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Hóspedes Incômodas ou Bem Vindas? As Emoções em um Órgão Público de Minas Gerais

Uncomfortable or Welcome Guests? Emotions in a Public Agency in Minas Gerais

¿Huéspedes incómodos o bienvenidos? Emociones en una Agencia Pública de Minas Gerais

Mariana Mayumi Pereira de Souza
Universidade Federal de Viçosa/Campus Florestal, Brasil
Adriana Ventola Marra
Universidade Federal de Viçosa/Campus Florestal, Brasil
Tiago Guerra Borges
Universidade Federal de Viçosa/Campus Florestal, Brasil
Ana Flávia Cardoso de Lima
Universidade Federal de Viçosa/Campus Florestal, Brasil

Hóspedes Incômodas ou Bem Vindas? As Emoções em um Órgão Público de Minas Gerais

Administração Pública e Gestão Social, vol. 15, núm. 1, 2023

Universidade Federal de Viçosa

Recepción: 05 Abril 2022

Aprobación: 01 Agosto 2022

Resumo: Objetivo da pesquisa: Compreender a articulação das emoções às práticas organizacionais em um órgão público de Minas Gerais.

Enquadramento teórico: As emoções são estudadas sob os pontos de vista político e construtivista, entendendo-as como produtos e produtoras da realidade. Dessa forma, as emoções fazem parte da racionalidade humana e integram as práticas organizacionais de maneira consciente ou inconsciente (Zietsma & Toubiana, 2018; Oliveira & Cavedon, 2019).

Metodologia: Foi realizada uma pesquisa qualitativa, descritiva e exploratória. A coleta de dados ocorreu por meio de entrevistas semiestruturadas com dezesseis servidores do órgão público pesquisado, entre os meses de janeiro e julho de 2021. Os dados foram analisados por Análise de Conteúdo.

Resultados: Foram apontadas algumas relações entre emoções e sentimentos dos entrevistados com práticas comuns na organização, revelando como a estrutura burocrática e as relações de poder influenciam nas experiências emocionais. A pesquisa conclui que determinados tipos de práticas organizacionais contribuem para uma integração mais saudável e construtiva das dinâmicas emocionais ao trabalho.

Originalidade: Muitos estudos que abordam o tema das emoções nas organizações partem de polarizações entre a razão e as emoções. Nesta pesquisa, demonstramos como as emoções integram as racionalidades nas práticas organizacionais. A grande maioria parte também de abordagens funcionalistas, negligenciando aspectos políticos e relacionais.

Contribuições teóricas e práticas: O presente artigo contribui para ampliar o debate sobre as emoções na Administração e nos Estudos Organizacionais, trazendo como as emoções se articulam às práticas organizacionais e às racionalidades subjacentes. Dessa forma, aponta para possíveis caminhos rumo à construção de ambientes de trabalho mais propícios ao desenvolvimento emocional.

Palavras-chave: Emoções, Sentimentos, Regulação emocional, Práticas organizacionais, Setor público.

Abstract: Research objective: To understand the articulation of emotions in organizational practices in a public agency in Minas Gerais.

Theoretical framework: Emotions are seen from political and constructivist points of view, understanding them as products and producers of reality. In this way, emotions are part of human rationality and consciously or unconsciously integrate organizational practices (Zietsma & Toubiana, 2018; Oliveira & Cavedon, 2019).

Methodology: A qualitative, descriptive and exploratory research was carried out. Data collection took place through semi-structured interviews with sixteen workers from the researched public agency from January to July 2021. Data were analyzed by Content Analysis.

Results: Some relations between interviewees’ emotions and feelings with common organizational practices were pointed out, revealing how bureaucratic structure and power relations influence emotional experiences. The research concludes that certain types of organizational practices contribute to a healthier and more constructive integration of emotional dynamics at work.

Originality: Many studies that approach the theme of emotions in organizations start from polarizations between reason and emotions. Here, we demonstrate how emotions integrate rationalities in organizational practices. The vast majority also start from functionalist approaches, neglecting political and relational aspects.

Contributions and practices: This article contributes to broaden the debate on emotions in Administration and Organizational Studies, considering how emotions are articulated in organizational practices and underlying rationalities. In this way, it points to possible paths towards the construction of work environments that are more conducive to emotional development.

Keywords: Emotions, Feelings, Emotion regulation, Organizational practices, Public sector.

Resumen: Objetivo de la investigación: Comprender la articulación de las emociones a las prácticas organizacionales en una agencia pública de Minas Gerais.

Marco teórico: Se estudian las emociones desde el punto de vista político y constructivista, entendiéndolas como productos y productoras de la realidad. De esta forma, las emociones forman parte de la racionalidad humana e integran consciente o inconscientemente las prácticas organizacionales (Zietsma & Toubiana, 2018; Oliveira & Cavedon, 2019).

Metodología: Se realizó una investigación cualitativa, descriptiva y exploratoria. La recolección de datos ocurrió a través de entrevistas semiestructuradas con dieciséis empleados de la agencia pública investigada, entre enero y julio de 2021. Los datos fueron analizados por Análisis de Contenido.

Resultados: Se señalaron algunas relaciones entre emociones y sentimientos de los encuestados con prácticas comunes en la organización, revelando cómo la estructura burocrática y las relaciones de poder influyen en las experiencias emocionales. La investigación concluye que cierto tipo de prácticas organizacionales contribuyen a una integración más sana y constructiva de las dinámicas emocionales en el trabajo.

Originalidad: Muchos estudios que abordan el tema de las emociones en las organizaciones parten de polarizaciones entre razón y emociones. En esta investigación, demostramos cómo las emociones integran racionalidades en las prácticas organizacionales. La gran mayoría también parte de enfoques funcionalistas, descuidando aspectos políticos y relacionales.

Aportes teóricos y prácticos: Este artículo contribuye a ampliar el debate sobre las emociones en los Estudios de Administración y Organizacionales, acercando cómo las emociones se articulan con las prácticas organizacionales y las racionalidades subyacentes. De esta forma, apunta posibles caminos hacia la construcción de ambientes de trabajo más propicios para el desarrollo emocional.

Palabras clave: Emociones, Sentimientos, Regulación emocional, Prácticas organizacionales, Sector público.

1 INTRODUÇÃO

É um consenso entre estudiosos de diversas áreas de que as emoções influenciam no pensamento, na tomada de decisão, nas relações sociais, no bem-estar, na saúde física e mental dos indivíduos (Rodrigues & Gondim, 2014). As emoções são resultado das interações entre indivíduo e sociedade, decorrentes de um jogo de relações afetivas que objetivam corpórea e psiquicamente as experiências sociais dos sujeitos. Usualmente, as emoções referem-se aos estados físicos e psíquicos desencadeados por um determinado estímulo, uma pessoa, um objeto, um evento (Oliveira, 2016; Engelman & Gonçalves, 2016).

Na área da Administração e dos Estudos Organizacionais, as emoções têm sido estudadas atreladas a certos temas como aprendizagem (Simpson & Marshall, 2010), criatividade (Engelman & Gonçalves, 2016), estratégia (Liu & Maitlis, 2013), gênero (Essers, 2009), identidade profissional (Winkler, 2018) e trabalho emocional (Silva & Gondim, 2019; Santos & Fontenelle, 2019). Contudo, ainda são escassos os estudos que abordam as emoções numa perspectiva política e relacional dentro das organizações (Zietsma & Toubiana, 2018), entendendo-as não como fenômenos exclusivamente individuais, e sim como pautados em redes de relações que constroem as realidades organizacionais. Nesse sentido, a forma como as emoções são expressas no cotidiano das organizações está diretamente ligada à (re)produção dos processos organizativos e das subjetividades (Oliveira & Cavedon, 2019).

Além disso, a maioria dos estudos organizacionais que aborda as emoções o faz partindo da polarização entre emoções e racionalidade, entendendo-as como irracionais (Oliveira, 2016). Todavia, partindo de um entendimento mais amplo sobre razão (Ramos, 1981) ou considerando as limitações da razão (Simon, 1965), entendemos que as emoções fazem parte da racionalidade humana, integrando as práticas organizacionais de maneira consciente ou inconsciente. Sendo assim, consideramos relevante a reflexão sobre como lidar com as emoções nas organizações, a partir da articulação destas com as práticas organizacionais.

Nosso objetivo foi compreender como as práticas organizacionais influenciam e são influenciadas pelas emoções em um órgão público municipal de Minas Gerais, que aqui foi nomeado como EMO-MG, para preservar seu anonimato. A EMO-MG conta com cerca de 1.500 funcionários, entre efetivos, de recrutamento amplo, terceirizados e estagiários. Portanto, dado que as emoções estão presentes e permeiam o cotidiano das organizações, fazendo uma relação com o título da tese de Torres (2009), seriam as emoções hóspedes incômodas ou bem vindas dentro da EMO-MG? Como as práticas organizacionais e as emoções se relacionam nesta organização?

O presente artigo contribui para ampliar o debate das emoções na Administração e nos Estudos Organizacionais a partir do viés político e construtivista, entendendo-as como produtos e produtoras da realidade nas organizações.

2 AS EMOÇÕES NAS ORGANIZAÇÕES

Em pesquisas que relacionam as emoções com as áreas profissionais e institucionais, normalmente, as emoções são tratadas como prejudiciais ao desempenho profissional (Coelho, 2019). Por exemplo, podemos citar os estudos voltados para o trabalho emocional, que tratam do gerenciamento emocional exigido dos trabalhadores para exibirem as emoções dentro do padrão organizacional esperado (Silva & Gondim, 2019; Santos & Fontenelle, 2019). Tal tratamento não é diferente no meio científico, em que usualmente se consideram as emoções como indesejáveis e inconciliáveis às análises pragmáticas (Coelho, 2019).

Segundo Coelho (2019), as emoções são tratadas a partir de três perspectivas: a) como indesejáveis e que devem ser extintas do trabalho; b) em um caráter mais moderado, como incômodos inevitáveis, que podem auxiliar no conhecimento sobre como fazer o trabalho; c) como parte integrante e bem vinda do trabalho, um caminho para o entendimento dos indivíduos.

Partindo desta terceira perspectiva, entendemos que nas organizações as emoções são também indissociáveis do trabalho e das práticas organizacionais. A escassez de estudos sobre as emoções na Administração demonstra que a área e as organizações continuam separando o ser intelectual do ser emocional (Reatto & Brunstein, 2019). Portanto, despertar o interesse pela compreensão das emoções poderia ajudar aos membros de uma organização sobreviver ou desenvolver-se nela (Simpson & Marshall, 2010).

Machado (2003) destaca que a literatura gerencial dominante é fruto de uma longa tradição acadêmica que reproduz divisões cartesianas de pensamento, sendo necessário um esforço para reconhecer a emocionalidade como um aspecto inerente à dinâmica da gestão. Assim, os fatos organizacionais podem ser explicados a partir de processos emocionais não reinantes, ou seja, aqueles desconhecidos, inexplorados ou considerados como não importantes. Neste contexto, Reatto e Brunstein (2019) ressaltam a importância de estudos com abordagens menos funcionalistas.

O desenvolvimento emocional dos indivíduos vai muito além da infância, sendo que as organizações constituem-se numa extensão deste crescimento, pois são arenas sociopolíticas nas quais as emoções são usadas efetivamente para criar estratégias de respostas às situações que nelas surgem. Assim, os gestores precisam encorajar os indivíduos a compreenderem suas emoções e a usá-las construtivamente no seu cotidiano, para que seja possível compreender o que causa tais emoções e harmonizar-se com elas (Antonacopoulou & Gabriel, 2001).

Assim como Antonacopoulou e Gabriel (2001), que denominam o ambiente organizacional como espaços sócio-políticos, Oliveira (2016) também considera o ambiente organizacional a partir de uma perspectiva política, onde as práticas cotidianas e as emoções se relacionam. A autora se baseia na abordagem contextualista das emoções de Lutz e Abu-Lughod (1990) para aproximar as emoções às práticas cotidianas organizacionais.

As emoções, segundo essa perspectiva, são pensadas a partir das dinâmicas sociais desenvolvidas nas práticas cotidianas Na concepção de Certeau (1994), as práticas são as maneiras de dizer e de fazer dos sujeitos sociais, possuindo um caráter processual e pouco delimitado. No ambiente organizacional, a partir das práticas cotidianas, vão se estabelecer relações de poder e jogos sociais que são sustentados pelas emoções, concebidas também como práticas sociais. As cenas emotivas dentro das organizações envolvem sempre duas ou mais pessoas. A partir dessa dinâmica emocional é possível observar os exercícios das relações de poder (Oliveira, 2016).

Portanto, os efeitos sociais das emoções podem ser compreendidos de duas formas: 1) na constituição dos indivíduos; e 2) nos processos que constituem o organizar. Além disso, ao relacionar as práticas organizacionais e as práticas emocionais, é possível aproximar as emoções de uma perspectiva política das organizações (Oliveira, 2016). Oliveira (2016) chama essa relação de política emocional das organizações.

Para Oliveira (2016), não há dualidade entre as práticas organizacionais e as práticas emocionais. A autora concluiu que as emoções são constituídas sócio-historicamente e sustentam os processos organizacionais, o que lhe possibilitou desconstruir o entendimento das emoções como dimensão individual, passível de controle gerencial ou psicológico, ao atribuir-lhes caráter social e político nos processos organizacionais. O contexto social não é algo separado de uma experiência emocional vivida (Simpson & Marshall, 2010). Por isso, as emoções têm o potencial de alterar papéis sociais, mudar organizações, democratizar instituições ou subverter sistemas de regras e governos inteiros (Machado, 2003).

Torres (2009) explica que, quanto mais os empregos envolvam produção de significados, mais os sentimentos serão parte constitutiva do que é exigido da força de trabalho. Isso significa que cada função ou cargo demanda certo tipo de trabalhador e, por consequência, capacidades emocionais de gerência dos sentimentos distintos, ou ausentes (Reatto & Brunstein, 2019; Silva & Gondim, 2019; Santos & Fontenelle, 2019; Morais, Sauerbronn, Oliveira, & Pestana, 2015).

Rodrigues e Gondim (2014), com o objetivo de analisar a relação entre as emoções e as estratégias de regulação emocional em situações cotidianas de trabalho, desenvolveram um estudo quantitativo com servidores públicos do sul do país. Segundo os autores, a expressão das emoções é essencial para manutenção e desenvolvimento das relações interpessoais. “Saber lidar com as emoções pessoais e com as dos demais tem se tornado um importante requisito nas relações do indivíduo com a organização” (Rodrigues & Gondim, 2014, p. 20).

A regulação emocional pode ser entendida como a tentativa, controlada ou automática, de lidar com as emoções, definindo quando e como serão sentidas e expressas (Rodrigues & Gondim, 2014). A escolha do âmbito público pelos autores como campo de pesquisa é justificada pelas constantes mudanças estruturais que o setor tem passado nos últimos anos. O que exige um “manejo emocional” dos servidores públicos, “demandando estudos empíricos que permitam compreender melhor essa realidade” (Rodrigues & Gondim, 2014, p. 2).

A pesquisa constatou que a emoção que mais predominava diante das situações negativas era a raiva. O medo foi o menos sentido e a emoção positiva mais sentida foi a alegria. A raiva projeta os indivíduos para a mudança, portanto, pode ser associada às transformações estruturais do setor nos últimos anos. E, o que explica o medo como emoção menos sentida é a estabilidade proporcionada pelo trabalho público (Rodrigues & Gondim, 2014).

Diante das situações negativas, as estratégias de “regulação emocional profunda” foram as mais usadas. Este tipo de estratégia “envolve uma mudança interior que leva à expressão emocional condizente com o contexto organizacional” (Rodrigues & Gondim, 2014, p. 9). A outra estratégia é a “regulação emocional superficial”, que “consiste na tentativa de suprimir e não deixar transparecer a emoção sentida” (Rodrigues & Gondim, 2014, p. 9).

Reatto, Godoy e Maggi-da-Silva (2016) descreveram como os conflitos e tensões vivenciados por técnicos-administrativos no local de trabalho de uma faculdade pública de São Paulo despertam suas emoções. Os servidores entendem as emoções como uma manifestação particular do indivíduo, fruto de sua cognição e personalidade. De acordo com os entrevistados, a universidade é um espaço para que as pessoas executem mecanicamente suas atividades laborais, e não espaços de emoções, pois ser um bom profissional é reservar suas emoções para serem expressas em casa e não no ambiente de trabalho (Reatto, Godoy, & Maggi-Da-Silva, 2016).

O posicionamento destes sujeitos de pesquisa, quanto ao ambiente de trabalho e às emoções, corrobora o que a literatura sobre emoções nas organizações, no trabalho e na aprendizagem aponta há tempo, ou seja, este assunto é periférico e não está explicitamente integrado à dinâmica organizacional. Como um espelho da cultura ocidental, a qual separa a razão do sentimento, as emoções são percebidas como um fator negativo que deve ser controlado e eliminado (Antonacopoulou & Gabriel, 2001; Reatto & Brunstein, 2019).

Para captarmos a relação entre as experiências emocionais e as práticas organizacionais na EMO-MG, utilizamos o conceito de sentimentos de forma complementar ao conceito de emoções, entendendo-o como uma via metodológica para a compreensão das experiências emocionais. Enquanto as emoções seriam estados psicológicos internos, orgânicos e intensos, os sentimentos seriam sensações derivadas de interpretações das emoções primárias, vinculadas a objetos e expectativas sociais. Dessa forma, na socialização emocional, o indivíduo adquire um vocabulário de sentimentos e torna-se capaz de nomear, comunicar e manejar o que sente (Gordon, 1981; Winkler, 2018). O que as pessoas sentem, como sentem e como expressam seus sentimentos é socialmente condicionado, apesar destes sentimentos serem vivenciados individualmente (Zietsma & Toubiana, 2018; Winkler, 2018).

No contexto desta pesquisa, ao relatarem sobre suas experiências emocionais, os indivíduos falam mais sobre seus sentimentos, visto que tais experiências já passaram por algum processo interpretativo. Como os sentimentos estão sempre vinculados a objetos sociais, estes são vias essenciais para a compreensão da relação entre as experiências emocionais e as práticas organizacionais.

3 PERCURSO METODOLÓGICO

Foi realizada uma pesquisa qualitativa, descritiva e exploratória na EMO-MG. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (CAAE: 38201120.3.0000.5153). Os dados foram coletados através de 16 entrevistas semiestruturadas com sujeitos que trabalhavam na EMO-MG por no mínimo dois anos. A seleção dos entrevistados ocorreu por indicações do setor de Desenvolvimento Psicossocial da EMO-MG, buscando cobrir um perfil diverso de cargos, setores, idade, formação e tempo de trabalho na EMO-MG. As entrevistas foram feitas de forma remota, gravadas e transcritas, entre os meses de janeiro e julho de 2021.

O roteiro de perguntas utilizado cobriu cinco temáticas principais: a) trajetória profissional: descrição geral, formação, experiências profissionais, funções e setores pelos quais já passou na EMO-MG, momentos marcantes e sentimentos no trabalho; b) Rotina atual de trabalho: principais atividades, atividades mais desafiadoras, atividades mais prazerosas e sentimentos relacionadoas às atividades; c) Sentimentos/emoções vivenciados com maior frequência: relatos, exemplos de vivências e relações com estruturas/procedimentos/hábitos organizacionais; d) Processos de comunicação na EMO-MG: canais de informação e de comunicação formais e informais, liberdade para comunicar opiniões e sentimentos; e) Trabalho remoto: mudanças, práticas de comunicação e sentimentos/emoções vivenciados.

Depois de transcritas e codificadas, as entrevistas foram analisadas por meio da análise de conteúdo (Bardin, 1991). Segundo Bardin (1991), esse tipo de análise consiste em explicar e sistematizar os conteúdos e a maneira com que se desenvolvem, condensando um conhecimento inédito oriundo das relações de paridade e de diferenças, mas não corrompendo a visão dos entrevistados, a fim de sobrepor a dos entrevistadores.

Para análise de conteúdo, foram seguidas as três fases sugeridas por Bardin (1991) e as técnicas aplicadas por Silva e Fossá (2015): (1) pré-análise: etapa de organização e de leitura flutuante, isto é, um contato inicial com os dados – no caso deste trabalho, inicialmente, foi realizada a leitura flutuante das entrevistas transcritas; (2) exploração dos dados: etapa de codificação do material, com o recorte das unidades de registro e de contexto, e com a determinação de categorias de análise; que podem ser estabelecidas a priori, a partir de um referencial teórico, ou a posteriori, a partir dos relatos dos entrevistados. – nesta pesquisa, foram separadas as unidades de registro (palavras e expressões) e as unidades de contexto formando uma planilha temática que deu origem as seguintes categorias criadas a posteriori: relações interpessoais no trabalho, atividades desafiadoras, atividades prazerosas e momentos marcantes no trabalho; e (3) tratamento dos resultados, inferência e interpretação: os resultados obtidos foram sintetizados, realizadas inferências e interpretações a partir do eixo teórico do estudo.

Na Tabela 1, é apresentado o perfil dos entrevistados, dando destaque a idade, sexo, formação acadêmica, tempo de atuação e cargo ocupado na EMO-MG. Os entrevistados foram identificados por nomes fictícios para preservar seu anonimato e apresentam-se listados conforme a ordem de realização das entrevistas.

Tabela 1: Perfil dos entrevistados
Tabela 1: Perfil dos entrevistados

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Traçando um quadro geral sobre o perfil dos entrevistados, a idade média foi de 41,4 anos, sendo que o entrevistado mais jovem possuía 26 anos e o mais velho 54 anos. Oito entrevistadas foram do sexo feminino e oito do masculino. Com exceção de Elisa, que ocupa seu cargo por indicação política, todos os demais são concursados. A preferência pelos servidores concursados se deu pela maior liberdade destes para lidar com as emoções no local de trabalho, visto possuírem estabilidade no emprego. O tempo médio de atuação na EMO-MG foi de 10,5 anos, sendo que o entrevistado mais antigo na organização possuía 31 anos de atuação e as mais novas 2,5 anos.

Apesar de somente seis dos dezesseis cargos ocupados serem de nível superior, todos os entrevistados possuem formação superior. Isto reflete uma realidade particular da EMO-MG, em que cerca de 95% dos servidores possuem escolaridade de nível superior, algo que é estimulado pelos planos de carreira da instituição. Já com relação aos cargos e setores de trabalho, observamos que cada entrevistado representa um cargo ou setor diferente. Portanto, de forma geral, o perfil dos entrevistados foi bastante diversificado, permitindo abarcar realidades diferentes dentro da organização pesquisada.

A seguir, apresentamos a análise do conteúdo das entrevistas. Em concordância com Simpson e Marshall (2010), a compreensão das emoções perpassa a compreensão das experiências dos indivíduos. Apesar de não haver espaço suficiente para detalhar a análise dos contextos pessoais e trajetórias de vida de cada entrevistado, as categorias de análise enfatizam as experiências particulares dos entrevistados, em suas relações, atividades cotidianas e momentos marcantes. Dessa forma, foi possível ampliar a compreensão sobre como as práticas organizacionais influenciam e são influenciadas pelas emoções, objetivo proposto pela pesquisa.

4.1 Relações interpessoais

Apesar da diversidade de perfis e funções, todos verbalizaram ter boas relações no ambiente de trabalho, conseguindo se comunicar bem com pessoas tanto de seu setor quanto de outros. Observamos que muitas práticas organizacionais na EMO-MG propiciam este contato com as diversas áreas e setores. A maioria dos entrevistados também acrescentou que, na maioria das vezes, tem liberdade e autonomia para realizar suas tarefas e resolver os problemas sem consulta prévia ao superior. Tais situações são exemplificadas nos trechos de Helena e Raquel.

Tenho muito contato assim. Com a área do processo legislativo, com outras diretorias, outros setores assim, e geralmente esse contato vem muito direto pra mim, às vezes passa pelo meu chefe, mas mesmo assim ele já pede pra fazer contato comigo. Então, faço contato sim com muitas áreas aqui. [...] É bem tranquilo. (Helena)

Então, eu tenho ali acesso a todas as... à EMO-MG inteira, todo mundo! Do operacional, do operacional estratégico, dos diretores, todo mundo. [...] eu me sinto motivada, me sinto grata, alerta, energizada, inspirada, animada, otimista às vezes, mas outras vezes não muito otimista, não por causa da equipe em si, mas pelo grande desafio que é. (Raquel)

Conforme relatos de Helena e Raquel, na EMO-MG, muitas das práticas organizacionais facilitam a aproximação dos indivíduos. Concordando com Oliveira (2016), a forma como os processos ocorrem dentro da organização pode, num primeiro momento, contribuir para a aproximação de indivíduos e, num segundo momento, constituir relações sociais e afetivas dentro do ambiente laboral, promovendo sentimentos como tranquilidade, motivação, inspiração e, às vezes, otimismo. Helena, José, Vicente, Raquel Tereza, Pedro e Inácio ocupam cargos que envolvem maior contato com as diversas áreas da EMO-MG.

Por sua vez, Elisa, Ana, João, Célia, Maria, Ângela, Tiago e Carlos ficam mais voltados para as pessoas de seus próprios setores. Neste caso, os entrevistados citados atuam num sistema hierárquico e individualista. Para Koury (2014), quando há um relacionamento baseado na hierarquia, as relações interpessoais permanecem apenas até determinado limite pré-estabelecido. Tal limitação nas relações e nas comunicações pode ocasionar sentimentos de ansiedade e frustração. Oliveira (2016) complementa que muitas vivências emocionais acompanham as hierarquias, assim, só chegam onde permite o contato cotidiano. O relato de João exemplifica este limite e distanciamento.

São 4 pessoas do meu setor que eu tenho contato diariamente. E aí os outros setores... que na verdade a minha chefe tem contato com todos os setores [...] a gente tem contato com as necessidades delas, não com elas. [...] Então, assim, às vezes, a gente trabalha com esmero ali, ou mexe, desenvolve, busca, pesquisa e faz... compila um trabalho bacana e eles não... não recebem da mesma forma com que a gente entrega assim, com o mesmo otimismo que a gente entrega, sabe? Eles não recebem da mesma forma, isso é às vezes é frustrante. (João)

Um ambiente de trabalho favorável ao desenvolvimento emocional é aquele em que os indivíduos são instigados a se comunicarem sobre seus sentimentos e opiniões, propiciando as estratégias de regulação emocional profunda (Rodrigues & Gondim, 2014; Silva & Gondim, 2019). Na maioria dos setores, parece haver certa abertura ao diálogo para compartilhar os sentimentos no trabalho, a depender de certas condições. Como ilustram os trechos abaixo:

Tenho, eu me sinto com um ambiente propício para isso...eu sinto que tem abertura para isso... (Maria)

Eu vejo abertura, mas nem sempre é estratégico para mim falar, não é com qualquer pessoa que eu me abro não. (Raquel)

Olha depende da pessoa, como a maior parte dos colegas sim... . Mas acho que sim, que esse espaço existe, eu inclusive, em muitos momentos, utilizei desse espaço e verbalizei para os colegas quando eu tava me sentindo, quando eu estava sentindo raiva, já usei esse termo raiva, frustrada, insatisfeita, com medo então assim, eu sei que esse espaço existe inclusive para um momento de raiva. (Ana)

Apesar de a maioria dos entrevistados afirmar existir abertura para expressar sentimentos e emoções no trabalho, observamos que há quase sempre uma ressalva com relação a pessoas menos próximas ou superiores. Raquel e Ana deixam explícita essa ressalva. Vicente, que também afirma ter liberdade para falar de seus sentimentos com os colegas de trabalho, deixa explícito que, com seus superiores, é necessária uma adaptação de linguagem: “Eu consigo expressar essas coisas que eu sinto com a direção da casa, quando eu tenho oportunidade, mas aí cheio de dedos né... Aí com uma outra forma de falar, mas eu também não tenho deixado de falar não” (Vicente).

Já outros entrevistados se sentem sozinhos, por acreditarem que não podem expor seus sentimentos, gerando ansiedade e desconforto. João relata que não pode expressar seus sentimentos e também não pode ouvir as outras pessoas, que apenas tem que obedecer. Notamos mais uma vez uma alusão ao limite das relações afetivas imposto pela hierarquia. Este limite acarreta estratégias de regulação emocional superficial (Rodrigues & Gondim, 2014). “[Longa Pausa] Acho muito difícil...opinião? Sentimento? Eu nunca vi muito não... a gente tem que ver, a gente tem que não ver, tem que não ouvir, a gente tem simplesmente que obedecer o que vem deles” (João).

Nesse sentido, observamos que as práticas organizacionais propiciam determinadas relações interpessoais, a depender do cargo e do setor onde se trabalha. Tais achados corroboram com Winkler (2018) que evidencia que nas organizações, como arenas políticas, muitas emoções devem ser suprimidas pois nestes ambientes nem todos sentimentos podem ser verbalizados a todas as pessoas. Assim, as relações interpessoais são permeadas por contextos hierárquicos e políticos, o que interfere nas vivências emocionais.

4.2 Atividades desafiadoras

Uma das principais atividades desafiadoras apontadas foi a comunicação entre os setores e as pessoas da EMO-MG. João relata um descompasso de emoções ao receber um feedback negativo de um colega, mesmo acreditando que teria feito o melhor possível, sentindo-se preocupado, envergonhado e desconfortável. Outro problema relatado por Tereza é a pressão que algumas pessoas fazem para terem suas demandas atendidas com rapidez, não entendendo o ritmo do próprio trabalho. A entrevistada acaba silenciando seu sentimento nesta situação ao racionalizar dizendo que faz parte de seu dia-a-dia, demonstrando uma estratégia de regulação emocional superficial (Rodrigues & Gondim, 2014).

Preocupado, né? porque se a gente não atende... já aconteceu de um... de me sentir envergonhado pelo feedback de uma demandante, ela falou coisas que...que foi muito constrangedor assim sabe? E deixa a gente desconfortável porque a gente tenta fazer o máximo possível. E aí ele só ver... Não vê as horas que a gente gastou para poder desenvolver um trabalho assim melhor. (João)

Uma dificuldade de comunicação eu acho, ou às vezes as pessoas que querem... pra ontem alguma coisa assim, aí acaba me colocando sob pressão ou aqueles que... o que é difícil né? Parece que não entende bem ou do sistema ou de como as coisas funcionam, por exemplo, falou que sistema deve funcionar de um jeito, e agora tem que funcionar de outro, mas a gente não sabia até então, ele tem que falar né? E a pessoa parece que não entende isso bem. Mas assim, é tudo bem contornável, faz parte do meu dia a dia (Tereza)

Para que a comunicação ocorra de maneira mais clara, é necessário que as emoções sejam expressas por ambas as partes, segundo Oliveira e Cavedon (2019). Nos dois relatos anteriores, observamos que os entrevistados não se sentiram à vontade para expressar seus sentimentos diante de feedbacks negativos e cobranças, o que prejudica a clareza e a empatia na comunicação. Nesse sentido, seria interessante que fossem criados espaços institucionalizados para comunicação dos sentimentos entre os indivíduos (Rodrigues & Gondim, 2014; Silva & Gondim, 2019),

Outra atividade desafiadora apontada é trabalhar com os terceirizados que estão na EMO-MG por indicações políticas. O contexto organizacional das indicações tira a autonomia do servidor efetivo para o gerenciamento de seus subordinados. Neste sentido, com a interferência dos “padrinhos políticos”, os sentimentos implícitos na fala de André são de frustração e indignação por não conseguir realizar seu trabalho como gostaria.

O desafio maior que eu tenho, porque eles todos são indicações políticas, então trabalhar com terceirizados, com indicação política é terrível, porque quando você tem uma situação em que o servidor ele erra e você chama essa pessoa, você tem que às vezes até dar uma advertência, alguma coisa assim, aí essa pessoa recorre à indicação política dela e geralmente a indicação política interfere, [...] isso prejudica muito a gente, e é um desafio, que atrapalha o trabalho da gente (André)

As terceirizações são práticas organizacionais muito comuns no setor público e ocasionam desafios diversos na gestão de pessoas (Druck, Dutra, & Silva, 2019). No caso da EMO-MG, conforme relatado por André, a prática da terceirização seria permeada por relações de poder, em que o poder político torna-se mais influente que o poder da hierarquia formal.

A ausência de desafios também pode despertar certas emoções desagradáveis. Para Elisa, a rotina e a repetitividade burocrática são gatilhos para o sentimento de tédio. No caso de Célia, que não demonstrou nenhuma palavra positiva sobre seu trabalho, o sentimento relatado é frustração e incapacidade.

Ainda não me senti assim desafiada não... A minha rotina na câmara é bem tranquila. [...] igual fazer oficio, responder e-mail, essa parte administrativa... pra mim não vem muito essa satisfação não. (Elisa)

Eu não gosto da atividade que eu faço... o lançamento em planilhas muito detalhado, eu acho que isso não condiz com o meu perfil, eu tenho um perfil mais dinâmico [...] Eu tenho muito sentimento de frustração, porque eu não consigo...eu erro muito...aí eu tenho que refazer as planilhas, às vezes, várias vezes. [...] às vezes até dá uma sensação de fracasso nessa atividade. (Célia)

Podemos observar, portanto, que as práticas organizacionais interferem na forma como os indivíduos experimentam o nível de desafio em seu trabalho, seja na forma como ocorrem as comunicações, as contratações ou a definição de funções. É certo que cada sujeito pode perceber níveis de desafio diferentes em um mesmo contexto, porém, a recorrência de emoções semelhantes nos permite inferir as relações entre o ambiente de trabalho e as experiências emocionais.

4.3 Atividades prazerosas

Na análise de atividades prazerosas e sentimentos, houve diferentes respostas sobre o que os entrevistados mais gostam no trabalho, com perspectivas diversas sobre o impacto do trabalho e no trabalho dos seus colegas. As emoções permeiam essas respostas, criando vínculos, para que o trabalho e as tarefas sejam realizados plenamente. Como explica Oliveira (2016), as emoções nos fazem compreender as relações sociais, principalmente dentro do trabalho.

Quando o trabalho tem o poder de ajudar o outro ou quando se tem prazer em lidar com pessoas e ajudar, como o que ocorre com João, Maria, Vicente, Tiago e Carlos, o trabalho torna-se relevante, importante e o sentimento de motivação no trabalho se eleva, suprindo necessidades de realização pessoal e de reconhecimento.

A interação com os colegas, sem dúvida, essa parte de pensar uma visão mais macro... é uma coisa bem prazerosa para mim, procurar soluções, encontrar soluções e participar de discussões para chegar na solução dos problemas, essa é a parte que mais motiva. (Maria)

Eu acho que as atividades mais prazerosas, infelizmente são aquelas que não tem acontecido [risada frustrada] porque eu realmente gostava, os momentos que eram bons para mim, que renovavam meu fôlego de trabalhar, era o momento que a gente recebia os meninos, era o momento que a gente efetivamente podia realizar uma ação (Carlos)

Conforme ilustrado nos trechos anteriores, as emoções positivas no trabalho estão relacionadas com as soluções de problemas e o alcance de melhorias. A motivação em colaborar perpassa pela busca de sentido e de reconhecimento de seu próprio trabalho, como afirma Carlos, ela renova “seu fôlego de trabalhar”. Além disso, ao vincular o prazer ao fato de se sentirem criativos, gerando novas soluções (Maria), ou ativos, realizando ações (Carlos), podemos inferir também os sentimentos de utilidade e de empoderamento.

A terceira perspectiva de Coelho (2019) se faz presente, em que as emoções são o caminho para o entendimento entre os indivíduos e que as emoções são indissociáveis ao trabalho. Quando há um vínculo de amizade relacionado com as práticas organizacionais, como ocorre com Inácio, observa-se um reforço dos sentimentos de prazer e satisfação no trabalho, relacionados às necessidades de envolvimento e pertencimento. Já Vicente vincula explicitamente a proximidade com alguns colegas ao sentimento de segurança para expressar suas emoções e opiniões.

Eu gosto muito do fato de que praticamente todos os meus colegas são meus amigos [...] isso eu gosto demais, eu gosto muito do envolvimento pessoal com as pessoas, isso para mim é muito importante. (Inácio)

Bom, eu sinto à vontade, muito à vontade para comunicar-me com pessoas que são muito próximas a mim no individual né, isso aí eu sinto mesmo. Dentro da minha equipe de trabalho lá, eu sinto também à vontade, é o espaço que eu me sinto mais seguro para falar. (Vicente)

Portanto, as atividades prazerosas relatadas pelos entrevistados lhes despertam sentimentos de utilidade, empoderamento, satisfação e segurança, gerando vínculos afetivos seja com o trabalho, com a organização e/ou com os colegas. Dessa forma, observamos que as práticas organizacionais reforçam tais sentimentos e vice-versa, constituindo os indivíduos e constituindo a organização (Oliveira, 2016).

4.4 Momentos marcantes no trabalho

Os momentos marcantes no trabalho são sempre permeados por fortes vivências emocionais. Um dos momentos marcantes mais relatados pelos entrevistados foi a entrada em exercício na EMO-MG. Ana, Helena, Maria, Tereza, Carlos, Pedro e Inácio mencionaram o início do trabalho na organização como momento que os marcou. Neste grupo, há funcionários com pouco tempo na EMO-MG, como Ana e Inácio, que possuem apenas 3 anos, mas também há funcionários antigos, como Tereza e Pedro, que possuem 15 e 30 anos respectivamente. Isto indica que, mesmo com o passar do tempo, tal vivência emocional não foi esquecida.

Minha posse e entrar em exercício...foi o momento que eu fiquei muito orgulhosa de mim...é uma luta muito grande para passar no concurso, né? [...] foi um resultado acima de um sonho que eu busquei por muitos anos, que foi esse percurso meu de mudança de carreira. Então foi a concretização de um sonho [...] um divisor de águas digamos na minha vida profissional. (Ana)

Quando eu cheguei aqui, trabalhar nesse setor vindo da iniciativa privada, a gente se assusta um pouco. [Abaixando o tom de voz] [...] Então, no início eu tive um pouco de frustração assim pelo fato das coisas não andarem, não se resolverem como eu achava, como eu esperava, como eu achava que deveria ser. Estava acostumada com o trabalho mais imediatista na iniciativa privada. (Helena)

Eu acho que a entrada, como gera uma expectativa, como tudo é novo, a entrada foi um momento marcante assim, tenso, você estar no setor, no órgão novo, no trabalho novo... fora da iniciativa privada, ou seja, com a cabeça totalmente diferente da iniciativa privada e com pessoas que você nunca viu. [...] Foi de entusiasmo, que você ia ter um salário melhor, mas ao mesmo tempo você fica com aquela preocupação ali de não frustrar os chefes ali, seus companheiros. (Pedro)

Nos três trechos destacados, os entrevistados relacionam o momento da entrada na EMO-MG à mudança que ocorreu em suas carreiras profissionais. Neste processo, Ana relata sentimentos positivos, como o orgulho e a realização pessoal por ter sido aprovada em um concurso público. Já Helena se sentiu frustrada, devido às diferenças nos ritmos de trabalho entre o setor público e o setor privado. Podemos inferir que a entrevistada se sentiu também impotente, diante da constatação de que não poderia intervir no ritmo e na forma dos acontecimentos. Pedro, por sua vez, relata uma variação maior de sentimentos. Ele se sentiu entusiasmado por receber uma remuneração maior. Por outro lado, sentiu-se tenso e preocupado, diante de suas expectativas e por ser um ambiente novo, com pessoas novas e diferentes do setor privado.

Portanto, a entrada na EMO-MG despertou sentimentos diversos. O orgulho e o entusiasmo relacionam-se com a admissão por concurso público e a remuneração aliada a benefícios, práticas típicas do setor público. Já a frustração, sentimento bastante citado entre os entrevistados, relaciona-se com a percepção de morosidade e rigidez das práticas burocráticas, também típicas do setor público. Por fim, a tensão e a preocupação parecem não se relacionar diretamente com nenhuma prática organizacional específica, mas sim com o desafio de estar em um novo ambiente de trabalho. Como analisa Winkler (2018), estudos que examinam o papel das experiências emocionais na construção da identidade profissional são necessários. Ao falarem sobre o processo de entrada na EMO-MG, os entrevistados estão relatando uma das etapas essenciais na construção desta identidade.

Outro momento marcante para muitos dos entrevistados foi a ascensão hierárquica na organização. Célia, Raquel, Tiago e André apontaram momentos em que ocuparam cargos de chefia como positivamente marcantes em suas trajetórias, sentindo-se motivados pela percepção de reconhecimento e valorização.

No início, especialmente quando eu assumi a chefia...eu....eu me sentia muito energizada, com uma capacidade muito grande de fazer coisas...eu acho que eu fiz muita coisa, eu estava num setor muito difícil, com muito trabalho, muito cheio de problema... Eu acho que eu consegui fazer muita coisa. Então, quando eu assumi a chefia eu me sentia muito energizada...eu acho que eu me senti valorizada. (Célia)

E um outro momento interessante foi quando me convidaram a assumir o cargo gerencial, eu pude perceber que, que deu certo, onde eu caí, que eu pude apresentar um bom trabalho e continuo podendo né, até hoje, desenvolver bem e apresentar soluções e trabalhar bem dessa forma. Eu me senti surpreso, me senti... curioso, instigado, no sentido positivo, no sentido desafiado, mas no sentido positivo, de poder me reinventar, de... isso me fez ficar motivado também. (Tiago)

Como ilustrado nos relatos de Célia e Tiago, os entrevistados vivenciaram de maneira positiva a experiência de assumir cargos de chefia, apesar de pontuarem a necessidade de superar desafios, deixando explícito que não se trata de uma tarefa fácil. Dessa forma, podemos inferir que os entrevistados sentiram-se também criativos e mais seguros, ao buscarem novas soluções e passarem por aprendizados. Tais relatos demonstram como as organizações podem constituir-se como espaços para o desenvolvimento emocional dos indivíduos (Antonacopoulou & Gabriel, 2001).

Apesar de ter apontado a chegada ao cargo de chefia como momento positivamente marcante, Célia relata também a saída deste cargo como momento que a marcou, agora, negativamente. Em seu relato, notamos uma crítica implícita à interferência política nas atitudes de seus superiores. Esta crítica está presente também em momentos que marcaram outros entrevistados.

Mas teve um...quando eu fui sair da chefia [...] eu penalizei a empresa, era minha obrigação como gestor de contrato e a empresa pediu para me tirar da chefia... pediu à presidência. E eu senti que a Instituição realmente queria que eu saísse...[...] Aí, eu achei que não valia a pena ficar nessa situação e eu pedi para sair... Nesse momento, eu me senti triste, deprimida, me senti desvalorizada e me senti com raiva também... (Célia)

Então, a gente passa por presidência, eu passei por presidentes ruins, tenebrosos, ruins, indiferentes e ruins... Então a coisa já... já disseram que eles já viram bons presidentes lá sabe, mas as coisas lá são assim... as decisões do interesse deles, não tem alguma coisa feita pelo comum entendeu, pelo igual, pelo igualitário, pela cidade, não... não tem... E isso é muito triste. (José)

E uma coisa desagradável no serviço público é justamente isso, muitas vezes, pessoas incompetentes serem premiadas, ou ganharem assim de “bandeja” cargos de chefia, cargos de coordenadores, sendo pessoas totalmente incompetentes. Aí, com o passar do tempo você começa a entender que serviço público é assim mesmo. (Pedro)

Observamos nos relatos anteriores os sentimentos de tristeza, depressão e raiva, diante de práticas organizacionais aparentemente ligadas a interesses políticos, que se sobrepõem a aspectos técnicos e relacionados à própria missão da organização. Tais práticas seriam extraoficiais e foram inferidas a partir de experiências vivenciadas pelos entrevistados. Por serem funcionários com tempo significativo na organização, constatamos também que há o sentimento de conformismo diante de tais práticas, conforme Pedro afirma “serviço público é assim mesmo”.

O manejo das emoções exige dos indivíduos a prática da regulação emocional, como uma tentativa de conseguir lidar com as emoções, definindo quando e como serão sentidas e expostas (Rodrigues & Gondim, 2014; Silva & Gondim, 2019; Santos & Fontenelle, 2019). A pandemia do Covid 19 fez o reverso, muitas emoções não foram possíveis de lidar, sendo sentidas de forma desregulada e ocasionando experiências marcantes para os entrevistados.

Foi um período extremamente estressante...muito, muito desgastante...me senti muito estafada, deprimida... Eu tive problemas até físicos assim de manifestação de estresse, sabe? [...] eu me senti muito sozinha, muito confusa e fragilizada mesmo pelo espaço dentro da minha casa, que eu fico com a sensação de que não estava dando conta de tudo... (Maria)

O home office... no começo foi pior, depois deu uma estabilizada no serviço. Mas, na verdade, o maior (sentimento) que vem é desconcentrada. Eu não consigo me concentrar direito... algumas vezes (me sinto) sozinha, apesar de que a gente sempre se comunica... preocupada [...], eu fico confusa também [risada], com o tanto de coisa que muda e a gente não consegue acompanhar direito. (Ângela)

No trecho anterior, Maria descreve seu quadro de desregulação emocional. A entrevistada sentiu estresse, cansaço, depressão e fragilidade no período da pandemia. Inferimos que Maria não encontrou formas de lidar devidamente com tais emoções e, por isso, elas se manifestaram em sintomas físicos. Os sentimentos de solidão e confusão aparecem em ambos os trechos, caracterizando práticas típicas do trabalho remoto, visto que houve redução drástica nos círculos de convivência, adaptação forçada ao trabalho no espaço doméstico e um cenário de frequentes mudanças contextuais e organizacionais (Haubrich & Froehlich, 2020).

Para alguns, como exemplificado nos relatos de Vicente e Pedro, a mudança para o trabalho remoto foi identificada como um momento positivo.

Eu acho que de modo geral a gente está cuidando mais dos encontros. Então, o antes virou muito importante assim... A gente vai fazer um encontro remoto, então, vamos planejar direito, vamos ter um roteiro bem feito [...]Eu simplesmente adorei, adoro, eu produzo muito mais...e eu tenho as pausas que eu preciso ter... eu, enfim... gente, pra mim foi um sonho assim (Vicente)

Eu acho que até melhor, acho que tem a vantagem que do presencial, você não tem o deslocamento daqui para a instituição, você já não perde esse tempo todo. Você começa a trabalhar muito mais tranqüilo. (Pedro)

Eu acho que até melhor, acho que tem a vantagem que do presencial, você não tem o deslocamento daqui para a instituição, você já não perde esse tempo todo. Você começa a trabalhar muito mais tranqüilo. (Pedro)

Nos trechos anteriores, observamos os sentimentos de conforto, animação e tranquilidade relacionados ao trabalho remoto. Enquanto Pedro se refere apenas à comodidade por não haver o deslocamento para o trabalho, Vicente relata também mudanças nas práticas organizacionais relacionadas ao planejamento das reuniões, o que o fez sentir-se mais produtivo e realizado. Estes relatos corroboram os estudos de Baccili e Cruz (2021) e Figueiredo, Ribeiro, Pereira e Passos (2021), que indicaram melhoria na produtividade e na qualidade de vida para alguns indivíduos em regime de teletrabalho. Portanto, contrapondo-se os relatos negativos e positivos em relação ao trabalho remoto, observamos que a experiência de cada entrevistado frente às suas condições de vida e subjetividades influencia na forma como esta mudança foi emocionalmente vivenciada.

A análise dos momentos marcantes vivenciados pelos entrevistados na EMO-MG, portanto, nos permitiu depreender quais práticas organizacionais ocasionaram experiências emocionais mais significativas para os entrevistados, revelando também relações com os contextos pessoais e sociais.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste artigo, evidenciamos como as emoções e as práticas organizacionais se articulam na EMO-MG, a partir de relatos sobre vivências particulares dos entrevistados. Apesar de serem experiências subjetivas, atravessadas por aspectos individuais como personalidade e trajetória de vida, acreditamos ser importante a desconstrução do entendimento das emoções como dimensões unicamente individuais, mas também como sociais e políticas (Oliveira, 2016). Dessa forma, a partir de nossas análises, é possível apontar para certos padrões emocionais nas falas dos entrevistados relacionados a determinadas práticas organizacionais.

As emoções são produtos e produtoras dos contextos organizacionais (Oliveira, 2016; Machado, 2003). Neste estudo, pudemos demonstrar como as experiências emocionais são produzidas a todo momento a partir das práticas organizacionais, frutos de um contexto técnico, político, social e até mesmo biológico, como no caso da pandemia. Por outro lado, a produção consciente das práticas organizacionais pelas emoções não pôde ser tão bem evidenciada, devido ao grande porte e ao alto grau de burocratização da estrutura organizacional da EMO-MG. Assim, inferimos que há dificuldade por parte dos entrevistados de perceberem que a estrutura e as práticas da organização são também construções humanas, permeadas por seres de emoção.

Nesse sentido, observamos o sentimento de conformismo diante de uma percepção de reificação da organização. O sentimento de conformismo, que aparece muitas vezes junto com ansiedade e frustração, parece integrar-se à racionalidade instrumental[1], visto que, tomado por tal experiência emocional, o sujeito tende a relacionar-se com as práticas organizacionais como meios para se atingir fins extrínsecos, buscando muitas vezes apenas segurança e sobrevivência (Ramos, 1981). Além disso, quando o indivíduo não percebe abertura para o diálogo e quando não compreende claramente as razões por determinadas decisões de seus superiores, há a tendência à regulação emocional superficial ou até mesmo à desregulação emocional, o que pode resultar em sintomas físicos. Por esta perspectiva, as emoções relacionadas à racionalidade instrumental contribuem para a (re)produção do status quo.

No caso da EMO-MG, observamos também que certas práticas favorecem o desenvolvimento emocional dos entrevistados, como aquelas que facilitam a aproximação e a convivência entre uma diversidade maior de pessoas, a comunicação bilateral e transparente sobre emoções e sentimentos (em reuniões, avaliações de desempenho e feedbacks de forma geral), o reconhecimento e a visibilidade ao trabalho realizado pelos servidores e os desafios que incentivam à criatividade. Tais práticas favoreceriam a regulação emocional profunda e os sentimentos delas derivados (inspiração, otimismo, segurança) estariam integrados com a racionalidade substantiva[2], visto que promovem sentido intrínseco às experiências no ambiente de trabalho (Ramos, 1981). Dessa forma, tais emoções teriam o potencial para produzir transformações na realidade organizacional.

Apesar de apresentarmos algumas possíveis relações entre determinadas emoções e práticas organizacionais, nosso objetivo não foi traçar relações diretas e inequívocas, mas sim demonstrar como as emoções fazem parte da vida organizacional, de forma consciente ou inconsciente, integrando a racionalidade dos indivíduos e produzindo a realidade. A promoção de um ambiente de trabalho propício ao desenvolvimento emocional, capaz de considerar as emoções de maneira saudável e construtiva, requer antes de tudo a abertura para o diálogo, o questionamento, a dúvida, o erro, a reinvenção, ou seja, requer estruturas e práticas organizacionais que acolham os indivíduos em sua integralidade.

A presente pesquisa contribuiu para suprir lacunas na literatura dos estudos organizacionais sobre emoções nas organizações. Ao buscarmos a superação da divisão cartesiana entre razão e emoção e das abordagens funcionalistas sobre o tema, foi possível expandir a compreensão e a reflexão sobre como processos emocionais e organizacionais encontram-se intimamente relacionados, aproximando-nos de uma perspectiva construtivista e política das emoções (Oliveira, 2016; Reatto & Brunstein, 2019). Ademais, ao abordarmos o setor público, também pudemos contribuir para compreender melhor como os servidores públicos vivenciam emocionalmente as experiências e desafios específicos deste setor, lacuna apontada por Rodrigues e Gondim (2018).

Por fim, sugerimos pesquisas futuras na organização estudada para avançar em algumas limitações deste estudo. Primeiramente, conforme abordado anteriormente, não foi possível apresentar uma análise mais aprofundada dos contextos e trajetórias de vida dos entrevistados, elementos relevantes para a compreensão da dimensão subjetiva das vivências emocionais no trabalho. Nesse sentido, seria interessante a realização não só de entrevistas, mas também de observações etnográficas. Por outro lado, a pesquisa de documentos e dados históricos também seria importante, de forma a abarcar mais profundamente o contexto organizacional. Pesquisas em outros tipos de organizações, do setor público, privado ou social também poderão agregar novas reflexões à perspectiva deste estudo.

REFERÊNCIAS

Antonacopoulou, E. P., & Gabriel, Y. (2001). Emotion, learning and organizational change: Towards an integration of psychoanalytic and other perspectives. Journal of Organizational Change Management, 14(5), 435-451.

Baccili, S., & Cruz, N. J. T. (2021). Virtualização do trabalho durante a Pandemia do COVID- 19: avaliação da experiência dos servidores de uma Instituição Federal de Ensino Superior. Navus: Revista de Gestão e Tecnologia, 11(1), 1-15.

Bardin, L. (1991). Análise de Conteúdo. Lisboa: Ed. 70.

Certeau, M. de. (1994). A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis, RJ: Vozes.

Coelho, M. C. (2019). As emoções e o trabalho intelectual. Horizontes Antropológicos, 25,

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