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Formação de Banca para Concurso Docente e os Princípios da Administração Pública

Banking Training for Teaching Competition and the Principles of Public Administration

Formación de Bancada para Concurso de Enseñanza y los Principios de la Administración Pública

Priscilla Even Alves Braga
Universidade Federal Rural do Semiárido, Brasil
Maria de Fátima Santos Oliveira Duarte
Universidade Federal Rural do Semiárido, Brasil
Napiê Galvê Araújo Silva
Universidade Federal Rural do Semiárido, Brasil

Formação de Banca para Concurso Docente e os Princípios da Administração Pública

Administração Pública e Gestão Social, vol. 15, núm. 2, 2023

Universidade Federal de Viçosa

Recepción: 27 Junio 2022

Aprobación: 05 Noviembre 2022

Publicación: 21 Abril 2023

Resumo: Objetivo da pesquisa: A pesquisa tem como objetivo analisar a formação de banca de concurso para docente de Instituição Pública Federal de Ensino e identificar possíveis fragilidades no sistema de composição a fim de propor melhorias à luz dos princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, considerando a autonomia universitária.

Enquadramento teórico: A administração pública passou ao longo dos anos por 3 modelos de gestão: patrimonialista, burocrático e gerencial. Dentro desse contexto, as práticas administrativas eram revestidas de conceitos e critérios que sustentavam os modelos. Partindo dessa premissa, construindo uma breve evolução, chega-se aos concursos públicos e aos princípios constitucionais que devem ser observados em todo contexto da administração pública.

Metodologia: A coleta de dados foi realizada através de questionário aplicado via googleforms e a análise foi feita por meio do software Atlas TI, que permitiu a formação de redes, que identificaram a percepção de candidatos e docentes quanto à forma atualmente adotada na formação de bancas.

Resultados: A análise dos dados sinalizou uma possível deficiência nas práticas adotadas para formação de banca, que podem porventura desencadear ofensa aos princípios constitucionais e práticas de patrimonialismo.

Originalidade: A pesquisa expande a literatura sobre concursos públicos para docente das IFES no Brasil e a consagração dos princípios da administração pública nesse tipo de certame, permitindo a identificação de ofensa aos princípios nos elementos de formação das bancas.

Contribuições teóricas e práticas: Os resultados permitem confrontar os critérios de formação de banca para concurso docente com os princípios da administração pública, identificando quais práticas adotadas podem ser consideradas ofensivas a tais princípios. Nesse contexto, identificados os pontos de ofensa, os gestores podem reformular as práticas adotadas, de forma a uniformizar e melhorar os processos seletivos.

Palavras-chave: Concurso público, Princípios da administração pública, Formação de banca, Autonomia universitária.

Abstract: Research objective: The research aims to analyze the formation of the examination board for teachers of a Federal Public Institution of Education and to identify possible weaknesses in the composition system in order to propose improvements in the light of the constitutional principles of legality, impersonality, morality, publicity and efficiency, considering university autonomy.

Theoretical framework: Over the years, public administration has gone through 3 management models: patrimonial, bureaucratic and managerial. Within this context, administrative practices were covered with concepts and criteria that supported the models. Starting from this premise, building a brief evolution, we arrive at public tenders and the constitutional principles that must be observed in every context of Public Administration.

Methodology: Data collection was carried out through a questionnaire applied via googleforms and the analysis was performed using the Atlas TI software, which allowed the formation of networks, which identified the perception of candidates and professors regarding the form currently adopted in the formation of boards.

Results: Data analysis signaled a possible deficiency in the practices adopted for bank formation, which may trigger offense to constitutional principles and patrimonial practices.

Originality: The research expands the literature on public contests for professors at IFES in Brazil and the consecration of the principles of public administration in this type of contest, allowing the identification of offenses to the principles in the elements of formation of the boards.

Theoretical and practical contributions: The results make it possible to compare the criteria of formation of the bench for teaching contests with the principles of public administration, identifying which practices adopted can be considered offensive to such principles. In this context, once the points of offense have been identified, managers can reformulate the practices adopted, in order to standardize and improve the selection processes.

Keywords: Public tender, Principles of public administration, Banking formation, University autonomy.

Resumen: Objetivo de la investigación: La investigación tiene como objetivo analizar la conformación del tribunal examinador de docentes de una Institución Pública Federal de Educación e identificar posibles debilidades en el sistema de composición con el fin de proponer mejoras a la luz de los principios constitucionales de legalidad, impersonalidad, moralidad, publicidad y eficiencia, considerando la autonomía universitaria.

Marco teórico: A lo largo de los años, la administración pública ha pasado por 3 modelos de gestión: patrimonial, burocrático y gerencial. En este contexto, las prácticas administrativas se cubrieron con conceptos y criterios que sustentaron los modelos. Partiendo de esta premisa, construyendo una breve evolución, llegamos a las licitaciones públicas y los principios constitucionales que deben observarse en todo contexto de la Administración Pública.

Metodología: La recolección de datos se realizó a través de un cuestionario aplicado vía googleforms y el análisis se realizó mediante el software Atlas TI, lo que permitió la formación de redes, las cuales identificaron la percepción de los candidatos y profesores respecto a la forma adoptada actualmente en la formación de los directorios.

Resultados: El análisis de los datos señaló una posible deficiencia en las prácticas adoptadas para la formación de bancos, lo que puede generar ofensas a los principios constitucionales y prácticas patrimoniales.

Originalidad: La investigación amplía la literatura sobre los concursos públicos para profesores de IFES en Brasil y la consagración de los principios de la administración pública en este tipo de concurso, permitiendo la identificación de infracciones a los principios en los elementos de formación de los directorios.

Aportes teóricos y prácticos: Los resultados permiten comparar los criterios de formación de la bancada para concursos docentes con los principios de la administración pública, identificando qué prácticas adoptadas pueden ser consideradas ofensivas a tales principios. En ese contexto, una vez identificados los puntos de infracción, los gestores pueden reformular las prácticas adoptadas, con el fin de estandarizar y mejorar los procesos de selección.

Palabras clave: Licitación pública, Principios de la administración pública, Formación bancaria, Autonomía universitaria.

1 INTRODUÇÃO

A administração pública brasileira passou ao longo dos anos por vários ciclos, desde um contexto de práticas patrimonialistas, quando o gestor era dono da res pública, até o formato atual, onde as práticas clientelistas são rechaçadas. Para o seu funcionamento, o provimento de cargos foi necessário, onde os responsáveis, investidos do poder de administrar a coisa pública, faziam a entrega ao cidadão dos serviços prestados. Nas palavras de Lago (2018), as funções públicas eram delegadas pelo Imperador baseadas em relações de confiança e conforme a sua conveniência os servidores eram admitidos ou exonerados. Com o passar dos anos, as reformas administrativas e políticas foram acontecendo e as formas de ingresso no serviço público foram sendo modificadas. Daí que surge a figura dos concursos públicos, que hoje, é ferramenta obrigatória para o ingresso no serviço público em qualquer âmbito do governo, seja federal, estadual ou municipal. A Constituição Federal de 1988, exige, salvo exceções, em seu artigo 37, inciso II, aprovação prévia em concurso público para investidura em cargos públicos (BRASIL, 1988). O mesmo artigo 37, da CF, no caput, trata da obrigatoriedade da administração pública direta ou indireta, de qualquer dos poderes, em obedecer aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

As Universidades Públicas Federais, sendo entidades de natureza autárquica, devem observar a exigência prevista na Constituição Federal, e dar provimento aos seus cargos por meio de concurso público. Nesse pórtico, o ingresso do docente de tais instituições, deve obedecer, considerando as suas particularidades, ao princípio do concurso público, aos princípios da administração pública, sem descurar da sua autonomia, chamada autonomia universitária, que é a autonomia administrativa, observados os limites legais, para estabelecerem regras e condições a serem seguidas nos seus concursos públicos (Lago, 2018).

Neste sentido, as Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) possuem autonomia quanto à organização de seus concursos públicos para provimento de seu quadro de servidores. Os concursos para ingresso na carreira docente, possuem características específicas, dada a necessidade de se avaliar competências inerentes ao ensino, pesquisa e extensão dos docentes. (Lago, 2018; & Sousa, 2011)

A formação da banca avaliadora dos concursos públicos para docentes surge como parte essencial ao sucesso do certame. Nesse tipo de seleção, a banca é formada por experts no assunto, com credibilidade na Instituição e que vai selecionar os novos profissionais para integrarem o quadro (Siqueira et al., 2012). Lago (2018) menciona as dificuldades em estabelecer critérios objetivos de correção nestes moldes de seleção, reforçando a necessidade da imparcialidade das bancas examinadoras em relação aos candidatos inscritos.

Os certames devem observar, desde a definição da banca avaliadora, os princípios que regem a administração pública, de forma que os docentes avaliadores sejam investidos de competência técnica, obedientes aos referidos princípios, tudo sem descurar da autonomia universitária. Para Ferreira (2018), o concurso público é uma exigência concreta do princípio da impessoalidade. O certame obriga o administrador a agir de forma impessoal visando o atendimento do interesse público.

Considerando a necessidade de observância dos princípios da administração pública, este artigo busca investigar o modelo atual de composição de bancas examinadoras para os concursos públicos docentes, de forma que sejam repelidas práticas patrimonialistas, vieses ideológicos, e que a formação das referidas bancas esteja em consonância com os referidos princípios constitucionais da administração pública, sem ferir a autonomia universitária. O recorte teórico utilizado no referencial traz uma necessária compreensão de como se deu a transição de um modelo de administração para os demais e uma melhor identificação das práticas em cada modelo, com o cruzamento de informações acerca das práticas da atualidade restritas aos concursos públicos para docentes de IFES. Ainda nesse contexto, o trabalho objetiva identificar possíveis fragilidades no sistema de composição de bancas e propor melhorias aos utilizados, à luz dos princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

A discussão central deste artigo, permeia, portanto, a legitimidade na composição das bancas examinadoras, com base nos princípios constitucionais que regem a administração pública brasileira. A discussão é dada pelo anseio de se combater práticas patrimonialistas que ainda estão presentes na esfera pública, uma vez que, de acordo com Carvalho (2019), ainda não se rompeu por completo com as práticas dos modelos anteriores da gestão pública brasileira.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

Para um melhor embasamento da pesquisa, o referencial teórico foi desenhado considerando conceitos de administração pública e seus modelos ao longo dos anos, bem como, os princípios básicos que regem essa administração, elencados na Constituição Federal. Após as referidas definições, a teoria perpassa por noções sobre concursos públicos, formação de banca organizadora e autonomia universitária, como forma de sustentação para reflexão de outros métodos para formação de banca julgadora em concursos públicos.

2.1 Administração pública brasileira e os modelos de gestão adotados em um contexto histórico

Administração pública é o conjunto de órgãos, funcionários e procedimentos, na perspectiva dos três poderes, para a consecução de papéis atribuídos pela sociedade. É, pois, o aparelhamento do Estado para a consecução do interesse público (Costin, 2010; Meirelles, 2016).

Na história do Estado Brasileiro é possível visualizar o contexto de reformas administrativas que possibilitaram a adoção de distintos modelos de gestão, na tentativa de se encontrar ou de se aproximar de um modelo que correspondesse aos anseios da gestão pública, no cumprimento de sua finalidade. Para Oliveira (2014, p. 7), a administração pública brasileira passa por ciclos, na tentativa de “melhorar a interação com as comunidades a quem devem atender com os seus serviços”.

No primeiro momento, a administração pública brasileira toma por base os modelos de Estados Absolutistas, onde o patrimônio do monarca era facilmente confundido com o patrimônio público, impossibilitando a distinção entre coisa pública e coisa privada. Com base nesta característica, esse primeiro modelo de administração foi intitulado de administração pública patrimonialista.

A administração patrimonialista era, pois, o modelo de administração que se consagrava nas monarquias absolutas. Nesse modelo, o patrimônio do rei se confundia com o patrimônio público. O Estado não era apenas a figura do rei, mas sim, considerado propriedade do rei. O tesouro real era o tesouro público, claramente uma confusão do que era público e privado. Nesse modelo, são claras as ideias do clientelismo, da troca de favores, no prevalecimento dos interesses privados em detrimento aos interesses públicos. As condutas estatais não eram norteadas pelos interesses da coletividade e sim por interesses de um grupo minoritário, o que acabava fomentando atos corruptíveis, ferindo os princípios constitucionais e causando danos ao Estado Democrático de Direito. A norma era, então, o nepotismo, empreguismo e a corrupção escancarada. Com a chegada do capitalismo e da democracia, o modelo patrimonialista começou a perder força, com a necessidade de diferenciação do patrimônio público do privado (Bresser, 1996, 2006; Campelo, 2010; Costin, 2010).

Nesse contexto, uma nova modelagem de Estado surge, a saber, a administração pública burocrática, onde a intenção era de regular o comportamento do servidor, com estabelecimento de normas mais rígidas, desde a forma de acesso ao serviço público até a progressão de carreira. Esse novo modelo era balizado pelos princípios do formalismo, com regras a fim de evitar a imprevisibilidade e trazer maior segurança jurídica às decisões; impessoalidade, onde o que interessava era o cargo e não a pessoa; hierarquização, com clara delimitação de hierarquia administrativa, atividades moldadas em regulamentos e reduzida autonomia do administrador; e por fim, rígido controle de meios, que estabelecia monitoramento das atividades cotidianas a fim de evitar acontecimentos não previstos (Costin, 2010).

A administração pública burocrática clássica surgiu como uma saída para acabar com a administração patrimonialista do Estado, mas não trouxe a eficiência desejada. Não trouxe rapidez nem qualidade aos serviços. Do contrário, os custos foram elevados, os serviços eivados de lentidão e sem orientação para as demandas do cidadão. Os problemas gerados pela administração burocrática estavam agora ligados a uma nova forma de apropriação da coisa pública. O modelo burocrático trouxe problemas como: empresários com benefícios inexplicáveis de isenções de impostos, classe média com benefícios além do esperado, funcionários públicos ineficientes e com garantias que lhe permitiam manter a estabilidade. A nova forma de administrar não bastava acabar com o nepotismo e com a corrupção, mas também era essencial que fosse eficiente (Bresser, 1996, 2006).

A administração pública burocrática cedeu espaços ao gerencialismo. A administração pública gerencial começou a aparecer como modelo de administração pública após a segunda metade do século. Aproximadamente no final da década de 60 e início dos anos 70 já crescia a insatisfação da sociedade com o modelo da administração pública burocrática. Enquanto a burocracia concentrava seus esforços nos processos, descurando da ineficiência, na tentativa de trazer um modo seguro no combate à corrupção, o novo modelo, gerencial, estava orientado ao cidadão, obtenção de resultados, descentralização, incentivo à criatividade e inovação, limite de confiança dos agentes públicos (Bresser, 2006; Costa & Souza, 2015).

No Brasil a reforma administrativa chamada de reforma gerencial, ocorreu no governo do então Presidente Fernando Henrique Cardoso. A reforma buscava trazer um novo desenho institucional para a gestão, incluindo modelos flexíveis de governança pública. Eram perseguidos valores como descentralização, controle social, flexibilidade e inclusão social. Tais valores não eram considerados pelos modelos burocráticos, que não colocavam o desempenho da gestão pública e a produtividade gerencial como essenciais à gestão pública (Rezende, 2009).

É importante frisar que a despeito da reforma da gestão pública e os preceitos que a reforma gerencial trouxe para a administração pública, traços da administração burocrática foram preservados, como: exigências de concursos públicos, carreiras estruturadas, licitações para compras governamentais e contratação de obras e serviços, procedimentos administrativos regulamentados por leis, decretos, instruções, preservação dos servidores contra perseguições políticas e estruturas de controle interno e externo (Costin, 2010).

O conjunto de reformas na tentativa de se estabelecer um modelo “ótimo” a ser implantado dentro da administração pública, não teve êxito. Percebe-se, apesar do esforço, uma mistura dos modelos nas práticas de gestão pública. De acordo com Campelo (2010), os órgãos da administração pública estão inseridos em um contexto em que estão presentes a burocracia, os interesses patrimonialistas e a necessidade de se ajustar às perspectivas do gerencialismo.

Ainda sobre o gerencialismo, é importante mencionar que este está inserido no contexto do que os autores chamam de Nova Administração Pública (NAP). Não existe decerto um rompimento de um modelo para o outro, e ainda, não é considerada como uma reforma única, padrão, que ocorreu ao mesmo tempo em todos os países. O que se sabe é que, muitas doutrinas sequer podem ser taxadas como novas. No entanto, a despeito dessa confusão sobre início, características únicas e imprecisões levantadas, são mencionadas práticas gerenciais com foco no aumento da eficiência, economia e eficácia, na intenção de soltarem as amarras trazidas pelo modelo burocrático (Seabra, 2001).

É válido mencionar ainda que os preceitos da NAP estão bem relacionados a uma maior flexibilidade gerencial e uma redução de barreiras burocráticas. No entanto, seguindo os os estudos relacionados à temática deste artigo, quando o assunto é concurso público, aquela flexibilidade não pode ocorrer de forma desmedida. É certo que as amarras burocráticas também podem contribuir para uma maior segurança jurídica dos candidatos. Nesse sentido, os princípios que regem a administração pública, estando em harmonia, podem trazer vieses da administração burocrática sem descurar as inovações e melhorias trazidas pela nova administração pública.

2.2 Princípios da Administração Pública

Princípios são considerados pilares do ordenamento jurídico, conferindo o embasamento de todas as normas jurídicas dispostas nos dispositivos legais. São dotados de abstração, à medida em que conferem direção às normas, que por sua vez, regulamentam as condutas do caso concreto. Os estudiosos pré-socráticos já entendiam a princípio como sendo elemento constitutivo de alguma coisa (Andrade, 2014; Peixinho, 2015).

A administração pública está pautada em princípios básicos, que devem ser observados por todos que fazem a gestão pública, de forma obrigatória e permanente. Os princípios básicos estão dispostos na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 37, caput: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (Meirelles, 2016).

O presente trabalho aborda a obediência a esses princípios nos concursos públicos para docentes de Instituições Federais de Ensino Superior. Por este motivo, é importante traçar conceitualmente cada princípio básico disposto na Constituição Federal.

Para Motta (2005) os concursos públicos possuem princípios endógenos. O gestor público deve seguir os princípios que ocupam a ideia central de um concurso público. O mesmo autor assevera:

o princípio democrático, fulcrado na premissa de que todos têm direito de concorrer para ocupar as posições estatais; o princípio da isonomia, consistente na garantia de igualdade de tratamento e vedação de privilégios e discriminações injustificadas; e o princípio da eficiência que impõe à Administração a seleção transparente e objetiva dos que mais atributos - méritos, qualificações, aptidões - possuem para se adequar ao necessário oferecimento de um serviço eficiente (Motta, p. 140, 2005).

O princípio da legalidade é pautado na ideia de que a administração pública decorre da lei. Para Di Pietro (2019, p. 92) “a Administração Pública só pode fazer o que a lei permite. No âmbito das relações entre particulares, o princípio aplicável é o da autonomia da vontade, que lhes permite fazer tudo o que a lei não proíbe”.

A impessoalidade, por sua vez, traz divergências dos doutrinadores. Para Di Pietro (2019), o princípio tem duas vertentes. Primeiro, quer dizer que a administração deve agir de forma a não beneficiar pessoas específicas, levando em consideração sempre o interesse público e sua supremacia. Nesse sentido, será abordado ainda no corpo deste artigo, a importância do presente princípio na realização dos concursos públicos, de forma a evitar práticas patrimonialistas. Para tanto, existem normas que tratam de impedimento e suspeição. Um outro sentido relacionado ao princípio da impessoalidade é que todos os atos praticados pelo agente público não devem ser a ele imputados, mas sim à entidade da administração pública no qual o agente está vinculado. Sobre o princípio da impessoalidade, no sentido de tratamento isonômico, nas palavras do administrativista José dos Santos Carvalho Filho (2019, p. 20): “O princípio objetiva a igualdade de tratamento que a Administração deve dispensar aos administrados que se encontrem em idêntica situação jurídica. Nesse ponto, representa uma faceta do princípio da isonomia”.

O princípio da moralidade está diretamente relacionado ao princípio da legalidade. A moral e o direito estão em círculos concêntricos, interligados, sendo que a moral abarca o direito, que está dentro dela. “Licitude e honestidade seriam os traços distintivos entre o direito e a moral, numa aceitação ampla do brocardo segundo o qual non omne quod licethonestum est (nem tudo o que é legal é honesto) ” (Di Pietro, 2019, p. 104).

Ainda sobre a moralidade, Nohara (2020, p. 81), assevera que “Direito Administrativo não apenas enuncia o direito à moralidade administrativa, que foi erigido à categoria de princípio, mas também municia os operadores jurídicos e os cidadãos do mais moderno manancial de possibilidades de controle dos desvios éticos na Administração Pública”.

Aqui é importante mencionar que legalidade e moralidade devem andar juntas. Não há como ser concebida a ideia de que em um concurso público seja observada a legalidade, considerando os aspectos legais vigentes e esquecida a moralidade, utilizando-se de exceções potencialmente lesivas à moral. Não basta que o gestor cumpra o texto da lei, mas deve estar atento à sua letra e seu espírito. Nesse sentido, direito e moral devem orientar a administração para a consecução do seu fim principal, o interesse público (Meirelles, 2016).

A moralidade e a publicidade, juntamente com a razoabilidade, estarão no entorno da ideia democracia-isonomia-eficiência, sendo que os concursos devem ser balizados pelos princípios que considera maiores (eficiência, princípio democrático, isonomia), sofrendo influência também dos demais princípios constitucionais (Motta, 2005).

O princípio da publicidade permite aos administrados o conhecimento dos atos praticados com a coisa pública. É por meio desse princípio que os cidadãos têm maior credibilidade em virtude da transparência. É o direito do cidadão de tomar conhecimento e o dever dos administradores de publicizar os atos e contratos administrativos. É por atendimento a este princípio que os atos administrativos são publicados em jornais de grande circulação, órgãos de imprensa (DOU), ou afixados em repartições públicas de forma acessível ao cidadão ou por meio da internet (Carvalho Filho, 2019; Nohara, 2020).

A publicidade é considerada como “condição de eficácia para os atos administrativos, marcando o início de produção de seus efeitos externos, já que ninguém está obrigado a cumprir um ato administrativo se desconhece a sua existência” (Marinela, 2018, p.87). Dessa forma, é imprescindível para a boa saúde dos concursos públicos que os critérios utilizados para a formação da banca de concurso sejam claros e públicos, não deixando margem para questionamentos acerca da obscuridade dos critérios.

Não deve ser confundido o princípio da publicidade com a transparência. A transparência decorre da publicidade, mas não está prevista de forma explícita na Constituição Federal, o que não a torna menos importante por isso. A transparência está intimamente ligada ao estado democrático já que é por meio dela que os cidadãos exercem o controle social dos atos praticados pelo poder público (Oliveira, 2018).

O último princípio expresso no artigo 37, caput, da Constituição Federal, é o princípio da eficiência. Esse princípio foi aplicado na Constituição Federal por meio de emenda constitucional, em 1998. Mas é importante ressaltar que, mesmo não sendo princípio expresso, já era dito como dever do administrador nas suas atividades funcionais (Nohara, 2020).

A inclusão do princípio da eficiência revela o descontentamento da sociedade diante de sua antiga impotência para lutar contra a deficiente prestação de tantos serviços públicos, que incontáveis prejuízos já causaram aos usuários” nas palavras de Carvalho Filho (2019, p. 31). Para o mesmo autor, o administrador deve buscar métodos para uma qualidade total das suas atividades, mencionando, inclusive, a necessidade de criação de um novo organograma com as funções e competências discriminadas dos agentes. É certo que o princípio da eficiência vem em consonância com os ditames da nova administração pública gerencial.

Os concursos públicos em geral, seja para docentes ou qualquer outro cargo, em qualquer nível ou esfera pública, desdobram-se por meio de processo administrativo, com regras, procedimentos, atos das mais variadas espécies. Para tanto, é importante o reconhecimento do princípio da eficiência como condutor de tais atos.

Os princípios são, pois, a mola propulsora para as demais regras do sistema brasileiro. O desatendimento de um princípio provoca “a forma mais grave de ilegalidade ou inconstitucionalidade, porque representa uma agressão contra todo o sistema, uma violação dos valores fundamentais, gerando uma corrosão de sua estrutura mestra” (Marinela, 2018, p.115).

3 METODOLOGIA

A pesquisa aqui apresentada objetivou avaliar a composição de bancas examinadoras de concurso público para docentes das Universidades Federais, relacionando os critérios utilizados para formação de banca aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência nos concursos públicos. Para tanto, foi construída uma base teórica que faz uma regressão dos modelos de administração púbica, desde o patrimonialismo até o pós gerencialismo ou nova administração pública. A regressão foi importante, tendo em vista que os certames para docente de IFES tem características próprias e as bancas julgadoras têm geralmente um contato direto com os candidatos, o que pode gerar dúvidas e incertezas quanto à legitimidade dos processos seletivos e resgate de práticas desenhadas no modelo patrimonialista e burocrático.

Os dados da pesquisa foram coletados por meio de perguntas abertas com docentes de universidade públicas de ensino superior e candidatos que participam/participaram de certames para docente de IFES. A seleção dos respondentes foi realizada por meio de levantamento das Universidades Públicas do Brasil, assegurada a disponibilidade destes docentes em responderem as perguntas. Para a seleção de docentes respondentes, foram coletados os e-mails disponíveis nos sites das IFES e para seleção do grupo de candidatos, foram solicitados às comissões permanentes de processo seletivo das IFES, os e-mails de candidatos que prestaram esse tipo de certame. A pesquisa foi difundida por e-mail com auxílio da ferramenta google forms e foram recebidas 1.081 respostas. Para mensuração dos resultados do questionário utilizou-se o software Atlas TI, com a criação de duas redes, separadas por categorias: docentes e candidatos.

A pesquisa tem caráter qualitativo, voltada para compreensão do problema de pesquisa, para investigação específica dos problemas enfrentados e a identificação de práticas que minimizem ou eliminem os problemas identificados. A pesquisa não está fundamentada na análise e comprovação numérica, mas sim, na análise detalhada de ideias. Nesse método, os dados são coletados no ambiente real e conta com a capacidade do pesquisador para interpretação daqueles dados da forma mais isenta e lógica possível, é realizada a análise dos dados, traçando ao final um perfil, um padrão do comportamento analisado (Michel, 2005).

Quanto aos fins da pesquisa é considerada uma pesquisa descritiva, à medida em que propõe descrever possíveis problemas encontrados na formação de banca docente. Conforme Michel (2005, p. 52), a “pesquisa descritiva descreve e explica problemas, fatos ou fenômenos da vida real, com a precisão possível, observando e fazendo relações, conexões, considerando a influência que o ambiente exerce sobre eles”.

Pode ser considerada quanto aos fins, como uma pesquisa aplicada, pois tem como objetivo propor após a conclusão do estudo, mecanismos para formação de banca docente que proporcione aos certames uma maior lisura, transparência, imparcialidade e impessoalidade. Segundo Michel (2005, p. 52), “a pesquisa aplicada procura transformar o conhecimento puro em elementos, situações destinadas a melhorar a qualidade de vida da humanidade”.

O tratamento dos dados foi realizado por meio da técnica de análise de conteúdo que é “um conjunto de técnicas de análise das comunicações, o qual utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens” (Bardin, 2011, p. 44).

A análise de conteúdo foi realizada em 3 etapas seguindo o método de Bardin, a saber: 1. pré-análise, na qual os pesquisadores, após a coleta, realizaram uma leitura flutuante, escolheram os documentos que seriam utilizados, construíram o corpus, baseando-se nas regras da exaustividade, levando em consideração todos os elementos, não deixando de fora nenhuma resposta, a despeito da importância de todas as percepções coletadas e homogeneidade, considerando que as perguntas feitas a todos os respondentes partiam de uma só temática; 2. Exploração do material, com a devida codificação e criação das redes por meio do software Atlas TI (2021), que é uma ferramenta que contribui para análise qualitativa dos dados textuais, trazendo significado aos dados não estruturados e permite sistematizar os dados coletados em entrevistas; e por fim, 3. Realização das inferências e interpretação, considerados os resultados obtidos na pesquisa, traduzindo-os em significativos (Bardin, 2011).

Para organização e melhor disposição dos resultados foram desenvolvidas duas redes, uma para os respondentes da categoria de docentes e a outra para a categoria de candidatos. As redes permitem a visualização dos códigos que se interligam trazendo uma maior compreensão lógica na representação. Foram criados 28 códigos das respostas dos docentes e 28 códigos das respostas dos candidatos, formando assim duas redes distintas. Os códigos serão aqui mencionados como células. Como célula-mãe das redes, na cor verde, foi gerado o código “Formação de banca para concurso docente”. A partir da célula-mãe, as demais ramificações foram relacionadas. Para formação de banca de concurso docente, é inequivocamente essencial que existam critérios de formação. Nesse sentido, as células de base que compõem a estrutura da rede foram dispostas na cor roxa. Nos dois grupos foram citados critérios, sendo objetivos e subjetivos. Relacionados aos critérios objetivos, percebe-se uma conotação positiva, com células na cor azul. Os critérios subjetivos foram explorados pelos respondentes como critérios que poderiam trazer prejuízos aos certames, sendo, por este motivo, demonstrados na rede na cor vermelha.

Como células de base, foram dispostos os princípios da administração pública que devem ser observados na formação de banca docente, bem como o princípio da autonomia universitária (mencionado somente pelos respondentes do grupo docente). As células amarelas também tomam uma especial atenção, considerando que, a depender da situação, podem se tornar pontos positivos ou negativos, o que será explicado ainda no corpo deste trabalho.

É importante ainda mencionar sobre as linhas que ligam as células que alimentam a lógica das redes, já que permitem que seja identificado se uma célula está contradizendo, resultando, associando, impossibilitando, sendo parte ou propriedade da célula à qual está sendo ligada. Os resultados da pesquisa serão apresentados na seção a seguir, denominada “análises e discussões”.

4 ANÁLISES E DISCUSSÕES

4.1 Docentes

Esta população foi formada somente por docentes que já participaram de banca de concurso público para docente de Instituição Federal de Ensino Superior. Nesse sentido, as respostas foram baseadas na experiência vivida por eles e na percepção pessoal de cada um. Foram criados 28 códigos das respostas dos docentes, que formam uma rede e trazem as informações mais relevantes quanto aos critérios de formação de banca docente.

A rede exposta na figura 1 demonstra a percepção dos docentes acerca dos critérios utilizados atualmente na formação de banca para concurso docente. Nos discursos avaliados, percebeu-se uma série de repetições de situações que podem gerar desconforto, afronta aos princípios da administração pública, bem como sugestões de possíveis melhorias aos problemas relacionados. Nesse sentido, relacionando as respostas com os princípios da administração que formaram a base teórica deste trabalho, percebeu-se que muitos dos respondentes mencionam atitudes, problemas e melhorias que podem ser feitas para uma melhor adequação aos princípios.

Figura 1: Rede de respostas dos Docentes.
Figura 1: Rede de respostas dos Docentes.

Os respondentes mencionaram a necessidade primordial de se estabelecerem critérios objetivos para evitar problemas nos certames. Na figura 1, a célula referente aos critérios objetivos está na cor roxa e interliga-se com os critérios mencionados pelos respondentes, a saber: formação com docentes externos, formação de bancas diferentes para avaliação escrita e didática, formação com especialistas no assunto e presença de pedagogo. Ademais, para os respondentes, tais critérios são necessários, considerando que trazem aos certames o atendimento do princípio da legalidade. Quanto aos critérios, no quadro 1, foram listados os mencionados repetidas vezes pelos docentes e trechos de respostas respectivas.

Quadro 1: Critérios objetivos
Quadro 1: Critérios objetivos

Os critérios objetivos foram mencionados na perspectiva de coibir práticas que ferissem os princípios da administração pública. A formação de banca com docentes externos (item 3 do quadro 1), por exemplo, impede que a banca seja formada somente por docentes da casa, tendo em vista que, segundo alguns respondentes, a banca formada com totalidade de membros da casa, ou sua maioria, facilitaria a ocorrência de manipulação de resultados, favorecimento de candidatos que foram alunos da casa, afrontando, de tal forma, os princípios da impessoalidade e moralidade, bem como prejudicando a lisura do certame.

A administração pública não pode agir de forma a beneficiar pessoa específica, devendo levar em conta o interesse público, repudiando de tal forma práticas de clientelismo. Além disso, atender ao princípio da impessoalidade, implica ainda tratar com isonomia os participantes do certame (Carvalho Filho, 2019; Di Pietro, 2019).

Apesar da perceptível necessidade de formação de banca com membros externos à Instituição, os próprios entrevistados mencionaram o que dificultaria a adoção desse critério, a saber: elevados custos e pouca disponibilidade de recursos das IFES. O Docente 8, alertou que “O problema maior que enfrentamos, é quando a Instituição não tem verba para trazer um profissional de outro Estado, sendo assim temos que contar com participantes muitas vezes da mesma Instituição”.

Os respondentes mencionaram ainda a necessidade de formação de um banco de dados com docentes (item 5 do quadro 1), assemelhado ao praticado pelo MEC em suas avaliações, para uma maior rotatividade de formação das bancas, considerando a importância de docentes atuarem em certames por todo país. Quanto à presença do pedagogo, foi ponderado ainda pelos docentes, que a dificuldade relacionada à convocação deste profissional é que ele não teria conhecimento técnico do assunto específico relacionado ao cargo.

Já os critérios subjetivos foram mencionados de forma negativa, porquanto a adoção desses critérios daria margem para afronta aos princípios da administração pública, traria uma ausência de uniformidade à formação da banca, bem como, as escolhas poderiam ser realizadas muitas vezes utilizando-se de viés ideológico.

Correlacionando os critérios subjetivos com os princípios da administração pública, percebe-se na rede que muitos dos princípios são contrariados. O código “critérios de formação não são transparentes", por exemplo, contradiz o princípio da moralidade. Já o código “favorecimento de candidatos – ausência de imparcialidade e impessoalidade – lisura” afronta o princípio da impessoalidade.

O favorecimento de candidatos, a imparcialidade, a adoção de vieses ideológicos, são atitudes que vão de encontro também ao princípio da moralidade. Nesse sentido, não basta que a formação da banca seja formada seguindo os critérios legais, atendendo ao princípio da legalidade, se os avaliadores não estiverem revestidos da moralidade. A moralidade é, pois, uma das ferramentas de controle dos desvios éticos dos operadores da administração pública (Meirelles, 2016; Nohara, 2020).

Quanto ao favorecimento de candidatos, dois outros códigos, identificados na cor amarela (Figura 1), podem ter duas proposições. É que, o contato formal muitas vezes é causa que impossibilita que determinado docente atue na banca. Explica-se, muitas vezes o docente teve algum contato que não excedeu nem se transformou em amizade, sendo apenas contato profissional. Nesse caso, por vezes, foi mencionado pelos docentes que nem sempre o referido contato deve ser entendido como quebra do princípio da impessoalidade já que em algumas áreas a rede de profissionais é reduzida. A resposta coletada a seguir demonstra a preocupação do docente na dificuldade encontrada acerca do contato formal:

A exigência que candidatos e avaliadores não tenham jamais trabalhado juntos é um tanto complicada, pois em algumas áreas, com poucos professores e estudantes, às vezes as bancas acabam sendo formadas por pessoas sem formação específica na área do concurso (Docente 9).

A ausência de treinamento também foi mencionada como problema identificado na formação da banca. Nas palavras de dois dos respondentes: “Poderiam oferecer formação para os avaliadores a fim de evitar problemas de execução nos certames” (Docente 10) e “O que falta é o treinamento para padronização de processos” (Docente 11). A ausência de treinamento pode prejudicar seriamente o melhor resultado do certame. Quer dizer, um concurso realizado com problemas decorrentes de profissionais mal treinados, pode levar à judicialização e por vezes à anulação do concurso, o que significa afronta ao princípio da eficiência.

O princípio da eficiência é um dos pilares da administração pública, especialmente no modelo gerencialista atualmente proposto. Nos concursos públicos, uma seleção transparente e objetiva é o que permite a garantia de um serviço eficiente (Motta, 2005). Para os respondentes uma das formas de atender àquele princípio é que a banca seja formada por professores especialistas no assunto da disciplina de disputa da vaga. Um certame com formação de banca composta por um ou mais membros sem a devida expertise e domínio do tema, pode trazer prejuízos ao sucesso do concurso e posteriormente à contratação eficiente.

4.2 Candidatos

Esta população é formada por pessoas que participaram como candidatos em seleções para docentes do IFES. Das respostas dos candidatos foram criados 28 códigos para criação da rede no software Atlas TI. Na análise das respostas dos candidatos percebeu-se que a categoria tem uma percepção de desconfiança nos certames, sempre associando aos concursos situações de irregularidades, apadrinhamento, favorecimento. Poucos candidatos sentiram-se confortáveis para afirmar que os certames estão revestidos de lisura.

Na Figura 2 as respostas foram codificadas seguindo a lógica explicada para a Figura 1, e demonstra a percepção dos candidatos quanto aos critérios utilizados atualmente na formação de banca para concurso docente. Nas respostas avaliadas, percebeu-se uma maior insatisfação e insegurança quanto aos critérios, se comparadas às respostas dos docentes. A rede de respostas dos candidatos tem elementos mais sérios de insatisfação. Nas células vermelhas, percebe-se, em tom acusativo, que existem muitos casos de apadrinhamento, manipulação de resultados, favorecimento, seleções direcionadas, corporativismo, conflito de interesses, vieses ideológicos, tudo em decorrência (segundo os respondentes) de falhas na composição da banca de concurso docente, o que fere, de maneira direta os princípios da administração pública.

Figura 2: Rede de respostas dos candidatos.
Figura 2: Rede de respostas dos candidatos.

Noutro viés, os respondentes entendem que para uma melhoria e diminuição das referidas práticas (células na cor azul), é importante a criação de critérios objetivos como: formação com especialistas no assunto, formação com docentes externos, maior transparência, imparcialidade da banca e a presença de um pedagogo na banca.

O quadro 2 foi elaborado considerando trechos das respostas e os apontamentos dos candidatos quanto à possível ofensa aos princípios da administração.

Quadro 2: Ofensas aos princípios de acordo com a entrevista aos candidatos
Quadro 2: Ofensas aos princípios de acordo com a entrevista aos candidatos

Em uma análise ponto a ponto, observou-se que os respondentes demonstram insatisfação com a especialidade do membro da banca. Muitos entendem que aqueles docentes que estão avaliando os candidatos sequer tem a expertise adequada para a avaliação. Segue trecho extraído do formulário, no mesmo sentido: “Alguns membros não apresentam domínio da área para fazer parte de uma banca. Falta padronização de critérios, gerando discrepâncias nas notas. Sobretudo na prova didática” (Candidato 8).

A discrepância de notas foi outro ponto negativo mencionado pelos candidatos. Tal discrepância pode acarretar desconfianças acerca de possíveis favorecimentos de candidatos. A diferença pode ser dada por vários motivos: tentativa de favorecimento de determinado candidato, ausência de expertise do julgador, falta de atenção no momento da avaliação. Esse tipo de problema, mencionado pelos candidatos como sendo recorrente, a depender da motivação, afronta de forma grave os princípios da impessoalidade e moralidade (se for por favorecimento), e eficiência, se for por falta de expertise na área.

Como já foi mencionado no corpo deste trabalho, os concursos públicos devem ser balizados pelos princípios da administração pública e pautados na ideia democracia-isonomia-eficiência (Motta, 2005). Além disso, moralidade, legalidade e impessoalidade devem caminhar juntas. A ausência de moralidade não significa que os ditames legais não estão sendo seguidos. Por vezes, os certames se revestem da necessária legalidade, mas lhes falta moralidade, que não permite que o executor da administração pública esteja atento ao espírito da lei, somente ao seu fiel cumprimento. Quer dizer, andando juntas (legalidade, impessoalidade e moralidade), os atos da administração cumprirão seu fim principal, o interesse público (Meirelles, 2016).

A ausência de padronização também foi citada pelos candidatos. A padronização está diretamente relacionada ao princípio da isonomia, já que com a padronização todos os candidatos estarão em condições de igualdade perante a banca e as fases do certame. Sobre impessoalidade e igualdade nos processos concursais, as palavras de Carvalho Filho (2019), no referencial do corpo deste trabalho são esclarecedoras e pontuais, quando menciona a igualdade que a administração pública deve dispensar aos administrados em situação idêntica.

Ademais, os respondentes mencionaram ainda acerca da necessidade de transparência nas fases do certame, tendo em vista que quanto mais transparente, menos dúvidas, suspeitas e desconfianças relacionadas a favorecimento de candidatos.

Acerca da necessidade de presença de um pedagogo, os respondentes justificam que os membros da banca tendo a expertise no assunto, muitas vezes não detém o conhecimento necessário para identificar o domínio pedagógico dos candidatos, o que pode, no futuro, ser uma barreira entre o docente aprovado e seus alunos. Por outro lado, a presença do pedagogo como membro regular da banca, pode recair na ausência de expertise do assunto para avaliação do candidato.

Considerando que os dois grupos (docentes e candidatos) responderam às mesmas perguntas, percebeu-se que as respostas de ambos se assemelham em muitos pontos, especialmente quanto às sugestões para melhorias como: formação de banca com docentes externos, presença de pedagogo, transparência, lisura. No entanto, os candidatos demonstraram uma maior insatisfação, tendo em vista que a falta de clareza nas ações dá margem para desconfianças, o que causa descontentamento com a administração pública.

Neste trabalho não há a intenção de apontar cometimento de crimes, fraudes ou atividades irregulares, mas de tentar compreender o universo da formação da banca de concursos e o que pode ocasionar afronta aos princípios da administração pública, seja por meio de atividades ilícitas ou por falhas nos procedimentos adotados.

5 CONCLUSÕES

Os concursos públicos para docentes de IFES ocorrem em todo Brasil e são certames individualizados, o que quer dizer, cada um com as suas fases e peculiaridades, sem descurar da autonomia universitária. Porém, todos devem obediência à legislação pátria e aos princípios constitucionais, a saber, legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

Considerando essa necessidade, o presente artigo buscou identificar a ocorrência de afronta a esses princípios na formação de banca para certames daquela natureza. Foi aplicado questionário com perguntas abertas, coletadas 1.081 respostas, sendo 414 candidatos e 667 docentes. Diante das respostas coletadas, foram criadas duas redes por meio do Software Atlas TI, que permitiu a identificação dos assuntos mais comentados pelas duas categorias de respondentes.

Sendo dois grupos distintos, percebeu-se o cruzamento e identidade em algumas respostas, com percepções parecidas, porém visões diferentes das motivações que causam os problemas detectados. No geral, os docentes reconhecem as inconsistências e problemas, no entanto não justificam os problemas como atos de má-fé. Reconhecem fragilidade na formação da banca e sugerem medidas como a definição de critérios objetivos, a saber, a formação de bancas com pelo menos um membro externo, com especialistas no assunto, criação de banco de dados de professores, presença de um pedagogo nas bancas para avaliação pedagógica do candidato, a fim de tornarem o processo mais enxuto, objetivo e eficiente. No entanto, não há no grupo dos docentes o desconforto e a desconfiança percebida nos candidatos.

Os candidatos demonstraram insatisfação, desconfianças e desconfortos na formação da banca e no certame como um todo. Dentre as insatisfações, alegativas como favorecimento de candidatos, imparcialidade, influência de vieses ideológicos na avaliação, direcionam a uma possível afronta aos princípios constitucionais, especialmente à moralidade, impessoalidade e eficiência. Considerando que os 3 princípios estão intimamente ligados, é possível que os atos repudiados pelos candidatos sejam capazes de ferir os 3 princípios ao mesmo tempo, quando, por exemplo, a banca é formada de modo que favoreça um candidato específico.

Considerando então os dois grupos, os direcionamentos da pesquisa levaram à conclusão de que muitos são os problemas encontrados, mas que são todos, passíveis de resolução. Para minimizar os problemas identificados, os entrevistados sugeriram a criação de critérios objetivos, como incluir dentre os membros da banca docentes externos, docentes com formação específica, criação de banco de dados de docentes e presença de um pedagogo para formação de banca. As sugestões apresentadas pelos respondentes refletem melhorias para coibir qualquer prática que possa acarretar afronta aos princípios e problemas nos concursos públicos para docentes do IFES. Dados os resultados, percebe-se a necessidade de estudo do tema, especialmente o aprofundamento das sugestões de melhorias dos certames, alinhadas aos direcionamentos inicialmente encontrados neste trabalho, buscando a prática de atos consoante o ordenamento jurídico e os princípios da administração pública.

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