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Condição Financeira dos Municípios Brasileiros no Contexto da Pandemia da Covid-19
Financial Condition of Brazilian Municipalities in the Context of the Covid-19 Pandemic
Condición Financiera de los Municipios Brasileños en el Contexto de la Pandemia del Covid-19
Administração Pública e Gestão Social, vol. 16, núm. 1, 2024
Universidade Federal de Viçosa


Recepción: 16 Febrero 2023

Aprobación: 08 Agosto 2023

Publicación: 13 Enero 2024

Resumo: Objetivo: Analisar o comportamento dos fatores que compõem o índice de condição financeira (ICF) dos municípios brasileiros no contexto da pandemia da covid-19, considerando como recorte temporal o período 2019-2020.

Enquadramento teórico: Foi utilizado o modelo de condição financeira proposto por Cabaleiro et al. (2013), baseado nas dimensões de sustentabilidade, flexibilidade e vulnerabilidade.

Metodologia: Foi utilizada a Análise Fatorial (AF) para formação dos fatores e do ICF, seguido de uma análise cruzada do seu comportamento no período.

Resultados: Evidenciou-se a alocação dos municípios em quatro situações: casos em destaque, recuperação, dificuldade crítica e declínio. Além disso, a vulnerabilidade corrente foi o fator mais importante na determinação da condição financeira em 2019 e a flexibilidade geral diferenciada em 2020. Assim, menor dependência de recursos de outras esferas governamentais e maior cobertura de despesas não financeiras, respectivamente, contribuíram para uma melhor condição financeira em cada ano.

Originalidade: Aplicar ao contexto brasileiro um modelo alternativo, que de maneira otimizada, pondera os múltiplos indicadores utilizados em avaliações da condição financeira governamental.

Contribuições teóricas e práticas: O ICF possibilita avaliar a condição financeira, servindo de ferramenta para se entender como diferentes fatores a impactam. Contribui-se também com a literatura de finanças públicas, considerando que o principal objetivo do uso de indicadores para governos locais é avaliar sua condição financeira retrospectivamente e atender requisitos de conformidade, sobretudo em períodos de crise, como a decorrente da pandemia da covid-19.

Palavras-chave: Condição Financeira, Governos, Covid-19, Análise Fatorial.

Abstract: Objective: We analyzed the behavior of the factors that compose the financial condition index (ICF) of Brazilian municipalities in the context of the covid-19 pandemic, considering the time frame of 2019-2020.

Theoretical Framework: We used the financial condition model proposed by Cabaleiro et al. (2013) based on the dimensions of sustainability, flexibility, and vulnerability.

Methodology: We used factor analysis to form the factors and the ICF, followed by a cross-analysis of its behavior in the period.

Results: The allocation of municipalities in four situations was evidenced: highlighted cases, recovery, critical difficulty, and decline. Furthermore, the current vulnerability was the most important factor in determining financial condition in 2019 and overall flexibility differentiated in 2020. Thus, lower dependence on resources from other government spheres and greater coverage of non-financial expenditures, respectively, contributed to better financial condition each year.

Originality: Applying an alternative model to the Brazilian context, which optimally weighs the multiple indicators used in assessing the governmental financial condition.

Theoretical and practical contributions: The ICF makes it possible to assess the financial condition, serving as a tool to understand how different factors impact it. It also contributes to the public finance literature since the main objective of using indicators for local governments is to retrospectively assess their financial condition and meet compliance requirements, especially in periods of crisis, such as the one resulting from the covid-19 pandemic.

Keywords: Financial Condition, Governments, Covid-19, Factor Analysis.

Resumen: Objetivo: Analizar el comportamiento de los factores que componen el índice de condición financiera (ICF) de los municipios brasileños en el contexto de la pandemia de covid-19, considerando el período 2019-2020 como marco temporal.

Marco teórico: El modelo de condición financiera propuesto por Cabaleiro et al. (2013), a partir de las dimensiones de sostenibilidad, flexibilidad y vulnerabilidad.

Metodología: Se utilizó el Análisis Factorial (AF) para formar los factores y la ICF, seguido de un análisis cruzado de su comportamiento en el período.

Resultados: Se evidenció la ubicación de los municipios en cuatro situaciones: casos destacados, recuperación, dificultad crítica y declive. Además, la vulnerabilidad actual fue el factor más importante en la determinación de la condición financiera en 2019 y la flexibilidad general diferenciada en 2020. Así, la menor dependencia de recursos de otras esferas de gobierno y la mayor cobertura de gastos no financieros, respectivamente, contribuyeron a una mejores condiciones financieras cada año.

Originalidad: Aplicar un modelo alternativo al contexto brasileño, que pondere de manera óptima los múltiples indicadores utilizados en la evaluación de la condición financiera gubernamental.

Aportes teóricos y prácticos: El ICF permite evaluar la condición financiera, sirviendo como herramienta para comprender cómo inciden en ella diferentes factores. También contribuye a la literatura de finanzas públicas, considerando que el uso de indicadores para los gobiernos locales tiene como objetivo principal evaluar retrospectivamente su condición financiera y cumplir con los requisitos de cumplimiento, especialmente en períodos de crisis, como el resultado de la pandemia de covid-19.

Palabras clave: Condición Financiera, Gobiernos, Covid-19, Análisis Factorial.

1 Introdução

Com efeitos inéditos na economia global, a pandemia da covid-19 desencadeou uma crise sanitária desenfreada. A atenção se voltou para a máquina pública, que além de relaxar regras orçamentárias, precisou rever o próprio papel do Estado na sociedade e na economia (Carvalho, 2020). Dessa forma, acabou sendo instaurada uma crise econômica que abalou as bases do planejamento financeiro em todos os níveis governamentais, sobretudo no nível local, onde a capacidade de absorção e adaptação a choques financeiros é mais limitada (Ahrens & Ferry, 2020; Martins et al., 2021). Assim, em tempos de crise, conhecer ferramentas para um apropriado diagnóstico financeiro deixou de ser uma questão temática e tornou-se uma decisão de gestão.

Nesse sentido, avaliar a condição financeira governamental se mostra relevante e premente, o que pode ser feito por meio de indicadores financeiros. O interesse na pesquisa de indicadores para governos locais ganhou impulso com a crise financeira de 2008 e, mais recentemente, com a pandemia da covid-19 que, tal como a crise anterior, pressionou as finanças de diversos países (Iacuzzi, 2021).

A condição financeira (ou saúde financeira) pode ser definida como a capacidade de governos locais em fornecer serviços públicos de forma contínua à população e atender devidamente às obrigações financeiras decorrentes. De maneira mais específica, a condição financeira refere-se à capacidade dos governantes para (i) manter o nível de serviços existentes, (ii) resistir a rupturas na economia local e regional e (iii) atender às demandas do crescimento natural, declínio e mudança (Groves & Valente, 2003).

Assim, uma condição financeira saudável deve ser um dos objetivos dos governos, de modo a viabilizar a realização das funções essenciais, atender às necessidades de investimentos, cumprir com obrigações financeiras de curto prazo e realizar os pagamentos dos serviços da dívida (Lima & Diniz, 2016). Logo, a constante avaliação da saúde financeira é de grande importância para o alcance das metas do governo e o bem-estar da população.

Muitos modelos de avaliação da condição financeira têm sido utilizados, como os modelos seminais de Brown (1993), Groves & Valente (1986), Hughes & Laverdiere (1986), além do modelo do Canadian Institute of Chartered Accountants (CICA, 1997, 2009), que é um dos mais utilizados, segundo Iacuzzi (2021). Conforme esse modelo, a condição financeira governamental é mensurada com base em indicadores associados às dimensões de sustentabilidade, flexibilidade e vulnerabilidade, além do contexto econômico e do ambiente organizacional em que os entes governamentais estão inseridos.

Considerando que a avaliação da condição financeira pode oferecer ferramentas de auxílio aos governos em seus processos de tomada de decisão e contribuir para a otimização da gestão governamental, o presente estudo tem como objetivo analisar o comportamento dos fatores que compõem o índice de condição financeira (ICF) dos municípios brasileiros no contexto da pandemia da covid-19. Para tanto, foi selecionado o período 2019-2020, que se refere ao ano anterior e de início da crise sanitária global. A análise foi realizada por meio de um índice agregado de condição financeira, proposto por Cabaleiro et al. (2013), a partir do framework desenvolvido pelo CICA (1997, 2009), com a geração de rankings da condição financeira dos municípios no referido período.

A literatura alerta haver uma constante relação entre os indicadores na avaliação de aspectos independentes, o que gera considerável impacto quanto à tentativa de se obter um valor agregado de todos os aspectos da saúde financeira (Kloha et al., 2005; Wang et al., 2007; Zafra-Gómez et al., 2009). O modelo proposto por Cabaleiro et al. (2013) é um método alternativo que, de maneira otimizada e com uso da Análise Fatorial (AF), pondera esses múltiplos indicadores utilizados em avaliações da condição financeira governamental.

Além da tentativa de avançar na solução do fator limitador, apontado por Cabaleiro et al. (2013), referente à ponderação de indicadores, uma das contribuições do estudo é que com o índice será possível avaliar e classificar a condição financeira de cada município, podendo servir de ferramenta para se entender como diferentes fatores podem impactar as dimensões da condição financeira dos governos.

O presente estudo também visa contribuir com a literatura de finanças públicas, considerando que o principal objetivo do uso de indicadores financeiros para os governos locais é avaliar sua condição financeira retrospectivamente e atender requisitos de conformidade (Iacuzzi, 2021). Outrossim, os estudos da condição financeira podem instrumentalizar a construção de benchmarks para os governos e auxiliar no enfrentamento de choques financeiros, o que se torna particularmente relevante no contexto da pandemia da covid-19.

2 Revisão Teórica

2.1 Condição financeira governamental e modelos de avaliação

Como o conceito de condição financeira governamental não é diretamente observável, suscita-se uma ampla discussão a respeito de quais instrumentos são mais apropriados para sua mensuração. Dentro de cada jurisdição, é observada a estrutura administrativa, elemento-chave na construção de instrumentos úteis para determinar a saúde financeira das instituições públicas (CICA, 1997; 2009).

A condição financeira está fortemente relacionada à saúde fiscal (Honadle et al., 2004), sendo composta pelas solvências de caixa, orçamentária, de longo prazo e de nível de serviço (Groves et al., 1981). Ter uma condição financeira adequada é um pré-requisito indispensável para cumprir os objetivos de qualquer instituição. Os gestores públicos locais pouco exercem influência sobre os fatores que afetam a saúde financeira das entidades municipais, que, por sua vez, é resultado de diversos agentes de natureza variada (Cabaleiro et al., 2013).

Hendrick (2004) estudou como medir a saúde fiscal de instituições públicas e revelou que os potenciais indicadores estão associados a conceitos diversos, como tensão fiscal, stress fiscal, crise fiscal, o que indica haver nomes alternativos que correspondem a diferentes abordagens metodológicas para uma mesma realidade. Além disso, a autora constituiu três principais dimensões que afetam a saúde fiscal local: características ambientais, equilíbrio entre o contexto social e estrutura tributária e a disposição tributária das instituições.

Com o objetivo de fornecer uma estrutura comum para avaliar a condição financeira, o CICA (2009) emitiu uma Declaração de Práticas Recomendadas (Statements of Recommended Practice - SORP), chamando condição financeira de “saúde financeira”, composta por três dimensões: sustentabilidade, vulnerabilidade e flexibilidade.

A sustentabilidade é definida como o grau no qual um governo pode manter os programas existentes e atender suas obrigações correntes sem aumentar o limite de endividamento. A vulnerabilidade refere-se ao grau no qual um governo é dependente de recursos de outras esferas governamentais, o que expõe a entidade a riscos que poderão prejudicar sua capacidade de atender às obrigações financeiras. Já a flexibilidade refere-se ao grau em que um governo pode mudar seu endividamento ou carga tributária com o objetivo de atender suas obrigações financeiras (CICA, 2009; Cabaleiro et al., 2013; Lima & Diniz, 2016).

No contexto americano, destaca-se o Sistema de Monitoramento de Tendências Financeiras (Financial Trend Monitoring System - FTMS) que é amplamente utilizado pelos governos locais, tendo como objetivo realizar um monitoramento interno da condição financeira, conforme Groves et al. (1981).

Além disso, agências de classificação têm demonstrado interesse em estudos sobre condição financeira, por considerarem fatores quantitativos, qualitativos, financeiros e ambientais nas avaliações de risco.

Dessa forma, quando o objetivo for analisar os diferentes aspectos que caracterizam a saúde financeira de um governo local, a metodologia apropriada consiste em verificar os aspectos específicos considerados pertinentes, não havendo a necessidade de obter um único indicador quantitativo ou qualitativo (Groves & Valente, 2003; Hendrick, 2004). Por conseguinte, se o propósito é obter um ranking das diversas entidades em questões de saúde financeira, a obtenção de um indicador se faz necessário no posicionamento geral da instituição (Brown, 1993; Kloha et al., 2005; Wang et al., 2007).

Cabaleiro et al. (2013) chamam atenção para as vantagens e desvantagens no uso de indicadores agregados em comparação à análise de indicadores individuais, já que estes últimos representam aspectos específicos. A literatura apresenta uma variedade de dimensões a serem consideradas e quais indicadores usar; porém, não há consenso sobre quais categorias definem o conceito ou quais indicadores específicos devem ser operacionalizados como definitivamente representativos da situação financeira (Saisana & Tarantola, 2002; Wang et al., 2007).

As medidas alternativas na avaliação da saúde financeira fazem uso limitado de indicadores; alguns focam apenas em aspectos financeiros, outros nos aspectos socioeconômicos (Wolkoff, 1987). De fato, fatores socioeconômicos são considerados condicionantes da condição financeira; portanto, sua exclusão ocasionaria uma avaliação fraca (Kloha et al., 2005; Wang et al., 2007). Lima e Diniz (2016) coadunam com a ideia da condição financeira se tratar de um fenômeno complexo, multidimensional e induzido por dimensões do âmbito político e fiscal, internos e externos ao ente público.

Brown (1993), Kloha et al. (2005) e Zafra-Gómez et al. (2009) usaram técnicas estatísticas para atribuir valores de corte e construir índices usando um processo aditivo. Já Wang et al. (2007) usaram os valores padronizados dos indicadores para obter um índice agregado calculado pela média aritmética.

A despeito da variedade de modelos, esses procedimentos ignoram, em alguma medida, a participação individual de cada indicador na formação das dimensões de condição financeira, ao atribuir o mesmo peso aos indicadores (Cabaleiro et al., 2013), implicando em ponderação desigual, já que dimensões com maior número de variáveis apresentam maior peso, resultando em uma estrutura desequilibrada (Organisation for Economic Co-operation and Development, [OECD], 2008).

Assim, com base no modelo proposto pelo CICA (1997, 2009), Cabaleiro et al. (2013) avançaram na solução de mensuração da condição financeira ao proporem um método alternativo que, de forma otimizada, pondera os múltiplos indicadores utilizados para avaliar um conceito de natureza complexa.

Além disso, o modelo possibilita uma abordagem transversal, ou seja, de comparação entre jurisdições, o que é considerado útil pelo CICA (1997), pois representa uma boa base para fazer julgamentos (Cabaleiro et al., 2013). É pertinente identificar entidades que apresentem similaridades, já que há diferenças em termos populacionais, de estrutura física, tributária, política, econômica e social (Lima & Diniz, 2016).

Acrescente-se também o fato de que as dimensões de condição financeira, evidenciadas pelo modelo utilizado, representam aspectos importantes para avaliação financeira de governos locais, evidenciando seus níveis de sustentabilidade, flexibilidade e vulnerabilidade, que se tornam especialmente relevantes no contexto de crises.

Conforme exposto, a utilização do modelo teve razões metodológicas (ponderação de indicadores) e práticas (comparação entre governos locais similares), além de contextuais, relacionadas à crise financeira provocada pela pandemia sobre os municípios brasileiros.

2.2 Governos locais no contexto da pandemia da covid-19

Os municípios têm um impacto direto na vida das pessoas, pois influenciam o funcionamento da economia local, a entrega das políticas dos governos nacionais e a prestação de serviços como saúde, segurança e educação (Padovani et al., 2021). Por esse motivo, torna-se imperativo avaliar como os governos locais reagem a períodos de crises e instabilidades econômicas.

Nesse contexto, insere-se a crise financeira provocada pela pandemia da covid-19, que, diferentemente de outras crises, atingiu a sociedade de maneira inesperada, com a implementação de medidas de confinamento e distanciamento social. Isso afetou a economia local e impactou negativamente as finanças dos governos locais, haja vista quedas na arrecadação tributária em decorrência da redução do nível de atividade econômica, frente à necessidade de garantir uma entrega extraordinária de bens e serviços públicos, que não estavam previstos no orçamento (Martins et al., 2021; Padovani et al., 2021).

De maneira geral, a pandemia representou um desafio sem precedentes recentes para a gestão pública em todas as esferas governamentais, mas em particular, no nível local (Ahrens & Ferry, 2020; Dantas et al., 2021). Os governos locais são provedores de serviços importantes e têm a finalidade de atender à sociedade por meio de um conjunto eficiente de mecanismos que garantam infraestrutura para assegurar a qualidade de vida dos cidadãos nas diversas áreas de atuação governamental. A capacidade dos governos locais de desempenhar suas funções sem interrupção depende de financiamento, que tem por base a arrecadação tributária e as transferências intergovernamentais (Honadle, 2003; Santos et al., 2020).

Dadas as características da organização federativa brasileira, em que os municípios são dotados de autonomia e figuram como a esfera de governo mais próxima da população, sendo fortemente demandados por suas responsabilidades constitucionais (Brasil, 1988), analisar a condição financeira se mostra propício e viável.

Especialmente na área de saúde pública, durante a pandemia, as cidades tiveram que comportar picos súbitos de demanda em suas estruturas. Em alguns casos, não houve contrapartida financeira capaz de subsidiar esse aumento de gastos (Dantas et al., 2021), colocando a condição financeira dos governos locais no centro da discussão.

No contexto brasileiro, Dantas et al. (2021) investigaram se a saúde financeira dos municípios brasileiros poderia influenciar seu nível de vulnerabilidade aos efeitos da pandemia da covid-19. Concluíram haver uma relação inversamente proporcional entre essas duas dimensões, especificamente, quanto maior o nível de saúde financeira, menor o índice de vulnerabilidade à covid-19. Assim, dimensões como endividamento, poupança e liquidez desempenham influência direta na capacidade dos entes municipais de responderem às demandas por bens e serviços frente à crise.

Pigatto et al. (2021) argumentaram sobre a fragilidade do processo orçamentário dentro do contexto nacional, que para além da capacidade fiscal instável, outros quatro fatores enfraquecem-na dentro do cenário pandêmico instaurado. Dentre eles, destaca-se a governança das instituições orçamentárias e o alto grau de especificação das despesas orçamentárias.

Os estudos de avaliação da condição financeira evidenciam que é necessário que o Estado tenha ferramentas capazes de dar apoio à administração pública, proporcionando uma leitura adequada de suas ações no processo de alocação de recursos. Dentre essas ferramentas, destacam-se os modelos de índices e indicadores financeiros que possam sinalizar a condição financeira de cada município. Isso auxiliará na busca pelo equilíbrio entre despesa e recursos disponíveis, essenciais na determinação da condição financeira (Santos et al., 2020).

Diante do exposto, conclui-se que a análise da condição financeira de um ente público é cerceada por um viés de instrumentalidade, que torna essencial para sua operacionalização uma definição precisa do arsenal de indicadores, independente do modelo escolhido. Além disso, é necessário garantir que os indicadores tenham validade e representatividade do fenômeno a que se referem. Adicionalmente, está implícita a ideia de que uma boa saúde financeira permite ao governo o equilíbrio dos níveis demandados de serviços durante as crises, além de produzir alternativas na busca de recursos que supram as necessidades emergenciais de curto e longo prazo.

3 Metodologia

A amostra selecionada é composta pelos municípios brasileiros de grande porte (>100 mil habitantes), que, em 2019, totalizavam 324 municípios. Nessa amostra, correspondente a 5,8% do total de municípios, viviam mais da metade da população brasileira (57,4% ou 120,7 milhões de habitantes) (IBGE, 2019). No entanto, considerando ausência de dados, a amostra foi reduzida para 235 municípios (72,5% da amostra alvo e 4,2% do total). Destaca-se que na amostra, há municípios de todos os estados brasileiros.

Foram selecionados os exercícios financeiros de 2019 e 2020, que se referem ao ano imediatamente anterior e de início da pandemia da covid-19. Dessa forma, avaliar a condição financeira governamental em pelo menos um período anterior à crise sanitária que afetou as finanças públicas em escala mundial em 2020 pode fornecer uma avaliação da situação dos entes frente a um desequilíbrio financeiro e mostrar, em alguma medida, o impacto da pandemia sobre as finanças municipais no Brasil.

A coleta foi realizada na principal fonte de dados financeiros dos entes subnacionais no Brasil, denominada Sistema de Informações Contábeis e Fiscais do Setor Público Brasileiro (SICONFI), correspondendo a valores correntes executados, que se referem às despesas empenhadas e às receitas arrecadadas, em conformidade à Lei nº 4.320/1964, que rege as finanças públicas no Brasil.

Para análise da condição financeira, foi utilizado o modelo aplicado por Cabaleiro et al. (2013), a partir do framework desenvolvido pelo CICA (1997, 2009). Esse modelo é baseado nas dimensões de sustentabilidade, flexibilidade e vulnerabilidade, compostas por diversos indicadores financeiros e fiscais dos governos, conforme discriminados na tabela 1. Nesse sentido, avaliar a condição financeira governamental se mostra como o principal objetivo ao se utilizar indicadores, sobretudo no contexto da crise provocada pela pandemia da covid-19.


Tabela 1 Indicadores da Condição Financeira por dimensão

Fonte: Adaptado de Cabaleiro et al. (2013) e Lima & Diniz (2016).

Levando-se em consideração que o conceito de condição financeira não é um fenômeno diretamente observável, utilizou-se a técnica multivariada de Análise Fatorial (AF). Essa técnica busca, por meio da avaliação de um conjunto de variáveis, a identificação de dimensões de variabilidade com o intuito de desvendar a existência de estruturas latentes (Corrar et al., 2017).

Dentre os procedimentos inerentes à AF, o método para extração de fatores mais utilizado é conhecido por análise de componentes principais (ACP), que aponta para uma redução estrutural (Fávero & Belfiore, 2017), o que proporcionou a obtenção de um menor número de variáveis ou fatores latentes, facilitando a análise e interpretação dos dados. Segundo Cabaleiro et al. (2013), o método proposto supera um problema detectado na literatura de finanças públicas relacionado à ponderação de variáveis, otimizando assim a mensuração da variabilidade dos indicadores que integram a condição financeira governamental.

Para aplicação, partiu-se da matriz de correlação de Pearson, que mostra o grau de relação linear entre pares de variáveis métricas, com valores entre -1 e 1, de modo que, quanto mais próximo dos extremos, maior é a relação linear entre duas variáveis, o que contribui significativamente para a extração dos fatores (Fávero & Belfiore, 2017).

Na sequência, verificou-se a adequação global da AF por meio da estatística Kaiser-Meyer-Olkin (KMO), que fornece a proporção de variância considerada comum a todas as variáveis na amostra, e do teste de esfericidade de Bartlett, que traz a significância geral de todas as correlações em uma matriz e indica se existe relação suficiente entre os indicadores para a aplicação da AF. Além disso, foram verificadas as medidas de adequação da amostra por meio da diagonal principal da matriz de correlação anti-imagem, que mostra o grau em que os fatores explicam um ao outro nos resultados, sendo adequados valores superiores a 0,50 (Fávero & Belfiore, 2017; Hair et al., 2009).

A partir da matriz de correlação, foram apresentados os autovalores correspondentes a cada um dos fatores extraídos inicialmente, com os respectivos percentuais de variância compartilhada pelas variáveis originais. Utilizou-se o critério da raiz latente (critério de Kaiser), que considera fatores com autovalores maiores que 1 (Fávero & Belfiore, 2017).

Na sequência, foram apresentadas as cargas fatoriais, que correspondem aos coeficientes de correlação entre as variáveis originais e cada um dos fatores, além das comunalidades de cada indicador, que se referem à quantia total de variância que uma variável original compartilha com todas as outras variáveis incluídas na análise, mostrando o quanto todos os fatores juntos são capazes de explicar uma variável (Hair et al., 2009; Corrar et al., 2007). Destaca-se que o somatório dos quadrados das cargas fatoriais em linha resulta na comunalidade das respectivas variáveis, que pode ser considerado o poder explicativo do indicador, similar à estatística R2 nos modelos de regressão linear. São desejáveis valores superiores a 0,70 (Fávero & Belfiore, 2017).

Considerando os componentes gerados, foram calculados os escores dos municípios na amostra por meio da multiplicação dos valores de cada fator pelos respectivos percentuais de variância compartilhada pelas variáveis originais. Adicionalmente, buscou-se verificar o grau de correlação entre os componentes formados e o índice agregado por ano analisado.

Para além da análise descritiva e fatorial dos dados, após a formação dos fatores e estabelecimento dos rankings da condição financeira dos municípios com base no critério da soma ponderada e ordenamento (Fávero & Belfiore, 2017), foi realizada uma análise cruzada do ICF para verificar seu comportamento no período.

É importante destacar que a análise foi parcialmente influenciada pelo conjunto de informações disponíveis no SICONFI. Tal como no estudo de Cabaleiro et al. (2013), foi possível uma análise razoável das dimensões de sustentabilidade, vulnerabilidade e flexibilidade, com base na amostra e no recorte temporal selecionados. Assim, deve-se considerar tais limitações. Em alguns casos, foi necessário o desenvolvimento de indicadores com leitura similar aos indicadores propostos por Cabaleiro et al. (2013).

4 Resultados e Discussão

4.1 Análise descritiva dos indicadores

Após coleta e tratamento dos dados, procedeu-se à análise dos resultados, iniciando-se pelas estatísticas descritivas dos indicadores (tabela 2).


Tabela 2 Estatísticas descritivas dos indicadores no período 2019-2020

A dimensão de sustentabilidade corresponde ao grau em que o governo local pode manter os programas existentes e atender às obrigações correntes sem aumentar a dívida de longo prazo (CICA, 2009). Para esses indicadores, quanto menor a magnitude, melhor a saúde financeira do ente governamental. No entanto, os resultados mostraram aumento na média dos indicadores no período. Esse aumento é mais evidente para o indicador de dívida consolidada per capita (S4). Assim, o resultado sugere declínio da situação financeira dos municípios analisados, pois demonstra maior nível de endividamento em 2020, ano em que foi decretada a pandemia da covid-19.

Para os indicadores representativos da dimensão de vulnerabilidade, que demonstram o grau em que um governo local depende de recursos de outras esferas governamentais (CICA, 2009), quanto maior a cobertura das despesas pelas receitas, subtraídas as receitas de transferências, menor o nível de vulnerabilidade do governo. Isso contribui para uma melhor condição financeira. Sob outro ponto de vista, quanto menor a dependência das transferências, melhor a condição financeira do governo.

Para o indicador V1, o valor médio aumentou na comparação 2019-2020. Isso foi provocado, principalmente, pela queda expressiva (-79,26%) no volume de transferências correntes, que compõem o denominador desse indicador. Já para os indicadores V2 a V5, as médias reduziram. Esses indicadores trazem no numerador, as receitas tributárias. Assim, a redução das médias foi provocada pela queda elevada (-464,83%) nos níveis de arrecadação tributária em 2020 em relação a 2019, evidenciando, sob esse aspecto, aumento da vulnerabilidade.

Para os indicadores V6 e V7, as médias aumentaram em 2020. Como as transferências governamentais compõem os indicadores, em parte é possível também atribuir tais resultados à queda expressiva dos níveis de transferências correntes (-79,26%) e transferências de capital (-49,61%), o que fez com que esses indicadores aumentassem. No entanto, o aumento das médias pode indicar que as despesas correntes e totais foram cobertas pelas receitas, sem considerar as transferências recebidas, em virtude da redução mencionada. Para esses indicadores, quanto maior, melhor a condição financeira governamental, pois demonstra maior cobertura das despesas correntes e totais, reduzindo a vulnerabilidade.

Para os indicadores V8 e V9, que se referem exclusivamente à dependência dos governos municipais às transferências de capital, as médias reduziram em 2020. A redução dessas receitas para custear despesas de capital, por um lado, mostra melhora da condição financeira, por sugerir menor dependência de transferências; mas, por outro lado, pode comprometer o atendimento à população no longo prazo.

Para os indicadores representativos da dimensão de flexibilidade, que indicam o grau em que o governo pode gerenciar seu endividamento a fim de atender suas obrigações financeiras (CICA, 2009), uma maior flexibilidade está ligada a uma melhor condição financeira. O indicador F1, referente à cobertura das despesas correntes, e os indicadores F2-F3-F4, referentes à cobertura das despesas correntes não financeiras (despesas de pessoal e outras despesas correntes), tiveram aumento médio, demonstrando maior capacidade dos governos em atender a esses gastos correntes. Salienta-se que F3 e F4 apresentaram valores mínimos negativos nos municípios que apresentaram déficit corrente, quando despesas superam receitas. No que tange à gestão dos encargos financeiros decorrentes do endividamento, a flexibilidade também está associada a menores níveis de despesas financeiras, como juros e amortização da dívida. Para os indicadores F5-F6-F7, relacionados às despesas financeiras, verificou-se redução na média, demonstrando melhor flexibilidade.

Cabe destacar que as altas variâncias observadas se referem aos indicadores per capita, demonstrando elevada heterogeneidade das estruturas municipais analisadas, que pode influenciar as finanças locais.

4.2 Análise Fatorial

Os resultados evidenciados pela matriz de correlação (tabela 3) sugerem, de maneira geral, que os indicadores estão fortemente correlacionados dentro de cada dimensão, com exceção dos grupos de indicadores V8-V9 e F5-F6-F7, que se correlacionam mais fortemente entre si.


Tabela 3 Matrizes de correlação entre os indicadores da condição financeira

Notas: (**)sig.<0,01; (*)sig.<0,05; 2019 sombreado.

A adequação global da AF pode ser verificada para ambos os exercícios, considerando o teste KMO (valores médios) e o teste de Bartlett (sig. < 0,05), conforme tabela 4.


Tabela 4 Teste KMO e esfericidade de Bartlett

A matriz de correlação anti-imagem, mostrou valores superiores a 0,50 em sua diagonal principal, exceto para a variável V9 (0,360) em 2019 e para as variáveis V9 e F7 (0,439 e 0,380, respectivamente) em 2020, sendo passíveis de exclusão. No entanto, as variáveis foram mantidas na análise visando a comparabilidade da formação dos fatores no período, bem como para verificar as similaridades com os achados de Cabaleiro et al. (2013).

Na tabela 5, são apresentados os autovalores correspondentes a cada um dos fatores extraídos, já considerando a rotação pelo método Varimax, que visa uma melhor distribuição das cargas fatoriais em cada fator. Foi observada a formação de cinco fatores, em ambos os exercícios.


Tabela 5: Autovalores e percentual de variância explicada pelos fatores

Na formação desses cinco fatores, em 2019, verifica-se 88,927% de variância total explicada. Esses resultados mostram similaridade aos achados de Cabaleiro et al. (2013), o que confirma o nível de robustez da agregação desses indicadores para representação das dimensões da condição financeira. Por sua vez, em 2020, a variância total explicada foi de 83,968%, valor inferior ao ano pregresso.

Na análise da composição de cada fator, notou-se que a sustentabilidade foi determinada a partir de um único componente. Entretanto, tanto a flexibilidade quanto a vulnerabilidade são explicadas por dois componentes distintos, tal como no estudo de Cabaleiro et al. (2013). A distribuição dos indicadores em cada componente está detalhada na tabela 6, em que são apresentadas as cargas fatoriais, além das comunalidades dos indicadores.


Tabela 6 Matriz de componentes rotacionados e comunalidades

Notas: Método de Extração: Análise de Componente Principal. Método de Rotação: Varimax com Normalização de Kaiser. Rotação convergida em 6 iterações.

Em 2019, o primeiro componente extraído mostra o peso dos indicadores V1 a V7 no primeiro fator e consiste, essencialmente, em índices correntes, podendo ser nomeado como vulnerabilidade corrente. Em relação à mesma dimensão, os indicadores V8-V9 formaram o quinto componente, relacionado às transferências de capital, recebendo a denominação de vulnerabilidade de capital.

A dimensão de sustentabilidade formou apenas um fator. Em relação à dimensão de flexibilidade, em que são observadas a formação de dois fatores, o fator formado pelos indicadores F1 a F4 fornece medidas de aspectos gerais da flexibilidade, sendo nomeado flexibilidade geral. O outro fator, caracterizado pela influência dos indicadores F5-F6-F7, é designado como flexibilidade financeira, dada a ênfase nas despesas financeiras do governo.

Em 2020, o primeiro fator foi formado pelos indicadores V6-V7, que se uniram aos indicadores F1 a F4, a partir do deslocamento de variáveis da dimensão de vulnerabilidade, tendo em vista queda expressiva dos níveis de transferências correntes (-79,26%) e de capital (-49,61%), formando um único componente, nomeado flexibilidade geral diferenciada.

O segundo fator, formado pelos indicadores V1 a V5, manteve, parcialmente, a estrutura de 2019, sendo nomeado vulnerabilidade corrente parcial. O terceiro fator foi formado pelos indicadores de sustentabilidade. Os fatores formados pelos indicadores F5-F6-F7 e V8-V9 mantiveram formação similar à 2019, compondo, respectivamente, o quarto fator (flexibilidade financeira) e o quinto fator (vulnerabilidade de capital).

A partir do somatório dos quadrados das cargas fatoriais em linha, observa-se grau elevado (>0,7) de comunalidade para os indicadores, exceto para F7. No entanto, decidiu-se manter o indicador, visando a construção dos índices consolidados.

Na sequência, foram elaborados rankings da condição financeira dos municípios no período, com base no critério da soma ponderada e ordenamento. Uma nova variável, denominada ICF, foi gerada a partir da multiplicação dos valores de cada fator pelos respectivos percentuais de variância compartilhada.

Destaca-se que, para o cálculo dos índices consolidados, os valores dos fatores sustentabilidade, flexibilidade financeira e vulnerabilidade de capital tiveram seus sinais invertidos, pois são indicadores do tipo “quanto menor, melhor”.

4.3 Análise e discussão do ICF

A tabela 7 contém as estatísticas descritivas dos índices consolidados e dos fatores componentes no período 2019-2020.


Tabela 7 Estatísticas descritivas do ICF e dos fatores

A partir da análise, é possível observar que o menor valor mínimo e o maior valor máximo do índice foram verificados em 2019. De maneira geral, isso demonstra que, apesar de 2020 ter sido um ano de pressões financeiras em virtude da pandemia de covid-19, a condição financeira da maioria dos municípios analisados já mostrava fragilidades em 2019.

Em relação à vulnerabilidade corrente, formada por indicadores do tipo “quanto maior, melhor”, notou-se um aumento nos valores mínimos e redução nos valores máximos. Isso demonstra que os melhores casos tiveram maior dificuldade para cobrir suas despesas diante da queda nas transferências intergovernamentais, tendo que recorrer quase que exclusivamente à arrecadação das receitas tributárias, o que caracteriza o aumento no nível de dependência. Já em relação à vulnerabilidade de capital, formada por indicadores do tipo “quanto menor, melhor”, ficou evidente a redução nos valores mínimos e máximos, sugerindo que a queda nas transferências de capital não prejudicou, em princípio, a cobertura das despesas de capital durante o período. No entanto, isso pode evidenciar menor nível de investimentos no atendimento à população.

Quanto à flexibilidade geral, composta por fatores do tipo “quanto maior, melhor”, houve uma queda nos valores mínimos e máximos, o que sinaliza dificuldade dos municípios para cobrir suas despesas de custeio. No tocante à flexibilidade financeira, formada por indicadores do tipo “quanto menor, melhor”, observou-se um aumento dos valores mínimos e uma relativa estabilidade dos valores máximos. Assim, para os melhores casos, houve manutenção do nível de cobertura das despesas financeiras, enquanto para os piores casos, houve maior dificuldade na cobertura de tais despesas.

Quanto à sustentabilidade, os valores mínimos mantiveram patamares similares no período, enquanto que os valores máximos aumentaram. Isso indica manutenção dos níveis de endividamento entre os piores casos e aumento entre os melhores, considerando que os indicadores que compõem esse fator são do tipo “quanto menor, melhor”. Assim, observam-se dificuldades no esforço de contenção da dívida nos municípios analisados.

A fim de complementar os resultados, a tabela 8 mostra o grau de correlação de Pearson entre os índices consolidados e os fatores componentes.


Tabela 8 Correlação entre o ICF e seus fatores

Nota: (**)sig.<0,01.

De maneira geral, as correlações confirmam que, em 2019, o fator de maior associação com a condição financeira foi a vulnerabilidade corrente (Vuln_Cor), e em 2020, foi a flexibilidade geral diferenciada (Flex_Ger_2), seguida pela vulnerabilidade corrente parcial (Vuln_Cor_2).

Isso revela que, em 2020, diante do impacto financeiro provocado pela pandemia da covid-19, o nível de flexibilidade para uma boa condição financeira tornou-se mais importante do que o nível de vulnerabilidade. Em outras palavras, a cobertura das despesas correntes não financeiras pela RCL passou a ter maior importância para o desempenho do município do que a cobertura das despesas pelas receitas tributárias ou pelas transferências intergovernamentais. Dessa forma, o impacto sobre as contas governamentais exigiu dos municípios maior flexibilidade, que se traduz na capacidade de gerenciamento de suas obrigações.

Os fatores de vulnerabilidade (Vuln_Cor, Vuln_Cor_2) são compostos por indicadores que mostram a representatividade das receitas tributárias para o ente, refletindo seu esforço de arrecadação, assim como o nível de dependência das transferências para a cobertura de despesas. Considerando isso, quanto maiores os escores desses fatores, melhor a condição financeira, vez que as receitas tributárias teriam maior representatividade no montante da RCL, cobrindo as despesas correntes em geral, com menor dependência de outros recursos. Portanto, é essencial que o poder público monitore tais fatores, tendo em vista sua relevância para uma boa condição financeira governamental. Ademais, a constante avaliação da saúde financeira dos governos é de grande importância para o alcance das metas governamentais em prol da coletividade.

A sustentabilidade (Sust) mostrou associação moderada com a condição financeira em ambos os exercícios, tendo menor participação na composição dos fatores. Cabe destacar que, conforme definição, a dimensão de sustentabilidade tem maior relação com o endividamento de longo prazo, o que extrapola a delimitação temporal deste estudo.

Os fatores de flexibilidade financeira (Flex_Fin) e vulnerabilidade de capital (Vuln_Cap), apesar da correlação significativa, mostraram menor associação com a condição financeira. A Flex_Fin está relacionada aos serviços da dívida, considerando seu comprometimento com a RCL e o peso da cobertura das despesas financeiras pela população. Portanto, quanto menor, melhor a condição financeira. Por sua vez, a Vuln_Cap está associada às despesas de capital e à sua cobertura pelas transferências de capital, assim como o peso desse montante sobre a população, sendo, igualmente, quanto menor, melhor.

A fim de verificar o comportamento da condição financeira dos municípios, foi realizada uma análise cruzada do ICF nos períodos analisados, por meio de um gráfico em que cada ponto representa um dos municípios constantes na amostra, sendo os valores do ICF2019 representados no eixo horizontal e do ICF2020 representados no eixo vertical. As linhas retas que passam pela origem do plano delimitam os quadrantes. Assim, é possível observar quatro posições distintas de localização dos municípios nos quadrantes (Q1 a Q4), conforme figura 1.



Figura 1 Análise cruzada do ICF nos anos 2019-2020

Os municípios no Q1 apresentaram ICF positivo, ou seja, acima da média em ambos os períodos, revelando que o choque financeiro decorrente da pandemia não alterou de maneira significativa sua condição financeira, apesar das variações do índice entre os anos. De maneira geral, tais municípios apresentaram comportamento desejado, demonstrando baixa dependência de recursos de outras esferas governamentais, capacidade de atender às obrigações correntes sem aumentar o endividamento e cobertura das despesas correntes financeiras e não financeiras, considerando as dimensões de vulnerabilidade, sustentabilidade e flexibilidade, respectivamente. Assim, os municípios no Q1 correspondem aos casos em destaque neste estudo.

De maneira análoga, porém oposta ao Q1, os municípios localizados no Q3 não tiveram variação significativa de sua condição financeira entre 2019-2020, já que apresentaram ICF negativo ou abaixo da média em ambos os períodos, representando, portanto, municípios em dificuldade crítica. Esse conjunto de municípios se caracterizou pelos altos níveis de dependência das transferências intergovernamentais, baixa capacidade em atender às obrigações correntes sem impactar o nível de endividamento e dificuldade para cobertura das despesas de custeio em geral. Ressalta-se que esse cenário de dificuldade já estava apresentado antes da pandemia e pode ter se agravado diante do impacto financeiro.

Esse quadrante abriga a maior concentração de casos, evidenciando um panorama geral da condição financeira dos grandes municípios brasileiros. Os municípios com os índices mais baixos estão alocados nesse quadrante, sendo o fator de maior peso a vulnerabilidade corrente em 2019 e a flexibilidade geral diferenciada em 2020, para os quais, quanto menores os escores, pior a condição financeira.

Já os municípios alocados nos quadrantes Q2 e Q4 tiveram comportamentos distintos entre os exercícios analisados. Os municípios no Q2 apresentaram ICF2019 negativo e passaram a apresentar ICF2020 positivo, o que demostra melhoria da condição financeira, apesar do período adverso para as finanças municipais em decorrência da pandemia. Esses municípios representam as melhores variações da amostra, podendo ser rotulados como municípios em recuperação, evidenciando, em certa medida, esforços para recuperação diante do cenário adverso.

Para eles, uma maior flexibilidade geral, que representa maior cobertura de despesas correntes não financeiras, se mostrou determinante para tal ocorrência. Por outro lado, tais municípios apresentaram níveis abaixo da média em relação à dependência dos recursos de outras esferas governamentais em ambos os exercícios, demonstrando comportamento divergente, uma vez que os indicadores que compõem o fator de vulnerabilidade corrente são do tipo quanto maior, melhor. Em relação à sustentabilidade, observa-se que não houve aumento significativo dos níveis de endividamento, o que demonstra uma melhor gestão da dívida. Assim, o comportamento conjunto dos fatores culminou em melhores níveis de condição financeira, justificando o posicionamento no quadrante dos municípios em recuperação.

Por sua vez, os municípios localizados no Q4 correspondem aos casos em declínio, pois tiveram ICF2019 positivo, mas passaram a apresentar ICF2020 negativo. O que mais contribuiu para tal situação foi o declínio da flexibilidade. Dessa forma, tais municípios figuraram entre os menos flexíveis, do ponto de vista da cobertura de despesas não financeiras, e mais dependentes dos recursos de outras esferas governamentais ou da arrecadação tributária, sob o ponto de vista da vulnerabilidade. Com isso, torna-se necessário que esses entes coloquem em discussão a implementação de mudanças estruturais que contribuam para o aperfeiçoamento da gestão das finanças municipais. Tais mudanças podem se dar tanto por meio do fortalecimento da autonomia financeira, com a otimização da capacidade de arrecadação municipal, quanto por meio de um melhor gerenciamento do gasto público e aprimoramento das ferramentas de combate ao desperdício e ao mau uso dos recursos públicos.

A despeito da distribuição dos casos por quadrantes, é importante frisar a concentração dos municípios em torno da diagonal positiva da área delimitada pelos eixos. Isso sugere que, no período considerado, o impacto sobre as finanças governamentais causado pela pandemia da covid-19 não foi capaz de alterar significativamente a condição financeira dos municípios analisados, o que pode ser confirmado pela grande quantidade de casos localizados em Q1 e Q3. Conforme se observa na figura 1, quanto mais próximos os pontos, que representam os municípios, estiverem dessa diagonal, menor será a possibilidade de alteração da condição financeira do município.

De maneira geral, é possível notar que a maior parte dos casos positivos em 2019 se manteve desta forma em 2020, e o inverso também foi validado; ou seja, a maior parte dos municípios que já apresentava fragilidades em suas finanças continuou apresentando tal condição. Assim, mesmo para aqueles localizados em Q2 e Q4, as alterações causadas pelo impacto da pandemia não provocaram variações que gerassem grandes distorções no comportamento dos índices consolidados.

Em síntese, apresenta-se, na tabela 9, uma visão conjunta da distribuição dos municípios por quadrante e suas respectivas situações.


Tabela 9 Distribuição dos municípios por quadrante

5 Considerações Finais

O presente estudo teve como objetivo analisar o comportamento dos fatores que compõem o ICF dos municípios brasileiros no contexto da pandemia da covid-19. O recorte temporal correspondeu ao período 2019-2020, que se refere ao ano anterior e de início da crise sanitária global. Com a utilização da AF, e considerando o modelo proposto por Cabaleiro et al. (2013), a partir do framework desenvolvido pelo CICA (1997, 2009), foram gerados rankings dos municípios, além da análise cruzada do ICF no referido período.

Os resultados indicaram a aplicabilidade da AF e evidenciaram que o fator que explicou o maior percentual de variabilidade dos dados em 2019 foi a vulnerabilidade corrente, seguido pela sustentabilidade e flexibilidade geral. Em 2020, a ordem de formação dos fatores foi flexibilidade geral diferenciada, vulnerabilidade corrente parcial e sustentabilidade. Os fatores de flexibilidade financeira e vulnerabilidade de capital tiveram menor contribuição para o nível de condição financeira no período. A diferença na formação dos fatores foi provocada principalmente pela queda dos níveis de transferências em 2020, que alterou a composição dos fatores com o deslocamento de dois indicadores da subdimensão de vulnerabilidade corrente para a subdimensão de flexibilidade geral.

A análise cruzada do ICF evidenciou a alocação dos municípios em quatro situações, delimitadas por quadrantes e qualificadas como: casos em destaque, recuperação, dificuldade crítica e declínio, considerando a oscilação do ICF acima ou abaixo da média.

Os municípios alocados nos casos em destaque mostraram os melhores níveis de vulnerabilidade corrente que, de maneira geral, evidenciam dependência dos recursos de outras esferas governamentais, assim como o nível de arrecadação tributária para o atendimento às despesas. Nesse fator, o indicador de maior correlação foi o referente à cobertura das despesas correntes pelas receitas tributárias (V4), indicando a importância da arrecadação para a condição financeira dos municípios. Assim, maiores níveis de arrecadação tributária estão relacionados a uma menor dependência das transferências, pois refletem maior autonomia financeira, vez que as receitas tributárias são receitas próprias, provenientes do esforço de arrecadação municipal.

A maior quantidade de municípios concentrou-se nos casos em dificuldade crítica, que apresentaram ICF abaixo da média nos dois períodos e caracterizaram-se pelos altos níveis de dependência das transferências, baixa capacidade em atender às obrigações correntes sem impactar o endividamento e dificuldade para cobertura das despesas de custeio em geral. A segunda maior concentração se deu no quadrante dos casos em destaque, que apresentaram ICF acima da média nos períodos. Essa concentração em torno da diagonal positiva sugere que o impacto sobre as finanças governamentais causado pela pandemia da covid-19 não foi capaz de alterar significativamente a condição financeira da maior parte dos municípios analisados.

Além disso, há de se destacar os casos em declínio, que apresentaram ICF acima da média em 2019 e abaixo em 2020, comprometendo a cobertura das despesas não financeiras aliado à forte dependência dos recursos de outras esferas ou de receitas tributárias.

Os casos em recuperação representaram as melhores variações da amostra, pois, apesar do período adverso para as finanças governamentais, obtiveram melhoria de sua condição financeira, por meio de uma maior flexibilidade. Nesse fator, o indicador de maior correlação foi o que demonstra a cobertura das despesas correntes não financeiras pelo montante de receita corrente líquida (F2). Isso sugere que, no ano de início da pandemia, o maior atendimento à população por meio da cobertura dessas despesas, relacionadas a pessoal e a outras despesas correntes, contribuiu mais para uma melhor condição financeira.

A sustentabilidade mostrou participação menos expressiva na condição financeira, com menor nível de explicação da variabilidade dos dados, já que os indicadores que compõem esse fator estão mais relacionados ao endividamento de longo prazo.

Considerando que uma boa condição financeira deve ser um dos objetivos dos governos, sua constante avaliação por meio de indicadores financeiros é de grande importância, sobretudo em períodos de crise, como a decorrente da pandemia da covid-19. A despeito disso, há de se considerar que um sistema de indicadores pode não fornecer respostas específicas sobre porque um problema está ocorrendo, nem fornecer um índice único para evidenciar a condição financeira. No entanto, pode sinalizar problemas potenciais, oferecer pistas sobre suas causas e dar tempo aos governos locais para tomar medidas de antecipação (Groves et al., 1981).

Em tempo, argumenta-se que a análise da condição financeira por indicadores, dentro do contexto da pandemia da covid-19, apresentou limitações devido ao seu apelo quantitativo vis-à-vis um fenômeno complexo. Para além, assume-se que pode haver perda interpretativa dos resultados pelo uso de um modelo internacional que sofreu ajustes consideráveis para a realidade local. Esse estudo é limitado à amostra e ao período analisados.

Sugere-se que estudos futuros utilizem índices de condição financeira para estabelecer benchmarks de governos locais e ampliem a extensão longitudinal, a fim de evidenciar as dimensões e fatores que mais contribuíram para um desempenho governamental favorável em determinado período ou que mais prejudicaram a performance financeira de um governo diante de choques ou instabilidades.

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