Resumo:
							                           Objetivo da pesquisa: O objetivo desta pesquisa foi identificar, agrupar e analisar os principais fatores associados às dificuldades enfrentadas na profissão dos contadores do setor público do Poder Executivo Federal. 
Enquadramento Teórico: Revisão da literatura sobre perfil, habilidades e competências dos profissionais da contabilidade e adoção das normas internacionais de contabilidade no setor público (IPSAS). 
Método: Foram identificadas vinte e quatro possíveis situações de dificuldades na rotina dos contadores. Metodologicamente, utilizou-se a abordagem quantitativa, exploratória, com corte transversal e aplicação de questionário. A coleta de dados, foi realizada por meio de questionário eletrônico, cuja amostra foi representada por 169 respondentes do poder executivo federal em todos os estados do Brasil. 
Resultados: Os resultados apontaram a formação ineficiente dos contadores pesquisados como sendo a principal dificuldade, diante das novas mudanças na contabilidade pública brasileira. 
Originalidade: O mapeamento de vinte e quatro fatores associados às dificuldades dos contadores públicos, ante a adoção das IPSAS no Brasil, representa uma contribuição que possibilita promover ações necessárias ao aperfeiçoamento da formação dos contadores do setor público e consequentes mudanças no ambiente organizacional da administração pública brasileira. 
Contribuições teóricas e práticas: Consoante a convergência com as normas internacionais de contabilidade do setor público no Brasil (IPSAS), o estudo contribui para o debate acadêmico no processo de formação e profissionalização do contador do setor público do governo federal,  isto porque os resultados serão úteis para efetivação e/ou aperfeiçoamento de diretrizes técnicas, metodológicas, gerencias e organizacionais de forma a mitigar as dificuldades ora enfrentadas e identificadas na presente pesquisa.
Palavras-chave: Dificuldades dos contadores públicos, Contabilidade pública, Formação dos contadores públicos, Liderança, convergência com IPSAS.
Abstract:
						                           Research objective: The objective of this research was to identify, group and analyze the main factors associated with the difficulties faced in the profession of accountants in the public sector of the Federal Excutive Branch. 
Theoretical Framework: Literature review of the profile, the skills and the competences of accounting professionals and adoption of internationals accounting standards for the public sector (IPSAS). 
Method: Twenty-four possible situations of difficulty in the accountants' routine were identified. Methodologically, a quantitative, exploratory approach was used, with a cross-section and a questionnaire. Data collection was carried out by means of an electronic questionnaire, whose sample was represented by 169 respondents from the federal executive branch in all states of Brazil. 
Results: The results pointed to the inefficient training of the surveyed accountants as the main difficulty, given the new changes in Brazilian public accounting. 
Originality: Factors associated to the difficulties of public accountants, before the adoption of IPSAS in Brazil, it is a contribution that enables the achievement of the necessary actions to improve the training of accountants public sector and potential changes in the organizational environment of the Brazilian public administration. 
Theoretical and practical contributions: In accordance with the convergence with the international public sector accounting standards in Brazil (IPSAS), the study contributes to the academic debate in the process of training and professionalization of the public sector accountant of the federal government, because the results will be useful for the effectiveness and/or or improvement of technical, methodological, managerial and organizational guidelines in order to mitigate the difficulties faced and identified in this research.
Keywords: Public accountants, Difficulties in the profession, Public accounting, Accounting professionals, Convergence with IPSAS.
Resumen:
						                           Objetivo de la investigación: El objetivo de esta investigación fue identificar, agrupar y analizar los principales factores asociados a las dificultades enfrentadas en la profesión de contadores em el secto público del Poder Ejecutivo Federal. 
Marco teórico: Revisión de literatura sobre el perfil, habilidades y competencias de los profesionales contables y adopción de las normas internacionales de contabilidad en el sector público (IPSAS). 
Método: Se identificaron veinticuatro posibles situaciones de dificultades en la rutina de los contadores. Metodológicamente se utilizó un enfoque cuantitativo, exploratorio, con corte transversal y aplicación de un cuestionario. La recolección de datos se realizó a través de un cuestionario electrónico, cuya muestra estuvo representada por 169 encuestados del poder ejecutivo federal en todos los estados de Brasil. 
Resultados: Los resultados apuntaron a la formación ineficiente de los contadores encuestados como la principal dificultad, frente a los nuevos cambios en la contabilidad pública brasileña. 
Originalidad: Factores asociados a las dificultades de los contadores públicos, frente a la adopción de las NICSP en Brasil, es una contribución que posibilita la consecución de acciones necesarias para mejorar la formación de los contadores em el sector público y potenciales cambios en el clima organizacional de la administración pública brasileña. 
Contribuciones teóricas y prácticas: De acuerdo con la convergencia con las normas internacionales de contabilidad del sector público en Brasil (IPSAS), el estudio contribuye al debate académico en el proceso de formación y profesionalización del contador del sector público del gobierno federal, porque los resultados serán útiles para el efectividad y/o mejoramiento de lineamientos técnicos, metodológicos, gerenciales y organizacionales para mitigar las dificultades enfrentadas e identificadas en esta investigación.
Palabras clave: Contadores públicos, Dificultades en la profesión Contabilidad pública, Profesionales de la contabilidad, Convergencia con IPSAS.
Dificuldades na Profissão do Contador Público: um Mapeamento Sistemático no Ambiente Brasileiro
Difficulties in the Profession of Public Accountant: a Systematic Mapping in the Federal Executive Branch
Dificultades en la Profesión de Contador Público: un Mapeo Sistemático en el Poder Ejecutivo Federal

Recepción: 02 Diciembre 2022
Aprobación: 31 Mayo 2023
Publicación: 13 Enero 2024
A contabilidade surpreende pela amplitude de nuances que surgem a cada dia, cabendo ao profissional contábil buscar respostas úteis no processo de geração de informações para tomada de decisões. A contabilidade por ser uma ciência social, em um mesmo evento pode ter diferentes interpretações, possibilitando ao profissional contábil, em variadas situações, a retratar a mesma realidade com diferentes percepções (Szuster, 2015). Complementarmente, os estudos de Dillard e Vinnari (2019) e Marin, Lima e Nova (2014) constataram que o fenômeno da globalização e a busca de convergências aos padrões internacionais de contabilidade têm valorizado o profissional contábil, permitindo a tomada de decisão em prol do interesse público e facilitando o bem comum.
No exercício de suas atividades os contadores devem gerar informações de qualidade e não devem ficar restritos, apenas, a regras preestabelecidas, podendo fazer julgamentos devidamente fundamentados nos princípios e normas contábeis (Szuster, 2015). Trata-se de um novo paradigma construído pelas constantes mudanças no cenário mundial exigindo novas competências e crescentes necessidades de aprimoramento profissional. Uma contabilidade melhor não resolverá a pobreza, porém, se negligenciada, interferirá negativamente nos mecanismos de desenvolvimento (Hopper, Lassou, & Soobaroyen, 2017).
No contexto mundial as transformações na sociedade e as mudanças organizacionais vêm desafiando, cada vez mais, o profissional contábil exigindo conhecimentos que vão além do técnico e científico a exemplo do desenvolvimento de novas competências, habilidades de pensamento crítico-reflexivo, trabalho em equipe e solução de problemas (Silva, Azevedo, & Araújo, 2018). Esse novo perfil profissional é alcançado por meio da educação formal e da experiência prática na área contábil, agindo em conformidade com o código de ética da profissão (Paisey & Paisey, 2018).
Nesse cenário, o presente artigo se propôs a responder a seguinte questão de pesquisa: diante das novas normas aplicadas ao setor público brasileiro, quais são os principais fatores associados às dificuldades enfrentadas na profissão, na perspectiva dos contadores do Poder Executivo Federal?
Para responder essa questão, o objetivo do estudo foi identificar, agrupar e analisar os principais fatores associados às dificuldades enfrentadas na profissão dos contadores do setor público do Poder Executivo Federal brasileiro.
A abordagem da pesquisa foi exploratória, com base em métodos quantitativos. A amostra foi não probabilística por acessibilidade e o ambiente do estudo foi a administração pública federal do Brasil. A população alvo foi composta por uma amostra dos contadores atuantes nos órgãos do poder executivo federal de todos os estados brasileiros e do Distrito Federal.
Foram coletadas 169 respostas de contadores públicos que responderam a um questionário de 33 perguntas com fatores relacionados às principais dificuldades no exercício da profissão, levantadas na literatura. A análise fatorial exploratória foi utilizada para agrupar os constructos associados às dificuldades enfrentadas na profissão pelos contadores.
Como contribuição, os resultados podem ser utilizados como motivação e reflexões para os órgãos institucionais formularem ações e políticas públicas, que colaborem na evolução profissional dos contadores do setor público. Podendo, ainda, serem utilizados em proposições de diretrizes, técnicas, métodos e estratégias gerenciais e organizacionais, possibilitando mitigar as dificuldades enfrentadas pelos contadores, identificadas e analisadas na presente pesquisa.
O processo de convergência contábil com as normas internacionais tem alterado o perfil dos contadores requerendo deles fortalecimento de fornecer informações estratégicas para tomada de decisões, além da necessidade de treinamento e do entendimento de outras áreas do conhecimento (Boscov & Carvalho, 2017).
O Instituto Americano de Contadores Públicos Certificados (AICPA) e Instituto de Contadores Gerenciais (IMA), ao investigarem sobre o perfil do profissional contábil, acrescentaram que, após o processo de convergência contábil, as organizações têm exigido deles um conjunto diversificado de habilidades e atributos pessoais, concluindo que atitudes positivas, muitas vezes, são mais importantes do que habilidades contábeis teóricas e técnicas (Ahadiat & Martin, 2015). A discussão acerca das competências e habilidades do profissional da contabilidade tem estado presente na literatura mundial, como é possível observar em Hassall, Joyce, Montaño e González (2010), Lin (2008), Oro, Beuren e Carpes (2014).
As mudanças que vêm ocorrendo no ambiente contábil requerem uma reflexão com abordagem global (Abbasi, 2013), levando à necessidade de rever algumas práticas contábeis adotadas (Morás & Klann, 2018). É preciso formar profissionais contadores com capacidade de liderança e qualificados a interpretar e colocar em prática as normas internacionais de contabilidade (Costa, Souza, Baihe, & Santos Filho, 2018; Crawford, Helliar, Monk, & Veneziani, 2014). Neste caminho, há competências que podem ser adquiridas junto a Instituições de Ensino Superior (IES), capazes de preparar futuros contadores com uma percepção multidisciplinar que possam ir além do conhecimento científico (Howieson et al., 2014). Outras poderão ser conquistadas no exercício da profissão (D’abate, Youndt, & Wenzel, 2009); por exemplo, a experiência que exige um julgamento profissional dos contadores e não apenas as habilidades técnicas (Rasouli, Banimahd, & Royaee, 2015).
A International Accounting Education Standards Board (IAESB), visando à orientação das instituições de ensino superior na formação dos contadores, contribuiu com a valorização do profissional contábil ao divulgar oito iniciativas: IES 1 a IES 8, cujos conteúdos tratam, respectivamente, sobre programas de educação profissional em contabilidade, competências técnicas, habilidades profissionais, experiência prática, critérios sobre a avaliação da competência profissional, desenvolvimento profissional contínuo e, por fim, competência para profissionais de auditoria (Pratama, 2015).
Percebe-se que essas iniciativas visam a estimular os profissionais contábeis a adotarem uma nova postura, expandindo competências, mantendo-se atualizados sobre tecnologias da informação no contexto em que a organização esteja inserida, além da obediência às normas e aos padrões éticos e de integridade. (Bloomfield, Brüggemann, Christensen, & Leuz, 2017; Voss, 2017).
Para Yusof e Noh (2016), o objetivo da IAESB e a lógica do estabelecimento de IES têm sido de grande utilidade no desenvolvimento de contadores profissionais no mundo, uma vez que a International Federation of Accountants (IFAC), por meio da Declaração de Obrigações da Associação (SMO), tem exigido a convergência das normas contábeis aos padrões internacionais como uma tentativa de reduzir as diferenças internacionais entre países e para aumentar a mobilidade global entre pessoas em todo o mundo.
As Normas Internacionais de Contabilidade do Setor Público (IPSAS), divulgadas pelo IPSASB (International Public Sector Accounting Standards Board), órgão independente da IFAC (International Federation of Accountants) (Olusegun, 2019), são um conjunto de normas contábeis para serem utilizadas por entidades governamentais de todos os países na elaboração das demonstrações financeiras (Erin, Okoye, Modebe, & Ogundele, 2016). Organismos internacionais, como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, têm recomendado a sua implementação (Adhikari & Gårseth-Nesbakk, 2016), por serem referências de padrões de alta qualidade e possuírem aceitação internacional (Benito, Brusca, & Montesinos, 2007), capaz de produzir informações financeiras relevantes, usadas para fins de transparência e prestação de contas (Lapsley, Mussari, & Paulsson, 2009).
O setor privado foi pioneiro no processo de convergência aos padrões internacionais de contabilidade que, posteriormente, passou a ser adotado pelo setor público (Marques, Bezerra Filho, & Caldas, 2020).
Países que adotaram as IPSAS apresentaram melhoria no nível de responsabilidade, transparência e redução da corrupção (Nzewi & Enuenwemba, 2020), confirmando que a mudança das normas contábeis não é apenas uma questão técnica, mas também cultural (Manes-Rossi, Cohen, Caperchione, & Brusca, 2016).
No Brasil, o Conselho Federal de Contabilidade (CFC) emitiu, em 2016, a NBC T SP - Estrutura Conceitual (NBC TSP EC), considerada a primeira norma de convergência às normas internacionais de contabilidade do setor público, demonstrando, naquela oportunidade, a intenção em adotar as IPSAS (Lima & Lima, 2019),
Lima e Lima (2019) verificaram que os contadores do setor público brasileiro têm a percepção da necessidade de mudança na contabilidade pública para os padrões internacionais, em que pese ser de um entendimento complexo e não compartilhado pelos gestores, de um baixo número de contadores atuantes e qualificados no setor público, da pluralidade dos sistemas de contabilidade, da ausência de demandas por informações de qualidade dos tomadores de decisão e das diferentes culturas, geografias e realidades econômicas em todo território brasileiro.
Salato, Gomes e Ferreira (2022) afirmam que, no ambiente interno das organizações, as dificuldades na implantação das IPSAS vão desde a resistência a mudanças, alto custo de implementação, conhecimento técnico dos profissionais contábeis, até à falta de estrutura tecnológica. Para Diniz, Silva, Santos e Martins (2015), é preciso capacitar os contadores e fornecer instrumentos de informações e controles capazes de atender as exigências trazidas pelas normas.
Em recentes pesquisas sobre a adoção das IPSAS no Brasil têm sido discutidos diversos fatores que levam à baixa velocidade da convergência no país (Lima & Lima, 2019; Azevedo, Aquino, & Neves, 2020; Bilhim, Azevedo, & Santos, 2022). Apesar de mais de 10 anos do início da convergência (2008), discute-se que a adoção pode estar sendo afetada pela necessidade de adaptação dos sistemas de TI às mudanças, como também a limitação de tempo e de atenção dos contadores têm dificultado os esforços para a implementação efetiva das políticas contábeis (Lino, Aquino, & Neves, 2022; Bilhim et al., 2022).
O desinteresse dos gestores públicos associado às pressões políticas e a adoção do regime de competência são os principais desafios do processo de convergência das normas brasileiras para as normas internacionais de contabilidade aplicadas ao setor público (Marques et al., 2020).
Essas dificuldades precisam ser identificadas e tratadas antes de qualquer tentativa de implementação, a fim de reduzir riscos durante o processo (Ouda, 2008).
A contabilidade enquanto ciência social busca afirmar a transparência e fidedignidade das informações, utilizando técnicas e tecnologias para identificar e corrigir possíveis falhas (Wuerges & Borba, 2014). Para isso, as atividades e operações contábeis devem estar orientadas pela tecnologia (Lartey et al., 2019). O contador do setor público tem sido cobrado a se adaptar a um novo conjunto de técnicas, além de demonstrar capacidade para gerenciar os impactos das imperfeições nas estruturas de controle (Fu, 2019).
Na atual conjuntura, a crescente demanda por prestação de contas, o combate a fraudes e erros, a análise e o gerenciamento de riscos, bem como o aprimoramento da conformidade contábil são desafios a serem enfrentados pelos profissionais contábeis, demonstrando a necessidade urgente de se desenvolver novos instrumentos de controle preventivo (Frecka, Griffin, & Stevens, 2018; Heinz, Alves, Roratto, & Dias, 2019; Novaes & Almeida, 2020).
O despreparo para lidar com as novas informações da convergência, a falta de conhecimento e treinamento constante e a baixa experiência dos profissionais sobre o regime de competência, são fatores que se somam aos que afetam a adoção das IPSAS no Brasil (Azevedo, Lino & Diniz, 2019; Bilhim, et al., 2022).
Os baixos níveis gerais de conformidade na administração pública desafiam a rotina de trabalho do contador do setor público (Lartey, Kong, Bah, Santosh, & Gumah, 2019), sendo necessário um mecanismo de acompanhamento e verificação da precisão dos dados contábeis (Everett, Neu, & Rahaman, 2007).
Por isso, o controle preventivo surge como uma ferramenta de bastante utilidade para os profissionais contábeis, em razão da sua proativa capacidade de reduzir inconsistências e restaurar a conformidade (Lartey et al., 2019; Medeiros & Demo, 2020), permitindo o acompanhamento das funções - administrativa, jurídica, orçamentária, contábil, financeira e patrimonial - em busca dos melhores resultados, sendo fonte importante de informação para tomada de decisão (Garcia, Mello, & Resende, 2013), o que contribui para consolidação de uma política contábil mais conservadora e com melhores níveis de controles (Adedeji & Olubodun, 2018).
No setor público é necessário um planejamento orçamentário e financeiro próximo da realidade, tanto na previsão da receita como na fixação da despesa, por serem funções centrais do orçamento (Williams & Calabrese, 2016). Na execução da despesa pública, por exemplo, é o momento em que o contador enfrenta um universo de procedimentos burocráticos de conformidades, estabelecidos pela legislação pertinente. Para Chengyin (2019) é a oportunidade de se utilizar um moderno padrão de gestão e de tecnologia, guiado por normas, visando à redução de custos, a fim de resolver problemas de gastos irracionais e melhorar a qualidade e a eficiência dos processos administrativos.
No campo da governança moderna os contadores do setor público são exigidos, cada vez mais, por melhoria da qualidade e confiabilidade das informações contábeis. Para que isso aconteça, faz-se necessário um sistema de controle interno eficaz, elemento-chave no gerenciamento de riscos e imprescindível nos processos de conformidade e consistências das informações contábeis (Eulerich, Theis, Velte, & Stiglbauer, 2013). Isso não significa que a eficácia possa se prolongar em anos subsequentes, pois novos riscos vêm emergindo junto com um escopo crescente de responsabilidades das organizações (Farrar, Hausserman, & Rennie, 2018). É preciso que a administração pública faça uso de ferramentas capazes de oferecer uma avaliação periódica de riscos (Lokanan, 2015).
No que se refere aos aspectos relacionais dos contadores com seus subordinados, a liderança autêntica vem reduzindo as dificuldades enfrentadas pelos contadores junto à sua equipe, sendo capaz de fortalecer o comprometimento de seus colaboradores e, ao mesmo tempo, reduzir estresses, conflitos e/ou intenções de abandonarem a equipe. Liderança autêntica é um estilo de liderança que promove capacidades psicológicas positivas e um clima ético positivo, sendo conhecida pelos contadores do setor público como uma ocupação orientada para os detalhes (Kalay, Brender & Kantor, 2018).
Diante do exposto, para fins de atender ao objetivo da presente pesquisa, o Quadro 1 apresenta, resumidamente, 24 dificuldades enfrentadas por contadores do setor público extraídas da literatura e passíveis de serem agrupados em fatores, possibilitando formar os constructos do estudo.
Quadro 1
Dificuldade dos contadores do setor público pesquisada na literatura

Para alcançar o objetivo desta pesquisa, adotou-se uma abordagem quantitativa, exploratória, com corte transversal e dados primários (Hair, Black, Babin, Anderson, & Tatham, 2009). O modelo metodológico foi construído considerando os aspectos e particularidades das dificuldades dos contadores públicos, utilizando-se como base a literatura científica mundial, aplicando-se dados triangulados pelo referencial teórico, questionário e métodos estatísticos.
O objeto de estudo foi a percepção dos contadores públicos sob à égide da convergência com as normas internacionais de contabilidade (IPSAS), cuja população-alvo, escolhida em razão da característica comum apresentada, foi composta por uma amostra dos contadores públicos do Poder Executivo Federal de todos os estados brasileiros. Além disso, optou-se por utilizar amostragem não probabilística por acessibilidade.
Cabe esclarecer que a opção pelos contadores, vinculados ao Poder Executivo Federal, foi motivada pelas características similares inerentes à atual contabilidade nos respectivos órgãos, tais como manuais e regras específicas, plano de cargos e salários, prazos de aplicação de procedimentos contábeis patrimoniais.
Para a realização da coleta de dados foi criado um questionário com 33 questões, dividido em três partes, sendo a primeira com uma questão de controle; na segunda foram utilizadas 24 questões baseadas nas dificuldades enfrentadas pelos contadores públicos, identificadas na revisão da literatura; e, na terceira parte, foram inseridas 8 questões de caracterização do respondente.
As 24 questões (2ª parte do questionário) foram transformadas em afirmações de direcionamento positivo, acompanhadas por uma Escala de Likert, que variou de discordo totalmente (1) a concordo totalmente (5). Para cada afirmação o respondente declarava seu grau de concordância.
Antes da aplicação do questionário realizou-se um pré-teste, numa amostra controlada, com 21 contadores públicos integrantes de 15 estados brasileiros, cujos participantes validaram as afirmações do questionário.
O questionário foi aplicado no período entre os meses de março a junho de 2020, por intermédio da plataforma Google Forms, cujo link de acesso online foi encaminhado por e-mails aos contadores pertencentes ao quadro da administração pública do Poder Executivo Federal.
Após a coleta e consolidação dos dados, utilizou-se o método estatístico de caracterização da amostra, a estatística descritiva e a análise fatorial exploratória. Os resultados da pesquisa foram processados na ferramenta software Stata 15.
A variabilidade dos dados foi garantida pela utilização da estatística descritiva que permitiu verificar o comportamento da média, desvio-padrão, mediana e a variação das percepções dos respondentes para cada variável investigada.
Na validação da amostra, utilizou-se o teste de Bartlett’s que examinou a presença de correlações entre os indicadores (afirmativa) e o teste “Kaiser-Meyer-Olkin (KMO)”. A confiabilidade dos resultados foi verificada por meio da ferramenta estatística alpha de Cronbach (Quadro 2).

Os resultados do método da análise fatorial exploratória demonstraram níveis de qualidade adequados, contribuindo como instrumento para avaliar a percepção dos contadores do setor público quanto às dificuldades na profissão, o que tornou possível a formação de 5 fatores que representam os 24 indicadores com poder explicativo de 47% da variância total.

Analisando os principais resultados apresentados na Tabela 1 é possível inferir que os indicadores Q2 - Necessidade de capacitação e Q20 - Falta de plano de capacitação, alinhado à gestão de competências do órgão, obtiveram as duas maiores médias entre os indicadores, demonstrando um alto nível de convergência entre os respondentes. Esse fato é possível ser explicado com base nos achados de Boscov e Carvalho (2017), quando constataram que a implementação do processo de convergência contábil alterou o perfil profissional do contador, aumentando sua necessidade de capacitação. Nesse mesmo sentido, Marcelino e Gonçalves (2021), em estudo anterior, corroboram com esses resultados, evidenciando que 100% dos contadores públicos ressaltaram a importância dos treinamentos e cursos.
Já Q15 - Falta de segregação de funções nos setores - apresentou a terceira maior média, entendimento esse apoiado pelos os achados da pesquisa de Ter Bogt e Tillema (2016), ao constatarem a relevância que tem a implementação da segregação de funções entre os indivíduos, como forma de controle preventivo.
Na outra extremidade, os indicadores com as menores médias foram Q5 - Falta de capacidade de trabalhar sob pressão, corroborando com os estudos de Ahadiat e Martin (2015), quando constataram que a capacidade de trabalhar em situações de pressão é a segunda principal habilidade dos contadores públicos. A outra média baixa foi Q17 - Realização de despesas sem o empenho prévio. Na percepção dos contadores, quando perguntados, mais discordaram que concordaram com essa questão, implicando em ratificar a necessidade de coerência com a legislação do direito financeiro brasileiro.
Com o propósito de validar a amostra e a análise fatorial exploratória, utilizou-se o teste de Bartlett’s que examina a presença de correlações entre os indicadores (afirmativa) e o teste “Kaiser-Meyer-Olkin (KMO)”.

Analisando a Tabela 2, em relação ao teste de Bartlett’s, verificou-se um p-valor (significância) de 0,00, ou seja, houve a presença de correlações entre as variáveis. No que se refere ao teste “Kaiser-Meyer-Olkin (KMO)”, a estatística KMO estimou um valor de 0,93. Deste modo, essas medidas sugerem que o conjunto de indicadores (matriz de correlação) é adequado para uso da análise fatorial exploratória.
A Tabela 3 apresenta a estatística descritiva dos constructos elaborados a partir da análise fatorial.

A partir dos resultados da Tabela 3, é possível constatar que 3 dos 5 fatores apresentaram média acima de 4,00, com desvio padrão pequeno, ou seja, abaixo de 1, portanto, próximo da média, caracterizando uma amostra homogênea. Também é possível verificar que 2 fatores apresentaram médias maiores que 3 e menores que 4, com desvio padrão abaixo de 1, também resultando numa amostra homogênea. No que se refere aos fatores “Formação Profissional”, em torno de 50% dos respondentes, esses mais concordaram que discordaram ou concordaram totalmente, apresentando uma Mediana de 4,43. Isso sugere, na percepção deles, a importância de atualização e capacitação profissional.
Ao avaliar os fatores “Liderança e Desempenho” e “Gestão Contábil e Tecnológica” a média incidiu em 4,12 e 4,18, respectivamente, sendo que 50% responderam que mais concordam que discordam ou concordam totalmente, indicando o mesmo valor para mediana, ou seja, 4,75. Nota-se que os fatores com menores médias foram “Riscos e erro comuns” . “Conformidade”, ou seja, na opinião dos respondentes a percepção ficou entre “Indiferente” e “Mais concordo que discordo”, constatando-se, a partir do Percentil 25, que 42 dos 169 respondentes discordaram totalmente.
Já a Tabela 4 apresenta a média dos constructos por cada fator de caracterização da amostra acompanhada pela comparação das diferenças da média dos fatores. A estatística utilizada foi a Análise de Variância (ANOVA) de fator único e procedimento de Tukey, aplicada para múltiplas comparações.
De modo geral, pela estatística ANOVA de fator único, com exceção das variáveis “Sexo” e “Cargo”, todas as demais variáveis que caracterizam a amostra expuseram diferenças nos valores médios entre os grupos, como segue.
· Faixa de idade - evidenciaram-se diferenças em todos os constructos para respondentes acima de 60 anos;
· Escolaridade - quem tem ensino superior, apresenta média inferior nos construtos “Formação Profissional”, “Liderança e Desempenho profissional” e “Gestão Contábil e Tecnológica”;
· Renda - quem ganha acima de 15 mil, apresenta opinião diferente nos construtos “Liderança e Desempenho profissional”, “Gestão Contábil e Tecnológica” e “Conformidade Contábil”;
· Vínculos - os onzes respondentes, classificados como “outros”, apresentaram média também inferior, comparados aos demais vínculos; e por fim,
· Profissionais com mais de 30 anos de tempo de serviço - diferem a opinião em todos os construtos.

Percebe-se, na Tabela 5, que a análise fatorial foi realizada, simultaneamente, através de uma combinação racional das variáveis, extraindo cinco fatores que explicaram 47% da variância total. Os fatores 1 e 2, com 12% cada um deles, foram individualmente os mais significativos, explicando a maior parte da variância total, sendo seguido, por ordem de grandeza (variância explicada), pelos fatores 3 (9%), 4 (8%) e 5 (6%).

Analisando individualmente cada fator, percebe-se que o primeiro fator (F1) “Formação Profissional”, com 12% da variância explicada, foi considerado um dos mais importantes para esclarecer as dificuldades dos contadores frente à adoção das novas normas convergidas (NBC TSP) no Brasil, pois os resultados apresentados sugerem que a necessidade de qualificação manifestada por esses profissionais têm relação direta com o processo de convergência das normas aos padrões internacionais de contabilidade (IPSAS). Esse fato vem exigindo dos contadores a melhoria contínua de interpretação para cada um dos fenômenos contábeis, além da capacidade de produzir respostas úteis, tempestivas e confiáveis para os usuários da contabilidade. Em pesquisa anterior Boscov e Carvalho (2017) reforçaram esse entendimento, ao constatarem que o nível de formação do profissional contábil não acompanhou a complexidade do processo das mudanças da contabilidade.
O segundo fator (F2) “Liderança e Desempenho Profissional” também obteve 12% da variância explicada. Sugerindo que o desempenho profissional está diretamente relacionado ao estilo de liderança, indo ao encontro dos achados de Kalay at al., (2018) quando constataram que um ambiente de diálogo, transparência e confiança, ajuda o profissional contábil a lidar melhor com situações desafiadoras, com menos incertezas e conflitos. Além disso, cria-se um vínculo psicológico entre os funcionários e a organização, dando-lhes uma sensação de estabilidade e segurança, tornando-os mais resistentes às pressões no ambiente de trabalho.
Já o terceiro fator (F3) “Riscos e erros comuns”, apesar de obter 9% da variável explicada, torna possível inferir o alto grau de responsabilidades do contador do setor público, e que o enfrentamento de tais dificuldades depende, cada vez mais, da capacidade de análise e gerenciamento de riscos, além da implementação de eficientes mecanismos de controles internos preventivos, por parte desses profissionais. A literatura pesquisada também compactua com o resultado indicado, ao apresentar evidências de que os riscos de erros comuns, do dia a dia, têm relação direta com a falta de capacitação dos contadores do setor público (Heinz et al., 2019; Azevedo et al., 2019; Bilhim, et al., 2022).
No quarto fator (F4) “Gestão Contábil e Tecnológica”, é possível inferir que os contadores compreendem o quanto é importante uma gestão contábil orientada pela tecnologia. Fato que pode estar relacionado ao fenômeno da globalização, seja no avanço tecnológico, seja na premente necessidade de adoção dos padrões internacionais de contabilidade. Esse achado corrabora com os resultados Chengyin (2019), Eulerich et al. (2013) e Wuerges e Borba (2014), no sentido de que os contadores do setor público devem desempenhar suas atividades orientadas pela tecnologia com o objetivo de gerenciar riscos, reduzir custos e melhorar a qualidade e eficiência dos processos administrativos.
O fator (F5), relativo à “Conformidade”, demonstrou o menor impacto entre as dificuldades na profissão do contador. Isso pode estar relacionado ao fato de que Poder Executivo Federal realiza a execução orçamentária, financeira e patrimonial por meio do Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal – SIAFI, que inclui uma importante ferramenta de controle interno - a “Conformidade de Registro de Gestão”, tendo a capacidade de segregar funções e reduzir riscos de erros e fraudes. O resultado desse fator está em consonância com os de Lartey et al. (2019) e de Garcia et al. (2013), no sentido de que os resultados dos níveis gerais de conformidade verificados no setor público ainda são baixos.
Depreende-se, após as análises, que as dificuldades e desafios ainda são muitos para adoção integral das IPSAS no setor público brasileiro. Imagina-se que, se o contexto dos contadores federais demonstra uma realidade de obstáculo e dificuldades, como não será esta situação junto aos contadores dos entes subnacionais (estados e municípios)? O presente estudo possibilita essa reflexão, importando em subsídios para implementações de ações, por parte das autoridades competentes (CFC, órgãos de controles, academia, gestores públicos, etc), no sentido de buscar soluções juntos com os contadores para mudar o cenário.
O objetivo desta pesquisa foi identificar, agrupar e analisar os principais fatores associados às dificuldades enfrentadas na profissão dos contadores do setor público do Poder Executivo Federal no Brasil. Para isso, identificou-se na literatura 24 variáveis que dificultam o exercício da profissão, frente à adoção das IPSAS no Brasil.
Observou-se que a análise sobre cada variável, isoladamente, implicaria em alto grau de complexidade, pelo que se realizou uma análise fatorial exploratória, reduzindo a quantidade de variáveis em fatores, possibilitando a identificação e compreensão. A análise dos resultados permitiu responder ao problema da pesquisa e alcançar o objetivo proposto.
Os resultados descritivos apontaram a formação ineficiente dos contadores pesquisados como sendo a principal dificuldade, frente às novas mudanças na contabilidade pública brasileira. Além disso, das 24 dificuldades levantadas na literatura, 21 apresentaram uma sensível heterogeneidade de opiniões.
Quanto aos resultados do agrupamento, a estrutura fatorial desenvolvida mostrou que não há um fator preponderante que seja capaz de explicar todas as dificuldades, ou seja todos os 5 fatores formados contribuíram de forma concomitante. O fator “Formação Profissional” representou 29% do total das variáveis, tornando-se o mais importante na percepção dos contadores para esclarecer suas dificuldades.
Em termos práticos, este estudo contribui para o debate e reflexão sobre o tema no meio acadêmico, também assiste a formulação e implementação de políticas públicas, fomentando programas de treinamento e capacitação dos diversos grupos de usuários e profissionais. Outra contribuição é a disseminação de boas práticas pelos órgãos reguladores da profissão contábil e pelos órgãos de controle, podendo resultar na prestação de serviços públicos de qualidade para a sociedade.
Sugere-se que futuras pesquisas incluam ou excluam novas variáveis e identificação de novos fatores. Os valores obtidos pela fatorial, por exemplo, podem ser utilizados em uma regressão, explicando-se a percepção geral de dificuldade. Sugere-se ainda que estudos futuros possam identificar, sistematizar e agrupar as dificuldades na profissão dos contadores do setor público do poder executivo estadual, em todo o território brasileiro. Outra sugestão de pesquisa pode ser a realização de um mapeamento sistemático que identifique e associe, em fatores, as principais dificuldades na profissão dos contadores do setor privado.






