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Transferências Voluntárias e o Efeito Flypaper
Estela Oliveira da Luz; Silvania Neris Nossa; João Eudes Bezerra Filho;
Estela Oliveira da Luz; Silvania Neris Nossa; João Eudes Bezerra Filho; Danilo Soares Monte-mor
Transferências Voluntárias e o Efeito Flypaper
Voluntary Transfers and Flypaper Effect
Transferencias Voluntarias y el Efecto Flypaper
Administração Pública e Gestão Social, vol. 14, núm. 3, 2022
Universidade Federal de Viçosa
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Resumo: Objetivo da pesquisa: Examinar a ocorrência do efeito flypaper nos repasses de transferências voluntárias da União para os municípios brasileiros. Foram analisados os fatores complexidade e visibilidade explorados pelos autores Tuckman e Chang (1991), Rios e Costa (2005), Araújo e Siqueira (2015), acrescido do fator coligações políticas, no cenário dos dispositivos da Emenda Constitucional (EC) 86/2015 e EC 95/2019.

Originalidade: Apesar de existir vários estudos sobre orçamento impositivo no Brasil (Santos & Gasparine, 2020; Godoy, 2014; Gontijo, 2017), o diferencial desta pesquisa em relação às demais se dá pela análise da ocorrência do efeito flypaper dos repasses decorrentes das emendas orçamentária impositivas (Lei Orçamentária da União).

Metodologia: Foi utilizado o método de análise multivariada para dados em painel sobre dados secundários coletados de 5.484 municípios brasileiros para testar o efeito flypaper nas contas totais das despesas correntes e de capital, em relação às transferências voluntárias recebidas.

Resultados: Foi possível evidenciar o efeito flypaper para as despesas orçamentárias de capital, que têm aumentado acima da capacidade da economia dos municípios em proverem recursos para manutenção e custeios dos bens instalados. De forma associada, questões partidárias e políticas tendem a direcionar recursos para suas bases, sem realizarem estudos técnicos que viabilizam manutenções futuras dos investimentos decorrentes das emendas parlamentares. Os resultados também sugerem que mudanças na complexidade tributária podem favorecer o investimento em bens estruturais.

Contribuições teóricas e práticas: O estudo do flypaper, na administração pública, ratifica as análises do ministério do Planejamento junto ao Governo Federal brasileiro, no que tange à efetividade de aplicação dos recursos públicos; seu efeito pode trazer repercussões na geração de aumento dos gastos públicos; favorece a imperícia do recolhimento de tributos e constantes déficits nos cofres municipais; promove a nulidade de retorno financeiro dos recursos públicos, talvez na forma de redução tributária.

Palavras-chave: Gasto Público Municipal, Transferências Voluntárias da União, Efeito flypaper nos gastos públicos.

Abstract: Research Objective: To examine the occurrence of the flypaper effect in voluntary transfers from the Union to Brazilian municipalities. The complexity and visibility factors explored by the authors Tuckman and Chang (1991), Rios and Costa (2005), Araújo and Siqueira (2015) were analyzed, plus the factor political coalitions, in the scenario of the provisions of the Constitutional Amendment (EC) 86/2015 and EC 95/2019.

Originality: Despite the existence of several studies on tax budgeting in Brazil (Santos & Gasparine, 2020; Godoy, 2014; Gontijo, 2017), the differential of this research in relation to the others is given by the analysis of the occurrence of the flypaper effect of the transfers resulting from the impositional budget amendments (Budget Law of the Union).

Methodology: The multivariate analysis method for panel data on secondary data collected from 5,484 Brazilian municipalities was used to test the flypaper effect on the total current and capital expenditure accounts, in relation to voluntary transfers received.

Results: It was possible to evidence the flypaper effect for capital budget expenditures, which have increased above the capacity of the municipalities' economy to provide resources for maintenance and costing of installed assets. In an associated way, partisan and political issues tend to direct resources to their bases, without carrying out technical studies that enable future maintenance of investments resulting from parliamentary amendments. The results also suggest that changes in tax complexity may favor investment in structural assets.

Theoretical and practical contributions: The study of the flypaper, in public administration, confirms the analysis of the Ministry of Planning, together with the Brazilian Federal Government, regarding the effectiveness of the application of public resources; its effect can have repercussions in generating an increase in public spending; favors the incompetence of tax collection and constant deficits in the municipal coffers; it promotes the nullity of financial return on public resources, perhaps in the form of tax reduction.

Keywords: Municipal Public Expenditure, Voluntary Transfers from the country, flypaper effect.

Resumen: Objetivo de la investigación: Examinar la ocurrencia del efecto flypaper en las transferencias voluntarias de la Unión para los municipios brasileños. Se analizaron los factores de complejidad y visibilidad explorados por los autores Tuckman y Chang (1991), Rios y Costa (2005), Araújo y Siqueira (2015), más el factor coaliciones políticas, en el escenario de las disposiciones de la Enmienda Constitucional (CE ) 86/2015 y CE 95/2019.

Originalidad: Apesar de la existencia de varios estudios sobre presupuesto tributario en Brasil (Santos & Gasparine, 2020; Godoy, 2014; Gontijo, 2017), el diferencial de esta investigación con relación a las demás está dado por el análisis de la ocurrencia del efecto flypaper de las transferencias resultantes de las reformas presupuestarias impositivas (Ley de Presupuesto de la Unión).

Metodología: Se utilizó el método de análisis multivariado para datos de panel sobre datos secundarios recopilados de 5.484 municipios brasileños para verificar el efecto flypaper en las cuentas corrientes totales y de gastos de capital de los municipios brasileños, en relación con las transferencias voluntarias recibidas.

Resultados: Se pudo evidenciar el efecto flypaper para los gastos del presupuesto de capital, que se han incrementado por encima de la capacidad de la economía de los municipios para proveer recursos para el mantenimiento y costeo de los activos instalados. De manera asociada, las cuestiones políticas y partidistas tienden a dirigir los recursos a sus bases, sin realizar estudios técnicos que permitan mantener a futuro las inversiones resultantes de las reformas parlamentarias. Los resultados también sugieren que los cambios en la complejidad tributaria pueden favorecer la inversión en bienes estructurales.

Aportes teóricos y prácticos: El estudio del flypaper, en la gestión pública, confirma el análisis del Ministerio de Planificación, junto con el Gobierno Federal brasileño, sobre la efectividad de la aplicación de los recursos públicos; su efecto puede repercutir en generar un aumento del gasto público; favorece la incompetencia recaudatoria y los constantes déficits en las arcas municipales; promueve la nulidad del rendimiento financiero de los recursos públicos, quizás en forma de reducción de impuestos.

Palabras clave: Gasto Público Municipal, Transferencias Voluntarias del país, Efecto Flypaper sobre el gasto público.

Carátula del artículo

Transferências Voluntárias e o Efeito Flypaper

Voluntary Transfers and Flypaper Effect

Transferencias Voluntarias y el Efecto Flypaper

Estela Oliveira da Luz
Filiação Fucape Business School, Brasil
Silvania Neris Nossa
Filiação Fucape Business School, Brasil
João Eudes Bezerra Filho
Fucape Business School, Brasil
Danilo Soares Monte-mor
Fucape Business School, Brasil
Administração Pública e Gestão Social, vol. 14, núm. 3, 2022
Universidade Federal de Viçosa

Recepción: 09 Abril 2021

Aprobación: 06 Marzo 2022

Publicación: 22 Julio 2022

INTRODUÇÃO

O efeito flypaper é um fenômeno visto na contabilidade pública, presumindo que o subsídio do governo a um município receptor eleva o gasto público em maior proporção, se comparado à evolução da renda regional, a elasticidade-renda (Ryu, 2017, Paz, Serrano, & Ferreira, 2021; Bastida, Estrada & Guillamón, 2021).

O termo flypaper effects foi adotado no âmbito das finanças públicas por estar diretamente vinculado aos repasses de recursos governamentais, aos gastos públicos e ao fomento de renda aos municípios. O governo federal, para diminuir a instabilidade fiscal entre os estados das regiões menos favorecidas financeiramente em relação a outras integrantes da federação, pode fazer uso de transferências voluntárias para os municípios brasileiros. As transferências voluntárias estão definidas na Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei 101[Brasil], 2000) e, assim, determina a entrega de recursos financeiros a outro ente da federação, na forma de cooperação, auxílio ou assistência financeira, desde que não decorra de determinação constitucional, legal ou os destinados ao Sistema Único de Saúde (SUS).

No entanto, a despeito dessas medidas, é perceptível o comportamento questionável das unidades receptoras, pois as transferências voluntárias podem aumentar as despesas orçamentárias, principalmente, quando se trata da realização de investimentos que, ao final, precisam ser mantidos com recursos próprios dos municípios (Rios & Costa, 2005; Matos, Rocha, & Arvate, 2011)

Alinhado com os estudos de Sakurai (2013), Moutinho e Kiness (2017) e Bastida et al. (2021), uma segunda abordagem desenvolvida nesse estudo se dá com relação à coligação política que pode existir entre os partidos do presidente da república e do prefeito, quanto as transferências voluntárias municipais. Mundialmente, o modelo de orçamento impositivo estabelece que a programação orçamentária aprovada deve ser executada obrigatoriamente, ou seja, a realização dos gastos aprovados não é opcional, exceto por questões específicas definidas em lei (Santos & Gasparine, 2020).

No Brasil, na tentativa de coibir a dissipação de recursos públicos, em março de 2015, foi promulgada a Emenda Constitucional (EC) nº 86, alterada pela EC 95 em 2019 – a qual instituiu o orçamento impositivo para as emendas orçamentárias individuais e de bancadas do parlamento brasileiro, tornando obrigatória a execução da programação orçamentária relativa às respectivas emendas. Além de deliberar novas regras para transferências voluntárias de recursos, a (EC) 86 também registra limite no orçamento para as emendas individuais e as de bancada (Brasil, 2016). Os impactos do orçamento impositivo nas despesas dos municípios brasileiros, que recebem os recursos decorrentes da aprovação das emendas parlamentares, via transferências voluntárias, foi o diferencial de reflexão neste artigo, quando comparado aos estudos anteriores.

Rios e Costa (2005) revelam o aumento das transferências incondicionais do tipo lump-sum, em que o valor é fixo e distribuído de uma só vez, tratando-se de um fator que, proporcionalmente, incentiva mais o aumento de despesa pública municipal do que o aumento da renda dos indivíduos da comunidade. O Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão fomentou a primeira edição do Fórum de Transferências Voluntárias (Brasil, 2016), no qual foi apontado que há mais de meio milhão de propostas no Sistema de Convênios do Governo Federal (Siconv) e mais de R$ 80 bilhões repassados aos municípios pela União (Brasil, 2016).

Autores como Tuckman e Chang (1991), Rios e Costa (2005) e Araújo e Siqueira (2015), estudaram os fatores “complexidade” e “visibilidade” fiscal para explicarem o efeito flypaper. Ambos estão relacionados à dificuldade de os indivíduos se aperceberem de sua verdadeira carga fiscal – o primeiro, devido a um sistema de arrecadação de receitas mais complexo; o segundo, baseado essencialmente em impostos indiretos. Diante do exposto, o presente estudo se propôs a examinar a ocorrência do efeito flypaper nos repasses de transferências voluntárias da União para os municípios brasileiros, analisando os fatores complexidade e visibilidade explorados pelos autores Tuckman e Chang (1991), Rios e Costa (2005), Araújo e Siqueira (2015), acrescido do fator coligações políticas. Tudo no cenário dos dispositivos da Emenda Constitucional 86/2015, alterada pela EC 95/2019.

Para atender a propositura do estudo, foram coletados dados da Secretaria do Tesouro Nacional (STN), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e foi utilizado modelo econométrico com dados em painel de efeitos fixos. Por meio dos resultados, foi possível evidenciar que existe um efeito flypaper financeiro dentre os municípios, considerando que houve aumento de despesas orçamentárias correntes e de capital. Esses repasses são maiores quando existe situação que propicia a prevalência do interesse político acima do coletivo. E ainda, foi possível evidenciar que a análise, com base na EC 86/2015, foi eficiente para demonstrar mudanças no processo de repasses dos recursos de transferências voluntárias. No caso das despesas orçamentárias de capital, constatou-se que têm aumentado acima da capacidade da economia dos municípios em proverem recursos para manutenção e custeios dos bens instalados. E, de forma associada, questões partidárias e políticas, tendem a direcionar os recursos para suas bases. Os resultados sugerem, ainda, que mudanças na complexidade tributária podem favorecer o investimento em bens estruturais.

O presente estudo contribui para a literatura que trata de gastos públicos na forma de transferências voluntárias, ao abordar os convênios presentes nesses processos. A contribuição teórica da pesquisa traz uma visão empírica ainda não abordada na literatura brasileira, separa a despesa corrente e de capital e explora aspectos relativos à EC nº 86/2015, alterada pela EC nº 95/2019.

REFERENCIAL TEÓRICO
As transferências voluntárias da União

Dentre as transferências do governo federal para os municípios, existem diversas fontes de recursos, tais como: transferências constitucionais, transferências legais, transferências do SUS e as transferências voluntárias por convênios. O trabalho de Soares e Melo (2016) apresenta resenha detalhada sobre os conceitos e propósitos de cada uma dessas fontes de recurso. Contudo, este estudo se limita às transferências voluntárias.

Nos termos do Decreto nº 6.170 (2007), as transferências voluntárias representam os repasses de recursos fazendários pela União aos Estados, Distrito Federal e Municípios, por meio da celebração de convênios e/ou contratos de repasses, acordos, ajustes ou outros instrumentos similares. As transferências voluntárias se propunham a financiar a realização de obras e/ou serviços de interesse comum no âmbito das três esferas do governo (Brasil, 2016).

Ferreira e Bugarin (2007) analisaram as transferências intergovernamentais em 2.090 municípios, no período de 1995 a 2004, por meio do método dados de painel com efeitos fixos, e ratificaram a importância que os eleitores atribuem ao desempenho da economia no momento de votar. Os resultados ainda sugerem que as transferências intergovernamentais, no Brasil, sofreram influências político-partidárias. Essa lógica parece sugestionar e orientar a conduta de políticos, os quais, no exercício do poder, tentam demonstrar pujança e desenvolvimento econômico em épocas próximas às eleições (Ferreira & Bugarin, 2007).

Veiga e Veiga (2013) analisaram aumentos de transferências intergovernamentais e alterações de votos associadas às eleições legislativas portuguesas, utilizando um conjunto de dados que abrangeu 278 municípios de Portugal Continental, com dados anuais de 1979 a 2005. Para tal, as estimativas foram realizadas com o Método dos Momentos Generalizados (GMM) para painel de efeitos fixos específicos do município e da eleição e, assim, os resultados encontrados sugerem que o aumento das transferências do governo central para municípios, em ano eleitoral, garante votos adicionais, e que essas transferências são direcionadas às jurisdições nas quais o governo enfrenta o risco de perder apoio. Ainda nessa direção, Bijos (2013) e Moutinho e Kniess (2017) analisaram as causas das transferências voluntárias e encontraram indícios de que a motivação político-eleitoral, embora seja um elemento significativo no processo distributivo, não se justifica como único fator. Desse modo, Moutinho e Kniess (2017) concluem que a distribuição dos recursos para os municípios e estados brasileiros funciona como mecanismo anunciado de resgate para aquelas localidades que necessitarem de socorro financeiro e com poder de pressão política preponderante.

O efeito flypaper nas despesas públicas e as transferências voluntárias da união

O termo efeito flypaper surgiu a partir dos trabalhos empíricos de Henderson (1968) e Gramlich (1969), nos Estados Unidos, onde estabeleceram equações de demanda baseadas na utilidade do cidadão representativo, sujeitas à restrição de sua renda total, ou seja, a soma da renda privada e da parcela correspondente às transferências intergovernamentais sem contrapartida (Almeida, 2016).

Rios e Costa (2005) confirmam a existência do efeito flypaper nos 308 municípios portugueses. O dinheiro dos subsídios tende a atender quem aderir primeiro, sendo disposto para elevar as despesas públicas de capital comparativamente às despesas correntes (Rios e Costa, 2005). Mattos, Rocha e Arvate (2011) analisaram uma reinterpretação do efeito flypaper nos municípios brasileiros e encontraram indícios de que as transferências mais altas do governo federal podem induzir a menos eficiência na arrecadação de tributos locais, em comparação com aumentos na renda privada. As concessões incondicionais de recursos não tornam os municípios mais eficientes, considerando que eles também encontraram evidências de que os municípios buscam aumentar as suas receitas adicionais por meio dos seus próprios recursos, inclusive, com a implementação de novos impostos; contudo, de forma geral, os municípios que recebem mais recursos se mostram menos eficientes (Mattos et al., 2011).

No Canadá, Mehiriz e Marceau (2014) expuseram que as subvenções têm efeito flypaper e resultados assimétricos para os municípios de Quebec. No Brasil, Almeida (2016) constata a incidência do efeito flypaper nas transferências intergovernamentais relativas aos municípios brasileiros, entre os anos de 2002 e 2010. Ainda no Brasil, Paz et al. (2021) analisaram dados de 5.570 municípios, no período de 2005 a 2018, verificando, na análise do efeito flypaper, dados como a receita tributária, a despesa corrente, a transferência corrente, a população municipal e o PIB, concluindo que a realidade econômica e fiscal dos municípios analisados não se alinha aos preceitos do efeito flypaper (Paz et al., 2021).

Com relação ao efeito flypaper, Bastida et al . (2021) desenvolveram uma pesquisa na América Central que envolveu dados de 298 municípios hondurenhos, no período de 2002-2015. Os autores encontraram evidências de que o partidarismo é considerado o fator explicativo mais forte para o direcionamento de recursos; o ciclo eleitoral não se mostrou significativo; o alinhamento partidário também teve um impacto fraco e positivo sobre as transferências. Todavia, encontraram um forte efeito flypaper em HHHonduras (Bastida et al., 2021). No estudo de Rios et al. (2021), evidências do efeito flypaper também foram encontradas na Turquia. Diante do exposto, este estudo considerou que as despesas foram classificadas separadamente como despesas correntes e as despesas de capital e, assim, apresenta-se a primeira hipótese.

H. – O aumento da transferência voluntária gera o efeito flypaper nas despesas.

Na literatura nacional sobre efeito flypaper, destacam-se os estudos de Sakurai (2013), Moutinho (2016), Soares e Melo (2016), Moutinho e Kniess (2017) e Paz et al. (2021).

Sakurai (2013) analisou dados dos municípios brasileiros, no período de 1989 a 2005, se as variações das transferências governamentais afetavam simetricamente o desempenho dos gastos municipais executados pela administração pública regional. Desse modo, procurou apurar se essas despesas estavam suscetíveis ao efeitoflypaper e sugeriu, com os resultados obtidos, que não só as transferências governamentais empreendiam impacto assimétrico sobre as despesas públicas regionais, mas que, sobremaneira, esse efeito geraria recomposição entre gastos correntes e investimentos, além de estar submetida à interferência de fatores políticos.

Moutinho (2016), por sua vez, encontrou evidências empíricas ao apontar determinantes político-partidários na efetivação das transferências voluntárias, estruturando a classificação das transferências voluntárias da União para os municípios brasileiros, em 2012, via emendas parlamentares individuais. Para isso, Moutinho (2016) empregou o método ou estratégia de pesquisa documental e, a partir das análises empreendidas, indica haver vantagens auferidas por influências de partidos que estão no poder. Assim, nos municípios em que há predominância eleitoral de partidos de oposição, registra-se menor volume de repasses (Moutinho, 2016),

Soares e Melo (2016) analisaram as transferências voluntárias da União via convênios – sobre os critérios político-partidários, redistributivo e técnico – para os municípios brasileiros, no período entre 1995 e 2010. As conclusões dessa pesquisa apontaram que o posicionamento partidário dos prefeitos com relação à Presidência da República pode influenciar, terminantemente, no montante de transferências recebidas, ou seja, as transferências voluntárias da União para os municípios não são redistributivas, mas sim, associadas a fatores políticos e técnicos (Soares & Melo, 2016).

Nesse sentido, Moutinho e Kniess (2017) também verificaram que há uma acentuada correlação entre a dimensão de recursos desonerados e a confluência de votantes (eleitores); e entre a dimensão de recursos desonerados e o berço partidário dos gestores locais (prefeitos), que se esforçaram para obter esses recursos. A investigação utilizou dados oficiais do Governo Federal e ainda priorizou o método de pesquisa documental para analisar as transferências voluntárias e as demais transferências ocorridas por meio de Emenda Parlamentar para os municípios brasileiros, referente às propostas cadastradas no ano de 2012. Com relação ao partidarismo e o efeito flypaper, Bastida et al. (2021) encontraram evidências de que, na America Central, o partidarismo tem relação positiva no que se refere ao direcionamento de recursos.

Diante dos resultados empíricos sobre coligações políticas, apresenta-se a segunda hipótese de pesquisa.

H. - Coligação política entre o partido do presidente da república e o partido do prefeito aumenta o efeito flypaper nos municípios brasileiros.

Araujo e Siqueira (2015) avaliaram a função de demanda por bens e serviços públicos regionais, incluindo os fatores que consideram ilusão fiscal com fundamento na teoria do eleitor mediano, sustentada, ainda, por dados concernentes ao ano de 2010, para uma amostra com 5.249 municípios. Os autores se propuseram a investigar os efeitos da ilusão fiscal sobre a demanda por gasto público municipal no Brasil, e concluíram que a ilusão fiscal, correlacionada ao sistema tributário e os subsídios fiscais, pode cooperar com o entendimento do aumento de gasto público, definido como despesa pública, que seria o composto de gastos realizados pelas entidades públicas para subsidiar os serviços públicos (despesas correntes) servíveis à sociedade ou para a execução de investimentos (despesas de capital) (Araujo & Siqueira, 2015). Diante do exposto, apresenta-se a terceira e a quarta hipótese desta pesquisa.

H. - Quanto menor a complexidade fiscal mais alta a despesa.

H. - Quanto menor a visibilidade fiscal mais alta a despesa.

Seguindo Araújo e Siqueira (2015) e Rios e Costa (2005), as variáveis complexidade e visibilidade fiscal referidas nas hipóteses, servem para enfatizar o impacto do efeito flypaper. Para a maior parte da literatura, o indicador escolhido para medir o grau de complexidade e de visibilidade fiscal da receita tributária é o índice de Hirschman-Herfindahl (HHI), por ser uma medida precisa da concentração de receitas, vista desde os estudos de Tuckman e Chang (1991) e de Araújo e Siqueira (2015).

Sobre orçamento impositivo no Brasil, Menezes & Pederiva (2015) concluíram que apenas tornar o orçamento impositivo (OI) não resolverá os problemas orçamentários brasileiros, pois a análise das propostas de OI demonstra que, aparentemente, objetivam atender apenas interesses imediatos dos parlamentares, ao tornar obrigatória a execução de suas emendas individuais. Os autores discorrem que a implantação do orçamento impositivo deveria exigir mudanças na relação entre os poderes Executivo e Legislativo, pois, para que fossem obtidos os resultados esperados, seria importante que o sistema político no qual ela será inserida fosse modificado.

Nesse cenário, considerando que as EC 86 e 95 foram inseridas na Constituição do Brasil para aperfeiçoarem o processo de emendas parlamentares no orçamento que, na prática, tornou as emendas parlamentares impositivas ao limitar a sua discricionariedade na manipulação do orçamento, de forma que se espera que, no período após a referida EC, deveria haver uma redução do efeito flypaper. Diante do exposto, apresenta-se a quinta hipótese.

H. - Após a Emenda Constitucional 86/2015 houve a redução do efeito flypaper das despesas dos municípios.

As cinco hipóteses testadas neste estudo foram formuladas com base na teoria de efeito flypaper, discutidas e testadas nas pesquisas de Cossio e Carvalho (2001), Rios e Costa (2005), Inman (2008), Mattos et al. (2011), Parmagnani (2011), Sakurai (2013), Mehiriz e Marceau (2014), Araujo e Siqueira (2015), Almeida (2016), Ryu (2017), Paz et al. (2021), Bastida et al. (2021) e Rios et al. (2021). Todas as cinco hipóteses testadas neste estudo levam em consideração a despesa como despesa corrente e despesa de capital, separadamente.

METODOLOGIA
Tipologia da pesquisa, coleta de dados, composição da amostra e modelo empírico

Para que fosse possível verificar a existência do efeito flypaper nas transferências voluntárias da união para os municípios brasileiros, sob o contexto de fatores como coligações políticas, complexidade fiscal, visibilidade fiscal e a Emenda Constitucional 86, alterada pela EC 95/2019, foram coletados dados de 5.484 municípios brasileiros referentes aos períodos de 2008 a 2016, em um total de 49.356 observações iniciais. Após a eliminação de valores faltantes referentes às variáveis utilizadas no estudo, obteve-se uma amostra final com 26.619 observações referentes aos municípios, a qual foi utilizada para se testar as cinco hipóteses da pesquisa.

Especificamente, os dados financeiros foram obtidos a partir das publicações do Finanças Brasil – Dados Contábeis para os Municípios (FINBRA), base vinculada à Secretaria do Tesouro Nacional (STN) e que contém informações detalhadas de execução orçamentária (receitas e despesas) e balanço patrimonial para os municípios. Os dados políticos referentes aos partidos e coligações dos prefeitos eleitos, foram extraídos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e se referem às eleições do executivo municipal ocorridas em 2004, 2008 e 2012. Por último, os dados das estimativas populacionais anuais foram retirados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Todas as variáveis financeiras foram corrigidas pelo índice nacional de preços ao consumidor (IPCA), tendo sido utilizado o ano de 2008 como o ano base. Tal procedimento permite a comparabilidade temporal das informações financeiras na medida em que todas as variáveis passaram a ser trabalhadas ao mesmo nível de preços (preços correntes de 2008). Os dados financeiros foram ainda winsorizados a 1% em cada cauda, de forma que fosse mitigada a possível influência de outliers e de garantir comparabilidade com outros resultados da literatura.

As análises foram realizadas com dados em painel para se testar o efeito flypaper nas contas de despesas corrente e de capital dos municípios brasileiros, conforme modelos 1 e 2, respectivamente. Os modelos de dados em painel desbalanceados, relacionam os municípios brasileiros i = 1,2, 3..., 5.484 no período de tempo t = 2008, 2009, ..., 2016, a saber:




(1)




(2)

Com o intuito de verificar se o estimador em painel mais apropriado para se estimar os modelos 1 e 2 deveriam ser o estimador de efeitos fixos (EF) ou efeitos aleatórios (EA), utilizou-se o teste de Hausman de forma separada para cada uma das especificações. O teste de Hausman consiste, nesse caso, na estimação em um primeiro momento, utilizando-se ambos os estimadores (EA e EA). Em um segundo momento, por meio de uma estatística com distribuição qui-quadrado, é verificado se a diferença conjunta entre os coeficientes de ambos os modelos estimados é significativa. Se a hipótese nula de diferenças não sistemáticas entre os coeficientes for rejeitada, o estimador de EF deve ser utilizado em detrimento do estimador de EA (EF é consistente e EA é inconsistente). Por outro lado, se a hipótese nula de diferenças não sistemáticas entre os coeficientes não for rejeitada, o estimador de EA deve ser utilizado em detrimento do estimador de EF (EA é consistente e mais eficiente) (Wooldridge, 2002).

Os resultados obtidos a partir da estimação do teste de Hausman em cada modelo, indicam que a regressão do modelo 1 deve ser estimada por meio do estimador de efeito fixo (consistente), enquanto o estimador de efeitos aleatórios deve ser utilizado para se estimar a regressão do modelo 2 (estimativas consistentes e mais eficientes). Em ambas as estimações foram utilizados estimadores robustos para a variância (Wooldridge, 2002; Hsião, 2014).

De acordo com a hipótese H1, espera-se que o aumento na transferência voluntária gere o efeito flypaper nas despesas, sejam elas de capital ou correntes. Nesse caso, espera-se que o coeficiente dos modelos 1 e 2 sejam ambos positivos. Nesses modelos, as variáveis e representam as variações das despesas de capital e correntes em relação à variações das transferências voluntárias correntes de cada município; e a variável representa a variação do PIB per capita dos municípios em relação à variação das transferências voluntárias de capital.

Os coeficientes , e , por sua vez, respondem às hipóteses H2, H3, H4 e H5, as quais se referem à sensibilidade do efeito flypaper às variáveis coligação política entre o partido do presidente da república e o partido do prefeito, complexidade fiscal, visibilidade fiscal e a instituição da Emenda Constitucional 86, de 2015. De acordo com tais hipóteses, espera-se .

Na Figura 1 são apresentadas as descrições detalhadas das variáveis das Equações 1 e 2.


Figura 1: Descrição das variáveis utilizadas.

A partir do estudo de Inman (2008), a população do município foi incluída como variável de controle, pois a dimensão do município pode influenciar os gastos públicos, o que delimita seus níveis. Outro ponto a ser considerado é o volume em recursos necessários para manter o município com sua estrutura em funcionamento, à medida em que o crescimento da população pode variar de município para município e ao longo do tempo.

ANÁLISE DOS RESULTADOS
Estatística descritiva

A Tabela 1 apresenta de forma detalhada a estatística descritiva das variáveis utilizadas neste trabalho, por ano no período de 2008 a 2016. Analisando-se as variáveis independentes referentes à renda e visibilidade de impostos, verifica-se que a renda média per capta e a visibilidade dos impostos diretos apresentaram tendência de aumento no período considerado. Especificamente, a renda média per capita apresentou ao longo dos anos crescimento médio próximo a 4,5%, muito embora tenha apresentado queda em 2013. As despesas correntes seguem um movimento similar ao crescimento da população. Tais movimentos sugerem inicialmente certa estabilidade no crescimento das despesas corrente em relação ao aumento da demanda da população, esta estabilidade pode ser explicada pelas pressões existentes no período em função da turbulência política e econômica vivenciada pelo Brasil, no qual o controle dos gastos passou a ser pauta constante de análise e apontamento por parte da mídia, especialistas e população. Apesar da literatura internacional (Lupu & Asandului, 2017; Trabelsi, 2018) e da literatura nacional (Bogoni et al., 2011; Degenhart et al., 2016) encontrarem evidências de uma relação positiva entre o crescimento econômico e os gastos públicos.

No que tange às despesas de capital, houve um pico médio elevado no ano de 2010, com acentuada queda em 2011 e posterior crescimento. Tal movimento segue similar às variações dos repasses médios de capital e seguem alinhados às tentativas de formulações de políticas de investimento em infraestrutura como forma de expandir a atividade econômica e conter os efeitos de quedas nos níveis da atividade econômica (Lupu & Asandului, 2017; Trabelsi, 2018; Bogoni et al., 2011; Degenhart et al., 2016).


Tabela 1: Estatística Descritiva dos dados




Nota. D.V refere-se ao desvio padrão. Máx refere-se ao valor máximo. Mín refere-se ao valor Mínimo. Os dados foram winsorizados a 1% em cada cauda.

Tanto a manutenção do crescimento dos gastos dos governos quanto a manutenção das despesas obrigatórias, limitam a capacidade governamental de aliviar a tributação sobre empresas e demais contribuintes. Nesse caso, ainda que algumas propostas tenham surgido no sentido de simplificar o modelo tributário, evidencia-se elevada tributação baseada em um sistema tributário de complexidade relativamente elevada. Tais pontos seguem evidenciados pela evolução da complexidade fiscal e visibilidade fiscal, as quais tiveram o comportamento similar em termos de crescimento médio ao longo dos anos analisados, com elevado pico, em 2013; queda considerável, em 2014; e crescimento nos anos consecutivos.

Embora tais características sejam observadas em termos médios, verifica-se grande oscilação entre os municípios analisados, evidenciada não só por uma questão de dispersão, mas pela assimetria presente nas distribuições analisadas. Esse retrato é comum no cenário brasileiro, já que existem municípios que demandam maior volume em recursos, além de apresentarem uma densidade populacional elevada e maior concentração de riqueza, como é o caso das cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, dentre outras (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE], 2018).

Com tamanha discrepância entre os dados, Barnett e Lewis (1994) recomendam que seja realizada a winsorização das informações utilizadas, que consiste em substituir os dados inferiores e superiores a um dado percentual, respectivamente, pelo maior e menor valor remanescente. Neste estudo, fez-se a winsorização a 1%.

Resultados não tabulados mostram que as variáveis CF e VF possuem correlação de Pearson positiva de 0,85, o que indica que a complexidade e a visibilidade fiscal têm se movimentado de forma muito similar ao longo do tempo. Embora tais variáveis tenham apresentado correlação relativamente alta, resultados não tabulados para o teste Variance Inflation Factor (VIF) apresentaram valor inferior a três para o VIF da primeira regressão e próximo de quatro para a segunda, não apresentando, portanto, implicações multicolineares para nenhuma das regressões (Gujarati, Porter, & Gunasekar, 2011).

Resultados não tabulados acerca da Correlação de Pearson evidenciam, ainda, uma relação inversa entre a renda per capta e o nível das transferências correntes e de capital. Tais resultados seguem alinhados à constituição na medida em que refletem o papel assistencial das transferências voluntárias, tal como preconizado pela legislação mediante entrega de receitas correntes ou de capital a outro ente da Federação, a título de cooperação, auxílio ou assistência financeira (Lei n.101, 2000). Em novembro de 2016, no Fórum de Transferências Voluntárias organizado pelo Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, aponta-se que: (i) há mais de meio milhão de propostas de convênios no Sistema de Convênios (Siconv); (ii) nos últimos 15 anos, a União repassou aos municípios mais de R$ 80 bilhões (Brasil, 2016).

Teste de hipóteses – Análise de regressão Multivariada

Na Tabela 2 é possível visualizar os resultados das estimações das regressões que consideram despesas de capital e corrente como variáveis dependentes, respectivamente, bem como testes de avaliação diagnóstica dos pressupostos das regressões. Os modelos estimados não apresentaram problemas de multicolinearidade, na medida em que VIF médio foi inferior a 5 para todos os modelos (Wooldridge, 2002).

Constatou-se também que em tais estimativas os dados são heterocedásticos, de forma que se utilizou um estimador robusto para a variância em ambas as estimações. O teste de Hausmam foi utilizado com o intuito de verificar se o painel a ser estimado deveria conter efeitos fixos ou aleatórios. Os resultados sugerem que o modelo 1, estimado com efeito fixo, é consistente; enquanto resultados consistentes e mais eficientes são obtidos com efeitos aleatórios para a regressão 2, a qual considera despesas corrente como variável dependente.


Tabela 2: Resultados das estimações

Nota. Renda/TVUC renda e transferências voluntárias de convênios, CF refere-se à complexidade fiscal. VF refere-se à visibilidade fiscal. Modelos com efeitos fixos mais indicados na regressão 1 e efeitos aleatórios para a regressão 2. O termo constante refere-se à média dos interceptos dos n municípios para o modelo 1. O símbolo *** denota significante a 1%; ** denota significante a 5%; * denota significante a 10%.

Os resultados constantes na Tabela 2 apontam que a variável renda/TVUC é significativa em ambas as estimações, embora apresente sinais contrários. Especificamente, variações da renda em relação às transferências voluntárias, possuem associação negativa com as despesas corrente e positiva com despesas de capital. Tais análises sugerem que o aumento da renda está associado a uma redução das despesas corrente dos municípios e a um aumento das despesas de capital. Verifica-se, portanto, a existência do efeito flypaper para as despesas de capital e não para as despesas corrente. Nesse caso, encontram-se evidências que suportam a hipótese H1 da presença do efeito flypaper dentro da perspectiva das despesas de capital, mas não correntes, o que segue alinhado às pesquisas de Araujo e Siqueira (2015) e Rios e Costa (2005).

Rios e Costa (2005) confirmam a essência do efeito flypaper – que o dinheiro dos subsídios pende a aderir onde chega primeiro, ou seja, é disposto para elevar as despesas públicas, em oposição aos valores repassados aos eleitores – nas análises das transferências intergovernamentais para 308 municípios portugueses. Em suas análises, os autores concluem que esse efeito apresenta maior prevalência nas despesas de capital do que nas despesas corrente, o que segue alinhado aos resultados obtidos para municípios brasileiros. Nesse caso, verifica-se que o efeito flypaper no Brasil é um fato proveniente da fixação de recursos originários de transferências governamentais tipo lumpsum, que são aplicadas para complementar a despesa pública local em vez de fomentar a restituição dos recursos à população, por exemplo, por meio de desoneração fiscal (Inman, 2008).

Os resultados da estimação do modelo 1 e constantes na Tabela 2, indicam também que nos municípios em que o governante é do mesmo partido ou coligação do presidente, os repasses em despesa de capital são, em média, superiores em R$ 566,16 em relação aos municípios que não apresentam tal relação. Esse resultado segue alinhado à hipótese H2, em que a coligação entre o partido do presidente e o partido do prefeito faz com que aumente o volume de despesas corrente e de capital, concomitante ao aumento das transferências voluntárias de convênios. Os resultados apresentados na Tabela 2 corroboram com os achados dos estudos de Soares e Melo (2016), Moutinho e Kniess (2017) e Bastida et al. (2021), no que se refere ao efeito dos critérios político-partidários nas transferências voluntárias.

Conjuntamente, os resultados acerca do efeito renda e do efeito alinhamento do governo, sugerem que as transferências voluntárias da União podem refletir, legalmente, manobras políticas com o subterfúgio legal de financiar a realização de obras e/ou serviços de interesse comum no âmbito das três esferas do governo (Brasil, 2011). Essa pode ser, inclusive, uma das justificativas de evidências iniciais encontradas na literatura, qual seja, de que o aumento das transferências incondicionais do tipo lump-sum incentiva proporcionalmente mais ao aumento de despesa pública municipal do que ao aumento da renda (Rios & Costa, 2005).

Os resultados da Tabela 2 apontam, ainda, que a maior complexidade fiscal tende a reduzir as despesas de capital dos municípios estudados, tal como pode ser visto nas estimações do modelo 1. Especificamente, aumento em 0.1 ponto percentual tenderia a reduzir as despesas de capital em 1.28 por cento das transferências totais recebidas, o que suporta a hipótese H3, em que a menor complexidade fiscal resulta no aumento das despesas de capital do município. Os mesmos resultados não são obtidos para as despesas correntes, que seguem não relacionadas à complexidade fiscal. Tal resultado sugere que mudanças na complexidade tributária podem favorecer o investimento em bens estruturais, já que essa demanda tem sido alvo, inclusive, de propostas de legislação com o intuito de simplificar o sistema tributário e diminuir as externalidades negativas geradas pelas diferentes legislações estaduais e municipais. Os resultados acerca do efeito da visibilidade fiscal na variação das despesas de capital e corrente, seguem de forma análoga e suportam as evidências da complexidade fiscal. As hipóteses H3 e H4, portanto, seguem satisfeitas para as despesas de capital, o que corrobora com os trabalhos de Araujo e Siqueira (2015).

Resultados adicionais sugerem que após a implementação da EC 86, a qual visou dar maior responsabilidade dos gestores, não se verificou redução do volume de Despesas de Capital e Corrente dos municípios. Nesse caso, verifica-se que a hipótese H5 não é satisfeita, o que sugere que a EC86 pode não ter contribuído integralmente para o aperfeiçoamento do processo de emendas parlamentares no orçamento. Além disso, outras análises sugerem que o direcionamento das transferências voluntárias da União pode estar se dando de forma imparcial, na medida em que seguem relacionadas ao alinhamento entre os partidos políticos. Esse resultado nos leva à reflexão de que novas medidas precisam ser tomadas para um controle efetivo na distribuição dos recursos públicos regionais.

De forma geral, os resultados apresentados trazem evidências que contribuem ao mostrar, empiricamente, que a coligação entre o partido do presidente e o partido do prefeito faz com que se aumente o volume de despesas de capital. Os resultados contribuem também ao trazer as evidências, ainda não registradas na literatura brasileira, sobre o fato de que mudanças na complexidade tributária podem favorecer o investimento em bens estruturais na medida em que tanto a complexidade fiscal quanto a visibilidade fiscal tendem a reduzir as despesas de capital dos municípios estudados. Os mesmos resultados não são obtidos para as despesas correntes. Adicionalmente, registra-se mais uma contribuição ao mostrar empiricamente que, no Brasil, a implementação da EC 86, a qual visou dar maior responsabilidade dos gestores, não reduziu o volume de Despesas de Capital e Corrente, tal como pode ser visto pelo coeficiente não significativo estimado na equação 2. Conjuntamente, tais resultados levantam preocupações na medida em que, de forma geral, os resultados indicam que as despesas de capital têm aumentado acima da capacidade da economia de prover recursos e de forma associada a questões partidárias, em que as leis não têm capacidade de travar tais avanços.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo se propõe a examinar a ocorrência do efeito flypaper nos repasses de transferências voluntárias da União para os municípios brasileiros. A partir dos resultados de Tuckman e Chang (1991), Rios e Costa (2005), Araújo e Siqueira (2015), foi acrescido o fator coligações políticas, no cenário dos dispositivos da Emenda Constitucional (EC) 86/2015 e EC 95/2019. De uma forma geral, os resultados sugerem que existe o efeito flypaper para as despesas de capital, mas não para as despesas correntes. Especificamente, o aumento da renda está associado a uma redução das despesas corrente dos municípios e a um aumento das despesas de capital. Entretanto, a complexidade tributária ainda é um entrave ao desenvolvimento e a redução do gasto público na medida em que se verifica que a maior complexidade fiscal tende a reduzir as despesas de capital dos municípios estudados. Tal resultado sugere que mudanças na complexidade tributária podem favorecer o investimento em bens estruturais.

Embora a literatura evidencie que as transferências voluntárias simbolizam um instrumento relevante para atenuar os desequilíbrios entre os diferentes níveis de governo e entre os entes federativos de nível semelhante de uma federação – inclusive o Brasil, neste estudo, foram apresentadas evidências que seguem de encontro aos pressupostos constitucionais. Especificamente, os resultados sugerem que após a implementação da emenda constitucional, a qual visou dar maior responsabilidade aos gestores, a meta da EC pode não estar sendo atingida em média pelos municípios. O resultado encontrado nos leva à reflexão de que novas medidas precisam ser tomadas para um controle efetivo na distribuição dos recursos públicos regionais. Os resultados obtidos com o estudo dão início a questionamentos futuros em relação à gestão de recursos públicos com base nas transferências diretas por convênios, buscando contribuir com a ampla reflexão acerca do controle desses recursos e ainda mitigar o aumento de despesas, tal qual sugeriu Araujo e Siqueira (2015) e Rios e Costa (2005), visando, ademais, devolver tais recursos ao contribuinte por meio de políticas públicas e da tão sonhada desoneração fiscal.

Para pesquisas futuras, sugere-se estudar o porquê de as transferências voluntárias aumentarem as despesas públicas ao invés de promover sua estabilização. E, para tanto, recomenda-se que seja desenvolvida uma pesquisa qualitativa junto aos gestores públicos, sobre as características da economia, as diferenças tributárias e a dependência federal, pois esses podem ser fatores que explicam o aumento das despesas públicas em função do recebimento dessas transferências.

Material suplementario
REFERÊNCIAS
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Notas







Figura 1: Descrição das variáveis utilizadas.


Tabela 1: Estatística Descritiva dos dados




Nota. D.V refere-se ao desvio padrão. Máx refere-se ao valor máximo. Mín refere-se ao valor Mínimo. Os dados foram winsorizados a 1% em cada cauda.

Tabela 2: Resultados das estimações

Nota. Renda/TVUC renda e transferências voluntárias de convênios, CF refere-se à complexidade fiscal. VF refere-se à visibilidade fiscal. Modelos com efeitos fixos mais indicados na regressão 1 e efeitos aleatórios para a regressão 2. O termo constante refere-se à média dos interceptos dos n municípios para o modelo 1. O símbolo *** denota significante a 1%; ** denota significante a 5%; * denota significante a 10%.
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