucidação das divergências, e avanço no que diz respeito à crítica da forma jurídica, possibilitando a revisitação da teoria do estado e seu tratamento fundamentalmente a partir dos livros II e III d’O Capital, via de regra negligenciados, o que tem sido sistematicamente realizado pelos pesquisadores ligados à nova ciência do direito do trabalho, como forma de adensar teórica e metodologicamente suas elaborações, a partir da crítica da economia política, mediante a aproximação da crítica da forma jurídica da reprodução do concreto como concreto pensado.
O movimento metodológico que nos impulsiona a buscar a complexificação e a continuidade do legado pachukaniano nas determinações tratadas nos livros II e III converge com a busca pela superação da abordagem representacional, e aproximação de uma exposição também dialética, viabilizando a compreensão da sobredeterminação presente nas formas sociais.
Por esse esforço metodológico, fica evidenciada a nossa crítica ao derivacionismo como uma interpretação causal e, portanto, antidialética, entre forma econômica e forma política, presente na interpretação de que a forma estatal deriva da forma valor.
Reivindicamos, como parte desses esforços, a denominação formas-processamento adotada por Holloway, pela qual pretende transmitir a ideia de uma forma social que se processa constantemente, recolocando-se como processo o tempo todo.
As implicações negativas da leitura causal entre as formas sociais são evidenciadas pelo o que tem sido produzido mediante a adesão ao referencial derivacionista e sua pretensa compatibilização com a crítica da forma jurídica, resultando numa sublimação do elemento contratual pelo aspecto normativo, além de interpretações juridicistas do estado e do próprio direito, pautadas pela compreensão de insuficiência das formas sociais, ineficácia da lei e atipicidade da forma jurídica.
O exercício realizado por Althusser, para superação da concepção politicista da luta de classes revela que as classes só se constituem enquanto tal no seu processo de diferenciação pelo assalariamento, ou seja, um contrato, o que aplicado ao estado implica a superação da leitura derivacionista, segundo a qual o estado é a forma política do capital. O exercício dialético nos leva a compreender que o estado é a própria forma política, a partir da sua contradição com a forma mercadoria que media o modo de produção, de modo que a cisão entre forma econômica e forma política se dá nas aparências da autocompreensão da sociedade capitalista, competindo-nos superá-la para o alcance de uma verdadeira teoria marxista do estado.
Isto posto, podemos considerar que as relações interestatais devem ser compreendidas a partir das relações sociais que implicam a própria existência da forma política, ou seja, voltado à crítica da economia política podemos compreender o estado e as relações interestatais a partir das relações sociais que são capitalistas, pautadas portanto, na reprodução ampliada do capital e da exploração. O oposto nos levaria a apostar em fórmulas de disputa orientadas pela reprodução das relações de produção capitalistas.
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Notes
Author notes