Resenhas
| VAN ROOIJ Benjamin, FINE Adam. The Behavioral Code: The Hidden Ways the Law Makes Us Better or Worse”. 2021. New York. Beacon Press |
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Received: 29 July 2024
Accepted: 10 August 2024
O livro The Behavioral Code: The Hidden Ways the Law Makes Us Better or Worse, escrito pelos professores Benjamin Van Rooij e Adam Fine, traz uma pergunta de pesquisa principal: como leis e em que situações leis afetam comportamentos humanos? Existem leis que são muito efetivas em moldar comportamentos - como leis que exigem o uso de segurança, que contribuíram para produzir uma revolução cultural nas últimas décadas, ou leis que restringiram propagandas de cigarro, associadas a uma redução no número de fumantes. Em outras ocasiões, contudo, leis “ficam no papel” ou não produzem nenhuma efetividade; em casos mais graves, leis saem pela culatra e provocam exatamente os efeitos reversos que foram destinados a produzir - como a política de guerra às drogas, associada frequentemente ao genocídio de pessoas negras, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos (veja-se, nesse sentido, KENDI, 2019; CARVALHO, 2015). Os autores fornecem múltiplos exemplos de leis que provocaram resultados contrários ao que delas se esperava: talvez o mais emblemático tenha sido a proibição do consumo de álcool nos Estados Unidos da América, no ano de 1920, que acabou se revelando na prática não como uma forma de inibição do consumo, mas teve como consequência a ampliação do consumo da substância pelo corpo social, e, na mesma toada, terminou por incentivar o crime organizado, que, na época, teve seus espaços de atuação ampliados.
Partindo dessa pergunta - que fatores fazem com que leis produzam os resultados esperados e que fatores impedem-na de fazê-lo? -, a primeira tese defendida no livro parte do seguinte ponto: o ambiente jurídico, sobre o qual são fundados os preceitos essenciais da organização das sociedades em geral, é um mundo de infindáveis códigos. Esses textos legais - moldados a partir de um processo legislativo que busca se assemelhar, ao menos em termos de princípios, ao devido processo legal - conforme explicam os autores, são criados com o objetivo de servirem como guias precisos para cada aspecto da vida humana, seja qual for a hipótese fática apresentada.
Como modus operandi, o Direito se apresenta como possibilidade para alterar comportamentos desaprovados - e quando surge uma nova controvérsia, a resposta padrão é a implementação de mais um enunciado abstrato que tente solucionar as novas situações que venham a se apresentar no cotidiano social. Contudo, por óbvio, dada a quantidade de normas existentes - e considerando ainda o aumento quase que diário dessa massa já anomalamente extensa, é impensável que seja esperado dos cidadãos médios que estejam cientes de todo o complexo conjunto de leis e regulamentos existentes. Isso se torna ainda mais problemático se considerar as frequentes mudanças na interpretação das normas legais promovidas pelo exercício de todos as camadas do Poder Judiciário.
A partir dessa reflexão é que, logo nas primeiras páginas do livro, os autores demonstram que o cumprimento das leis é intrinsecamente dependente da percepção pessoal de cada indivíduo sobre o que é permitido e o que não é. Isso acontece porque, naturalmente, o cérebro humano faz algumas seleções necessárias para o seu funcionamento, então, por mais que, de maneira hipotética, fosse um comportamento padrão e cotidiano do cidadão médio a leitura dos códigos de leis (ainda que houvesse um filtro por temas relevantes para cada indivíduo específico), a memória desse sujeito não seria capaz de armazenar e utilizar tanta informação. Nesse sentido, as informações realmente apreendidas dessa leitura hipotética seriam os princípios fundamentais, e, mais especificamente, aqueles princípios que convergem com o que o indivíduo já compactua moralmente. Sendo assim, no dia a dia, apenas um fragmento de todo esse código legal é percebido por cada ser humano inserido na sociedade, e essa ausência natural e generalizada de conhecimento jurídico é preenchida pela compreensão do que seria moralmente correto como conduta para cada indivíduo - os indivíduos seguem o próprio “Código Comportamental”, cujas normas de conduta já estão inseridas nos próprios conceitos de moral.
Retomando o exemplo do cinto de segurança, é possível perceber que não só a implementação e o consequente policiamento para exigir o cumprimento da lei, mas, principalmente, as campanhas de conscientização provocaram o maior impacto positivo dentre os motoristas e passageiros. Para esse contexto, é possível confirmar que duas perspectivas foram cumuladas a fim de que se chegasse ao resultado esperado: 1) a implementação legal encorajava a população a obedecer a lei por temor à sanção; 2) os mecanismos comportamentais foram utilizados para potencializar os efeitos da norma legal, esses, desde campanhas educativas até a instalação de alarmes sonoros desagradáveis nos carros. Esses movimentos demonstram que a promulgação e divulgação da lei em si até podem gerar alguns efeitos, mas são profundamente efetivos quando associados a outros tipos de mecanismos que auxiliam na concretização da proposta legal.
Devido a esse amplo direcionamento produzido por meios autônomos aos Poderes Judiciário e Legislativo - como, nesse caso, campanhas publicitárias, policiamento ostensivo e implementação de acordos comerciais com as fabricantes - conforme os autores, o exemplo do cinto de segurança constitui “um casamento de sucesso entre o código legal e o código comportamental” (VAN ROOIJ, FINE; 2021; p. 18; tradução nossa), o que, para eles, deveria ser o grande objetivo do processo de implementação das leis. Ora, se o objetivo é alterar comportamento, não há fundamento científico que valide a tentativa de aplicação unicamente por meio da simples publicação e divulgação de um enunciado abstrato no Diário Oficial da União, já que, como demonstrado, os efeitos se percebem irrisórios.
Tendo como premissa todos os pontos listados, os autores chegam talvez ao que seja a grande afirmação teórica do livro, o que chamam da “ilusão de punição”, que consiste em uma crença bastante arraigada na natureza humana na ideia de que punições são mecanismos efetivos para moldar comportamentos humanos.
Os autores primeiramente demonstram a força e o caráter transideológico desse pressuposto. A punição como forma de correção e direcionamento de comportamentos é recorrente em todos os âmbitos da vida humana. É quase intuitivo e natural usar esse mecanismo para tentar restringir ações, e toda a sociedade é estruturada a partir desse raciocínio. Na esfera política, esquerda e direita partem do pressuposto de que punições são essenciais para mudar comportamentos. Para exemplificar essa “intuição punitiva”, os autores trazem o exemplo da senadora estadunidense Elizabeth Warren, que se posicionou sobre o acordo entre a promotoria de New York com executivos de Wall Street, os quais são responsáveis pelos crimes cometidos nos momentos que antecederam a crise de 2008. Um dos comentários da senadora foi “Justiça não pode significar uma pena de prisão para um adolescente que rouba um carro, mas nada mais do que um olhar de desaprovação a grandes executivos que silenciosamente arquitetam o roubo de milhões e milhões de dólares” (VAN ROOIJ, FINE; 2021; p. 23; tradução nossa). Tal comentário expressa a revolta da legisladora ao observar o desenrolar do processo e perceber que o sistema fora mais brando com determinada classe social. Mas a direita parte do mesmo pressuposto: o Presidente Nixon, por exemplo, já afirmou que "quando a gente falha em fazer o criminoso pagar pelo seu crime, a gente o encoraja a pensar que o crime compensa”; o presidente Bush, no mesmo sentido, afirmou que “não vamos ter bairros seguros a não ser que sejamos duros com os traficantes - bem mais duros do que estamos sendo agora.” (VAN ROOIJ, FINE; 2021; p. 25; tradução nossa). No Brasil, é parte do discurso político recorrente a fim de alcançar maior apoio popular - e os autores citaram nominalmente o exemplo do ex-presidente Jair Bolsonaro - prometer a redução da criminalidade por meio de um regime de punição mais severo.
Esses exemplos apontam que tanto a direita parte de um pressuposto epistemológico de que a punição é uma forma de mudar comportamentos e efetivar a justiça. Isso, retroalimentado pelo temor popular, é uma das forças motrizes ao sentimento punitivista institucionalizado. O livro apresenta o ciclo: o temor popular influencia a criação de políticas públicas de segurança, que, quando veiculadas e/ou aprovadas, geram mais temor popular, de forma que há um aumento da demanda por mais segurança - simbolizada por um sistema punitivo severo.
Nessa conjuntura, os autores estão em consonância com uma crítica parecida feita por Sunstein (2019), que afirma que, especialmente no direito penal, a tendência das pessoas geralmente é a busca pela satisfação de um desejo de vingança ou justiça, sem considerar as consequências das punições ao atribuí-las. A partir da realização de diversos experimentos, ele chega à conclusão de que, quando se trata de atribuir punições, as pessoas tendem a ser predominantemente passionais, e pensar em como usar normas para reparar sentimentos abstratos de injustiça, mais do que em pensar e refletir de maneira consequencialista.
Dessa forma, o grande argumento do livro é que, se quisermos que leis moldem comportamentos, precisamos raciocinar de maneira mais científica e olhar para além mera punição em abstrato. A mera previsão em lei de uma punição não é um fator que modifica comportamentos; as pessoas não pautam suas atitudes tendo em vista uma punição abstratamente colocada em uma lei. O estabelecimento de uma punição, em abstrato e por si só, não é suficiente para modificar comportamentos. Para que isso ocorra, é necessário que diversos outros elementos estejam presentes: é necessário haver ampla publicidade das leis, é preciso que haja incentivos positivos, é imprescindível que, se houver punições, elas sejam aplicadas de maneira rápida.
Esses pressupostos teóricos e empíricos dos autores contribuem para provocar uma série de pressupostos tidos como normais ou naturalizados. Em primeiro plano, quanto à severidade, os autores destacam a relação entre a reincidência e o tempo cumprido na prisão. A lógica atual é que: quanto mais longas e severas as penas, menos os crimes iriam se repetir. No entanto, a realidade se apresenta de maneira diferente. Quando analisada sob um olhar científico, uma meta revisão de literatura chegou à conclusão de que não há evidências de que a prisão efetivamente impedia novos crimes (JONSON, 2000). Na verdade, a informação que se solidificou demonstra que a frequência da reincidência é maior dentre grupos que receberam penas de prisão do que dentre grupos que receberam medidas alternativas - considerando o mesmo crime (VAN ROOIJ, FINE; 2021; p. 29). A partir dessa análise, o argumento teórico favorável ao aumento das penas, apesar de parecer razoável, não encontra respaldo nos dados empíricos. Conforme argumentam os autores, há muita energia perdida na análise de se as penas são justas - e como punir crimes já cometidos; quando a pergunta certa seria se/como essa punição afeta ou influencia comportamentos. Tal postura institucional é extremamente prejudicial à segurança pública, já que, comprovadamente, incitar o medo de passar mais tempo aprisionado não impede que os indivíduos continuem praticando condutas criminosas.
Para Van Rooij e Fine, com o advento da análise comportamental - especialmente no que se refere à criminologia, a punibilidade poderia alcançar um outro patamar, efetivamente prevenindo crimes em caráter geral. Nesse viés, para garantir a alteração na conduta, ainda partindo da teoria de Beccaria, uma possibilidade um pouco mais eficiente seria garantir a infalibilidade, a certeza da pena - acima de sua severidade. Tornar a punição inevitável gera mais temor do que torná-la mais rigorosa. É demonstrado que a constância da punição constitui uma ferramenta elementar para prevenir o crime, já que o indivíduo é forçado a passar por um processo de ponderação antes da cometer o delito quando a polícia é claramente visível na comunidade. No entanto, essa tática também traz consigo problemas, já que o policiamento ostensivo pode aumentar a opressão das comunidades historicamente marginalizadas.
Por fim, além da severidade e da certeza, a clareza do cumprimento da lei também é um ponto crucial para a prevenção de infrações. Nessa conjuntura, a publicidade da lei é colocada pelos autores como um fator importante para a sua efetividade na modificação de comportamentos:
Mesmo quando há forte aplicação da lei, a percepção das pessoas pode ser de que os infratores têm poucas chances de serem descobertos e punidos. A ciência social mostra que a dissuasão é subjetiva e depende inteiramente das percepções do pretenso ofensor. Se um ofensor em potencial subestimar a certeza e a gravidade, o efeito em seu comportamento será prejudicado (VAN ROOIJ, FINE; 2021; p. 45, tradução dos autores).1
Para exemplificar, o texto apresenta o estudo do professor de antropologia, David Kennedy, que convenceu vários departamentos de polícia a adotar sua estratégia para reduzir a violência de gangues. Seu experimento ficou conhecido como “Operação Cease Fire” e obteve sucesso em reduzir a violência produzida por gangues enraizadas nas ruas de Boston. A priori, em vez de se esforçar para punir severamente quem era descoberto, o professor deu mais ênfase à rapidez e à certeza - aspectos da punição normalmente negligenciados em políticas públicas. Em momento posterior, a comunicação da sanção foi aumentada consideravelmente, posto que eram enviadas mensagens direcionadas e específicas, alertando os membros da gangue de quais poderiam ser os resultados de sua conduta. O resultado foi excelente: um estudo independente mostrou declínio de 38% dos homicídios relacionados a violência de gangue em 34 meses e 41% de redução em 42 meses.
Portanto, os autores argumentam que a tendência em deixar a moralidade pessoal influenciar no julgamento cerceia a reflexão sobre o que é realmente efetivo. Esse fenômeno é chamado de “coerência moral" por psicólogos e é bem ilustrado pela frase “se alguma política se encaixa no meu código moral e nas minhas intuições, ela deve funcionar” (VAN ROOIJ, FINE; 2021; p. 50; tradução nossa), ainda que não esteja sustentada sobre discussões racionais ou dados estatísticos.
No capítulo três, os autores se utilizam de alguns pressupostos já consolidados na ciência comportamental para demonstrar, por meio da aplicação prática desses princípios, as dificuldades da implementação das leis no código comportamental social.
Para exemplificar, é citado o instituto da recompensa, que (em oposição ao da punição) seria mais efetivo em termos de promoção de mudança no comportamento. Contudo, essa ferramenta, antes e depois da implementação, tem de ser acompanhada de perto, visto que, em algumas situações, os incentivos definidos pela lei sem uma ampla análise da situação fática podem terminar por piorar a situação, que já se encontra em termos drásticos. Isso porque o sistema de recompensas - da mesma forma que os demais - funciona a partir da percepção de cada indivíduo acerca da maior possibilidade de auferir vantagem na prática de determinada ação ou omissão. Assim, a conclusão dos autores para o caso é de que, se a vantagem percebida socialmente for maior para a conduta considerada ruim, o código comportamental não sofreria alteração nem pelo sistema de recompensas.
Para chegar a essas conclusões, os autores citam estudos de Daniel Kahneman e Amos Tversky, cuja obra “Rápido e Devagar: duas formas de pensar” (2012) anunciou avanços significativos na área da ciência comportamental. Um dos estudos que deu origem a essa obra identificou que a maioria das decisões tomadas pelos indivíduos não parte de um raciocínio lógico estruturado e baseado em fatos, mas sim de uma tentativa natural que a consciência humana possui de gastar menos energia, ou seja, tomar decisões baseadas em uma análise simples, superficial e emocional das diversas situações. Contudo, essa percepção adquirida acerca da razão humana não é suficiente. Partindo desse ponto, os autores explicam:
O comportamento humano é o domínio da exploração e dos exploradores. A complexidade do comportamento e da cognição humanos nos força a abandonar as suposições sobre como simples castigos e cenouras funcionarão na prática. Em vez disso, precisamos nos aprofundar na tomada de decisão humana. Estamos nas fronteiras da ciência comportamental e cognitiva, especialmente quando buscamos aplicá-la ao comportamento danoso e que quebra regras. Podemos saber sobre certos vieses cognitivos e heurísticas, mas não exatamente como responder a eles. Podemos saber como implantar certas pistas comportamentais e primos para o comportamento pró-social, mas isso não significa que compreendemos totalmente como aplicá-los aos problemas de compliance mais urgentes (VAN ROOIJ, FINE; 2021; p. 80, tradução nossa).2
Isso implica dizer que a reanálise das políticas públicas já implementadas é extremamente necessária, haja vista que a complexidade do cérebro humano torna o papel de prever as consequências de determinadas punições e incentivos uma tarefa hercúlea. É preciso ponderar, para além das simples punições e recompensas.
Ainda sobre pressupostos confirmados por pesquisas empíricas na área da Ciência Comportamental, nos capítulos quatro, cinco e seis os autores tecem comentários acerca da construção da “Dimensão Moral” na personalidade humana; do papel da Obediência Civil no mecanismo comportamental e; do “pensamento de manada” como característica fundamental para a implementação das leis.
De antemão, os autores defendem que a moral individual afeta diretamente a absorção da lei no código comportamental, já que é natural à condição humana que as condutas pessoais sejam associadas aos valores morais já enraizados. Uma lei que proponha determinada conduta oposta a determinado valor moral, naturalmente, será descumprida, sendo necessário um esforço maior para garantir a sua efetivação.
Ademais, a respeito da moralidade, cabe ressaltar que existem muitos estudos que buscaram compreender os aspectos dessa característica. Em uma das pesquisas citadas pelos autores, é demonstrado que esses valores são relativamente voláteis, sendo a convivência em sociedade extremamente importante para calibrar o senso de princípios. A partir disso, uma reflexão rápida demonstra a gravidade e ineficácia do enclausuramento como penalidade padrão para comportamentos inadequados no geral. Se o convívio social tem grande efeito na modelagem dos valores pessoais, torna-se improdutivo afastar da sociedade pessoas com valores morais relativamente frágeis. De acordo com os autores, esse mecanismo dificulta ainda mais o aprimoramento desses aprisionados, tornando-os cada vez menos sociáveis:
Processos incrementais também são importantes. As pessoas são como sapos vivos colocados em uma panela de água fria. Quando o fogo é aceso, a água começa a esquentar lentamente, tão lentamente que eles nem percebem que começa a ferver. Muitas vezes é o mesmo com comportamento antiético; uma forma repentina e forte de conduta antiética se destacará, enquanto mudanças graduais e incrementais em direção a uma má conduta mais séria passarão despercebidas. E, como tal, as pessoas podem deslizar por uma ladeira escorregadia onde não apenas se acostumam com o comportamento antiético, mas também começam a fazer coisas que nunca pensaram que fariam (VAN ROOIJ, FINE; 2021; p. 94, tradução nossa.)3
Em seguida, os autores apresentam o papel que a obediência civil tem na modulação da conduta humana por meio das leis. Nesse ponto, vale ressaltar, os autores demonstram que, proporcionalmente, pessoas com um maior senso de obediência civil tendem a seguir mais as leis, mesmo quando outras pessoas não seguem. A partir disso, busca-se entender o porquê de as pessoas desenvolverem a Obediência Civil, a fim de expandir essa cultura, pergunta para a qual eles respondem com alguns detalhes importantes: (1) procedimentos notadamente justos impactam diretamente no aumento da obediência civil; (2) manutenção da confiança nas instituições que criam esses procedimentos é fundamental. E concluem:
A obediência civil é um pilar fundamental do código comportamental. Quando as pessoas sentem que têm o dever de obedecer à lei, elas o fazem mesmo quando a aplicação é limitada, quando isso tem um custo para elas e quando veem outras pessoas infringindo a lei. Sabemos agora que tal obediência está diretamente ligada às percepções das pessoas sobre a justiça de como a lei opera. Quanto mais justo o sistema jurídico, mais as pessoas não apenas se sentem obrigadas a obedecer à lei, mas também a cumpri-la. (VAN ROOIJ, FINE; 2021; p. 121).4
Portanto, o desenvolvimento da obediência civil nos cidadãos é de extrema eficácia para a implementação eficiente de novas regras no código comportamental, já que, quanto mais legitimidade a lei possui, mais pessoas estarão dispostas a segui-la apenas por ser ‘a lei’. Contudo, os autores alertam que esse processo de confiança deve ser construído lentamente sobre bases sólidas, haja vista a descrença generalizada nos procedimentos e instituições após reiterados atos de violência sistemática e escândalos organizacionais.
Ao final dessa parte do livro, no capítulo seis, a obra apresenta um instituto já bem difundido nesse meio: o efeito manada. Esse conceito é utilizado para nomear o impulso humano de se sentir parte da comunidade, sentimento que leva os indivíduos a repetirem ações que eles acreditam ser comuns no seu grupo social. De acordo com pesquisas recentes, os autores explicam, esse efeito é o que mantém, por meio do respeito às normas sociais, o vínculo entre as pessoas de uma mesma comunidade.
A partir da análise aprofundada sobre o funcionamento desse efeito, é possível direcionar diferentes meios de implementação das leis. Recorrendo à publicidade apropriada, seria possível conter comportamentos danosos socialmente moldando a percepção social acerca da frequência de determinada conduta. Portanto, uma das formas de melhorar determinada conduta é mostrar aos transgressores que a maioria das pessoas agem da maneira correta, ao ponto de fabricar neles um sentimento de manada.
Por fim, na última parte, os autores buscam apresentar soluções diversas para esses problemas apresentados. Tendo em vista que a forma como as sociedades promovem comportamentos ideais hoje é extremamente deficiente de análise científica do comportamento humano, quais seriam as indicações propostas por eles? Assim, a obra passa por diversas situações em que pode ser necessário implementar uma mudança de conduta - como a organização de empresas e o próprio processo de implementação de leis - a fim de sugerir, com base nas pesquisas e argumentos apresentados, mudanças sistemáticas.
Em síntese, o livro busca demonstrar os diversos mecanismos inconscientes expressos pelas facetas do comportamento humano, além de propor soluções que abarquem essas novas perspectivas:
Compreender as normas sociais e nossas respostas a outras pessoas representa um afastamento crítico do modelo de escolha racional individual que tem informado principalmente nossos sistemas jurídicos atuais. Isso nos mostra que o comportamento humano não é apenas um assunto individual em que as pessoas pesam custos e benefícios. Para aplicar verdadeiramente a ciência comportamental e ativar o código comportamental, precisamos de uma perspectiva fundamentalmente diferente da lei.[...]. (VAN ROOIJ, FINE; 2021; p. 135).5
Assim, a mensagem que fica é a de que, a partir de ferramentas científicas, é possível aumentar a compreensão do código comportamental e, com isso, implementar mudanças sociais cada vez mais eficientes na busca pela harmonia social.
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KENDY, Ibram (2019). How to Be an Antiracist. London, England: Bodley Head
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Notes
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