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Afinal, que escolha as famílias têm no Brasil? Influência da escolha escolar sobre a eficiência do ensino fundamental público do Brasil
Yuri Dantas dos Santos; Paulo Amilton Maia Leite Filho
Yuri Dantas dos Santos; Paulo Amilton Maia Leite Filho
Afinal, que escolha as famílias têm no Brasil? Influência da escolha escolar sobre a eficiência do ensino fundamental público do Brasil
After all, what choice do families have in Brazil? Influence of school choice on the efficiency of public elementary education in Brazil
Después de todo, ¿qué opciones tienen las familias en Brasil? Influencia de la elección de escuela en la eficiencia de la educación primaria pública en Brasil
Administração Pública e Gestão Social, vol. 14, núm. 2, 2022
Universidade Federal de Viçosa
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Resumo: Objetivo da pesquisa: Analisar a influência da escolha escolar sobre a eficiência das escolas públicas de ensino fundamental no Brasil.

Enquadramento teórico: A teoria da escolha escolar consiste em aplicações da hipótese de Tiebout na educação, sendo a competição propulsionadora da escolha escolar das famílias.

Metodologia: Tomou-se como unidade de análise, em cada município, o conjunto de escolas classificadas quanto à rede de ensino (estadual ou municipal) e à oferta de anos do ensino fundamental (todos, só os iniciais ou só os finais). Construiu-se um índice de eficiência com base na metodologia DEA sequencial VCR com orientação a produto. Construiu-se índices de competição. Usou-se o painel OLS com dados bienais de 2007 a 2015. Foram analisados três tipos de competição: horizontal (entre todas as escolas), privada (das escolas privadas) e vertical (entre escolas estaduais e municipais).

Resultados: A competição horizontal influenciou fraca e positivamente a eficiência de escolas públicas associadas às redes de maior porte; a influência da competição privada foi fraca, mas positiva em redes maiores; e a da competição vertical, negativa em escolas municipais.

Originalidade: Discute-se escolha e eficiência escolar em interface com a competição existente no Brasil em diferentes facetas, além de descrever e medir particularidades desse país quanto à competição e evidenciar limites à escolha.

Contribuições teóricas e práticas: A teoria da escolha escolar adaptada ao Brasil, considera as restrições à escolha, à competição vertical e à escolha dentro do território municipal. Reformas de ampliação da escolha, o fim da competição vertical e o fortalecimento das redes municipais, são ações sugeridas para ampliar o efeito positivo da escolha e para melhorar os resultados educacionais no Brasil.

Palavras-chave:Economia da educaçãoEconomia da educação,Educação públicaEducação pública,Escolha de Tiebout na educaçãoEscolha de Tiebout na educação,Produtividade escolarProdutividade escolar.

Abstract: Research objective: to analyze the influence of school choice on the efficiency of public elementary schools in Brazil.

Theoretical framework: the school choice theory consists of applications of the Tiebout hypothesis in education, being the competition that propels families' school choice.

Methodology: As a unit of analysis, in each municipality, the set of schools classified according to the education network (state or municipal) and the provision of elementary school years (all, only the initials or only the end). An efficiency index was built based on the product-oriented VCR sequential DEA methodology. Competition indexes were built. The OLS panel was used with biennial data from 2007 to 2015. Three types of competition were analyzed: horizontal (among all schools), private (from private schools) and vertical (between state and municipal schools).

Results: horizontal competition had a weak and positive influence on the efficiency of public schools associated with larger networks; the influence of private competition was weak, but positive in larger networks; and vertical competition had a negative influence on municipal schools.

Originality: School choice and efficiency are discussed in interface with the existing competition in Brazil in different facets, in addition to describing and measuring particularities of this country in terms of competition and showing limits to choice.

Theoretical and practical contributions: the theory of school choice adapted to Brazil considers restrictions on choice, vertical competition and choice within the municipal territory. Reforms to expand choice, end vertical competition and strengthen municipal networks are suggested actions to increase the positive effect of choice and to improve educational outcomes in Brazil.

Keywords: Economics of education, Public education, Tiebout's choice in education, School productivity.

Resumen: Objetivo de la investigación: analizar la influencia de la elección de escuela en la eficiencia de las escuelas primarias públicas en Brasil.

Marco teórico: la teoría de la elección de escuela consiste en aplicaciones de la hipótesis de Tiebout en educación, siendo la competencia la que impulsa la elección de escuela de las familias.

Metodología: Como unidad de análisis, en cada municipio, el conjunto de escuelas clasificadas según la red educativa (estatal o municipal) y la oferta de cursos de primaria (todos, solo las iniciales o solo el final). Se construyó un índice de eficiencia basado en la metodología DEA secuencial VCR orientada al producto. Se construyeron índices de competencia. Se utilizó el panel OLS con datos bienales de 2007 a 2015. Se analizaron tres tipos de competencia: horizontal (entre todas las escuelas), privada (de escuelas privadas) y vertical (entre escuelas estatales y municipales).

Resultados: la competencia horizontal tuvo una influencia débil y positiva en la eficiencia de las escuelas públicas asociadas con redes más grandes; la influencia de la competencia privada fue débil, pero positiva en redes más grandes; y la competencia vertical fue negativa en las escuelas municipales.

Originalidad: La elección y la eficiencia de la escuela se discuten en interfaz con la competencia existente en Brasil en diferentes facetas, además de describir y medir las particularidades de este país en términos de competencia y mostrar los límites a la elección.

Aportes teóricos y prácticos: la teoría de la elección escolar adaptada a Brasil considera restricciones a la elección, competencia vertical y elección dentro del territorio municipal. Las reformas para ampliar la elección, acabar con la competencia vertical y fortalecer las redes municipales son acciones sugeridas para aumentar el efecto positivo de la elección y mejorar los resultados educativos en Brasil.

Palabras clave: Economía de la educación, Educacion publica, La elección de Tiebout en educación, Productividad escolar.

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Artigos

Afinal, que escolha as famílias têm no Brasil? Influência da escolha escolar sobre a eficiência do ensino fundamental público do Brasil

After all, what choice do families have in Brazil? Influence of school choice on the efficiency of public elementary education in Brazil

Después de todo, ¿qué opciones tienen las familias en Brasil? Influencia de la elección de escuela en la eficiencia de la educación primaria pública en Brasil

Yuri Dantas dos Santos
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, Brasil
Paulo Amilton Maia Leite Filho
Universidade Federal da Paraíba, Brasil
Administração Pública e Gestão Social, vol. 14, núm. 2, 2022
Universidade Federal de Viçosa

Recepción: 31 Marzo 2021

Aprobación: 01 Octubre 2021

Publicación: 07 Abril 2022

INTRODUÇÃO

Segundo a hipótese de Tiebout (1956), a descentralização fiscal é mais eficiente que a centralização, visto que os governos locais competem quanto à oferta de bens públicos. Cada município oferta sua cesta de bens públicos e cobra por ela via impostos. Por sua vez, cada família escolhe o município que oferta a cesta mais adequada às suas preferências e cobra de acordo com suas disposições em pagar.

Analisando o ambiente escolar nos EUA, Hoxby (1994, 2000) teoriza acerca da escolha escolar a partir da hipótese de Tiebout e apresenta as primeiras evidências empíricas no tema. Seus trabalhos são a essência do que se pode compreender como teoria da escolha escolar. Por outro lado, há evidências de que a competição influencia a qualidade da escolha, principalmente, influenciando os professores (Hanushek & Rivkin, 2003). Outros estudos analisam as reformas da escolha escolar nos EUA e sua relação com a qualidade da escola (Baude, Casey, Hanushek, Phelan, & Rivkin, 2019; Hanushek, Kain, Rivkin, & Branch, 2007). Nessa linha de investigação, os conceitos de competição e escolha estão implicados, pois se compreende a competição escolar como propulsionadora do nível de escolha escolar à disposição das famílias (Hoxby, 1994, 2000).

Os estudos que se debruçam sobre as associações entre escolha, competição e resultados escolares, estão inseridos na área da economia da educação e, em geral, seus achados remetem a uma relação positiva entre escolha das famílias e resultados escolares, como mostram estudos realizados nos Estados Unidos (EUA), no início dos anos 2000, avaliando as políticas de ampliação da escolha no ensino primário (Hanushek & Rivkin, 2003; Hanushek et al., 2005; Millimet & Collier, 2008). Tais achados são confirmados por análises recentes que consideram um espaço temporal mais amplo (Baude et al., 2019). Estudos semelhantes também foram feitos em outros países desenvolvidos (Agasisti, 2013) e não desenvolvidos (Maulana & Yudhistira, 2018). Verifica-se uma grande concentração dos trabalhos nos EUA, sendo discutidos os programas de ampliação da escolha escolar dos pais e, consequentemente, da competição escolar, como as escolas Charter e vouchers. Em menor quantidade, também foram feitos estudos no contexto de outros países, como Itália e Indonésia. Dessa forma, fica patente a carência de estudos em contextos socioeconômicos e culturais distintos.

No Brasil, foram feitos alguns estudos na linha da escolha escolar (Menezes, Zoghbi, & Felício, 2012; Alves, Elacqua, Koslinki, Martinez, Santos, & Urbina, 2015; Lépine, 2015; Batista, Thomazinho, Kasmirski, Mello, & Guarnieri, 2018; Louzano & Simielli, 2020). Tais trabalhos, em geral, investigam as relações entre produtividade (eficiência) escolar e escolha das famílias, concluindo que a maioria das famílias brasileiras apresenta baixo nível socioeconômico e exerce muito pouco a escolha escolar. Destacam também que mesmo quando os resultados das escolas estão disponíveis para a tomada de decisão das famílias, seu nível de escolha é baixo.

Apesar de relevantes, tais trabalhos, ao focarem na escolha familiar, não levam em conta sua associação com os mecanismos de competição entre as escolas e não utilizam os índices de competição que mensuram a competição geral entre as escolas ou a competição proveniente das escolas privadas, o que é comum em estudos de outros países, como os apresentados anteriormente. Por outro lado, não destacam particularidades do Brasil no que tange à competição e à escolha escolar. De modo geral, a escolha escolar no Brasil não é contemplada de forma ampla.

A literatura na área aborda a competição entre as escolas de duas maneiras: horizontalmente, destacando a competição entre as escolas públicas ou entre todas as escolas; e também considerando a influência das escolas privadas sobre as públicas. Tais abordagens refletem o modo como é ofertado o ensino em cada país. Contudo, a configuração do ensino fundamental brasileiro revela outro tipo de competição escolar não presente em contextos de outros países. Trata-se de uma competição vertical entre escolas municipais (vinculadas a governos locais) e estaduais (vinculadas a governos intermediários) de ensino fundamental.

No Brasil, as legislações em educação criadas desde a Constituição Federal de 1988 (CF), são de incentivo à maior atuação dos governos municipais (locais) no ensino fundamental (Franzese, 2010), etapa da educação que em outros países é chamada de ensino primário, compreendendo a formação escolar inicial de crianças e adolescentes. Porém, a carência de regras específicas quanto ao papel dos estados (governos intermediários) nesse nível de ensino (Segatto & Abrúcio, 2018), bem como a política de transferência de recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) para estados e municípios via número de matrículas, são fatores possivelmente associados à participação dos estados na oferta do ensino fundamental, dando margem a uma modalidade vertical de competição escolar, a qual também é abordada neste estudo. Considerando esses aspectos da educação brasileira, procura-se responder à seguinte indagação: qual a influência da escolha escolar sobre a eficiência das escolas públicas de ensino fundamental no Brasil?

Este estudo contribui para a literatura na área ao apresentar as discussões no tema da escolha escolar e sua relação com os resultados escolares no Brasil de forma mais abrangente, compreendendo sua interface com a competição escolar e como ela se apresenta no país de diferentes formas, além dos limites à competição e à escolha escolar no Brasil. Por outro lado, são apresentadas evidências empíricas, até então não observadas, quanto ao efeito da competição em diferentes facetas (horizontal, vertical e privada) sobre a eficiência escolar. Considera-se, ainda, que as particularidades da educação no Brasil tratadas à luz de uma teoria da escolha escolar, podem contribuir com o debate internacional. Particularmente, a oferta de ensino fundamental (primário) público não apenas por governos locais, mas também por níveis intermediários (estados), configuram um estudo de caso a ser analisado. Por outro lado, os resultados levantados podem contribuir com a definição de políticas públicas em escolha escolar, influenciando positivamente os resultados educacionais do país. Além disso, indicadores de competição desenvolvidos neste estudo ou retirados da literatura, são catalogados conforme o tipo de competição e pela sua natureza de oferta ou demanda, permitindo uma análise mais detalhada.

ESCOLHA ESCOLAR: TEORIA E RESULTADOS EMPÍRICOS

Hoxby (1994) descreveu o modo como as famílias escolhem a escola de seus filhos por meio de um modelo Tiebout de fornecimento de bens públicos locais aplicado à educação, definindo mercado educacional, utilidade das famílias e equilíbrio eficiente, que demanda a presença de escolas públicas e privadas. O estudo forneceu as primeiras evidências empíricas na área, revelando a influência positiva das escolas privadas sobre a qualidade das escolas públicas, e que a má qualidade da escola pública pode aumentar as matrículas em escolas privadas. Em outro estudo, a autora defende que a escolha entre distritos escolares (escolha de Tiebout), que amplia o nível de escolha entre escolas públicas, melhora o desempenho dos filhos, diminui os custos familiares e a propensão em buscar escolas privadas, além de aumentar a eficiência das escolas pela diminuição da assimetria informacional. Tais hipóteses foram confirmadas pelos resultados empíricos (Hoxby, 2000). Esses estudos fornecem o fundamento teórico básico das relações entre escolha, competição e resultados escolares. Os trabalhos posteriores fazem alguns incrementos teóricos e têm sua maior contribuição na análise empírica da escolha escolar em outros cenários, considerando as reformas da escolha escolar nos EUA ou verificando essa escolha em outros países.

Hoxby (2002) observou casos de reformas na educação dos EUA envolvendo vouchers e escolas charter. As escolas públicas responderam a essa concorrência aumentando significativamente o seu desempenho (não diminuindo gastos). Na sequência, Hanushek e Rivkin (2003) concluíram que o grau de competição está positivamente relacionado ao desempenho das escolas públicas. Esse estudo é relevante por evidenciar a figura do professor como agente influenciado pela competição e catalizador de qualidade escolar, o que é confirmado por Hanushek, Piopiunik e Wiederhold (2018) em um estudo realizado em 31 países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O desenvolvimento de mercados competitivos na educação oferece tipos alternativos de escolas que melhor atendem aos desejos dos consumidores, levando a um fornecimento mais eficiente. Todavia, as famílias mais pobres tendem a ser prejudicadas por problemas de assimetria informacional (Hanushek et al., 2005). Millimet e Collier (2008), por sua vez, evidenciaram que distritos escolares públicos responderam a incentivos, tornando-se mais eficientes à medida que distritos vizinhos também se tornam mais eficientes. Outro estudo constatou que a qualidade das escolas Charter aumenta substancialmente no longo prazo (Baude et al., 2019).

Analisando escolas secundárias na Itália, Agasisti (2013) concluiu que a competição pode ter um efeito potencial positivo no desempenho escolar decorrente do número de escolas por região geográfica e da pressão das escolas privadas. O sistema escolar italiano é caracterizado pela falta de informação pública quanto ao desempenho, dificultando a escolha das famílias; falta de autonomia das escolas; e limitações impostas às escolas privadas. Tal contexto dificulta o espaço para competição e as reformas da escolha. Por outro lado, os dados do PISA demonstram que o sistema italiano apresenta, ao mesmo tempo, baixo desempenho e altos gastos em relação aos demais países da OCDE. Assim, é possível perceber que o sistema educacional italiano é bastante semelhante ao brasileiro, no que tange à rigidez das normas e à resistência às reformas, embora o Brasil seja mais profícuo em disponibilidade de dados. Em Jacarta, na Indonésia, Maulana e Yudhistira (2018) verificaram, em escolas privadas, mas não nas públicas, um efeito positivo da competição nos resultados dos exames escolares.

Os estudos demonstram aumento da competição escolar nos EUA via ampliação da escolha escolar, incentivando a melhoria das escolas públicas. Em outros países, a resistência à ampliação da escolha interfere negativamente na competição, dificultando sua influência nos resultados educacionais.

No Brasil, alguns estudos abordam a relação entre escolha e resultados escolares. Menezes et al. (2012) demonstraram que escolas privadas são significativamente mais produtivas que escolas públicas e que famílias de nível socioeconômico superior são capazes de identificar as diferenças e optar por escolas privadas; o mesmo não se dá com a maioria das famílias, de condição inferior. O status socioeconômico é identificado como fator limitador da escolha, e são propostas políticas como vouchers e créditos tributários para ampliar a escolha. Outro estudo evidencia uma relação positiva entre a escolha de escolas de alto desempenho e o nível socioeconômico das famílias no Rio de Janeiro (Brasil) e em Santiago (Chile) (Alves et al. 2015). Lépine (2015) estuda a relação entre a reputação da escola e a escolha escolar, evidenciando que a divulgação de resultados escolares em testes padronizados não resultou em realocação dos alunos entre escolas de alto e baixo desempenho. Já na rede municipal de São Paulo, observou-se que alunos residentes em regiões vulneráveis tendem a frequentar escolas da mesma região, refletindo uma tendência à homogeneidade por características sociodemográficas (Batista et al., 2018). Por fim, Louzano e Simielli (2020), analisando as escolas Charter nos EUA, advogam que tal modelo no Brasil ampliaria desigualdades já existentes.

Tais achados demonstram que a influência positiva da escolha sobre os resultados escolares no Brasil, é limitada pelas baixas condições socioeconômicas da maior parte da população. Por outro lado, os indicadores educacionais brasileiros, assim como a eficiência escolar, seguem estagnados (Queiroz, Sampaio, & Sampaio, 2020). Dessa forma, é relevante conhecer o contexto geral da educação no Brasil para, assim, compreender os meandros da competição e da escolha escolar que se praticam no país.

BREVE ANÁLISE DA COMPETIÇÃO E DA ESCOLHA ESCOLAR NO BRASIL E FORMULAÇÃO DA HIPÓTESE

Como na Itália, a educação brasileira é bastante regulada pelo Estado. Escolas públicas e privadas estão sujeitas ao cumprimento de regras detalhadas e uniformes em planos nacionais de educação e parâmetros curriculares nacionais; a legislação estabelece carga horária anual mínima e dias letivos por ano, além de outros regramentos; e, em geral, não há políticas escolares baseadas em resultado e no mérito.

No setor público, historicamente, a educação básica (ensino fundamental e médio) foi ofertada pelos governos estaduais, todavia, com a CF, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), de 1996, e a criação de fundos destinados à educação básica (como o Fundeb), houve incentivo à municipalização do ensino fundamental (Franzese, 2010). Porém, esse processo não se dá da mesma forma em todos os estados. O Fundeb acaba incentivando os governos estaduais a competirem com os municípios por recursos do fundo, que são distribuídos em função do número de matrículas. A própria CF (1988) dá margem a essa situação quando coloca o ensino fundamental como área prioritária de atuação comum a estados e municípios, o que não foi refutado pela LDB (1996) e nem por outros dispositivos legais. Segatto e Abrucio (2018) descrevem, sob o nome de coordenação estadual, como se deu o processo de municipalização do ensino fundamental em cada estado, estabelecendo níveis de coordenação e cooperação dos estados com os municípios na oferta do ensino fundamental, sendo que poucos estados se enquadram nos níveis mais elevados. Por sua vez, Franzese (2010) assevera que, diferente dos sistemas de saúde e assistência social, as regras e a definição de papéis dos entes federativos não são claras no sistema de educação. Desse modo, em muitos estados é possível verificar um cenário de competição entre redes de ensino estaduais e municipais nos territórios municipais brasileiros.

No Brasil, o ensino fundamental é dividido em anos iniciais (1º ao 5º ano ou 1ª à 4ª série) e finais (6º ao 9º ano ou 5ª à 8ª série). No ano de 2018, as redes municipais de ensino fundamental foram responsáveis por algo em torno de 69% dos estabelecimentos que ofertaram os anos iniciais e por 47% dos que ofertaram os anos finais. Já as redes estaduais, foram responsáveis por 10% dos estabelecimentos nos anos iniciais, contra 31% nos anos finais (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira [INEP], n.d.). Percebe-se, desse modo, uma variação na participação de estados e municípios no ensino fundamental em função do nível de ensino: séries iniciais e finais. No período analisado neste estudo, 2007 a 2015, a representatividade de matrículas em escolas estaduais em relação ao total caiu 8% (de 35,3% para 27,3%), ao passo que nas escolas municipais houve inexpressivo crescimento de 1,6% (de 54,7% para 56,3%), o crescimento maior, 6,5%, se deu nas escolas privadas (de 9,9% para 16,4%) (INEP, n.d.). Observa-se um crescimento expressivo no número de escolas particulares, nas quais, geralmente, a assimetria informacional é menor do que em escolas públicas. Em 2018, as escolas privadas também tiveram participação significativa, com 21% e 22%, respectivamente, dos estabelecimentos que ofertaram as séries iniciais e as finais (INEP, n.d.).

A partir dessas ponderações e dos estudos anteriores, é possível assumir a hipótese de que a escolha escolar das famílias, refletida na competição escolar, influencia fracamente a eficiência das escolas públicas. Essa competição se dá de três formas: horizontalmente, entre todas as escolas públicas e privadas disponíveis em um município; por concorrência com as escolas privadas, fenômeno crescente; e verticalmente, por concorrência entre escolas estaduais e municipais motivada pela competição por recursos do Fundeb. As duas primeiras modalidades já foram objeto de investigação em outros países, porém, a terceira diz respeito a uma particularidade brasileira.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
VARIÁVEIS

Este trabalho utiliza o modelo Data Envelopment Analysis (DEA) sequencial Variable Returns to Scale (VRS) orientado a produto. O método DEA é indicado para análise da eficiência técnica no setor público (Peña, 2008) e sua versão sequencial considera a influência da tecnologia de vários períodos subsequentes (Shestalova, 2003), enquanto que VRS mitiga os efeitos do porte dos municípios e das escolas, as Decision Making Units (DMUs) (Carvalho & Sousa, 2014) e a orientação a produto considera a maximização dos resultados frente aos insumos estabelecidos. Optou-se por poucas variáveis para evitar a maldição da dimensionalidade (Carvalho & Sousa, 2014), sendo os inputs, o número de funcionários e a distorção série-idade; e os outputs, a média da nota de matemática da Prova Brasil e o número de matrículas. Foram usados os microdados do censo escolar e da prova Brasil disponíveis no site do INEP.

A escolha do número de funcionários se deu em função da comparabilidade entre estados e municípios, já que se tomou o município como unidade de análise e os estados não possuem detalhamento de gastos a nível municipal. Além disso, por representar a maior fatia das despesas públicas, o número de funcionários é um bom indicativo do volume de gastos (Carvalho & Sousa, 2014). Já a distorção série-idade, que diz respeito ao número de alunos com idade acima daquela estabelecida como adequada para o ano escolar que cursam, figura como input por se tratar de um resultado indesejado, embora tenha caráter de resultado.

Quanto aos outputs, no Brasil, a cada dois anos, desde 2005, o INEP realiza a Prova Brasil, que compreende testes de português e matemática aplicados a alunos do 5º ano (4ª série) e do 9º ano (8ª série) do ensino fundamental. Franco et al. (2007) apontam os conhecimentos matemáticos como tipicamente escolares, ao passo que as habilidades em linguagem podem ser conseguidas em âmbitos diversos ao escolar, de modo que a prova de matemática captura melhor o efeito da atuação escolar sobre a aprendizagem do discente. Também foi utilizado como output o número de matrículas, variável que pode ser considerada uma saída do sistema educacional (Matias, Quaglio, Oliveira, Lima, & Bertolin, 2018).

Variáveis de demanda (baseadas no número de matrículas) enfrentam problemas de endogeneidade das variáveis omitidas, ao passo que variáveis de oferta (baseadas no número de distritos ou unidades escolares) refletem melhor o efeito da escolha, pois não sofrem com endogeneidade. Ainda assim, as variáveis de demanda são importantes por agregarem mais informações relevantes para a escolha (Hoxby, 2000). Considerando tais questões, no presente estudo os três tipos de competição (horizontal, privada e vertical) foram mensurados por meio de seis índices (dois para cada tipo), classificados em variáveis baseadas em matrículas (demanda) e em escolas (oferta). Foram usados os microdados do censo escolar disponíveis no site do INEP.


Tabela 1: Classificação dos índices de competição por tipo e grupo

O IHH é uma medida de competição oriunda do setor empresarial e aplicada em diversos estudos na linha de competição escolar (Hoxby, 2000; Hanushek & Rivkin, 2003; Maulana & Yudhistira, 2018). Consiste na concentração de alunos por unidade educacional, representado pelo somatório da quantidade de matrículas em uma escola e dividido pela quantidade total de matrículas nas N escolas de cada município. Ele varia de 0 a 1, sendo que quanto mais próximo de 0, maior a competição. Já o número de escolas para cada grupo de 1000, é de cálculo autoexplicativo (Agasisti, 2013), bem como o percentual de matrículas em escolas privadas (Hoxby, 1994) que, no presente estudo, baseia-se no total de matrículas no município. O percentual de escolas privadas em relação ao total de escolas no município, foi derivado para representar a oferta. Já o índice de competição vertical baseado no número de matriculas, é dado por:

[ (MatEst – MatMun) / (MatEst + MatMun) ]. (1)

Sendo MatEst, número de matrículas na rede estadual de ensino fundamental e MatMun, número de matrículas na rede municipal de ensino fundamental

O índice de competição vertical baseado no número de escolas segue o mesmo cálculo, substituindo matrículas por escolas. Eles representam, respectivamente, a distribuição de matrículas e de escolas nas redes estaduais e municipais de ensino em um dado território municipal. São uma derivação do IHH para mensurar a competição vertical.

Para controle, foram empregadas três variáveis: a população estimada, coletada do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE); o Índice Firjan de Desenvolvimento Humano (IFDM), obtido do site da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan); e o Índice de Dependência Financeira do Ente (Estado/Município), cujos dados para cálculo foram extraídos do site da Secretaria do Tesouro Nacional (STN). Utilizou-se o logaritmo natural da população estimada como proxy para o porte do município. Municípios maiores podem ser beneficiados pelo porte (Sousa & Mendes, 2011). Já o IFDM, foi usado como proxy do nível socioeconômico, que no Brasil costuma ter relação positiva com a eficiência escolar (Queiroz et al., 2020). Construiu-se um índice representativo da (in)dependência financeira dos recursos do FUNDEB em municípios e estados: (FUNDEB + Complementação – Deduções) / (FUNDEB + Complementação). Transferências não condicionais e sem contrapartida resultam em aplicação ineficiente de recursos (Diniz, Lima, & Martins, 2017).

DELIMITAÇÃO TEMPORAL, AMOSTRAS E MODELO ECONOMÉTRICO

Os dados bienais se referem ao período de 2007 a 2015, em função da prova Brasil que acontece a cada dois anos. Os valores monetários atualizados para dezembro de 2015, com base no Índice Geral de Preços-Mercado (IGP-M), da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Analisou-se o ensino fundamental regular selecionando apenas os municípios com dados para o cálculo do índice de eficiência em todos os anos. Foram constituídas seis amostras, de acordo com dois critérios: rede de ensino (estadual ou municipal) e anos do ensino fundamental ofertados pela escola (todos anos, somente os anos iniciais, somente os anos finais).


Tabela 2: Quantidade de municípios em cada amostra

A construção dos índices de eficiência e de competição considerou o nível municipal como unidade. Para o índice de eficiência, as DMUs foram os grupos de escolas em cada município que atendem às especificações de oferta e rede de ensino, sendo calculados: a média da nota de matemática da prova Brasil e os somatórios de matrículas, funcionários e alunos dentro da distorção série-idade. Para a média da nota de matemática, nos grupos das escolas com todas as séries, foi usado o resultado das provas aplicadas às turmas do 9º ano (8ª série), por representar a saída final de todo o ciclo do ensino fundamental. Seguindo o mesmo raciocínio, para os grupos de escolas que ofertam apenas os anos iniciais, usou-se os resultados das turmas do 5º ano (4ª série); para os grupos de escolas que ofertam apenas os anos finais, os resultados das turmas do 9º ano (8ª série).

Por seu turno, a construção dos índices de competição considerou os números de matrículas e de escolas no universo de escolas (públicas e privadas) presentes no município que exercem concorrência sobre as escolas para as quais foi calculado o índice de eficiência. Quanto ao índice de dependência financeira, as informações utilizadas se referiram ao ente a que se vinculam as escolas.

Utilizou-se o modelo DEA de dois estágios, sendo o primeiro referente ao cálculo do índice de eficiência, e o segundo referente à inserção desse indicador como variável dependente em um modelo paramétrico de regressão. Nesse sentido, optou-se pelo modelo de regressão em painel Ordinary Least Squares (OLS). Para mitigar os efeitos da heterocedasticidade, usou-se o logaritmo do índice de eficiência como variável dependente. A seguir, apresenta-se o modelo econométrico aplicado às seis amostras já descritas:

LNEficit = βIHHit + βCompHorizit + βCompPrivMatit + βCompPrivEscit + βCompVertMatit + βCompVertEscit + βLNPopit + βIFDMit + βDepFinancEducit + εit (2)

A Tabela 3 explicita as variáveis apresentadas de forma abreviada no modelo:


Tabela 3: Variáveis do modelo

RESULTADOS, DISCUSSÃO E ANÁLISE DE DADOS

Nesta seção é apresentada a estatística descritiva dos indicadores e das variáveis do modelo econométrico, os resultados das regressões em painel OLS, bem como as descrições e análises.


Tabela 4: Estatística descritiva dos inputs e outputs do índice de eficiência

A comparação entre média e desvio padrão permite verificar baixa heterogeneidade na variável nota de matemática, evidenciando um cenário de concentração dos resultados obtidos na maioria dos municípios ao redor da média em todas as amostras. Apesar disso, observando a diferença entre valores mínimo e máximo (amplitude), infere-se a existência de alguns municípios com resultados que fogem do padrão observado na maioria, obtendo resultados muito superiores ou muito inferiores à média. Outro ponto, é que as escolas estaduais apresentam desempenho superior às municipais, em todos os tipos de escolas.

Ademais, em virtude do espaço, análises adicionais feitas não foram aqui incluídas, como a do desvio padrão dentro de cada município ao longo dos anos e entre os municípios em cada ano, as quais permitiram verificar que, dentro do mesmo município a estabilidade é ainda maior, revelando estagnação no desempenho escolar dos alunos durante o período investigado, que correspondeu a mais de uma década (11 anos).

Diferentemente, os números de matrículas, de funcionários e de alunos fora da faixa etária adequada ao ano que cursam, foram bastante heterogêneos entre os municípios das amostras. Essa constatação pode ser explicada pela alta diferença de porte entre os municípios. Observe-se que o método DEA escolhido corrige os efeitos variáveis de escala, relativos a tamanho.

Quanto ao índice de eficiência calculado, o confronto da média com o desvio padrão indica alta concentração em torno da média, revelando homogeneidade em todas as amostras. Ademais, o desvio padrão dentro de um mesmo município ao longo do tempo, foi menor que o valor observado entre os municípios, indicando pouca alteração da eficiência ao longo da série temporal. De modo geral, houve pouca melhoria dos resultados escolares frente aos recursos empregados. Tais resultados do índice de eficiência estão em consonância com os observados para o indicador de desempenho (média da nota de matemática da prova Brasil).


Tabela 5: Estatística Descritiva das Variáveis do Modelo Econométrico

Quanto às variáveis do modelo econométrico, verificou-se, pelo comparativo média/desvio padrão, que o logarítimo natural do índice de eficiência manteve a homogeneidade. Diferentemente, os seis índices de competição foram mais heterogêneos. Análises da média e do desvio padrão (aqui não apresentadas) indicam diferenças significativas na configuração dos cenários de competição (horizontal, privada e vertical) entre os diferentes municípios, porém, as mudanças ao longo do tempo dentro de um mesmo município foram pouco expressivas. Já as variáveis de controle foram mais homogêneas, com exceção da dependência financeira.


Tabela 6: Resultados das Regressões

Nota. Nível de significância: 5% (**), 1% (***).

No que tange aos resultados das regressões, os testes de Chow, Breusch-Pagan e Hausman, em conjunto, indicaram o painel com efeitos fixos como preferível ao de efeitos aleatórios e pooled. De modo geral, os índices de competição escolar apresentaram significância estatística em grande parte das regressões, demonstrando a influência desse fator sobre a eficiência escolar.

Quanto ao IHH, seu sinal positivo indica que a competição horizontal baseada nas matrículas influencia de forma negativa a eficiência das escolas públicas de ensino fundamental, pois, quanto menor o seu valor, maior a competição e vice-versa. Esse resultado destoa do observado em outros estudos, principalmente nos EUA, nos quais tal competição parece ser favorável. Essa diferença pode estar relacionada à rigidez do aparato burocrático presente no setor público brasileiro, atingindo também a esfera da educação, restringindo a discricionariedade do gestor em tomar decisões que tornem as escolas públicas mais atrativas e competitivas. Por outro lado, o nível socioeconômico baixo da maior parte dos brasileiros, constitui um fator limitante da escolha e da competição escolar (Menezes et al., 2012; Alves et al., 2015; Lépine, 2015; Batista et al., 2018).

Observe-se que na Indonésia, país em desenvolvimento, como o Brasil, as escolas públicas de sua capital Jacarta, ao contrário das escolas privadas, não se beneficiaram da competição entre as escolas (Maulana & Yudhistira, 2018), o que pode também estar associado à rigidez de seu sistema educativo. Porém, tais resultados e inferências devem ser analisados com a ressalva de que o IHH é uma variável baseada em demanda e, portanto, sujeita a problemas de endogeneidade com outras variáveis não capturadas pelo modelo (Hoxby 1994, 2000). Por tal razão, um indicador de oferta foi também utilizado.

Nesse sentido, o índice de competição horizontal baseado nas escolas obteve significância estatística em menos casos que o IHH, sua magnitude foi expressivamente menor e seu sinal foi positivo, indicando influência positiva da competição escolar horizontal baseada no número de escolas, resultado diverso do observado no IHH. Por não enfrentar problemas de endogeneidade, compreende-se que o índice baseado em escolas captura melhor o efeito individual da escolha e da competição escolar. Outro dado é que o indicador apenas apresentou significância estatística nas amostras com maior número de observações, indicando que a influência positiva do indicador sobre a eficiência escolar pode ser beneficiada pelo porte da rede ensino, como apontado por Sousa e Mendes (2011).

Infere-se, de maneira geral, que a competição horizontal entre escolas dentro dos municípios brasileiros influencia de maneira positiva, porém pouco expressiva, a eficiência das escolas públicas estaduais e municipais pertencentes a redes de maior porte (maior número de escolas), porém, não influenciando a eficiência de escolas associadas a redes menores. Por outro lado, os achados contrários indicados pelo IHH podem estar associados à sua endogeneidade com variáveis não contempladas no modelo. Essa compreensão tem semelhança com a interpretação do estudo conduzido em escolas italianas (Agasisti, 2013) no sentido de que a competição baseada em número de escolas em uma mesma região geográfica, tende a beneficiar os resultados escolares. Conforme ressaltado, a educação italiana tem consideráveis semelhanças com a do Brasil, o que torna a comparação relevante.

Do ponto de vista teórico, não se observa no Brasil uma escolha de Tiebout, na qual as famílias mudam de distrito em função da escolha escolar dos filhos (Hoxby, 2000), tampouco há registros de reformas escolares em favor da escolha, como nos EUA (Hoxby, 2002; Hanushek & Rivkin, 2003; Baude et al., 2019). Ao contrário, no país há mais semelhanças com cenários de restrição da escolha, como em Jacarta (Maulana & Yudhistira, 2018) e na Itália (Agasisti, 2013). Dessa forma, as restrições burocráticas e socioeconômicas à escolha escolar no Brasil podem ser entendidas como explicativas da baixa influência da competição escolar sobre a eficiência das escolas públicas desse país.

Apesar disso, a região geográfica do município pode ser vista como uma zona de escolha para as famílias brasileiras. Nesse sentido, a expansão de escolas privadas, tanto em matrículas quanto em número de unidades (INEP, n.d.), é um indicativo de que as famílias têm escolhido, ainda que com restrições próprias da educação no Brasil. Os efeitos de tal escolha por escolas privadas são expostos e analisados a seguir.

Observou-se que a competição baseada nas matrículas em escolas privadas, exerceu influência positiva sobre a eficiência de grupos de escolas públicas vinculadas às redes de maior porte, mas teve influência negativa ou não influenciou em grupos associados às redes de pequeno porte. Tais achados confirmam a inferência quanto à importância do porte para a competitividade das escolas públicas. Verifica-se que redes maiores e, portanto, com melhor estrutura, beneficiam-se da competição das escolas privadas, diferentemente das redes pequenas que, em vista da fraca estrutura, tendem a ser menos competitivas.

Por outro lado, a competição baseada na presença de escolas privadas influenciou negativamente, porém, com menor magnitude, as escolas municipais de maior porte (com todos os anos e apenas com os anos iniciais), não tendo influência sobre os outros grupos. É possível observar que apesar do maior porte dessas redes, elas se vinculam a municípios, cuja maioria no Brasil é de porte reduzido, dependente de transferências e com máquina burocrática simplificada. Tais aspectos podem dificultar a consolidação de redes municipais de ensino competitivas diante das opções no mercado privado.

Apesar do problema da endogeneidade da demanda, o indicador baseado em matrículas apresenta certa associação positiva com o porte das redes escolares, assim como a variável de competição horizontal por oferta (sem problemas de endogeneidade). Desse modo, os achados referentes a essa variável não podem ser completamente desconsiderados. Todavia, os resultados contrários obtidos com a variável de oferta escolar em duas situações, limitam as conclusões. O que se verifica é que, positiva ou negativa, a influência da competição escolar privada sobre a eficiência das escolas públicas foi sempre nula ou de baixa magnitude.

Do ponto de vista teórico, verifica-se, no Brasil, a ampliação do papel de escolas privadas em termos de oferta e de demanda, nos mercados educacionais locais, favorecendo a utilidade das famílias e o equilíbrio eficiente na educação. Todavia, dadas as limitações de escolha presentes no país, a competição escolar privada tem pouca ou nenhuma interferência na eficiência escolar. Quanto ao efeito positivo ou negativo, este estudo não apresenta evidências conclusivas.

Quanto aos indicadores de competição vertical na educação, uma particularidade do Brasil, seus estimadores foram significantes apenas nas três amostras com maior número de observações, apresentando sinal positivo, o que indica influência negativa sobre a eficiência escolar. Ressalte-se que na amostra de escolas municipais com todos os anos, os dois indicadores (matrículas e escolas) foram significativos. Observou-se, também, que a magnitude foi maior que na maioria dos indicadores anteriores.

Esses achados permitem inferir que tal competição ou não interfere ou é prejudicial à eficiência escolar. Conforme o que foi descrito anteriormente, essa competição é motivada pela falta de clareza na legislação quanto ao papel de estados e municípios no ensino fundamental (Franzese, 2010), dificultando a cooperação entre ambos (Segatto & Abrucio, 2018); bem como pelo mecanismo de distribuição do Fundeb, que favorece a competição por recursos financeiros. Essa competição, a partir dos resultados deste estudo, é compreendida como desfavorável à eficiência das escolas públicas de ensino fundamental, principalmente as municipais.

Desse modo, é preferível que no âmbito do ensino fundamental os estados exerçam papel de coordenação e de cooperação com municípios, como defendem Segatto e Abrucio (2018). Para tanto, é necessário que essa competição vertical seja desfeita, o que pode ser conseguido por reformulações legislativas que esclareçam os papéis dos entes federativos e redefinam os mecanismos de distribuição de recursos financeiros do Fundeb.

Quanto às variáveis de controle, os resultados referentes à população estimada indicaram que, conforme a expectativa, o porte do município influenciou positivamente a eficiência das escolas públicas nos casos em que o indicador apresentou significância estatística. Já o desenvolvimento humano local, influenciou a eficiência das escolas positivamente em quase todas as amostras do estudo, indo na mesma direção da literatura nacional (Carvalho & Sousa, 2014). Por sua vez, a dependência financeira na educação apenas exerceu influência negativa sobre as amostras de escolas estaduais com todos os anos e somente com os anos iniciais, concordando com os achados de Diniz, Lima e Martins (2017), não havendo significância estatística nos demais casos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa se insere na linha de estudos da economia da educação que investiga as relações entre competição, escolha e resultados escolares. Tais análises são feitas, principalmente a partir de escolas dos EUA, sendo poucas as pesquisas em outros cenários. Esses estudos são importantes por evidenciar a importância de reformas escolares que ampliam a escolha das famílias quanto à educação de seus filhos, favorecendo a satisfação de suas necessidades e preferências educacionais heterogêneas. Nesse sentido, esta pesquisa buscou oferecer uma análise da influência da escolha escolar sobre a eficiência das escolas públicas de ensino fundamental brasileiras. Para tanto, analisou-se a educação no Brasil, destacando-se as restrições quanto à escolha escolar das famílias, traçando-se paralelos com países semelhantes e fazendo reformulações teóricas adaptáveis ao contexto do Brasil. Além disso, a competição foi classificada em horizontal, privada e vertical.

Os resultados indicam que a competição horizontal entre escolas públicas e privadas, dentro da região geográfica de um município, influencia positivamente – porém, de maneira pouco expressiva – a eficiência de escolas públicas estaduais e municipais, desde que associadas às redes de maior porte (maior número de escolas). Os resultados contrários apresentados pela variável de demanda foram interpretados como associados às questões de endogeneidade da demanda.

No âmbito teórico, restrições burocráticas e socioeconômicas à escolha escolar no Brasil, são vistas como explicativas da baixa ou nenhuma influência da competição horizontal sobre a eficiência das escolas públicas. Por outro lado, ao invés da escolha de Tiebout, verifica-se uma escolha escolar dentro da região geográfica municipal, sendo a ampliação das escolas privadas um indicativo de que os pais, ainda que com restrições, buscam escolher.

Sobre a competição advinda de escolas privadas, os resultados são inconclusivos quanto à influência ser positiva ou negativa, porém, em todos os casos foi baixa ou nula. É importante também destacar que tanto a competição horizontal como a privada, registraram influência positiva sobre a eficiência em grupos com redes (estaduais ou municipais) com maior número de escolas (maior porte).

Do ponto de vista teórico, verifica-se, no Brasil, a ampliação do papel de escolas privadas, em termos de oferta e de demanda, nos mercados educacionais locais, favorecendo a utilidade das famílias e o equilíbrio eficiente na educação. Todavia, dadas as limitações de escolha presentes no país, a competição escolar privada tem pouca ou nenhuma interferência na eficiência escolar.

Por sua vez, a competição vertical entre escolas estaduais e municipais, mostrou-se desfavorável à eficiência das escolas públicas de ensino fundamental do Brasil, sobretudo, as municipais. Desse modo, entende-se como preferível que, nesse nível de ensino, os estados troquem a competição pela coordenação e a cooperação com os municípios, o que pode ser oportunizado por alterações legislativas que esclareçam os papéis dos entes federativos e redefinam os mecanismos de distribuição dos recursos financeiros do Fundeb.

De modo geral, compreende-se que a hipótese de que a escolha escolar das famílias, refletida na competição escolar, influencia fracamente a eficiência das escolas públicas, foi parcialmente confirmada, já que na maioria dos casos tal influência foi baixa ou nula, mas foi negativa quanto à escolha advinda da competição vertical entre estados e municípios.

Como principais conclusões, destacam-se: a importância do porte das redes de ensino como fator favorável à influência positiva da escolha sobre a eficiência escolar; a necessidade de reformas educacionais que ampliem a escolha escolar das famílias pelo fornecimento de opções suficientes para satisfazer suas preferências heterogêneas; a compreensão da ampliação da escolha como fator favorável à melhoria da educação; além do entendimento da competição vertical entre estados e municípios como prejudicial à educação, bem como da necessidade de modificações legislativas e financeiras que favoreçam o fim dessa competição e o fortalecimento das redes municipais de ensino fundamental.

Desse modo, além de fornecer uma análise ampla do Brasil – no contexto da competição e da escolha escolar e suas relações com a eficiência na educação – e de refletir teoricamente à luz de estudos anteriores como se desenvolvem essas relações no âmbito do ensino fundamental, este estudo também favorece a discussão de políticas públicas de ampliação da escolha com vistas à melhoria dos resultados educacionais. Todavia, deve-se ponderar possíveis efeitos das reformas da escolha sobre a ampliação de desigualdades (Louzano & Simielli, 2020) com as evidências quanto a seus possíveis benefícios (Menezes et al., 2012).

Por fim, em relação ao questionamento que titula este trabalho – afinal, que escolha as famílias têm no Brasil? –, percebe-se que a estrutura de regras na educação e o baixo nível social e econômico da maioria dos brasileiros, impõem restrições significativas à competição entre escolas e à escolha escolar que pode ser exercida pelas famílias, as quais, todavia, buscam, não obstante o limite de opções, escolher ampliar a qualidade da educação de seus filhos.

Material suplementario
REFERÊNCIAS
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Notas

Tabela 1: Classificação dos índices de competição por tipo e grupo


Tabela 2: Quantidade de municípios em cada amostra


Tabela 3: Variáveis do modelo


Tabela 4: Estatística descritiva dos inputs e outputs do índice de eficiência


Tabela 5: Estatística Descritiva das Variáveis do Modelo Econométrico


Tabela 6: Resultados das Regressões

Nota. Nível de significância: 5% (**), 1% (***).
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