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Qualidade de Vida no Teletrabalho Compulsório no Contexto da COVID-19: Percepções entre os Gêneros em Organizações Públicas
Simone Maria Vieira de Velasco; Maria Júlia Pantoja; Míriam Aparecida Mesquita Oliveira
Simone Maria Vieira de Velasco; Maria Júlia Pantoja; Míriam Aparecida Mesquita Oliveira
Qualidade de Vida no Teletrabalho Compulsório no Contexto da COVID-19: Percepções entre os Gêneros em Organizações Públicas
Quality of Life in Compulsory Telework in the COVID-19 Context: Perceptions Between Genders in Public Organizations
Calidad de Vida en el Teletrabajo Obligatorio en el Contexto de COVID-19: Percepciones entre Géneros en las Organizaciones Públicas
Administração Pública e Gestão Social, vol. 15, núm. 1, 2023
Universidade Federal de Viçosa
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Resumo: Objetivo da pesquisa: Analisar os níveis de Qualidade de Vida no Teletrabalho (e-QVT) compulsório durante a pandemia do coronavírus, de servidores públicos brasileiros a partir das percepções entre mulheres e homens e nos perfis segmentados: mulheres e homens com e sem filhos; mulheres com e sem filhos.

Enquadramento teórico: Qualidade de Vida no Teletrabalho Compulsório, cujo modelo teórico é composto por cinco dimensões: Atividades do Teletrabalhador; Gestão do Teletrabalho; Suporte Tecnológico; Condições Físicas do Trabalho; e Sobrecarga decorrente do Teletrabalho Compulsório.

Metodologia: Os dados foram obtidos por meio de formulário eletrônico com 5.695 servidores de nove instituições públicas brasileiras, sendo analisados por meio de análises descritivas e de variância.

Resultados: Os resultados evidenciaram níveis satisfatórios de e-QVT, com exceção das questões referentes à sobrecarga de trabalho. Ao comparar a percepção entre os grupos, foram identificadas diferenças significativas entre mulheres e homens com e sem filhos relacionadas à gestão do teletrabalho, mais especificamente, quanto às interrupções e ao conflito entre trabalho, descanso e lazer. O grupo de mulheres com e sem filhos apresentou diferenças significativas quanto às atividades do teletrabalho.

Originalidade: O presente artigo apresenta perspectiva inovadora, uma vez que revela, além das diferentes percepções entre os gêneros, resultados com variâncias expressivas entre o mesmo gênero e, também, decorrentes da configuração familiar, no que diz respeito à e-QVT compulsório em organizações públicas.

Contribuições teóricas e práticas: Além da perspectiva de gênero, a percepção de e-QVT compulsório pode diferir conforme a configuração da estrutura familiar, expressa por níveis menos satisfatórios nas famílias com filhos, o que demanda dos gestores a proposição de práticas de promoção de e-QVT que diminuam ou eliminem as fontes de mal-estar percebidas, observadas as especificidades entre os gêneros e dentro do mesmo gênero.

Palavras-chave: Qualidade de vida no teletrabalho, Teletrabalho compulsório, Gênero, Pandemia, Setor público.

Abstract: Objective: To analyze the levels of Quality of Life in Compulsory Telework during the coronavirus pandemic, of Brazilian public servants from the perceptions between women and men and in segmented profiles: women and men with and without children; women with and without children.

Theoretical framework: Quality of Life in Compulsory Telework, whose theoretical model is composed of five dimensions: Teleworker Activities; Telework Management; Technological Support; Physical Conditions of Work; and Overload resulting from Compulsory Telework.

Methodology: Data were obtained through electronic form with 5,695 servers from nine Brazilian public institutions and analyzed through descriptive and variance analysis.

Results: The results showed satisfactory levels of Quality of Life in Compulsory Telework, with the exception of issues related to work overload. When comparing the perception between the groups, significant differences were identified between women and men with and without children related to the management of telework, more specifically, regarding interruptions and the conflict between work, rest and leisure. The group of women with and without children showed significant differences in terms of telecommuting activities.

Originality: This article presents an innovative perspective, as it reveals, in addition to the different perceptions between genders, results with expressive variances between the same gender and, also, arising from the family configuration, with regard to Quality of Life in Compulsory Telework in organizations public services.

Theoretical and practical contributions: In addition to the gender perspective, the perception of Quality of Life in Compulsory Telework may differ according to the configuration of the family structure, expressed by less satisfactory levels in families with children, which requires managers to propose practices to promote Quality of Life in Telework that reduce or eliminate the sources of perceived discomfort, observing the specificities between genders and within the same gender.

Keywords: Quality of life in telework, Compulsory telework, Gender, Pandemic, Public sector.

Resumen: Objetivo de la investigación: Analizar los niveles de Calidad de Vida en el Teletrabajo - (e-CVT) obligatorio durante la pandemia de coronavirus, de los servidores públicos brasileños a partir de las percepciones entre mujeres y hombres y en perfiles segmentados: mujeres y hombres con y sin hijos; mujeres con y sin hijos.

Marco teórico: Calidad de Vida en el Teletrabajo Obligatorio, cuyo modelo teórico se compone de cinco dimensiones: Actividades del Teletrabajador; Gestión de teletrabajo; Soporte Tecnológico; Condiciones físicas de trabajo; y Sobrecarga resultante del Teletrabajo Obligatorio.

Metodología: Los datos se obtuvieron a través de formulario electrónico con 5.695 servidores de nueve instituciones públicas brasileñas y se analizaron mediante análisis descriptivo y de varianza.

Resultados: Los resultados arrojaron niveles satisfactorios de e-CVT, a excepción de cuestiones relacionadas con la sobrecarga de trabajo. Al comparar la percepción entre los grupos, se identificaron diferencias significativas entre mujeres y hombres con y sin hijos relacionadas con la gestión del teletrabajo, más específicamente, en cuanto a las interrupciones y el conflicto entre trabajo, descanso y ocio. El grupo de mujeres con y sin hijos mostró diferencias significativas en cuanto a las actividades de teletrabajo.

Originalidad: Este artículo presenta una perspectiva innovadora, ya que revela, además de las distintas percepciones entre géneros, resultados con varianzas expresivas entre un mismo género y, también, derivados de la configuración familiar, en cuanto a la e-CVT obligatorio en las organizaciones públicas.

Aportes teóricos y prácticos: Además de la perspectiva de género, la percepción de la e-CVT obligatorio puede diferir según la configuración de la estructura familiar, expresada por niveles menos satisfactorios en familias con hijos, lo que obliga a los gestores a proponer prácticas para promover e-CVT que reducen o eliminan las fuentes de malestar percibido, observando las especificidades entre géneros y dentro del mismo género.

Palabras clave: Calidad de vida en el teletrabajo, Teletrabajo obligatorio, Género, Pandemia, Sector público.

Carátula del artículo

Artigos

Qualidade de Vida no Teletrabalho Compulsório no Contexto da COVID-19: Percepções entre os Gêneros em Organizações Públicas

Quality of Life in Compulsory Telework in the COVID-19 Context: Perceptions Between Genders in Public Organizations

Calidad de Vida en el Teletrabajo Obligatorio en el Contexto de COVID-19: Percepciones entre Géneros en las Organizaciones Públicas

Simone Maria Vieira de Velasco
Ministério da Economia - ME, Brasil
Maria Júlia Pantoja
Universidade de Brasília - UnB, Brasil
Míriam Aparecida Mesquita Oliveira
Universidade de Brasília - UnB, Brasil
Administração Pública e Gestão Social, vol. 15, núm. 1, 2023
Universidade Federal de Viçosa

Recepción: 28 Diciembre 2021

Aprobación: 20 Julio 2022

Publicación: 20 Enero 2023

Introdução

A pandemia global da Coronavirus Disease 2019 (COVID-19), decretada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), em 11 março de 2020 (Contreras, Baykal, & Abid, 2020), intensificou transformações sem precedentes na forma de organização do trabalho para indivíduos, organizações e governos (Lyttelton, Zang, & Musick, 2020), principalmente relacionada à recomendação de isolamento social como medida para prevenir e reduzir a disseminação do coronavírus.

Como alternativa ao trabalho presencial, organizações públicas e privadas instituíram o teletrabalho de forma compulsória e emergencial em um curto espaço de tempo buscando atender às exigências sanitárias e manter as atividades laborais (Nagata et al., 2021; Schmitt, Breuer, & Wulf, 2021).

Se por um lado, estudos anteriores à pandemia, apontam vantagens relacionadas ao teletrabalho, principalmente no que diz respeito aos horários flexíveis, à ausência de deslocamento para o trabalho, ao equilíbrio entre vida familiar e profissional, maior segurança, flexibilidade e autonomia, por outro, também trazem desvantagens como o isolamento profissional e social, as dificuldades de promoção na carreira e os conflitos entre família e trabalho (Andrade, 2020; Filardi, Castro, & Zanini, 2020; Oliveira & Pantoja, 2020; Tremblay, 2002).

Achados de pesquisas recentes conduzidas no contexto da pandemia da COVID-19, apontaram que a dimensão individual pode influenciar a percepção e o resultado do teletrabalho. Nas pesquisas conduzidas por Hallman et al. (2021) e Rymaniac, Lis, Davidaviciené, Pérez-Pérez e Mártinez-Sánchez (2021), por exemplo, foram identificadas diferenças nas percepções das vantagens e desvantagens do teletrabalho, considerando fatores relativos à idade, gênero, escolaridade e experiência no teletrabalho.

De fato, a adoção compulsória e emergencial do teletrabalho como recomendação das autoridades sanitárias para enfrentamento da pandemia, fez com que as organizações, os trabalhadores e suas famílias tivessem que se adaptar a uma nova realidade sem qualquer tipo de preparação prévia e apoio social, afetando de maneira desigual diferentes grupos ocupacionais. Na esteira dessas constatações, alguns estudos ressaltam que o advento da COVID-19 causou efeitos multifacetados na sociedade percebidos de diferentes formas quanto à igualdade social de gênero, composição familiar com filhos e especificidade profissional (Bjursell, Bergmo-Prvulovic, & Hedegaard, 2021; Nguyen & Armoogum, 2021; Núñez-Sánchez, Gómez-Chacón, Jambrino-Maldonado, & García-Fernández, 2021; Schmitt et al., 2021).

Mais especificamente, considerando as argumentações de Nguyen e Armoogum (2021), de que a inesperada eclosão da COVID-19 afetou de forma distinta homens e mulheres, comprometendo o quinto objetivo de desenvolvimento sustentável das Nações Unidas - igualdade de gênero - e ainda, a importância de garantir que os programas de teletrabalho no contexto pós pandemia não acentuem a desigualdade de gênero, particularmente entre mães e pais, estudos voltados a avaliar o impacto social da COVID-19 a partir de uma perspectiva de gênero, tornam-se cruciais (Yerkes et al., 2020).

As configurações de trabalho remoto e híbridas, adotadas de forma contingencial no advento da COVID-19, apontaram a necessidade de novos perfis de competências e práticas de gestão, bem como desafios relacionados à qualidade de vida e ao bem-estar no teletrabalho foram evidenciados, assim como a necessidade de inovação das políticas de gestão de pessoas, com vistas a conciliar o alcance de resultados organizacionais e a promoção da Qualidade de Vida no Teletrabalho (e-QVT). Além disso, os resultados do teletrabalho adotado de forma emergencial e compulsória no bem-estar dos trabalhadores remotos tem sido fonte de preocupação de estudiosos da área (Dolce, Vayre, Molino, & Ghislieri, 2020) e pouco ainda se sabe sobre a temática.

Com base na suposição de que o teletrabalho aumentará quando comparada a frequência de teletrabalhadores antes da pandemia e, também, na questão emergente relativa à possibilidade de uma maior polarização na vida profissional ao longo das linhas de gênero, conforme argumentam Bjursell et al. (2021), o presente estudo tem como objetivo analisar os níveis de e-QVT compulsório realizado durante a pandemia do coronavírus, de servidores públicos brasileiros a partir das percepções entre mulheres e homens e nos perfis segmentados: a) mulheres e homens com filhos e mulheres e homens sem filhos; b) mulheres com filhos e mulheres sem filhos. Espera-se que os resultados encontrados possam contribuir com o avanço da literatura sobre a temática, bem como fornece evidências capazes de subsidiar a formulação de políticas de gestão de pessoas, com foco na qualidade de vida e bem-estar no trabalho, considerando o perfil, o contexto familiar e as necessidades dos teletrabalhadores, e que atenuem as desigualdades percebidas entre os gêneros.

Para tanto, o texto está estruturado em cinco seções além dessa introdução. Na segunda seção são apresentados os enfoques teóricos sobre teletrabalho, qualidade de vida no teletrabalho e percepções entre gêneros. Em seguida, são descritos os procedimentos metodológicos utilizados para realização da pesquisa. Posteriormente, na quarta seção, são apresentados os resultados encontrados seguidos da discussão dos dados. Por fim, na última seção são apresentadas as limitações do estudo, sugeridas possibilidades de pesquisas futuras e as considerações finais do estudo.

Fundamentos Teóricos
Teletrabalho e Qualidade de Vida no Teletrabalho (e-QVT)

Conforme Contreras et al. (2020), a OMS anunciou oficialmente o surto da COVID-19, em março de 2020, como uma pandemia e sugestões de medidas preventivas para conter sua propagação, sendo o teletrabalho uma estratégia importante e implementada por organizações e governos em todo o mundo (Ahmed, Zviedrite, & Uzicanin, 2018).

Antes da COVID-19, o teletrabalho crescia constante e globalmente em muitos setores. A pandemia acelerou esse processo e as empresas devem operar com funcionários tendo que trabalhar em locais diferentes do local de trabalho tradicional por meio do teletrabalho (Contreras et al., 2020).

Embora o teletrabalho seja uma modalidade utilizada na administração pública desde meados de 2005, vem sendo incrementado, em ritmo modesto em relação ao seu potencial, a partir de 2016, no judiciário, executivo e legislativo. Dessa forma, possivelmente, no cenário pandêmico, muitas instituições ainda não haviam implementado um programa formal de teletrabalho (Pantoja, Andrade, & Oliveira, 2020).

Pantoja et al. (2020) descrevem o contexto de implementação do teletrabalho, instituído de forma imediata e compulsória, sem o devido planejamento, definição de metas, análise da estrutura física e/ou tecnológica, da organização do trabalho, natureza das tarefas, tampouco do perfil dos servidores. Nesse sentido, as autoras apontam que muitas organizações públicas precisaram reorganizar suas rotinas de trabalho, inclusive aquelas que já possuíam o teletrabalho implementado, na medida em que os servidores e gestores públicos começaram, obrigatoriamente, a desenvolver suas atividades a partir de seu ambiente domiciliar, independente da natureza de suas atividades, de suas competências técnicas e de sua vontade prévia.

Pantoja et al. (2020) relatam a inexistência de uma definição uníssona dos termos teletrabalho e teletrabalho compulsório. Para as autoras, o teletrabalho pode ser definido como um fenômeno multidimensional com atributos que se diversificam ao longo das seguintes dimensões: a utilização das tecnologias da informação e comunicação (TICs), a intensidade das competências, o ambiente intra e extraorganizacional e o local de realização do trabalho. A partir disso, as autoras definem o teletrabalho compulsório como uma:

Modalidade de trabalho flexível, realizado fora do local de trabalho, com uso das tecnologias da informação e comunicação, adotado de forma imediata e contingencial como alternativa para garantir isolamento social e produtividade, em contextos de crise tais como, crise energética, desastres naturais, recessão econômica, calamidade pública e/ou pandemias (Pantoja et al., 2020, p. 83).

Em revisão da literatura nacional realizada por Oliveira e Pantoja (2020), as autoras identificaram que uma das vantagens mais recorrentes do teletrabalho diz respeito a melhoria da qualidade de vida e do bem-estar. Ao desenvolver um instrumento de medida de Qualidade de Vida no Teletrabalho, Andrade (2020) argumenta que o conceito de e-QVT engloba diversas dimensões constitutivas, tais como a organização do trabalho, realizado de maneira remota, a promoção de bem-estar pessoal e profissional, as características do indivíduo, o desenvolvimento de habilidades e o alcance de metas de vida, alinhados a produtividade organizacional.

Em relação aos benefícios do teletrabalho, Tremblay (2002) relata que os horários flexíveis e a possibilidade de evitar o deslocamento para o trabalho apresentam influência positiva no equilíbrio entre vida familiar e profissional. Outras vantagens são citadas por Filardi et al. (2020), são elas: redução do custo com transporte e alimentação, maior segurança, menos exposição à violência e poluição, mais privacidade, maior interação com a família e melhoria nos níveis de qualidade de vida. Ainda, conforme pesquisa realizada por Andrade (2020), os programas de teletrabalho contribuem para o aumento do bem-estar dos trabalhadores, principalmente por proporcionar flexibilidade, autonomia, satisfação, diminuição dos deslocamentos até o trabalho e maior contato com o ambiente familiar.

No contexto da COVID-19, autores como Yerkes et al. (2020) salientam que muitos pais e mães estão passando por mudanças significativas no trabalho (incluindo onde e quando trabalham, a pressão subjetiva do trabalho), a divisão de cuidados com as crianças, tarefas domésticas e qualidade de vida (quantidade de tempo de lazer, bem como a facilidade ou dificuldade percebida de combinar trabalho e cuidado, e negociar sobre essas tarefas com seu parceiro durante o bloqueio). Argumentam os referidos autores que o impacto das primeiras medidas de isolamento social relacionado à COVID-19 sobre mães e pais holandeses ressalta a perspectiva de gênero, em que algumas desigualdades de gênero existentes foram ampliadas nesse contexto.

Em pesquisa realizada em uma instituição pública brasileira, durante o teletrabalho compulsório, Pantoja et al. (2020) definiram um modelo teórico de e-QVT Compulsório, composto por cinco dimensões, cujas definições podem ser observadas na Tabela 1.


Tabela 1: Dimensões de e-QVT Compulsório

Fonte: Pantoja, Andrade e Oliveira (2020).

O modelo teórico de Qualidade de Vida no Teletrabalho (e-QVT) compulsório proposto por Pantoja et al. (2020) foi utilizado como base para a condução do presente estudo.

Percepções entre gêneros

A pesquisa conduzida por Tremblay (2002), em empresas canadenses do setor público e privado, sobre as vantagens e desvantagens do teletrabalho, evidenciou a existência de diferenças significativas entre os gêneros no que diz respeito ao tipo de trabalho, às horas praticadas em casa e autonomia na decisão sobre o teletrabalho. Todavia, o referido autor argumenta, que tanto homens quanto mulheres concordam que o isolamento e ausência dos colegas de trabalho são desvantagens, principalmente para os teletrabalhadores em tempo integral, assim como a flexibilidade de horário de trabalho e o fato de não precisarem gastar tempo no tráfego é percebido por ambos como vantagens.

Considerando as diferenças apontadas no que se refere ao trabalho feminino e às mudanças ocorridas no contexto de trabalho do serviço público brasileiro, Antloga e Maia (2014) verificaram diferenças de percepção para mulheres em relação à Qualidade de Vida no Trabalho (QVT) e aos seus fatores componentes: organização do trabalho, condições de trabalho, relações socioprofissionais, elo trabalho-vida social e reconhecimento e crescimento profissional, sendo que as mulheres percebem a QVT de maneira mais negativa quando comparadas aos homens. Essas autoras afirmam que as mulheres vivenciam situações de trabalho de maneira distinta quando comparadas aos homens, possivelmente por conta do papel social feminino que a elas atrela a responsabilidade pelos afazeres domésticos, o cuidado com filhos e marido e o trabalho.

O documento sobre o impacto da COVID-19 nas mulheres, publicado pela United Nations Entity for Gender Equality and the Empowerment of Women ([UN Women], 2021), aborda que, antes da pandemia, as mulheres faziam três vezes mais trabalhos domésticos de cuidado não remunerados que os homens. No contexto da pandemia, o aumento de trabalhos de cuidado não remunerados, com as crianças fora da escola, intensificação das necessidades de cuidados de idosos e membros da família doentes, e sobrecarga de serviços de saúde, já está aprofundando as desigualdades existentes na divisão do trabalho entre os gêneros (UN Women, 2021).

Na mesma linha, em revisão sistemática dos estudos sobre a psicodinâmica do trabalho feminino nas principais bases de dados nacionais e internacionais, Antloga, Monteiro, Maia, Porto e Maciel (2020, p. 1) apontam que a “responsabilidade pelo trabalho doméstico, bem como pelo desempenho de atividades não remuneradas e subsistência da própria família é predominantemente atribuída à mulher”. Ainda nesse contexto, a revisão de literatura conduzida por Lyttelton et al. (2020) sugere que o teletrabalho pode exacerbar as desigualdades de gênero entre os pais, aumentando a exposição das mães às demandas domésticas e obscurecendo os limites da vida profissional.

Ao comparar mães e pais que trabalham exclusivamente no local de trabalho, exclusivamente em casa, e parte do dia em casa, Lyttelton et al. (2020) descreveram as diferenças no tempo gasto com tarefas domésticas, cuidados com os filhos e lazer; a natureza do tempo trabalhado em casa; e as experiências subjetivas do teletrabalho. As autoras encontraram evidências sugestivas de que as mães que trabalham à distância durante a crise do COVID-19 têm mais probabilidade do que os pais de relatar que se sentem ansiosas, solitárias ou deprimidas. De acordo com Lyttelton et al. (2020), pesquisas recentes durante a pandemia confirmam que o bem-estar subjetivo das mulheres pode ser mais gravemente afetado do que o dos homens.

Segundo Nguyen e Armoogum (2021), tanto os homens quanto as mulheres preferiram realizar o teletrabalho considerando o risco de contrair o vírus da COVID-19. No entanto, as mulheres foram mais propensas a preferência pelo teletrabalho motivada pela possibilidade de solução do conflito casa e trabalho. Dessa forma, os autores reconhecem a discrepância entre as atividades dos homens e das mulheres que ficaram com a maior carga de trabalho durante o cenário de isolamento. Adicionalmente, os autores apontam que há maior preferência pelo teletrabalho pela mulher de meia idade, o que parece se justificar por esta dedicar-se aos cuidados de toda a família, inclusive dos filhos e pais idosos.

As pesquisas apresentadas sugerem que o teletrabalho compulsório pode acentuar as desigualdades entre os gêneros, aumentando a exposição das mães às demandas domésticas e de cuidado com os filhos e tornando mais tênues as fronteiras entre as dimensões de vida pessoal, profissional e lazer. Essas questões serão cotejadas com base em dados levantados em diferentes contextos organizacionais do setor público, e combinando abordagens descritivas e inferenciais, que serão detalhadas, a seguir.

Procedimentos Metodológicos

Este artigo apresenta um estudo descritivo e explicativo, com uso da abordagem quantitativa e que foi conduzido em nove instituições públicas brasileiras, dos poderes executivo, legislativo e judiciário e das esferas federal e estadual, no período entre 12 de maio a 12 de junho de 2020.

Amostra

Participaram voluntariamente da pesquisa um total de 5.695 servidores públicos brasileiros, sendo 49,8% do gênero feminino e 50% do gênero masculino (50%), além de 8 respondentes que declararam fazer parte de outro gênero. A idade média é de 40 a 49 anos; 58,5% são casados; 42% possuem nível superior completo e 40,4% possuem especialização. O tempo médio de serviço é de 14,1 anos (DP = 9,23); 79% são ocupantes de cargos de nível superior e 77% da amostra nunca haviam atuado em teletrabalho antes da pandemia.

Instrumento de coleta de dados

A coleta de dados, realizada por meio de formulário eletrônico no Google Forms., contou com o apoio das unidades de gestão de pessoas das organizações pesquisadas. Foi utilizada a Escala de e-QVT Compulsório validada por Pantoja et al. (2020), composta de 34 itens, divididos nas cinco dimensões da e-QVT Compulsório, com índices de confiabilidade satisfatórios. As questões foram mensuradas com base em uma escala tipo Likert de 11 pontos, onde 0 = discordância total e 10 = concordância total. Foram também levantadas questões sobre dados individuais e funcionais.

Análise de Dados

Os dados foram analisados por meio de análises descritivas e de variância com o uso do software IBM Statistical Package for Social Sciences (SPSS), versão 20. A interpretação das análises descritivas foi realizada com base na classificação de e-QVT apresentada na Tabela 2.


Tabela 2: Classificação dos Níveis de e-QVT

Fonte: Pantoja et al. (2020).

A classificação dos níveis de .-QVT compulsório, aqui adotada, além de possibilitar melhor interpretação dos resultados obtidos, auxilia na identificação de fatores que possam estar influenciando negativa, moderada e positivamente a qualidade de vida no teletrabalho compulsório, no âmbito das organizações públicas investigadas. Tais informações podem ser úteis aos gestores e equipes de trabalho tanto no design, quanto na implementação de políticas e programas de .-QVT inovadores e sustentáveis no contexto pós-pandêmico.

Resultados
Análise descritiva das dimensões de .-QVT compulsório

A Tabela 3 apresenta os resultados descritivos e o alpha de Cronbach das dimensões de e-QVT compulsório.


Tabela 3: Resultados Descritivos das Dimensões de e-QVT Compulsório

Na dimensão Atividades do Teletrabalhador a média geral denota uma avaliação boa e homogênea por parte dos participantes em relação às ações realizadas tendo em vista o alcance dos objetivos e as habilidades cognitivas e afetivas necessárias à realização das atividades em regime de teletrabalho compulsório. Sobre a Gestão do Teletrabalho, essa dimensão diz respeito à atuação gerencial e dos demais integrantes da equipe de trabalho com o propósito de fomentar a realização do teletrabalho compulsório, e a média geral encontrada demonstra convergência de percepções entre os respondentes da pesquisa e uma avaliação boa no que diz respeito à gestão das equipes de trabalho no contexto do teletrabalho compulsório.

Em relação ao Suporte Tecnológico, a média geral evidencia que essa dimensão foi a mais bem avaliada e que apresentou maior homogeneidade nas avaliações realizadas pelos servidores participantes da pesquisa, o que aponta para uma fonte de bem-estar no ambiente de teletrabalho compulsório. Enquanto na dimensão Condições Físicas do Trabalho, a média geral demonstra uma avaliação boa por parte dos respondentes, sendo observada maior variabilidade nas percepções dos trabalhadores em relação aos demais fatores analisados.

Em relação à dimensão Sobrecarga decorrente do Teletrabalho Compulsório, a pontuação é inversa às demais dimensões da escala e, dessa forma, a faixa de percepção de menor .-QVT compulsório encontra-se nas maiores pontuações. Merece atenção a média geral que foi de 6,47 (DP = 2,037), sendo o fator mais negativamente avaliado (avaliação ruim) e com homogeneidade em relação às percepções sobre as exigências para a realização das atividades decorrentes do teletrabalho compulsório, o que evidencia a predominância de fontes de mal-estar decorrentes dos itens que compõem esse fator, tais como: “No teletrabalho compulsório, percebo uma maior cobrança por resultados” (Média = 6,71); “Avalio que minha carga de trabalho aumentou ao realizar o teletrabalho compulsório” (Média = 6,38); “O teletrabalho compulsório exige maior comprometimento” (Média = 8,47), “Com o teletrabalho compulsório, preciso trabalhar mais para ser reconhecido” (Média = 5,39); e “Tenho necessidade de me capacitar para desenvolver competências requeridas ao teletrabalho” (Média = 5,40).

Análises comparativas das dimensões de e-QVT para gênero e estrutura familiar

Feita a análise descritiva, os dados foram explorados com o uso da estatística inferencial (correlações de Pearson e comparações de médias por meio de análises de variância (oneway), possibilitando a verificação de correlações significativas entre as dimensões de .-QVT obrigatório e dados demográficos relativos a gênero e estrutura familiar. Serão apresentados os resultados dos fatores que compõem a escala, que apresentaram variância significativa, entre mulheres e homens e entre os perfis segmentados: mulheres e homens com filhos e mulheres e homens sem filhos; mulheres com filhos e mulheres sem filhos.

Mulheres e Homens

No que se refere às diferentes percepções entre mulheres e homens, quanto às dimensões de e-QVT compulsório, verificou-se diferença significativa no que diz respeito à dimensão Gestão do Teletrabalho (F (1) = 19,007; p < 0,000). A Tabela 4 apresenta as médias e desvios padrões dos itens que apresentaram diferenças mais expressivas relacionados às percepções entre mulheres e homens.


Tabela 4: Fator Gestão do Teletrabalho - Mulheres e Homens

Observa-se que todos os itens que compõem a dimensão Gestão do Teletrabalho foram mais bem avaliados pelas mulheres, dentre os quais destacam-se diferenças expressivas entre as percepções nos itens relacionados à cooperação entre os colegas para a execução das atividades no teletrabalho compulsório, a valorização do resultado do trabalho e a qualidade da comunicação entre os membros da equipe, observando-se, com base nos desvios padrões, homogeneidade nas avaliações de mulheres e homens em relação a esses indicadores e, em geral, bons e ótimos índices de e-QVT obrigatório.

Mulheres e Homens com Filhos e Mulheres e Homens sem filhos

Na análise comparativa entre mulheres e homens com filhos e mulheres e homens sem filhos, foram verificadas variações significativas no que diz respeito às dimensões Atividades do Teletrabalhador (F (1) = 70,646; p < 0,000); Condições Físicas do Trabalho (F (1) = 15,009; p < 0,000); e, Sobrecarga decorrente do Teletrabalho Compulsório (F (1) = 12,750; p < 0,000).

A Tabela 5 especifica as médias e desvios padrões dos itens mais representativos de cada uma das dimensões em que foram verificadas diferenças significativas entre as percepções de mulheres e homens com filhos e mulheres e homens sem filhos.


Tabela 5: Mulheres e Homens com Filhos e Mulheres e Homens sem Filhos

As médias e os desvios padrão gerais da dimensão Atividades do Teletrabalhador demonstram que mulheres e homens com filhos percebem níveis mais baixos de e-QVT compulsório nesta dimensão do que mulheres e homens sem filhos, variando de boa para ótima a classificação média entre esses segmentos. Mais especificamente, as mulheres e homens com filhos percebem que são mais interrompidos durante a execução de suas atividades; que possuem maior dificuldade em conciliar vida pessoal, profissional e lazer no teletrabalho compulsório.

Em relação à dimensão Condições Físicas do Teletrabalho, os resultados evidenciam que, em geral, mulheres e homens sem filhos percebem maior predominância de bem-estar no teletrabalho compulsório, quando comparadas ao segmento mulheres e homens com filhos. O indicador de .-QVT relacionado à adequação do espaço físico para o teletrabalho foi percebido de forma menos satisfatória pelos homens e mulheres com filhos.

No fator Sobrecarga decorrente do Teletrabalho Compulsório, cuja pontuação se apresenta inversa aos demais fatores que compõem a escala de e-QVT compulsório, os resultados gerais demonstram uma classificação ruim, e que mulheres e homens com filhos percebem menor e-QVT compulsório nessa dimensão do que mulheres e homens sem filhos.

As maiores diferenças observadas entre os segmentos pesquisados estão presentes nos itens “Com o teletrabalho compulsório, preciso trabalhar mais para ser reconhecido”; “Avalio que minha carga de trabalho aumentou ao realizar o teletrabalho compulsório”; e “Tenho necessidade de me capacitar para desenvolver competências requeridas ao teletrabalho”. No entanto, cabe ressaltar que os desvios padrões encontrados nos itens em que houve maior variação sinalizam uma menor homogeneidade nas avaliações dos servidores públicos nesses indicadores.

Mulheres com Filhos e Mulheres sem filhos

Nos resultados encontrados na análise comparativa entre mulheres com filhos e mulheres sem filhos, verificou-se diferença significativa entre as percepções dessas duas amostras no que diz respeito à dimensão Atividades do Teletrabalhador (F (1) = 51,206; p < 0,000). A Tabela 6 apresenta as médias e desvios padrões dos itens com diferenças mais expressivas relacionados ao fator Atividades do Teletrabalhador entre mulheres com filhos e mulheres sem filhos.


Tabela 6: Fator Atividades do Teletrabalhador - Mulheres com Filhos e Mulheres sem Filhos

Apesar de os resultados gerais evidenciarem a predominância de percepção de representações de bem-estar associadas a dimensão Atividades do Teletrabalhador, com variação média entre boa e ótima entre os dois grupos de respondentes, verifica-se que, em todos os itens dessa dimensão, as médias foram menores para mulheres com filhos em relação às mulheres sem filhos. Observa-se diferenças expressivas nos itens “No teletrabalho compulsório, há menos interrupções durante a execução das atividades”; “Consigo manter uma rotina equilibrada de trabalho, descanso e lazer; e, “Consigo conciliar minha vida pessoal com a profissional no teletrabalho compulsório”, sendo que, para a amostra de mulheres com filhos, a dispersão das respostas foi mais alta.

Discussão dos Resultados

Os resultados gerais mostram a predominância de e-QVT compulsório nas seguintes dimensões: Atividades do Teletrabalhador, Gestão do Teletrabalho, Suporte Tecnológico e Condições Físicas do Teletrabalho. Para Pimentel e Kurtz (2021) níveis elevados de satisfação tanto na modalidade presencial quanto no teletrabalho, demonstram que, mesmo no período de isolamento social imposto pela COVID-19, a satisfação geral e principalmente a satisfação com o ambiente físico de trabalho não foram prejudicadas. Por outro lado, no que concerne ao fator Sobrecarga decorrente do Teletrabalho Compulsório, a média geral encontrada na faixa de classificação ruim indica uma possível predominância de experiências de mal-estar no teletrabalho.

Os resultados das análises comparativas específicas apresentaram variância significativa entre mulheres e homens no que diz respeito à dimensão Gestão do Teletrabalho, sendo que as mulheres apresentaram níveis de e-QVT compulsório mais elevados em relação aos homens, o que demonstra que houve maior percepção de bem-estar no teletrabalho para o gênero feminino no que diz respeito ao planejamento e monitoramento das atividades, feedback e orientações suficientes e claras por parte da chefia.

A Gestão do Teletrabalho é fator que está associado à percepção de e-QVT obrigatório e, conforme Tremblay (2002), a qualidade de vida é dimensão importante na avaliação do teletrabalho feita pelas mulheres e que elas são, de alguma forma, mais inclinadas a ver a ausência dos colegas como desvantagem e a encontrar dificuldade em se autodisciplinar para o trabalho. Os indicadores relacionados à presença dos colegas no ambiente virtual foram percebidos como mais positivos pelas mulheres do que pelos homens, ou seja, o gênero feminino apresentou níveis de e-QVT obrigatório mais elevados no que diz respeito à cooperação e qualidade da comunicação entre os membros da equipe.

Conforme Contreras et al. (2020), prosperar em ambientes de trabalho remotos implica que líderes devem ajustar a estrutura das empresas, tornando-as menos hierárquicas e desenvolvendo novas habilidades para estabelecer um relacionamento forte e confiável com seus funcionários para manter a competitividade, ao mesmo tempo em que mantém uma preocupação genuína com o bem-estar dos colaboradores.

Para Pimentel e Kurtz (2021), na variável de gênero, o teletrabalho no contexto da pandemia apresentou vantagens para o gênero masculino onde apesar de as demandas serem elevadas, os teletrabalhadores possuem grande capacidade de controle, atuando de maneira ativa no processo de decisão e no uso dos recursos disponíveis. Conforme os autores, foram observados também no gênero masculino menores desgastes psicológicos no teletrabalho do que no trabalho presencial, resultando em ambiente favorável ao gênero com maiores oportunidades de aprendizagem, crescimento profissional, alta produtividade e menor estresse no trabalho.

Xue e McMunn (2021) forneceram evidências de que, em média, as mulheres gastavam muito mais tempo fazendo tarefas domésticas e cuidando das crianças do que os homens durante o isolamento social, e as mulheres eram mais propensas do que os homens a reduzir horas de trabalho para adaptar os horários de trabalho devido ao aumento do tempo de assistência não remunerada, assim como o estudo sugere que a crise da COVID-19 não forçou tendências de convergência de gênero no trabalho não remunerado, sendo o resultado do estudo consistente com pesquisas anteriores que mostram a contínua desigualdade de gênero nas divisões de trabalho não remunerado de cuidado entre casais do Reino Unido antes da crise.

Em que pese a literatura examinada aponte para a desigualdade de gênero com vantagens, em geral, para o gênero masculino durante o teletrabalho no contexto da pandemia da COVID-19, para Pantoja, Oliveira, Andrade e Figueira (2021), em relação à percepção média mais favorável das mulheres relacionada à valorização do resultado do trabalho em ambiente virtual, inicialmente, pode-se inferir:

Que houve/há uma maior preocupação tanto das gerências/chefias quanto dos colegas da equipe de trabalho com as mulheres, ou seja, supostamente uma maior predisposição para fornecer apoio gerencial e psicológico ao teletrabalhador do gênero feminino. Contudo, cabe ressaltar que as pesquisas nas áreas das ciências sociais apontam que o gênero feminino tende a ter médias mais altas em índices ligados à satisfação, o que parece sinalizar que as mulheres tenderiam a apresentar maior probabilidade de avaliação positiva dentro dos padrões de desejabilidade da comunidade organizacional (Pantoja et al., 2021, pp. 9-10).

No segmento mulheres e homens com filhos e mulheres e homens sem filhos foram encontradas diferenças expressivas nos fatores Atividades do Teletrabalhador, Condições Físicas do Teletrabalho e Sobrecarga decorrente do Teletrabalho Compulsório, indicando que, nas famílias com filhos, os trabalhadores percebem que há mais interrupção durante a execução das atividades, menor capacidade de concentração, menos equilíbrio entre trabalho, descanso e lazer, espaço físico menos apropriado ao teletrabalho e necessidade de trabalhar mais para ser reconhecido. Esses resultados estão em consonância com os debates acadêmicos internacionais em que vários autores salientam que a pandemia é mais do que uma crise de saúde pública e que as medidas de isolamento social têm substanciais efeitos sociais, incluindo impacto significativo nas percepções de pais e mães com filhos pequenos, dentre outras (Bjursell et al., 2021; Nguyen & Armoogum, 2021; Núñez-Sánchez et al., 2021; Schmitt et al., 2021; Yerkes et al., 2020).

Quando comparadas as percepções de mulheres com filhos e sem filhos, constatou-se médias mais baixas e maior dispersão das respostas no grupo de mulheres com filhos e diferença significativa na dimensão atividades do teletrabalhador, principalmente no que diz respeito à percepção de mais interrupções durante a execução das atividades. Conforme Yerkes et al. (2020), mais mães do que pais relatam fazer relativamente mais tarefas domésticas e de cuidados dos filhos do que seus parceiros, tanto antes do isolamento quanto durante o isolamento, assim como as mães adaptam os horários em que trabalham, mais do que os pais.

Mães em ocupações não essenciais adaptam seus horários de trabalho ainda mais, e são mais propensas a experimentar aumento da pressão de trabalho durante o isolamento social do que os pais (Yerkes et al., 2020). Conforme estudo realizado por Lemos, Barbosa e Monzato (2020), profissionais que são mães desejam desempenhar as atividades profissional e materna, mesmo com sobrecarga de trabalho, e que o arranjo flexibilidade e proximidade física da família que o teletrabalho na quarentena proporcionou foi valorizado pelas mulheres inseridas em contextos familiares mais equilibrados. Conforme as autoras:

Aparentemente, para essas profissionais, a sobrecarga de trabalho foi suportada e relativizada, tendo em vista a oportunidade, propiciada pelo home office, de ficarem mais perto da família. Possivelmente acostumadas a gerenciar uma sobrecarga usual de trabalho, essas mulheres valorizaram mais a proximidade física com a família que a nova rotina possibilitou, do que o aumento de trabalho dela decorrente. (Lemos et al., 2020, p. 397).

Lemos et al. (2020) apontam que diversas entrevistadas que são mães relataram esgotamento e dificuldade em trabalhar e que essa constatação apresenta alerta sobre a implementação ampliada do teletrabalho no contexto pós-pandemia, ainda que esse modelo possa trazer ganhos, pois sua adoção de forma homogênea para a totalidade da força de trabalho, sem considerar as especificidades dos diferentes arranjos doméstico/familiares, pode estimular, ainda mais, as desigualdades entre os trabalhadores(as). Para Yerkes et al. (2020), o tempo de lazer, importante indicador de qualidade de vida, diminuiu muito mais para as mães do que para os pais durante o isolamento social provocado pela pandemia da COVID-19.

Para Antloga e Maia (2014), tratar de questões relacionadas ao trabalho das mulheres implica esclarecer o complexo engendramento existente na realidade do gênero feminino, que insere: trabalhar fora, gerenciar requisitos do contexto laboral, cuidar da casa e/ou do seu gerenciamento, gestar e cuidar dos filhos, preocupar-se com a estética, o relacionamento amoroso etc. Conforme as autoras, a multiplicidade de demandas e tarefas impostas para as mulheres, de maneira especial para as que trabalham fora, é inquestionável, e, mesmo para aquelas que decidem abrir mão de ter filhos ou estar em um casamento, ainda há uma série de necessidades a suprir e desafios a superar, incluindo diferenças salariais, de qualidade dos empregos e espaços de trabalho, de exigências de desempenho e falta de apoio para especificidades orgânicas femininas como menstruação, puerpério e menopausa.

Conforme Lyttelton et al. (2020), o teletrabalho aumenta o tempo gasto para pais e mães com os cuidados dos filhos em comparação com o trabalho presencial, e aumenta ainda mais o tempo dos pais cuidando dos filhos. No entanto, em relação ao agravamento das disparidades de gênero, Lyttelton et al. (2020) identificaram que as mães teletrabalhadoras fazem relativamente mais tarefas domésticas do que os pais teletrabalhadores e têm mais probabilidade de trabalhar com uma criança presente do que os pais, o que pode afetar adversamente a produtividade das mães.

Em síntese, os achados empíricos aqui apresentados sugerem que o teletrabalho compulsório pode ter acentuado as demandas domésticas e de cuidado com os filhos, tornando mais tênues as fronteiras entre as dimensões de vida pessoal, profissional e lazer, o que pode comprometer a qualidade de vida e o bem-estar das mulheres com filhos no contexto do teletrabalho.

Considerações finais

Este artigo teve como objetivo analisar os níveis de .-QVT compulsório durante a pandemia da COVID-19, de servidores de diferentes instituições públicas brasileiras, a partir das percepções entre mulheres e homens, com e sem filhos. Os resultados gerais evidenciaram a predominância de e-QVT em quase todas as dimensões de e-QVT compulsório. O ponto de atenção está relacionado ao fator Sobrecarga decorrente do Teletrabalho Compulsório, indicando o predomínio de experiências de mal-estar que podem representar risco de adoecimento para os servidores.

Nas análises comparativas, foi possível verificar a existência de diferenças significativas entre mulheres e homens na dimensão Gestão do Teletrabalho, na qual as mulheres apresentaram níveis de e-QVT compulsório mais elevados em relação aos homens, com maior percepção de bem-estar no teletrabalho para o gênero feminino no que diz respeito ao planejamento e monitoramento das atividades, feedback, orientações por parte dos gestores, comunicação e cooperação entre os colegas.

Entre mulheres e homens com filhos e sem filhos, os resultados indicam que nas famílias com filhos os trabalhadores percebem que há mais interrupção durante a execução das atividades, menor capacidade de concentração, menos equilíbrio entre trabalho, descanso e lazer, espaço físico menos apropriado ao teletrabalho e necessidade de trabalhar mais para ser reconhecido.

Quando comparadas as percepções de mulheres com filhos e sem filhos, verificou-se médias mais baixas e maior dispersão das respostas no grupo de mulheres com filhos e diferença significativa na dimensão atividades do teletrabalhador, principalmente no que diz respeito a percepção de mais interrupções durante a execução das atividades.

Na literatura examinada foi identificado apenas um estudo, de Lemos et al. (2020), realizado entre mulheres com filhos e mulheres sem filhos no contexto de teletrabalho, e não foi possível identificar pesquisas que abordassem as desigualdades entre mulheres e homens com filhos e mulheres e homens sem filhos, e, por isso, o presente artigo apresenta uma perspectiva inovadora, uma vez que revela, além das diferentes percepções entre os gêneros, resultados com variâncias expressivas entre o mesmo gênero e, também, decorrentes da configuração familiar, no que diz respeito à e-QVT obrigatório em organizações públicas.

Os resultados demonstram que, além da perspectiva de gênero, a percepção de e-QVT obrigatório pode diferir conforme a configuração da estrutura familiar, expressa por níveis menos satisfatórios nas famílias com filhos, o que demanda dos gestores a proposição de práticas de promoção de e-QVT que diminuam ou eliminem as fontes de mal-estar percebidas por pais e mães em teletrabalho, observadas as especificidades entre os gêneros e dentro do mesmo gênero.

A amplitude da amostra utilizada neste estudo, composta por 5.695 servidores públicos, com atuação em 9 organizações dos poderes executivo, judiciário e legislativo sugere que os resultados aqui discutidos podem ser generalizáveis e podem fornecer importantes subsídios à formulação de diretrizes e programas híbridos de qualidade de vida e bem-estar no trabalho, no âmbito das organizações públicas brasileiras.

Recomenda-se que estudos futuros analisem os níveis de e-QVT no gênero feminino como: mulheres casadas e com filhos, casadas e sem filhos, liderança e mulheres em cargos gerenciais, abordando o capital invisível da maternidade e identificando a importância das redes de apoio na atuação do gênero feminino em instituições públicas, bem como comparem os resultados aqui encontrados com aqueles obtidos durante e após a pandemia em contexto nacionais e internacionais. Além disso, pesquisas que focalizem o efeito moderador de variáveis de suporte organizacional e psicossocial entre gêneros, assim como estudos com mulheres trans, são promissoras para o avanço das reflexões sobre o teletrabalho e para a definição de estratégias inclusivas e receptivas à diversidade que conciliem níveis elevados de produtividade e qualidade de vida e bem-estar no trabalho. Por fim, a questão da liderança merece destaque e deve ser estudada de forma mais aprofundada, especialmente seus impactos nos níveis de desempenho e engajamento entre os gêneros, na modalidade de teletrabalho.

Material suplementario
Referências
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Notas

Tabela 1: Dimensões de e-QVT Compulsório

Fonte: Pantoja, Andrade e Oliveira (2020).

Tabela 2: Classificação dos Níveis de e-QVT

Fonte: Pantoja et al. (2020).

Tabela 3: Resultados Descritivos das Dimensões de e-QVT Compulsório


Tabela 4: Fator Gestão do Teletrabalho - Mulheres e Homens


Tabela 5: Mulheres e Homens com Filhos e Mulheres e Homens sem Filhos


Tabela 6: Fator Atividades do Teletrabalhador - Mulheres com Filhos e Mulheres sem Filhos

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