Casos de Ensino
Como Apoiar o Controle Social? Abrindo Espaço na Agenda para um Conselho Remoto de Cidadãos – o Conselho de Participação Social
How to Support Social Accountability? Making Room on the Agenda for a Remote Council of Citizens – the Social Participation Council
¿Cómo Apoyar el Control social? Haciendo Espacio en la Agenda para un Consejo Ciudadano a Distancia – el Consejo de Participación Social
Como Apoiar o Controle Social? Abrindo Espaço na Agenda para um Conselho Remoto de Cidadãos – o Conselho de Participação Social
Administração Pública e Gestão Social, vol. 15, núm. 1, 2023
Universidade Federal de Viçosa

Recepción: 31 Marzo 2022
Aprobación: 20 Julio 2022
Publicación: 20 Enero 2023
Resumo:
Contexto do caso: o caso se insere no contexto em que as atribuições de fomentar o governo aberto e a participação cidadã ganham destaque para além das clássicas atribuições de auditoria, inspeção e correição dos órgãos de controle interno.
Dilemas do caso: o dilema reside em estabelecer um conselho de participação social remoto, em um cenário cuja efetividade e legitimidade desse tipo de fórum vem sendo questionada e no qual o formato remoto possui limitações principalmente em garantir a representatividade das partes interessadas mais excluídas da sociedade.
Fechamento do caso: a narrativa leva o aluno a: (i) refletir sobre formas de participação em uma democracia representativa e sobre estratégias para definição de uma política pública na agenda governamental; (ii) opinar sobre o caminho que os gestores públicos devem seguir, levando em consideração que expandir a proposta de inclusão social pode significar em resistência do próprio governo, tanto em sua esfera executiva como legislativa, de aprovar a proposta e (iii) avaliar o uso de tecnologias da informação e comunicação para aumentar a participação e a representatividade de diversos grupos de cidadãos.
Palavras-chave: Participação social, Políticas públicas, Controle social, E-participação.
Abstract:
Context of the case: the case is part of the context in which the attributions of promoting open government and citizen participation gain prominence beyond the classic attributions of auditing, inspection and correction of internal control bodies.
The dilemma of the case: the dilemma lies in establishing a remote social participation council, in a scenario whose effectiveness and legitimacy of this type of forum has been questioned and whose remote format has limitations mainly in guaranteeing the representation of the most excluded stakeholders in society.
Case closure: the narrative leads the student to reflect on ways of participating in a representative democracy and on strategies for including a project on the public agenda, giving an opinion on the path that public managers should follow, taking into account that expanding the proposal of inclusion can mean the government's resistance, both in its executive and legislative spheres, to approve the proposal.
Keywords: Social participation, Public policies, Social accountability, E-participation.
Resumen:
Contexto del caso: el caso se enmarca en el contexto en el que las atribuciones de promover el gobierno abierto y la participación ciudadana cobran protagonismo más allá de las clásicas atribuciones de fiscalización, inspección y corrección de los órganos de control interno.
Dilemas del caso: el dilema radica en establecer un consejo de participación social a distancia, en un escenario cuya efectividad y legitimidad de este tipo de foros ha sido cuestionada y cuyo formato a distancia tiene limitaciones principalmente para garantizar la representación de los actores más excluidos de la sociedad.
Cierre del caso: la narrativa lleva al estudiante a reflexionar sobre formas de participar en una democracia representativa y sobre estrategias para incluir un proyecto en la agenda pública, opinando sobre el camino que deben seguir los gestores públicos, teniendo en cuenta que ampliar la propuesta de inclusión puede significar la resistencia del gobierno, tanto en su ámbito ejecutivo como legislativo, a aprobar la propuesta.
Palabras clave: Participación social, Políticas públicas, Control social, E-participación.
1 Introdução: inovar em estratégias e participação social
Desde janeiro de 2019, quando assumiu o cargo de secretário da Controladoria-Geral do Estado do Mato Grosso do Norte (CGE-MN), Ronaldo orienta os servidores do órgão para que as informações e os dados disponibilizados nos portais de transparência pública e de dados abertos e nas páginas de acesso à informação, fossem de interesse da população, ressaltando:
— É necessário desenvolver políticas de fomento à participação e ao controle social a partir de uma lógica de governança participativa, para que os cidadãos transformem informações em conhecimento, tanto no sentido de qualificar suas demandas, quanto para atuar na identificação e responsabilização de eventuais desvios e objetivos contrários às finalidades públicas.
As diretrizes do secretário Ronaldo não vinham apenas de um desejo pessoal, partiam de fundamentação técnica e teórica baseada em pesquisas que apontavam as dificuldades do Brasil para desenvolver a cultura e a participação política, critérios importantes para o fortalecimento de democracias.
Em decorrência disso, na reestruturação do órgão em 2019, foi incorporada a suas competências a promoção de ações de fomento à participação e ao controle social da gestão pública, mantendo outras próprias de um órgão central do sistema de controle interno, como a defesa do patrimônio público, o controle interno, a auditoria pública, a correição, a prevenção e o combate à corrupção, as atividades de ouvidoria e a incremento da transparência da gestão. Essa nova competência foi vinculada à superintendência comandada por Artur.
Com a finalidade de atender as designações do secretário Ronaldo, no início de 2020, Artur, em reunião com sua equipe para tratar do assunto, desabafou:
— Precisamos de uma forma inovadora de participação social, de conselhos mais atuantes, cujo papel extrapole o de mero ouvinte das decisões da administração pública, com características mais universalizantes e deliberativas.
Ive, gerente da equipe de Artur há pouco tempo, mas com muito ‘sangue nos olhos’, complementou:
— Precisamos de representatividade, de alcançar a sociedade civil que se quer sabe que pode contribuir com as decisões públicas e que, normalmente, é a mais impactada por decisões tomadas por outros atores, nem sempre positivamente.
Conciliando a universalização do Artur, a representatividade da Ive e os elementos motivadores da participação social requerida pelo secretário Ronaldo, surgiu a proposta de criação do Conselho de Participação Social.
Para tanto, a primeira ideia que surgiu foi criar um conselho virtual, cujo acesso remoto possibilitado pelas tecnologias de comunicação, poderia alcançar cidadãos de todos os lugares do estado, que não precisariam se deslocar para capital, viabilizando assim o fortalecimento das demandas de municípios e regiões de todo o estado.
Contudo, o formato virtual do conselho poderia reduzir a representatividade, dado uma estimativa de que 20% da população brasileira não tem acesso à internet ou ao computador, podendo, dessa forma, não cumprir o objetivo de aproximar a administração pública das pessoas excluídas.
Além disso, seria necessário determinar de forma mais explícita como garantir a representatividade, pois um conselho virtual facilitaria a participação, mas poderia não garantir que essa participação fosse rica de pontos de vista distintos característicos dos vários atores e interesses que configuram uma sociedade.
Os conselhos se expandiram nos últimos anos e o eventual fracasso de parte deles em democratizar as políticas públicas exigia que uma nova proposta vencesse os empecilhos que impediram o êxito de modelos anteriores. Assim, era necessário refinar essa ideia de conselho virtual, pois por mais que aumentasse o alcance de acesso dos cidadãos, não garantiria, necessariamente, a inclusão e a representatividade, já que parte da população não possui recursos tecnológicos disponíveis ou capacitação para utilizá-los.
2 Breve Fundamentação Teórica
2.1 Controle Social e Conselhos de Políticas Públicas
Entre as formas legalmente previstas de participação direta e controle social no Brasil, figuram os conselhos setoriais de políticas públicas. Esses conselhos se destacam como espaços públicos, temáticos e permanentes de participação, vinculados a órgãos do Poder Executivo. Por meio deles, os representantes do Estado e da sociedade se reúnem periodicamente para apresentar os seus interesses e de outros grupos sociais, definindo conjuntamente as prioridades da agenda em torno da formulação e do acompanhamento das políticas públicas (Almeida & Tatagiba, 2012; Avritzer, 2008; Lopes & Pires, 2010).
Controle social refere-se à participação democrática de grupos sociais na supervisão das motivações e ações do governo e de seus gestores públicos, por meio do acesso continuado a informações governamentais detalhadas (O’Brien, 2008; O’Donnell, 1991; Schedler, 1999; Silva, 2002). Essa definição está muito próxima do que se propõem conselhos de políticas públicas, que se distinguem de outras formas de controle social por estarem entranhados em espaços de tomada de decisão.
Os conselhos de políticas públicas se constituem em um modelo de democracia direta iniciado em 1970, que ganhou repercussão com os movimentos sociais e com outros setores da sociedade civil surgidos nesse período, coadunando em sua previsão constitucional e, posteriormente, em outras normas legais emitidas pela união, estados e municípios para desenvolver e acompanhar políticas sobre questões relacionadas à saúde, à infância e à adolescência, ao serviço social, à mulher, entre outras. A esses espaços podem ser atribuídas as funções deliberativa, consultiva e normativa, que abriga as expectativas de que essas instâncias invertam prioridades, distribuam de maneira justa os recursos públicos e promovam direitos; e a função fiscalizadora, de solicitar respostas e responsabilizar o agente público, acionando outras instâncias de controle responsáveis (Almeida & Tatagiba, 2012; Bravo & Correia, 2012; Dagnino, 2004; Gurgel & Justen, 2013; Lüchmann, 2008; Silva, 2002; Vera & Lavalle, 2012).
Quanto ao processo de escolha e representação, no geral, metade dos conselheiros é indicada pelo Poder Executivo e a outra metade por organizações da sociedade civil ou por determinados grupos sociais que votam ou fazem acordos para integrar seus representantes (Vera & Lavalle, 2012).
No plano prático, estudos demonstraram que parte dos conselhos ocupam um lugar marginal, de natureza extremamente setorial e fragmentada, com forte dependência dos governos e um pretenso caráter decisório que não ultrapassa o limite de recomendação, além de uma tendência à burocratização dos processos participativos, dada a própria natureza de suas funções administrativas. Essas discrepâncias tendem a reduzir sua capacidade de exercício político, de clamar por justiça e de desafiar consensos dominantes, repercutindo ainda no reconhecimento dessas estruturas em ambientes sociais e institucionais (Almeida & Tatagiba, 2012; Bravo & Correia, 2012).
Outro aspecto que reduz a força dos conselhos diz respeito a tratativas de temas de sua dinâmica organizacional interna superarem pautas relacionadas ao controle social propriamente dito, ao desenho da política pública ou às prioridades de investimento público. Burocraticamente, há grandes estruturas, em especial nas capitais, que priorizam a inscrição de entidades e a aprovação de projetos voltados para o recebimento de financiamento público, função importante, mas que deveria ser realizada de modo paralelo para que não prejudicasse decisões que envolvam critérios de direito e justiça (Almeida & Tatagiba, 2012).
Para reduzir essa tendência, Almeida e Tatagiba (2012) propõem a criação de “vazios produtivos” nas agendas dos conselhos para que seus atores tenham condições de pensar a política de forma ampla, criar articulações em todos os poderes do Estado e com o público externo e propor momentos de disputas na esfera pública, criando arranjos de mobilização social em torno de temas específicos. Ainda sugerem a revisão das funções hoje atribuídas aos conselhos: os conselheiros não são servidores públicos, a infraestrutura no geral não lhes permite contar com a necessária assessoria jurídico‑administrativa e o acúmulo de funções desloca para segundo plano a proposição de temas, a explicitação de conflitos e a construção de acordos e articulações (Almeida & Tatagiba, 2012).
2.2 E-participação e oportunidades de participação remota
Nos dias atuais, é inegável o papel central da tecnologia como facilitadora do processo de comunicação e transmissão de informações na sociedade contemporânea. Como assinalado por Anttiroiko (2003), o papel de mediação destas tecnologias tem sido cada vez mais acentuado e, consequentemente, este desenvolvimento expõe os atores sociais à novas formas de interação com seus pares e o sistema político.
Seguindo tal linha de raciocínio, o autor relaciona estes desdobramentos tecnológicos com os próprios fundamentos do sistema democrático. Conforme apresentado em sua argumentação, é essencial que um sistema democrático desenvolva mecanismos que possibilitem a participação da sociedade civil para além do voto formal no período eleitoral, ou seja, proporcionar a oportunidade de que os indivíduos possam influenciar a formulação da agenda política e, por conseguinte, as políticas públicas que serão formuladas com o objetivo de atender as demandas apresentadas por este processo.
Dessa forma, torna-se inevitável a seguinte reflexão: de que forma estes mecanismos tecnológicos que intensificam a troca de informações entre os indivíduos podem ser instrumentalizados para viabilizar a construção de canais de participação cidadã que possibilitam a sociedade civil exercer influência na definição das prioridades governamentais?
Sebastião, Pacheco e Santos (2012), por exemplo, argumentam que a principal vantagem destes mecanismos, quando aplicados como instrumentos de fomento à participação política, diz respeito à possibilidade de tornar o processo de tomada de decisão mais acessível ao grande público. Em outras palavras, os instrumentos digitais de participação reduzem os custos de participação do cidadão comum na vida política, tornando, por exemplo, obsoleta a necessidade de que estes cidadãos estejam vinculados ou frequentem instituições formais para exercício de seus direitos cívicos.
Como assinalado por Jungherr e Jurgens (2010), é essencial que se desenvolva uma análise acerca dos impactos dessa drástica redução dos custos de participação no sistema político e, consequentemente, identificar uma possível necessidade de adaptações deste sistema para acolhimento e instrumentalização de tais mecanismos em prol do incentivo à participação da sociedade civil na vida política e no processo de tomada de decisões.
Nesse sentido, Sebastião, Pacheco e Santos (2012) assinalam alguns relevantes aspectos, como por exemplo: as dificuldades em se universalizar o acesso à esses meios, ocasionando a possibilidade de não-inserção e maior distanciamento das camadas mais vulneráveis da sociedade no que se refere ao processo político; as questões relativas à vulnerabilidades de segurança nos sistemas informatizados, especialmente em um contexto onde se acentua o uso de mecanismos cibernéticos como elementos de ataque; e, por fim, o excesso de informação veiculada em tais meios, um elemento que poderia prejudicar o processo de filtragem do indivíduo para que este alcance a possibilidade de participação nos temas de seu interesse que estão inseridos na agenda pública.
Outra interessante observação sobre esses possíveis entraves para o avanço dos processos de e-participação, se refere à própria estrutura das instituições políticas e a forma pela qual estas devem acolher as manifestações de participação cidadã exercidas através do meio digital e/ou eletrônico. No que se refere a este aspecto, Antirroiko (2003, p. 126, tradução nossa) afirma: apenas modestos ganhos democráticos podem ser alcançados por meios eletrônicos, a menos que um redesenho radical das instituições seja realizado e as TICs – tecnologias da informação e comunicação – sejam conectadas a esses processos reorganizados.
Assim sendo, o processo de e-participação, ou seja, a possibilidade da participação cidadã através do uso de meios eletrônicos se encontra em seus primeiros passos de incorporação à estrutura governamental e de tomada de decisões na administração pública. Como apresentado, é inegável que o processo de mediação de transmissão da informação exercido por tais mecanismos se configure como um elemento crucial e indissociável das sociedades contemporâneas. Contudo, devido a seu caráter recente e incipiente, ainda é necessário que as instituições públicas identifiquem os meios para mitigar os possíveis entraves da e-participação – que versam desde questões de segurança e universalidade do acesso à capacidade de as instituições públicas desenvolverem tais iniciativas.
2.3 Formulação de políticas públicas
A elaboração de propostas de políticas públicas e de ação governamental perpassa por uma série de etapas, partindo da forma como o assunto chega ao debate público até obter a atenção dos elaboradores de políticas, quando então a pauta é incorporada à agenda de governo. Sequencialmente, para que essa agenda seja aprovada, ela precisa ganhar o apoio político dos atores envolvidos. Só então a política formulada é implementada, através da operacionalização de programas e de projetos. Esse processo de incorporação de uma pauta à agenda pode ser baseado em perspectivas pluralista ou elitista (Pinto, 2008).
Na perspectiva pluralista as demandas vêm de fora do governo, através de uma série de grupos de interesse mobilizados. Na elitista, as demandas vêm de um tipo de estabelecimento fechado, através da difusão de ideias nos círculos profissionais e nas elites que decidem ou influenciam a política pública (Pinto, 2008). Nesse sentido, o processo decisório considera de onde surge a demanda e quem participa do processo de definição da agenda. Esses fatores podem levar a escolhas particularmente favorecidas, resultado da competição de diferentes perspectivas ou preferências (Pinto, 2008; Souza, 2006).
Pinto (2008) identificou em suas pesquisas que os participantes ativos do processo de determinação da agenda podem pertencer a um desses grupos: i) atores governamentais, representantes do Executivo, do Legislativo e servidores públicos e ii) atores não-governamentais, especialistas, grupos de interesse, mídia e opinião pública. Deste rol, alguns desempenham seus papéis nos bastidores, compondo o grupo dos atores invisíveis, enquanto outros estão inseridos no grupo de atores visíveis. Dentre os atores visíveis, estão o governador e seus nomeados, os membros do legislativo, a mídia e os atores ligados aos partidos e às campanhas políticas. O grupo relativamente invisível inclui especialistas, acadêmicos, pesquisadores, burocratas e técnicos dos escalões mais baixos. Os grupos de interesse circulam entre esses dois agrupamentos com algumas atividades públicas e outras mais difíceis de serem vistas.
Pinto (2008) ainda pontuou que na estrutura teórica de formulação da agenda é necessário reconhecer a existência de um problema. Entre os motivos pelos quais um problema ganha repercussão destacam-se: i) indicadores sistemáticos, como custos, mortalidade infantil, desemprego; ii) eventos como crises e desastres, a exemplo de epidemias, questões orçamentárias, de segurança; iii) feedback sobre o funcionamento dos programas já existentes; iv) acumulação gradual de conhecimento entre os especialistas numa dada área da política pública.
Dado um problema, deve existir ideias para ajudar na formação de propostas de políticas. Essas ideias são testadas de várias formas, tais como pela apresentação de projetos de lei, de discursos, de depoimentos, de documentos e de troca de informações. Aquelas que sobrevivem costumam satisfazer a critérios como ‘praticabilidade’, técnica, adaptação a valores dominantes e à opinião pública, viabilidade orçamentária e oposição ou apoio político. Nesse processo de seleção, alguns atores devem ser conquistados e estratégias devem ser buscadas para garantir que uma dessas ideias se sobressaia, o que inclui o esforço de demonstrar que são tecnicamente possíveis, funcionam e podem ser implementadas (Pinto, 2008; Souza, 2006).
Ainda pesa nesse processo a compreensão da forma na qual uma comunidade política recebe a nova ideia, o que exige um longo período de convencimento em que propostas políticas são costuradas e alteradas para obter a aprovação dos políticos eleitos. Eventualmente o consenso é construído através do processo de persuasão e de difusão. No entanto, muito ocorre desse movimento depender de negociação. Assim, a adesão a dado projeto depende da concessão de apoio ou de benefícios políticos e não necessariamente do convencimento da importância atribuída ao projeto. Nesse caso, empreendedores políticos podem conduzir o processo decisório ao investirem tempo, energia, reputação e até dinheiro, quando acreditam que um projeto pode render retornos futuros (Pinto, 2008; Souza, 2006).
Assim sendo, há ‘janelas de problemas’ e ‘janelas políticas’. A agenda governamental é determinada nas correntes políticas ou de problemas e as alternativas são geradas na corrente de política pública.
3 Atores
Artur formou-se em Gestão Pública em 2014. Desde antes da graduação, aos 28 anos de idade, já era um jovem dedicado a mobilizar pessoas. Entre os anos de 2004 e 2015 participou de movimentos de combate à corrupção eleitoral; de um projeto de acompanhamento de parlamentar, conhecido como ‘Adote um Deputado’; da criação de estratégias para fortalecer a democracia brasileira e de várias organizações de controle social. Essa atuação lhe proporcionou a possibilidade de participar de um programa americano de governo aberto e de acesso a informações públicas.
Aos 34 anos, tem um currículo que inclui extensa atividade de influência à participação e ao controle social e uma rede de contatos que o levou a atuar, desde 2015, em cargos do setor público e do terceiro setor que se dedica ao controle social, como o cargo atual na CGE-MN.
Seu principal desafio era elevar a influência do cidadão nos espaços públicos, nas decisões públicas e no ciclo de políticas públicas, principalmente no que se refere ao controle social. No processo de formação do Conselho de Participação Social esse era o seu papel.
Ive, também graduada em Gestão Pública, foi escolhida por Artur por ter uma trajetória de atuação muito parecida com a dele e por já terem trabalhado juntos. Seu papel era sistematizar e formalizar toda a complexa teia político-administrativa para a criação do conselho.
Aos 26 anos já tinha implementado um projeto no transporte público chamado ‘Como anda meu ônibus’, cujo objetivo era o de trazer o cidadão para avaliar a política pública de transporte coletivo no seu município. Para tanto, com ajuda do Artur e de outros articuladores, conseguiram envolver o Ministério Público Estadual, órgão importante de defesa dos direitos coletivos e difusos e que alavancou os resultados do projeto, por ter interlocução já consolidada com a Secretaria de Mobilidade Urbana, responsável pelo transporte coletivo.
4 Obtendo apoio
Em reunião, Artur e sua equipe de gerentes formularam um esboço do que seria o Conselho de Participação Social que eles sonhavam, que, na sequência, foi apresentado por Artur ao secretário, de quem obteve apoio.
A partir de então, Artur também apresentou a proposta aos demais servidores da sua superintendência, às demais áreas da CGE-MN e também a algumas entidades de classes com potencial interesse em participar de um projeto dessa natureza.
Artur, em conjunto com sua equipe de trabalho, precisava estabelecer diretrizes para aperfeiçoar a proposta e obter aprovação do governador para a expedição de um decreto que instituiria o Conselho de Participação Social.
5 Diretrizes para a criação do Conselho de Participação Social
As características identificadas e que poderiam garantir a sustentabilidade do conselho e a participação dos conselheiros em longo prazo foram:
● Reuniões e outras atividades propositivas e deliberativas seriam eminentemente virtuais, utilizando tecnologias de comunicação remota;
● Participação voluntária e não remunerada;
● Presidido por representante da Controladoria-Geral do Estado;
● Constituído de dois níveis: um consultivo, aberto a pessoas residentes no estado com mais de dezesseis anos de idade (Nível 1); outro consultivo e executivo, aberto a pessoas participantes do Nível 1 e certificadas em programa de educação cidadã (Nível 2).
● Os interessados em participar do Nível 2 deveriam se habilitar participando de curso para certificação em programa de educação cidadã oferecido pela própria CGE ou comprovar ‘notório saber’ em conteúdos voltados à atuação do cidadão com o Estado.
Estabelecidas as diretrizes para a criação do conselho, três pontos necessitavam ser definidos:
Edital de Chamamento. A ideia de propor um edital de chamamento que fizesse com que os participantes fossem previamente conhecidos e cadastrados, poderia aumentar o grau de responsabilidade, pois todos os participantes seriam reconhecidos formalmente como conselheiros. Em contraponto, a inscrição ou seleção prévia poderia reduzir o potencial de abrangência e de representatividade, dada a disponibilidade de tempo e de conhecimento dos conselheiros em participarem de alguma pauta específica, bem como a questão tecnológica já citada.
Também era necessário avaliar se o edital seria permanente ou aberto por um período e todas as limitações administrativas e políticas associadas. O edital permanente privilegiaria a maior participação e abrangência, mas demandaria um suporte administrativo para captação e seleção dos interessados. Já um edital sazonal seria uma demanda mais facilmente absorvida pela equipe existente.
Competências do conselho. Era necessário avaliar se o nível 1 em especial, não funcionaria de forma idêntica a uma consulta pública, estrutura de participação já prevista no ordenamento jurídico e consolidada, inclusive obrigatória para várias decisões em políticas públicas.
O controle social é exercido por inúmeros conselhos específicos, tais como de saúde, educação, assistência social etc. A atuação do Conselho de Participação Social não conflitaria com a atuação desses conselhos?
Também caberia definir as atribuições consultivas no nível 1 e do nível 2 para que eventuais decisões divergentes tomadas por estes níveis não reforçassem o paradigma de que recomendações dos conselhos raramente são seguidas pela administração pública e de que seu papel seria apenas legitimar as decisões tomadas pelo governo.
Por último, seria necessário, ainda, apurar o caráter executivo do nível 2, pois tradicionalmente conselhos não possuem essa atribuição. As deliberações dos conselhos normalmente são realizadas pelo Poder Executivo, instância que possui orçamento, pessoal e outros recursos para tal.
Papel da CGE-MN. Nesse caso, a ideia seria que esses conselheiros conseguissem adesão da sociedade para coproduzir serviços públicos, dividindo com a administração essa responsabilidade. Para tanto, a CGE, como incentivadora da coprodução, precisaria influenciar outros órgãos governamentais executores de políticas públicas, como saúde, educação, segurança pública, entre outros, a aderirem as deliberações do conselho, tarefa nem sempre fácil, dado o processo de formulação da agenda pública e de definição de suas prioridades. Uma alternativa para essa questão seria implantar no Conselho pesquisas e pautas que os órgãos gostariam de levar à população e que por vezes acabavam não tendo a adesão ou a participação esperada. O Conselho se mostraria, então, como um hub de acesso à população.
6 Ambiente externo
Em 2020, o ambiente para formação de espaços de participação direta, como conselhos de políticas públicas se encontrava dicotomizado. Essa polarização estava representada, por exemplo, em um programa de certificação desenvolvido pela equipe da Ive. No módulo do programa que tratava sobre ‘Capacitação para conselheiros de políticas públicas’, foi proposta uma atividade interativa com a seguinte questão: “Você acha que a atuação dos conselhos contribui para defesa dos interesses coletivos?”.
Nas discussões, parte dos cursistas do programa, entre os quais alguns que atuavam como conselheiros ou buscavam constituir algum conselho em sua cidade, dizia que os conselhos eram espaços legítimos, em que os cidadãos poderiam se aproximar das decisões públicas através de representantes com quem tinham contato direto. Para eles, os conselhos atuavam tanto na formulação, quanto no controle a priori e a posteriori das políticas públicas, garantindo a efetividade e a economicidade das mesmas.
Já outra parte, dizia que esses espaços eram totalmente desconhecidos da população, que não captavam os interesses do público que representavam, um lugar no qual se defendiam interesses próprios e personalíssimos ou de grupos próximos, sem se atentar para as respectivas representatividades. Segundo este grupo, os conselheiros enxergavam nesses espaços um trampolim para alçar cargos políticos eletivos ou para ganhar dinheiro fácil em função de jetons, que eventualmente alguns conselhos pagavam.
Um fato que parece confirmar os dois extremos foi relatado por uma aluna da certificação, que até então nunca tinha ouvido falar de conselhos, mas que depois do curso, se candidatou no Conselho Municipal da Previdência e foi eleita conselheira.
Essa mesma visão antagônica foi apresentada pelo Poder Executivo e Legislativo federal. A partir de 2014, depois da edição de um decreto federal cujo objetivo era organizar a participação social, o Congresso Nacional entendeu que tal decreto era uma tentativa de sobreposição à democracia representativa, aparentemente não reconhecendo as previsões de participação direta previstas na Constituição, como um apoio à democracia representativa.
Por fim em 2019, um outro decreto extinguiu parte dos conselhos previstos na esfera federal, sob a justificativa de que esses conselhos resultavam em gastos com pessoas e não contribuíam para representação e participação da população.
7 Seguir, adaptar ou abortar?
Além do projeto de criação do conselho ser exequível e que superasse os possíveis problemas dos conselhos já em atuação, era necessário convencer um amplo conjunto de secretários que dão suporte as decisões do governo, que por sua vez também possuem outros atores que os influenciavam e que precisavam estar convencidos da necessidade de criação de mais um conselho. Como qualquer outra pauta que ganha espaço na agenda pública e passa a compor uma política maior, não era um processo simples.
Apesar de Artur ser conhecedor dessas dificuldades, sua opção seria avançar com rapidez:
— Precisamos agilizar essas mudanças, já temos um documento parcialmente delineado. Vamos só formalizar algumas ideias e elaborar a minuta de decreto para submeter ao governador.
Coube à Ive e outros membros da equipe ponderar:
— Vamos amadurecer a proposta e conversar com mais atores interessados para estabelecer uma base de apoio mais extensa.
Para Artur, a administração demora muito a tomar decisões e os projetos acabam ‘esfriando’ diante dos inúmeros outros interesses que surgem diariamente para serem tratados. Então ele sugeriu uma minuta de criação do conselho com a previsão de que após a criação, o próprio colegiado formulasse seu regimento em até 90 dias. Assim, a diversidade de ideias e criatividade coletiva característica de órgãos colegiados, poderiam dirimir todas as indefinições levantadas na reunião.
Já Ive acreditava que seria necessário um pouco de refinamento. Se esses conselheiros não conhecessem previamente o modus operandi da administração pública, caberia à própria CGE alertá-los sobre essas questões que poderiam limitar sua atuação para que eles pudessem superá-las em regimento.
Para tanto, a CGE deveria amadurecer uma proposta de regimento para ser deliberada pelos conselheiros, minimamente prevendo como tratar os pontos levantados pela equipe técnica. Para ela, em termos práticos, seria muito difícil começar um conselho totalmente inovador, que possui pouquíssimas referências de iniciativas semelhantes, sem que houvesse amadurecimento prévio da própria CGE para mediar a atuação dos conselheiros.
Ive pensava que além de ‘conquistar’ os demais órgãos e entidades do Poder Executivo, seria importante também ‘conquistar’ os Poderes Legislativo, Judiciário, Tribunais de Contas e Ministério Público para que não concebessem o conselho como uma instância de usurpação de suas competências, ou mais um conselho como muitos já existentes, mas sim como um instrumento de apoio e complementar ao controle da administração pública e um meio de se chegar à população de maneira mais ágil e fácil.
8 Encaminhamento
Diante do dilema apresentado, qual seria a melhor decisão a ser tomada? Abortar a iniciativa ou prosseguir com criação do Conselho de Participação Social? Optando pela criação do conselho, qual melhor estratégia para assegurar um espaço mais democratizante e participativo?
● Aproveitar o apoio já obtido de alguns atores importantes – que poderia ser passageiro – e criar o conselho para depois tratar os problemas identificados?
● Identificar alternativas prévias para os problemas, oferecendo assim uma gama de possibilidades sobre as quais os conselheiros poderiam propor?
9 Notas de ensino
9.1 Objetivos educacionais e recomendação de aplicação
O caso do Conselho de Participação Social tem o objetivo de levar os alunos a identificarem caminhos alternativos para o fortalecimento do controle social. Para tanto, terão a oportunidade de acompanhar o processo decisório que permeia a implantação de uma política pública de fomento ao controle social, concretizada pela criação do Conselho por um órgão de controle interno do Poder Executivo.
O caso foi desenvolvido para disciplinas como Administração Pública; Análise, Avaliação, Formulação e Implementação de Políticas Públicas; Governança Participativa ou Mobilização Comunitária, entre outras disciplinas que tratam da interface entre a administração pública e a sociedade civil, em cursos de graduação e pós-graduação latu sensu de Administração, Gestão Pública e outras áreas do campo público. Nota-se ainda sua adequação para abordagens interdisciplinares, caso se queira explorar questões subjacentes ao caso do Conselho em si, como por exemplo:
· Gestão de pessoas e tipos de lideranças, em função das divergências existentes entre os personagens (superintendente e gerente) e como isso pode abalar os vínculos de hierarquia e estabilidade dos servidores na organização.
· Gestão de riscos, ao traçar um quadro favorável ao Conselho, que reduza ou compartilhe os eventuais riscos existentes para sua criação e manutenção.
9.2 Fontes de obtenção dos dados
O caso para ensino é baseado em fatos reais, sendo alterados os nomes dos personagens e da organização para preservá-los. Os dados foram obtidos em 2020, a partir de observação participante nas reuniões para discussão da proposta de criação do Conselho e de entrevistas não estruturadas para obtenção do perfil dos principais articuladores da proposta e também de pesquisa documental em sites como os da revista The Economist, decretos dos poderes legislativo e executivo sobre os conselhos, coberturas jornalísticas e dados do IBGE, na forma relacionada na seção de documentos e sites de notícias, no final deste artigo.
9.3 Relevância dos tópicos
O IBGE realizou em 2014 um levantamento do quantitativo de conselhos existentes na esfera municipal, conforme Tabela 1. Em 2017, o IPEA identificou e pesquisou 40 conselhos nacionais (Avelino, Alencar, & Costa, 2017), que segundo informações do governo eram mais de 700 em 2019 (Peduzzi e colab., 2019).

Considerando a grande quantidade de Conselhos instalados e esse quadro de extinção desses espaços, é pertinente discutir os fatores que limitam e/ou ampliam a participação popular (Gurgel & Justen, 2013; Vera & Lavalle, 2012) para que toda essa estrutura não desempenhe um papel simbólico, considerando a efetividade de atuação da sociedade civil e a maturidade da participação direta dentro de uma democracia representativa.
Nesse quesito, cabe citar que a The Economist classificou o Brasil, no ano de 2021, na posição 47 do ranking que mensura o Índice de Democracia, que foi elaborado por consultoria ligada a respectiva revista. Tal índice é formado por cinco indicadores, dentre os quais cabe destacar o de ‘participação política’, que obteve resultado de 6.11/10.0 e o de ‘cultura política’, com 5.63/10.00 (The Economist Unit Intelligence, 2022).
Diante desse quadro de inúmeros Conselhos, associados a uma baixa participação democrática e ao debate sobre espaços de participação que realmente sejam capazes de influenciar a agenda governamental e de produzirem políticas públicas mais efetivas e inclusivas, vale discutir um desenho de espaço participativo que seja capaz de suprimir as possíveis deficiências e entraves dos conselhos existentes.
9.4 Questões para discussão
1. Os conselhos de políticas pública constituem-se em espaços nos quais os cidadãos podem verdadeiramente exercer a democracia direta?
2. Quais os desafios para funcionamento de conselhos de políticas públicas no cenário atual?
3. Como os conselhos podem chamar atenção para sua atuação na sociedade, trazendo informações sobre seus atos e obtendo a adesão de novos participantes representativos dos segmentos sociais?
4. Quais previsões o edital de chamamento de conselheiros ou o regimento interno devem conter para que o Conselho de Participação Social não perca suas características de conselho de política pública e, ao mesmo tempo, possa superar os eventuais entraves que afastam a participação e a representatividade integral dos cidadãos nesses espaços?
5. Qual o momento mais oportuno para lançar o conselho, imediatamente ou futuramente ou não há oportunidade neste momento?
9.5 Sugestão de abordagem de ensino
Sugere-se que este caso seja aplicado em 80 minutos, após a prévia exposição teórica e de conceitos em 50 minutos sobre a interface da administração pública e da sociedade civil.
Aula 1 – Preparação para o caso (50 minutos)
Exposição teórica e de conceitos sobre atuação do governo e da sociedade civil na formulação de políticas públicas e no sistema de controle da administração pública. Para este momento, se houver disponibilidade, sugere-se trazer um convidado de órgão de controle interno, de Tribunal de Contas ou do Ministério Público para falar sobre os mecanismos de controle social e a participação direta previstos na Constituição Federal de 1988. A exposição pode envolver também a importância de organizações da sociedade civil de fomento à participação e ao controle social, manifestações de rua e em redes sociais.
Alternativamente, propõe-se levar os alunos em um conselho de política pública (saúde, educação, assistência social...) para que conheçam a dinâmica de funcionamento do Conselho, através de uma palestra com os conselheiros e/ou da participação dos alunos em uma seção plenária em algum Conselho.
Aula 2 – Aplicação do caso (80 minutos)
Momento 1 – Preparação para o caso e quebra de inércia (10 minutos): relembrar as formas de exercício da participação direita e inserir o Conselho como uma dessas formas. Encerrar o momento perguntando: Vocês já haviam ouvido falar de conselhos de políticas públicas antes das nossas discussões?
Incentivar as contribuições e esclarecer as diferenças entre os vários Conselhos existentes: embora todos sejam órgãos colegiados que buscam aproximar o cidadão do Estado, nem todos possuem as mesmas atribuições, reforçando as funções consultiva, deliberativa, fiscalizadora e normativa dos conselhos.
Momento 2 – Leitura individual do caso (15 minutos): solicitar aos alunos que façam a leitura do caso. Alternativamente, o professor pode utilizar técnicas de storytelling para ele mesmo relatar o caso.
Momento 3 – Exposição oral das primeiras impressões do caso em pequenos grupos (10 minutos): dividir a turma em grupos de 3 a 5 pessoas e pedir que cada participante compartilhe com o restante do grupo as impressões e reflexões realizadas durante a leitura do texto, procurando responder às perguntas que encerram o caso. Esclarecer que se trata de uma exposição oral das percepções.
Momento 4 – Análise das questões para discussão (20 minutos): Apresentar em slide ou no quadro as questões para discussão e orientar que as respostas de cada grupo sejam escritas e entregues ao final da aula.
Momento 5 – Análise das questões com todos da sala e fechamento (25 minutos): o professor deve pedir para que um grupo sorteado apresente uma das respostas na sala, seguida dos apontamentos do professor e prosseguindo com as intervenções de outros grupos, que podem reforçar ou apresentar novas contribuições para a turma. Em seguida, repetir o procedimento para apresentação das demais questões.
9.6 Análise do caso
Essa análise segue as questões para discussão apresentadas previamente.
1. Os conselhos de políticas pública constituem-se em espaços nos quais os cidadãos podem verdadeiramente exercer a democracia direta?
Teoricamente são espaços de participação direta em uma democracia representativa. Na prática as percepções divergem, em função das diversas experiências alcançadas pelos conselhos existentes no país. Há uma tendência dos pesquisadores da área em entender que esses são espaços que devem ser mantidos por se tratarem de uma iniciativa inovadora de controle social, mas repensando em ações que permitam atender os objetivos de sua criação.
Os alunos devem discutir essa ambiguidade e apresentar sua percepção e se possuem alguma diretriz para melhorar ou criar novos espaços de inclusão do cidadão.
2. Quais os desafios para funcionamento de conselhos de políticas públicas no cenário atual?
Os conselhos possuem desafios administrativos e políticos: eventualmente suas deliberações não são acatadas pelo governo, possuem processos participativos burocratizados e dificuldade de serem reconhecidos por instituições e cidadãos como seus representantes. Isso reduz seu potencial de buscar justiça social, governança e transparência por parte dos governos.
Seria interessante trazer e incentivar os alunos a buscarem exemplos práticos para embasar suas respostas e demonstrarem esses aspectos.
3. Como os conselhos podem chamar atenção para sua atuação na sociedade, trazendo informações sobre seus atos e obtendo a adesão de novos participantes representativos dos segmentos sociais?
Parece que os conselhos precisam se fazer notados na sociedade, criar momentos para discutir formas de atender e incluir a sociedade e de debater políticas públicas emergentes, exercer influência para obter da administração pública um suporte administrativo mais apto em absorver atividades burocráticas.
Aqui seria interessante que os alunos criassem soluções tangíveis para obter a adesão da sociedade.
4. Quais previsões o edital de chamamento de conselheiros ou o regimento interno devem conter para que o Conselho de Participação Social não perca suas características de conselho de política pública e ao mesmo tempo possa superar os eventuais entraves que afastam a participação e a representatividade integral dos cidadãos nesses espaços?
As discussões devem se direcionar em propostas exequíveis capazes de romper o status quo identificado na questão 2 e coordenar as possibilidades lançadas na questão 3.
Os Quadros 1 e 2 podem direcionar a condução das análises. Incentivar para que os alunos, com base no contexto de inserção dos Conselhos, de uso de tecnologias de comunicação e informação e da formação da agenda façam propostas inovadoras, diferentes das soluções já vigentes e que reduzam as eventuais desvantagens identificadas pelos personagens da história.



5. Qual o momento mais oportuno para lançar o conselho (imediatamente ou futuramente) ou não há oportunidade neste momento?
Esta discussão fundamenta-se na última reflexão do caso:
● Em função do contexto de existência dos conselhos, melhor seria abortar a iniciativa ou continuar com ela?
● Qual seria a melhor estratégia:
a) Aproveitar o apoio já obtido de alguns atores importantes – que poderia ser passageiro – e criar o conselho para depois tratar os problemas identificados?
b) Identificar alternativas prévias para os problemas, oferecendo assim uma gama de possibilidades sobre as quais os conselheiros poderiam propor?
As duas possibilidades são compatíveis. Cabe discutir as vantagens e desvantagens de cada uma, de acordo com alguns direcionamentos apresentados no Quadro 3, que considera o processo de formulação de políticas públicas.

9.7 Experiência docente na aplicação
Este caso foi aplicado na disciplina de Introdução à Administração Pública, parte do currículo do curso de graduação em Administração. O conteúdo abordado se referia ao exercício da função de controle na Administração Pública, entre as funções do administrador de ‘planejar, organizar, dirigir e controlar’.
Da forma sugerida na seção 9.5, o ponto alto para os alunos foi receber o secretário-chefe da Controladoria-Geral do Estado que falou sobre as atribuições do controle interno, controle externo e controle social, no qual ele posicionou o papel dos conselhos de políticas públicas. Eles se sentiram prestigiados pela presença de uma autoridade que reforçou a importância do conteúdo. Entendemos que o convite de um especialista que atua no serviço público, não necessariamente do alto escalão, reveste o momento de um caráter ainda mais prático, no qual os alunos parecem valorizar.
Na apresentação do caso, optou-se por solicitar que os alunos o lessem e, na sequência, houve a ‘contação’ da história pelo professor como forma de alinhar o entendimento dos alunos durante a leitura individual. Já na análise do caso, a ordem com que as questões para discussão foram apresentadas permitiu obter um feedback sobre o entendimento do conteúdo previamente apresentado, ao mesmo tempo em que foram coletadas as opiniões sobre a existência dos Conselhos como espaços de participação da sociedade civil em conjunto com o Estado. Diante de opinião divergentes, a promoção da discussão dirigida permitiu que os participantes experimentassem de uma forma amena os eventuais conflitos com que os espaços de decisão e poder devem mediar.
Vale destacar que o assunto gera muitas questões subjacentes ao conteúdo em si, fazendo com que o objetivo da dinâmica se perca caso o professor não faça uma mediação adequada.
Este caso foi aplicado de forma remota, em 2020, com o uso do recurso de salas simultâneas de um software de Web Conferência, no momento em que as aulas presenciais estavam suspensas em função da pandemia de Covid-19. Acredita-se que o formato presencial seja mais enriquecedor, mas é totalmente possível adaptar sua aplicação à forma remota e, inclusive usar dessa experiência para comparar com a dinâmica de um conselho virtual.
9.8 Fechamento do caso
Pode ser oportuno comparar o momento em sala com o funcionamento prático da democracia: na aula, houve regras para condução da dinâmica, os conselhos possuem regimento interno, o Estado possui toda uma legislação para que políticas públicas sejam implementadas. Essas regras visam minimizar a prevalência de grupos homogêneos nos espaços de poder e garantir a participação de todos. Apesar de todas essas regras, não necessariamente todas as pessoas e grupos de interesse se fazem presentes, sendo que uma forma de vencer essa barreira é usar das atuais tecnologias da informação e comunicação, como por exemplo encontros remotos.
Vale ainda explicitar aos alunos que diante de toda essa complexidade da administração pública, a dinâmica do caso é relevante para que eles possam compreender e refletir sobre a definição da agenda pública e sobre estratégias para sua condução, sobre a participação direta em uma democracia representativa e sobre o uso de tecnologias para democratizar o processo de implantação de políticas públicas. De outra forma, além do conhecimento sobre esses assuntos, eles podem desenvolver habilidades de negociação, persuasão, convencimento e atuação estratégica, utilizando dos conteúdos teóricos.
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