Resumo: Este artigo teórico propõe referencial para a análise de políticas públicas caracterizadas por processos de longa duração e que incluem mudanças não-incrementais. Para tanto, o estudo parte do pressuposto que esse tipo de análise apresenta como dificuldade o fato de conjugar a influência de elementos de continuidade com momentos de ruptura, o conhecido dilema das Ciências Sociais entre Estrutura e Ação. Este artigo propõe solução para essa questão ao associar dois campos teóricos aparentemente contraditórios do institucionalismo: o Institucionalismo Histórico (IH) e o Institucionalismo da Escolha Racional (IER). O texto indica regras necessárias para uso combinado e emprega o marco teórico “Institutional Analysis and Development Framework” (IAD), de Elinor Ostrom, para detalhar o processo de análise. Como o marco analítico de Ostrom se destina à análise de recursos de uso comum, essa proposta torna-se especialmente relevante para problemas relacionados a exploração de petróleo, irrigação, recursos florestais, sistemas ecológicos, preservação de biodiversidade, cooperativas e pesca, entre outros.
Palavras-chave:marco teóricomarco teórico, políticas públicas políticas públicas, neo-institucionalismo histórico e neo-institucionalismo da escolha racional neo-institucionalismo histórico e neo-institucionalismo da escolha racional.
Abstract: This is a theoretical paper which proposes a framework for public policies analysis that features long-term processes and non-incremental changes. It assumes that this sort of analysis presents difficulty in combining the influence of continuity elements with moments of rupture, the well-known dilemma of Social Sciences between structure and action. This paper proposes a solution for this issue through associating two apparently contradictory theoretical fields of institutionalism - the Historical institutionalism (HI) and the institutionalism of Rational Choice (IER). The text indicates the conditions for combined use and employs the Elinor Ostrom´s theoretical framework "Institutional Analysis and Development Framework" (IAD) in order to detail the analysis. Since the Ostrom's framework aims the analysis of common-use resources, this proposal becomes especially relevant for problems related to oil exploration, irrigation, forest resources, ecological systems, biodiversity preservation, cooperatives, fishing, etc.
Keywords: theoretical framework, public Policy, historical, neo-institutionalism, rational choice neo-institutionalism.
Artigos
Mudanças Não-Incrementais em Contextos de Neo-Institucionalismo Histórico: Explicando “Conjunturas Críticas”
Non-Incremental Changes in Historical Neo-Institutionalist Context: Explaining “Critical Junctures”
Esse artigo propõe referencial teórico para análise de questões que cobrem períodos longos de tempo e apresentam mudanças não-incrementais. Como ponto de partida, adota-se oNeo-Institucionalismo Histórico (NIH) como marco de referência. Essa escolha se justifica pela eficiência em explicar fenômenos de longa duração, mas, logo no início, surge a primeira dificuldade: se o NIH se baseia no princípio de que instituiçõesi são elementos de continuidade, como explicar a mudança e manter os pressupostos do NIH, que parecem fazer tanto sentido para este estudo?
A princípio, existem duas formas de responder. A primeira, mais frequente na literatura, relaciona mudanças a fatores exógenos e é compatível com várias abordagens de políticas públicas, como os Múltiplos Fluxos (Kingdon, 1995) ou o Advocacy Coalition Framework (Sabatier, 2007). No entanto, para realizar um trabalho mais completo, a proposta de combinar o NIH com o Neo-Institucionalismo da Escolha Racional (NIER) oferece um alento a mais no tratamento de questões que aliam longo tempo e uma ou mais transformações no período estudado (Mahoney, 2005). O segundo modo de responder àquela pergunta associa mudanças a fatores endógenos das instituições e tem como característica a alteração paulatina em contraposição a modificações abruptas, relacionadas a fatores exógenos (Thelen,1999, 2003; Mahoney&Thelen,2010).
Neste artigo empregaremos o primeiro tipo de resposta e indicaremos os elementos apontados por Mahoney (2005) para uma articulação bem sucedida do NIH e NIER, complementada pela utilização do Institutional Analysis and Development – IAD (Ostrom, 2007) – como possibilidade para abordagem da questão. O IAD presta-se a análises quantitativas e de fato foi empregado dessa forma em diversas análises de políticas públicas. No entanto, a proposta deste trabalho é usá-lo de forma conceitual, por meio de método qualitativo.
Ainda apontaremos alguns elementos de ajuste na versão do NIH, a ser adotada para maior capacidade explicativa. Se aplicarmos o conceito de “geração de trajetória” (path generation) (Djelic & Quack, 2007), poderemos incorporar mudanças institucionais múltiplas e influências transnacionais nesta análise. Finalmente, ao longo do texto, utilizaremos o marco regulatório do petróleo no Brasil como forma de exemplificar o caminho teórico a ser desenvolvido.
No próximo tópico, fundamentaremos melhor a forma de conjugar o NIH e o NIER; em seguida, especificaremos a noção de geração de trajetória; por último, apresentaremos o IAD, de Elinor Ostrom.
Como é bem conhecido, a tradição institucional renovou-se e tem sido utilizada de forma crescente na explicação de fenômenos sociais. Essa literatura não se caracteriza como uma teoria, mas mais como um campo, dado existirem linhas bastante distintas que convivem sob o rótulo do Neo-Institucionalismo. Este trabalho não pretende revisar a pluralidade dessas linhasii, que durante algum tempo caracterizaram-se pela rivalidade. A partir da metade dos anos 2000, iniciou-se um esforço de combinação, no sentido de, em vez de reforçar as diferenças, sublinhar as complementariedades. Pierson (2004) é um exemplo em que essa síntese é tentada de forma implícita, enquanto Katznelson e Weingast (2005) o fazem de forma explícita, indicando a complementariedade das teorias neo-institucionais da escolha racional e histórica. Este trabalho localiza-se nesse vetor e procura operacionalizar esse esforço de complementariedade entre linhas neo-institucionais.
O Neo-Institucionalismo Histórico (NIH), quando praticado para analisar períodos extensos, tem grande poder esclarecedor por abordar a formação de instituições em momentos de conjunturas críticas, que encaminham a situação para trajetórias de longo prazo (path dependence) e de difícil reversão por desenvolver retornos crescentes (positive feedback). Esses pontos de vista sobre a criação de trajetos de longo prazo propiciam incluir, na análise, os impactos de instituições muito anteriores ao fato e os processos desencadeados por elas. Entretanto, uma crítica pertinente é o fato de que o NIH falha na explicação das escolhas que os agentes fazem, já que trata os períodos de conjunturas críticas como momentos de contingência, em que as escolhas têm impacto ampliado no futuro, mas com previsibilidade quase nula (Mahoney, 2005).
A solução para isso é empregar o NIER, que dispõe de instrumentos para solucionar essa falha do NIH. Dessa forma, escolhas dos atores são decisões instrumentais tomadas conscientemente por intermédio dos arranjos institucionais vigentes para viabilizar opções, retornos potenciais (potential pay offs) e preferências. Dentre as teorias da NIER, seriam adequadas a esse fim as que cumprissem alguns requisitos: primeiramente, aquelas cuja racionalidade for limitada (bounde drationality), mas também cuja determinação dos objetivos dos atores não exclua o uso do método indutivo; depois, as teorias do NIER aplicadas devem propiciar a compreensão das situações de conjuntura crítica e o conceito de dependência de trajetória, conforme as teorias do NIH (Mahoney, 2005). Desse modo, é necessário usar marcos de referência da escolha racional que não se oponham à abordagem histórica do fato e possibilitem o emprego do método indutivo, mas também facilitem a percepção dos momentos de mudança como tempos em que as decisões tomadas tendem a ter baixa reversibilidade e grandes impactos no futuro.
Em resumo, o caminho teórico conjuga complementariedade entre NIER e NIH. O NIH identifica conjunturas críticas, em que as escolhas dos atores implicam em tomada de trajetórias de longo prazo de difícil reversão, enquanto o NIER permite análise das decisões estratégicas tomadas em momentos de mudança. A combinação das duas abordagens resulta em entendimento mais completo dos processos de longo prazo, incluindo mecanismos de escolha dos atores nos momentos de decisão. Dessa forma, utiliza-se o NIER de forma complementar ao NIH para modelar o comportamento dos atores nas conjunturas críticas.
Na verdade, o mecanismo analítico de Ostrom (2007) servirá para análise de NIER, todavia, já que o vínculo entre NIH e NIER é conferido pelo modelo de Mahoney (2005), passaremos a ressaltar especificidades desse modelo a serem incorporadas ao nosso referencial teórico.
Em primeiro lugar, Mahoney (2005) adverte que a opção adotada, entre as comportamentais disponíveis, depende da orientação do ator. Como exemplo, em nosso caso, governadores dos estados não produtores de petróleo têm, como diretriz, aumentar a redistribuição dos royalties do petróleo, já o Executivo Federal busca mitigar os efeitos negativos relacionados à abundância do hidrocarboneto, enquanto a Petrobras procura majorar o controle sobre as jazidas do pré-sal.
Em segundo lugar, é de grande importância que se determinem todos os elementos do marco de referência pela análise histórica, por meio da visão subjetiva do agente no momento da decisão, isto é, é preciso avaliar o que ele pensava no momento da escolha. Essa proposta de orientação do NIH revela que valores que o ator atribui aos elementos do modelo não refletem a realidade objetiva, mas sim o próprio ponto de vista.
De fato, as deliberações dos protagonistas dizem respeito às informações de que eles dispõem naquele momento, e não à compreensão ex post, que já tem como inputs informações inacessíveis quando da resolução do ator. Na ocasião da escolha, não importa o quão descabido isso possa parecer ex post, o que de fato vai embasá-la é o que ele avalia, porque esse é o elemento disponível para análise. Como exemplo, nas reuniões da comissão interministerial (2008), que deram origem ao projeto de lei do novo marco regulatório do petróleo, existiam duas posturas com referência ao regime fiscal de exploração do petróleo no Brasil: a primeira sustentava a manutenção do regime de concessão por causa da possível repercussão negativa da mudança das regras no investimento; a segunda pregava a mudança para a partilha, com vistas a romper com as condições vigentes, de baixa apropriação de recursos pelo Estado. A segunda, defendida por Dilma Rousseff, então Ministra-Chefe da Casa Civil, venceu; porém, ao se apreciar a primeira opção, não se deve levar em conta o fato de que não houve impacto negativo pela mudança do regime fiscal, já que, naquele momento, os atores não tinham essa informação.
A combinação de institucionalismo da escolha racional e histórico oferece sinergia positiva entre as duas tradições. Acadêmicos filiados ao institucionalismo da escolha racional beneficiam-se da preocupação do institucionalismo histórico com hipóteses que justificam empiricamente os objetivos e avaliações dos atores. Ademais, o institucionalismo histórico pode contribuir ao institucionalismo da escolha racional identificando períodos específicos em que escolhas dos atores tem maior impacto, e consequentemente precisam ser modeladas cuidadosamente. Por outro lado, acadêmicos do campo do institucionalismo histórico podem beneficiar-se do foco do institucionalismo da escolha racional com a modelagem rigorosa dos mecanismos através dos quais atores fazem escolhas durante períodos históricos (Mahoney, 2005, p.330, tradução do autor).
O parágrafo acima sintetiza nosso objetivo de combinar os dois institucionalismos. O NIER pode auxiliar o NIH na determinação da preferência dos atores, já que, por ter abordagem dedutiva, o primeiro apresenta visão limitada sobre isso. Assim, o estudo indutivo e aprofundado do NIH auxilia-o em relação a diferentes opções. Por outro lado, o NIH não assegura ferramentas adequadas para a análise de momentos de mudança e pode beneficiar-se da combinação com o NIER em virtude da especialização do último em especificação de mecanismos com métodos robustos. Por meio dessa junção, o NIH logra esclarecer mecanismos interventores, subjacentes ao processo, que, de outra forma, seriam caixas-pretas.
Finalmente, convém sumarizar os dois conjuntos de condicionalidades para uma combinação entre o NIH e o NIER, já expostos. O primeiro diz respeito às teorias da escolha racional que podem ser utilizadas na combinação proposta. Essas teorias devem aceitar que atores têm racionalidade limitada (bounde drationality) e que podem determinar objetivos pelo método indutivo. Além disso, situações de conjuntura crítica e o conceito de dependência de trajetória, conforme as teorias do NIH, devem ser compatíveis com essas teorias. O segundo conjunto de condicionalidades diz respeito às decisões dos atores nos momentos de conjunturas críticas. Essas decisões devem ser analisadas tomando-se por base a posição do ator no momento da escolha, de forma a refletir as condições de tomada de decisão existentes
Dependência de trajetória (path dependence) é conceito de grande importância no NIH, mas usada indiscriminadamente nas Ciências Sociais. Pode ser entendido de forma superficial ou mais rigorosa.
Perfunctoriamente, pensa-se em como eventos anteriores afetam os posteriores. De modo mais preciso, significa que “sequências históricas com eventos contingentes geram padrões institucionais de propriedades determinísticas”, o que implica a quase impossibilidade de mudança, a menos que ocorra um choque exógeno forte o suficiente para alterar esse percurso (Djelic & Quack, 2007, p.161).
De forma geral, a dependência de trajetória pode ser identificada com a dinâmica não linear de equilíbrio pontuado (True, Jones & Baumgartner, 2007), pela qual sequências incrementais são interrompidas por mudanças em direção à nova sequência, ao novo trajeto ou ao novo equilíbrio, mas, do ponto de vista empírico, são poucos os casos em que essa modificação pode ser atribuída a um único elemento. O mais comum é a combinação de diferentes mudanças, que por fim determinam novo caminho (Howlett, 2009, p.245).
Visto de outro modo, pode-se dizer que a dependência de trajetória é uma noção útil do ponto de vista analítico, mas oferece escassa qualidade elucidativa. Para aproximar do objeto empírico a dinâmica do equilíbrio pontuado, empregaremos o conceito de geração de trajetória. Complementar ao anterior, este considera que a mudança de trajetória se gesta na sucessão e na associação de passos e conjunturas (junctures) (Djelic&Quack, 2007, p.162). Dessa forma, o conceito pressupõe incluir várias transformações em distintas conjunturas, que, conjugadas, determinam novo caminho, ao mesmo tempo dependentes de novas situações exógenas e enraizadas nas condições históricas que antecedem as mudanças.
o conceito de dependência de trajetória seria visão estilizada do processo, mas que se apresenta mais frequentemente como trajetórias de múltiplas conjunturas em que diversas trajetórias interagem e se interpenetram, resultando em rupturas que refletem longos períodos de lutas entre diferentes pressões, que, em todo caso geram resultados mais complexos que uma única trajetória linear ou única trajetória quebrada (Djelic & Quack, 2007, p.162, tradução do autor).
Graças à análise de diversos processos simultâneos de mudança institucional, a dinâmica do conceito de geração de trajetória também faculta incorporar interações entre a trajetória doméstica e a internacional e adaptá-lo a processos de institucionalização e desinstitucionalização encaixados (nested) ou de múltiplos níveis (Djelic & Quack, 2007, p.162).Tal abordagem também se alinha ao referencial analítico adotado, o IAD, que apresentamos a seguir.
Para dar sequência ao caminho especificado, nossa ferramenta de análise da conjuntura crítica de interesse será o Institutional analysis and development framework (IAD), que se encontra no campo teórico da NIER. Desenvolvido para observar como os paradigmas em ciência política, afetam a forma de a administração pública e de a organização metropolitana serem conceituadas (Ostrom, 2007, p. 46). Utilizaram-se no estudo de recursos de uso comum em temas relacionados a irrigação, recursos florestais e, mais recentemente, em sistemas ecológicos, preservação de biodiversidade, cooperativas e pesca, entre outros.
Esse referencial tem sido pouco explorado no Brasil e foi empregado para uma análise de gestão ambiental da cidade de Porto Alegre (Silva Filho, Kuchler, Nascimento& Abreu, 2009) em outros estudos que tratam de gestão ambiental (Sabbagh, 2012) e uso comunitário de produtos nativos (Azevedo, Martins & Drummond, 2009). Finalmente, a análise de problemas de ação coletiva de Ostrom também foi usada para análise de ecossistemas (Futtema, Castro, & Silva-Forsbert, 2002). No exterior, a análise institucional de Ostrom tem maior tradição, com aplicações para governança de economias públicas locais (Oakerson, 1999), respostas corporativas para desafios ambientais (Prakash, 2000), estudos comparados de florestas e instituições (Gibson, McKean & Ostrom, 2000), análise de interações de ecossistemas e humanos (Constanza, Low, Ostrom& Wilson, 2001), política local e criminalidade (Sabetti, 2002), estudos comparados de políticas para recursos nacionais e regionais (Koontz, 2002), empreendimento e instituições de grupos étnicos (Ayo, 2002), modelos baseados em atores para estudar ecossistemas complexos (Janssen, 2002), instituições para governar indústria da pesca (Acheson, 2003), reforma bancária nacional (Polski, 2003), descentralização democrática na África (Olowu & Wunsch, 2003), instituições e política de agua regional (Blomquist, Schlager & Heikkila, 2004), gerenciamento de recursos florestais de iniciativa comunitária (Ghate, 2004), política ambiental centrada nas instituições florestais nacionais (Agrawal, 2005), limites de reforma institucional (Eggertsson, 2005), análise tocquevilliana de democracia nacional (Gellar, 2005), economia política de assistência internacional ao desenvolvimento (Gibson, Williams & Ostrom, 2005) e adaptações comunitárias sob políticas florestais em transformação (Webb & Shivakoti, 2007).
A adoção do IAD deve-se ao alinhamento teórico com o NIER dentro das condições estabelecidas por Mahoney para permitir abordagem do NIH. O modelo apresenta afinidade com questões que analisam bens comuns, que em geral apresentam dilemas sociais.
Os bens comuns (common-pool resources) têm duas características: alta subtrabilidade (subtração pelo uso de um indivíduo da disponibilidade de consumo por outros) e grande dificuldade de restringir quem se beneficia da provisão do recurso. É necessário definirem-se regras institucionais que limitem a apropriação; caso contrário, alguns se apoderam de quantidade não otimizada e promovem resultados negativos do ponto de vista agregado, o que caracteriza dilema social (Ostrom, 2005, pp.79-80).
O Fundo Social do Pré-Sal se caracteriza como exemplo de política pública que pode ser solução para dilema social relacionado aos problemas decorrentes da abundância de recursos minerais. Amaldição dos recursos minerais caracteriza-se, do ponto de vista econômico, social e político, pelos maus efeitos que acompanham essa profusão. Atualmente, no Brasil, distribuem-se fartamente recursos do petróleo aos entes subnacionais, o que pode levar a distorções macroeconômicas e acirrar desigualdades regionais, entre outros inconvenientes. Destiná-los maciçamente para um fundo de poupança é um modo de neutralizar essas consequências.
O modelo do IAD, esquematizado na Figura 1, constitui-se de três grandes partes. A primeira compõe-se de variáveis independentes: status quo, epistemasiii e instituições. A segunda compreende a variável dependente formada pelas arenas de ação, que, pelos padrões de interação, levam aos resultados. A última acrescenta a possibilidade de se aplicar em critérios de avaliação tanto sobre os padrões de interação como sobre esses resultados.

Quanto ao funcionamento geral, pelo IAD, mapa de vários níveis, o núcleo da análise baseia-se nas arenas de ação, espaços sociais em que os indivíduos interagem, trocam bens e serviços, resolvem problemas, dominam uns aos outros ou competem (Ostrom, 2007, p.28). Esses locais são condicionados pelo status quo, pelos epistemas e pelas instituições presentes, e é por intermédio deles que se criam padrões de interação que levam a resultados.
O IAD propõe critérios de avaliação dos padrões de interação e dos efeitos, o que evidencia os componentes que norteiam os atores nas decisões. Os resultados afetam tanto a arena de ação quanto suas condicionantes.
Passemos à explicação pormenorizada do modelo.
A Figura 1 reproduz o marco de referência do IAD, em que o primeiro passo é distinguir a arena de ação, conceito empregado para análise, previsão e esclarecimento das condutas nos arranjos institucionais existentes, que são os elos com o NIH e assinalam que tal herança afeta o problema em estudo. Isso se alinha à concepção histórica, apontada por Mahoney (2005) como condição necessária para análises de escolha racional, combinadas com perspectivas do NIH.
A arena de ação abrange uma situação de ação e os atores.
A situação de ação é um conceito que procura isolar a estrutura que afeta diretamente o processo em estudo para explicar regularidades e eventualmente modificá-las. O analista pode determiná-las, numa espécie de checklist, por meio de sete grupos de variáveis:
Os atores podem ser tanto indivíduos como grupos representados por corporações. Para conhecê-los, é preciso formular hipóteses sobre quatro tipos de variáveis:
Como os agentes são vistos no IAD como dinâmicos, é importante esclarecer o significado subjetivo e prático do modo como agem. Para tanto, devem-se criar sobre essa conduta hipóteses que abordem o seguinte:
Existem várias teorias do comportamento. Entre as de escolha racional, o homo economicus é uma visão bastante adotada, mas com baixa capacidade explicativa em situações não lineares. Jon Elster expõe variações sobre racionalidade que elucidam essas circunstâncias. Com comparações bastante conhecidas, como com a Odisseia, de Homero, em que Ulysses se amarra para resistir ao canto das sereias, ou comum a fábula de La Fontaine em que a raposa despreza as uvas por não as alcançar, Elster constata condutas racionais não lineares e torna mais ampla a compreensão desse assunto (Elster, 1979, 1983).
Apesar de não adotarmos aqui o paradigma do homo economicus, apenas a título de exemplo, a Tabela 1 apresenta hipóteses baseadas nesse modelo.

Em Ostrom (2007), as arenas de ação são unidades de análise e podem ser múltiplas ou encaixadas (nested), quer dizer, podem estar contidas em outras. Além do mais, há algumas categorias analíticas de influência crescente: a operacional, a de ação coletiva e a constitucional. No nível de influência superior, determinam-se as regras e a elegibilidade de participantes para a tomada de decisão dos níveis inferiores, o que estabelece a razão pela qual é imprescindível entender as mudanças no superior, porque elas afetam as regras (instituições) que influenciam a arena de ação de interesse.
Regras operacionais afetam diretamente as decisões cotidianas tomadas por participantes de diferentes cenários. Regras de ação coletiva afetam atividades e resultados operacionais através de seu efeito na determinação de quem é elegível e das regras específicas a serem usadas para modificação das regras operacionais. Regras de escolha constitucionais afetam atividades operacionais e seus efeitos na determinação de quem é elegível, bem como as regras a serem utilizadas na geração de regras de ação coletiva, que por sua vez afetam regras operacionais. Existe até um nível metaconstitucional, subjacente a todos os outros, mas que não é frequentemente analisado (Ostrom, 2007, p.44, tradução do autor)
Na próxima seção, ilustraremos os níveis de influência em relação à Lei do Petróleo, de 1997. A Figura 2 mostra esquematicamente a interação dos níveis de análise.

Essa característica do IAD possibilita que se avalie o problema em estudo de modo multifacetado, dado que as distintas arenas de ação representam diferentes disputas que se inter-relacionam, mas também estão ordenadas de acordo com sua influência. Essa ordem pode dar-se de forma paralela ou serial. Reconhecer os padrões de interação entre as diversas arenas relacionadas ao assunto em análise é passo adicional do modelo de Ostrom, após se identificar a arena de ação imediata do problema.
Como exemplo, poderíamos analisar a negociação e a disputa para se definir um contrato de concessão para explorar petróleo no Brasil após a lei de1997, tema do nível de análise operacional que caracteriza a arena de ação de interesse. No entanto, essa arena sofre influência do status quo existente. Entre outros elementos, há a ausência de recursos de financiamento para a Petrobras prospectar, mas também existe a cultura nacionalista que tende a favorecer a prospecção por essa estatal. Por outro lado, as instituições que regulam essa decisão se encontram no nível de ação coletiva, caso da Lei do Petróleo, que originou a Agência Nacional do Petróleo, implantou a regime de exploração por concessão e criou o Conselho Nacional de Política Energética. Destarte, a Lei do Petróleo é uma arena no nível de ação coletiva, ligada, de forma serial, à negociação do referido contrato de concessão. Por sua vez, a lei de 1997 sofreu influências do status quo e de ideias vigentes naquele momento, mas também das acepções que constam nas Emendas Constitucionais 6 e 9, que definiram, a primeira, a aceitação como brasileira a empresa com sede no Brasil, mas de capital estrangeiro e, a segunda, a quebra do monopólio da Petrobras na exploração no país. As emendas são arenas de ação do nível constitucional e, organizadas em série, afetaram a arena de ação de escolha coletiva. Esse processo se encontra ilustrado de forma esquemática na Figura 3.

Critérios de avaliação – O IAD também analisa os resultados concretos e os potenciais, que seriam atingidos por arranjos alternativos de instituições à luz de critérios de avaliação. São exemplos disso, entre outros, a eficiência econômica, a equidade fiscal e a redistributiva, accountability, entre outros.
Variáveis independentes que afetam a “Arena de Ação”
Adicionalmente aos elementos apresentados até agora, o IAD identifica três variáveis independentes que influenciam a arena de ação: instituições, epistemia e status quo, que referimos em seguida.
Instituições
Dentro de uma definição instrumental para a análise, instituições são regras em uso no IAD. Regras são entendimentos compartilhados entre envolvidos e referem-se a prescrições reforçadas sobre quais ações ou status quo são requeridas, proibidas ou permitidas, com a finalidade de atingir ordem e previsibilidade, ao criar classes de pessoas requeridas, permitidas ou proibidas de operar modificações requeridas, permitidas ou proibidas em relação a status quo requeridos, permitidos ou proibidos (Ostrom, 2007, p.36 apud Crawford & Ostrom, 2005 e Ostrom, V.,1991). Identificam-se essas normas pela alusão que atores fazem a elas, quando solicitados a justificar as próprias ações.
Com o intuito de obter maior operacionalidade, a importância desses preceitos no IAD deve ser diretamente proporcional ao impacto deles na situação da ação. Portanto, na avaliação das regras a serem consideradas no modelo em construção, o IAD preconiza ser necessário identificar as regras de funcionamento que concernem a cada uma das sete variáveis da situação da ação.
Ostrom destaca sete tipos que devem ser testados no tocante à situação da ação, como num checklist, para auxiliar a elaborar questões que ajudem o analista a compreender quais são as em uso. São as regras:
O fato de as regras em uso não estarem explicitadas pode suscitar dificuldades na identificação elevar à necessidade de extensão do campo.
Status quo
Assimilar as regras em uso é parte relevante do processo de análise do IAD. No entanto, o status quo é a realidade sobre a qual incidem essas regras. Isso pode mudar drasticamente a arena de ação. É ele que estabelece o tipo de questão em pauta e condiciona a abordagem da estrutura.
Epistemas
A variável epistemas indica amplas visões da realidade que condicionam a forma como as ideias se desenvolvem e moldam o padrão das políticas públicas em longo prazo. Elas constituem o terceiro grupo de variáveis independentes que afeta a arena de ação. Também formam o conjunto de referências que permite estruturar o conhecimento comum dos membros de determinada comunidade ou espaço social com o fito de estabelecer normas de comportamento aceitas, o entendimento coletivo dos participantes sobre a estrutura dos tipos de arenas de ação, a extensão da homogeneidade das preferências e a distribuição dos recursos entre os envolvidos (Haas, 1992; Ostrom, 2007).
De forma relacionada, comunidades epistêmicas são redes de especialistas com expertise e competência reconhecidas em dado domínio e com assegurado conhecimento das políticas públicas. Influenciam decisões do Estado de acordo com a institucionalização da influência que exercem e com a inserção internacional do próprio ponto de vista (Haas, 1992).
Este trabalho apresentou um caminho teórico no campo do NIH que busca abrir a “caixa preta” dos momentos de mudança institucional, para a análise dos quais o NIH não dispõe de ferramentas adequadas. No NIH, os momentos de mudança são denominados conjunturas críticas e considerados choques exógenos, em que existe previsibilidade quase nula. Adicionalmente, é adotado o conceito de geração de trajetória, com o objetivo de criar maior aderência do referencial teórico às situações empíricas.
A capacidade explicativa do NIH para longos períodos de tempo é uma característica desejável na análise de grandes lapsos temporais por mapear o período e seus movimentos principais. Nesse mapeamento está incluída a identificação dos momentos de mudança. A fim de contar com essa característica importante do NIH e lograr entender essas situações, é proposta a combinação do NIH com o NIER.
Portanto, essa combinação permite a empregar o NIH para entender processos de longo prazo e identificar conjunturas críticas, ao que se soma a análise desses períodos por meio do NIER.
Adicionalmente, o caminho teórico proposto inclui servir-se do Institutional Analysis Development Framework (IAD), marco de referência do campo do NIER que opera a análise, em especial para questões relacionadas a recursos de uso comum, em temas relacionados a irrigação, recursos florestais, sistemas ecológicos, preservação de biodiversidade, cooperativas, pesca, entre outros.
A contribuição para a área se dá na combinação de dois marcos teóricos nos quais se desenvolve capacidade explicativa respectivamente para o longo e curto prazo. Tal combinação permite não só mapear um longo período histórico, mas também entender a dinâmica de curto prazo embutida, elucidando a nova trajetória iniciada nos pontos de inflexão.
Em termos mais concretos, pela característica do IAD, a proposta apresentada é especialmente destinada a questões de longo prazo relacionadas a recursos de uso comum, aí se enquadrando questões como o Código Ambiental e distribuição de recursos hídricos, bem como exploração de hidrocarbonetos (petróleo e gás natural), tema que ganhou grande relevância com a descoberta do pré-sal.



