Caso de Ensino

Recepción: 11 Marzo 2023
Aprobación: 02 Agosto 2024
Publicación: 23 Diciembre 2024
Resumo:
Contexto: o caso baseia-se na história de gestão de um projeto socioambiental financiado por uma pedreira, que ocorre em comunidade situada em suas proximidades, na cidade de Salvador, Bahia.
Dilema: por causa de uma alteração operacional do projeto e por alguns deslizes no processo de mobilização social, a gestão do projeto enfrentou importantes desafios de continuidade.
Fechamento do caso: o caso de ensino proporciona uma aprendizagem voltada para: (a) compreender o papel vital da dialogia no processo de gestão de projetos socioambientais, (b) conceber a mobilização social como um desafio central no processo de gestão dialógica de projetos socioambientais e (c) conhecer as práticas de promoção da mobilização social no processo de gestão dialógica de projetos socioambientais.
Palavras-chave: projetos socioambientais, gestão dialógica, mobilização social.
Abstract:
Context of the case: the case is based on the management history of a socioenvironmental project financed by a quarry, which takes place in a community located nearby, in the city of Salvador, State of Bahia.
The dilema of the case: because of an operational change in the project and some slips in the process of social mobilization, project management faces important continuity challenges.
Case closure: the teaching case provokes learning oriented towards the: (a) understanding the vital role of dialog in the management process of socioenvironmental projects, (b) conceiving social mobilization as a central challenge in the process of dialogic management of socioenvironmental projects and (c) knowing practices of promoting social mobilization in the process of dialogical management of socioenvironmental projects.
Keywords: socio-environmental projects, dialogic management, social mobilization.
Resumen:
Contexto del caso: el caso se basa en la historia de la gestión de un proyecto socioambiental financiado por una cantera, que se desarrolla en una comunidad situada en sus proximidades, en la ciudad de Salvador, Bahia.
Dilemas del caso: debido a un cambio operativo del proyecto y a algunos desvíos en el proceso de movilización social, la gestión del proyecto se enfrentó a importantes retos de continuidad.
Cierre del caso: el caso didáctico proporciona aprendizajes dirigidos a: (a) comprender el papel vital de la dialógica en el proceso de gestión de proyectos socioambientales, (b) concebir la movilización social como un desafío central en el proceso de gestión dialógica de proyectos socioambientales y (c) conocer las prácticas de promoción de la movilización social en el proceso de gestión dialógica de proyectos socioambientales.
Palabras clave: proyectos socioambientales, gestión dialogada, movilización social.
1. Caso para Ensino
1.1 A Poeira da História
A poeira estava lá, para todos que quisessem ver. Era inegável a sua presença e o desconforto causado por ela, mesmo para aqueles que estavam só de passagem. Para quem era morador do condomínio São Francisco então, era ainda pior. Relatos traziam que, apesar do calor escaldante do verão soteropolitano, era impossível manter as janelas dos apartamentos abertas, sob pena de tê-los invadidos por uma espessa nuvem de poeira que tomava os móveis, eletrodomésticos e todos os cantos mais difíceis de limpar. Mais grave do que isso, ainda segundo relatos de moradores, a quantidade de pessoas com crise de asma, bronquite, rinite e outras doenças respiratórias havia aumentado consideravelmente nas últimas duas semanas. De quem era a responsabilidade, não havia dúvida: Pedreira São Jerônimo.

Nas semanas que antecederam os transtornos, a operação da pedreira São Jerônimo precisou fazer uma alteração logística no armazenamento do basalto, mineral extraído no local que serve de matéria prima para produção da brita, largamente utilizado para produção do concreto na construção civil. Originalmente, a totalidade do minério era armazenada próximo à saída sul da empresa, localizada em uma cota inferior e mais próxima da jazida de extração. Essas características facilitavam o escoamento do minério e evitavam que a poeira resultante da movimentação de material e do tráfego de caminhões fosse direcionada para a região habitada. No entanto, devido à ampliação da área de extração da jazida, o espaço originalmente utilizado para armazenamento precisou ser esvaziado por medida de segurança e todo o basalto passou a ser armazenado próximo à saída norte, em cota superior e mais próximo do condomínio. Com o aumento do tráfego de caminhões que transportavam o minério e a movimentação de material em cota superior, tudo levava a crer que essa era a origem do problema que causava tantos transtornos para o condomínio São Francisco.
1.2 Antes da Poeira, a História
A proximidade entre uma área urbana habitada e uma pedreira tem todos os elementos para a geração de conflitos entre empreendimento e comunidade. Além do transporte e armazenamento, as atividades de uma pedreira como a São Jerônimo ainda envolvem detonação do maciço rochoso e beneficiamento do minério, que causam impactos como vibração do terreno e ruído. No momento de implantação do empreendimento, 15 anos antes do momento em que esse caso se passou, a estrada que viabilizou a implantação e operação da empresa havia acabado de ser construída e a presença de casas era praticamente inexistente. Ao longo desse período, outros empreendimentos se avizinharam da pedreira, mas nenhum deles habitacional. Até mesmo a ocupação irregular do território era baixa, justamente em função do funcionamento da pedreira e dos demais empreendimentos, que tornavam a região pouco convidativa para moradores.
Mesmo com o cenário desfavorável, estes elementos não foram empecilho para a implantação do condomínio São Francisco na região. Financiado por um grande programa habitacional de âmbito federal, a construção foi finalizada apenas três anos antes do momento em que o caso aqui retratado aconteceu. Composto por 48 prédios de quatro andares divididos em dois blocos iguais (São Francisco I e São Francisco II), o condomínio contava com uma população de aproximadamente 3.000 pessoas, todas elas de baixa renda. Apesar da infraestrutura urbanizada e do fornecimento adequado de serviços básicos, problemas como sistema de transporte deficitário, taxa de desemprego elevada e criminalidade afetavam o condomínio.

Diante da nova vizinhança, a alta administração da pedreira São Jerônimo decidiu tomar todas as providências que lhe cabiam. Ainda antes da ocupação do condomínio, criou o setor de “Educação Ambiental e Responsabilidade Social”, que tinha principalmente o objetivo de estabelecer um relacionamento positivo com os novos atores do território. Para sua gerência, foi contratada Raiana, jovem assistente social com pouca experiência, mas com muito empenho e energia para o trabalho. Para o seu apoio, ninguém. Era a única responsável pelo setor e todas as suas atividades.
Durante os primeiros meses, Raiana acompanhou a formação do condomínio, conheceu síndicos de cada um dos blocos e algumas lideranças locais e se tornou a voz da São Jerônimo na comunidade. Tentou estabelecer um primeiro plano de comunicação, especialmente para avisar as datas e horários das implosões na área da pedreira, principal impacto notado logo de imediato pelos moradores; mas as reclamações logo começaram a surgir. Mesmo com todo o seu esforço, ainda haviam muitas pessoas que não aceitavam a presença da São Jerônimo e ameaçavam “queimar pneus e chamar a televisão”. Não demorou para Raiana e para a gerência da São Jerônimo entenderem que era necessário apoio.
A expansão da equipe do setor era inviável. Os custos com pessoal já tinham chegado no limite. A solução encontrada foi a contratação de uma consultoria especializada, que ficaria sob inteira supervisão e responsabilidade de Raiana. A alta gerência queria gastar o mínimo de recursos e tempo para solução do “problema”.
Nesse contexto, depois de uma pesquisa no mercado, foi contratada a empresa CASA (Consultoria e Assessoria Sócio Ambiental), especializada na elaboração de planos, programas e ações socioambientais em comunidades. Por se tratar de uma microempresa, um dos seus sócios, Fred, colocou-se como responsável pela elaboração de uma proposta técnica e pela coordenação das atividades junto à São Jerônimo. A missão era clara: construir uma imagem positiva da empresa junto à comunidade e afastar em definitivo qualquer possibilidade de manifestações ou conflitos entre os atores, gastando pouco para tudo isso.
Antes de elaborar qualquer proposição concreta, Fred precisava conhecer exatamente o terreno em que estava pisando, afinal as únicas informações que dispunha era em relação à pedreira. Para isso, solicitou a Raiana todos os dados de que dispunha sobre o condomínio e sua estruturação. A assistente social disponibilizou de imediato uma série de levantamentos obtidos junto à administração do condomínio. Eram informações como nível de escolaridade, composição das famílias, média de rendimentos, entre outras que, apesar de darem um panorama inicial, não eram suficientes para o desenvolvimento de uma proposição contextualizada. Era preciso ir ao local para conhecer as pessoas, as lideranças e organizações locais, além de sentir quais eram as suas maiores necessidades e potenciais. Eram atividades primordiais para a gestão de um projeto socioambiental.
A partir dos contatos prévios feitos por Raiana durante o período em que participou dos encontros e reuniões para formação do condomínio, Fred e a equipe da CASA desenvolveram atividades para levantar as informações necessárias. Inicialmente, foram feitas caminhadas pelo condomínio com a presença de lideranças locais, que iam apontando os problemas existentes mas, ao mesmo tempo, sinalizando onde havia questões interessantes a serem observadas. Sem dúvidas, a liderança mais dedicada ao acompanhamento e animada com a proximidade da equipe da pedreira era Edileusa, uma jovem senhora conhecida por cada um dos moradores do São Francisco. Querida por alguns, era vista com desconfiança por outros, já que mantinha uma relação de proximidade com Raiana e, consequentemente, com a São Jerônimo, desde o princípio da formação do condomínio. “Eles acham que eu ganho algum dinheiro com a pedreira, mas sei que a empresa aqui é uma oportunidade para todos os moradores, e não um problema” - dizia ela.
Depois desses primeiros momentos, foram realizadas reuniões ampliadas para levantamento de informações adicionais junto à comunidade, através de dinâmicas específicas. Sob o pretexto de um possível desenvolvimento de projeto para a comunidade, foram pensadas algumas estratégias de comunicação para viabilizar a mobilização dos moradores. Além de cartazes, panfletos e carros de som, síndicos e lideranças locais (especialmente Edileusa) foram convidados a usar o seu poder de mobilização para garantir o maior número de pessoas possível. Nas duas reuniões realizadas, compareceram ao total 37 pessoas (33 mulheres e 4 homens) de 18 prédios diferentes, a maioria deles localizado no São Francisco I. Para um primeiro contato, era um resultado animador.

Após esse esforço inicial, a equipe da CASA sistematizou todas as informações coletadas em um documento chamado “Diagnóstico Socioambiental”. Os resultados apresentados para a São Jerônimo inicialmente eram inequívocos naquele momento e direcionavam para o desenvolvimento de um projeto que envolvesse principalmente as mulheres de meia idade. A temática que seria desenvolvida deveria ser relacionada ao meio ambiente, em função do interesse da São Jerônimo em construir uma imagem positiva, especialmente no âmbito da sustentabilidade, o que delimitou mais ainda o público alvo. O intuito era formar um grupo consolidado no primeiro ano e, em seguida, pensar na formação de uma associação que pudesse gerar trabalho e renda para as envolvidas. Tudo isso sob o apoio incondicional da São Jerônimo, é claro. Uma vez aprovado, o projeto de responsabilidade socioambiental foi apresentado para a comunidade em mais um encontro que, a partir de então, se tornariam semanais, sempre com alguma atividade a ser desenvolvida.
Os primeiros oito meses do projeto foram um sucesso. Todas as semanas houve ações do projeto, sempre sobre um tema específico, que variava entre Agricultura Urbana, Saneamento Básico, Arte-educação, Economia Solidaria e Associativismo. O grupo de mulheres envolvidas (aproximadamente 30) estava satisfeito e já havia realizado alguns eventos abertos para toda a comunidade, como feiras solidárias, mutirões de limpeza e até eventos culturais e esportivos. A visibilidade no condomínio aumentava na mesma proporção que as reclamações na ouvidoria da São Jerônimo diminuíam. Novas mulheres, ao verem suas vizinhas se beneficiarem das ações, começavam a ver alguma vantagem em participar daquele grupo de senhoras apoiadas por aquela empresa, que afinal, “não era tão ruim assim”, segundo uma das mais novas interessadas até então. Tudo ia muito bem, até o dia que a operação da São Jerônimo precisou passar por uma alteração um tanto quanto empoeirada demais, na opinião dos moradores do São Francisco.

1.3 Uma Tempestade de Poeira nas Relações
Ao subir a rua que dava acesso ao condomínio São Francisco, já era possível perceber que algo tinha mudado. Vários caminhões trafegavam lentamente nos dois sentidos pela ladeira esburacada e, devido às inevitáveis trepidações do caminho, deixavam um rastro de sujeira e poeira por onde passavam. Ao chegar mais próximo ao condomínio, um caminhão pipa contratado pela São Jerônimo jogava água na pista em uma tentativa de diminuir os efeitos da poeira. Não precisava ser engenheiro para saber que não daria certo. Com o calor que estava fazendo em Salvador, o asfalto estava muito quente e a água despejada durava apenas alguns poucos minutos antes de evaporar e logo a poeira subia com o vento novamente.
Na primeira atividade do projeto após o novo padrão de operação logística da São Jerônimo, um número incomum de mulheres apareceu na atividade, dessa vez com uma postura nem tão amigável assim. Naquela que seria uma atividade para falar sobre associativismo e estratégias para organizar as mulheres em torno de uma associação, o que as unia e motivava sua presença era a poeira da São Jerônimo. Antes mesmo de iniciar o escopo da atividade, as próprias integrantes do grupo pediram a palavra para o facilitador. Puxada por Edileusa, uma primeira fala contida expressando a insatisfação da comunidade com o que estava acontecendo foi logo substituída por uma enxurrada de reclamações que se sobrepunham, mas que deixavam claro que a situação era absolutamente insustentável e algo precisava ser feito. Notando a gravidade do cenário, o facilitador da atividade ligou pra Fred e Raiana, solicitando a presença deles no local. Em função da proximidade da São Jerônimo, Raiana chegou primeiro e foi recebida pelas presentes com posturas de conflito e insatisfação, situação ainda não enfrentada até aquele momento por ela no condomínio. Sem saber direito como agir devido à inexperiência, Raiana foi reativa às reclamações.
- “Há oito meses desenvolvemos um projeto aqui no condomínio, totalmente financiado pela são Jerônimo. Boa parte de vocês nunca apareceu em uma atividade sequer e hoje querem vir dessa maneira desorganizada fazer reclamações da empresa? De que serve então o investimento que estamos fazendo em vocês? Se preferirem, podemos interromper o projeto!” - disse Raiana de maneira intempestiva.
A fala dela caiu como uma bomba naquela já intranquila reunião.
- “Pois amanhã mesmo não sobe um caminhão da São Jerônimo nessa rua aqui! Vai ter pneu queimando e televisão na porta da empresa!” – declarou aos gritos uma das mais exaltadas, até então completamente desconhecida da equipe do projeto.
Isso era tudo o que a São Jerônimo não queria e Raiana havia sido contratada justamente para evitar esse tipo de situação. Fred ainda conseguiu chegar a tempo de encontrar todas as mulheres reunidas em discussão. Ao encontra-lo, Raiana relatou o que estava acontecendo e seu temor de no dia seguinte encontrar uma barricada de moradores na porta da empresa, o que seria trágico para ela e para o projeto. Com o clima ainda exaltado, em uma última chance de argumentação, Fred procurou organizar um ambiente em que as pessoas pudessem se escutar de maneira minimamente organizada. Solicitou que a equipe do projeto se espalhasse dentre o grupo e se posicionou próximo às pessoas mais exaltadas. Só a iniciativa de tentar se integrar, ao menos espacialmente, ao grupo de mulheres, fez com que o volume das vozes que reclamavam baixasse. Pedindo a palavra, Fred se colocou aberto a escutar e levar as reinvindicações para a empresa, mas afirmou que aquele grupo precisava fazê-lo de maneira organizada, para que se fizessem entender. Pediu à Edileuza que falasse em nome do grupo, mas devido à desconfiança que algumas moradoras tinham com relação ao seu posicionamento frente à São Jerônimo, sua fala foi impossibilitada por mais uma onda de exaltação.
- “Então, quem pode falar em nome do grupo?” - perguntou Fred.
Quase em uníssono, o grupo explicou que deveria ser Maria, justamente a moradora mais exaltada e que havia ameaçado organizar a barricada. Sobressaindo-se a todas as vozes restantes, Maria trouxe todos os evidentes inconvenientes causados pela nova operação da São Jerônimo e completou, de maneira enfática.
- “Depois da fala dessa menina aí,” – referindo-se à Raiana – “amanhã não entra um caminhão nessa empresa!”
- “Eu entendo todas as solicitações de vocês. Realmente, não devem estar sendo dias fáceis. O que posso afirmar é que essa situação é temporária e logo vai passar. Mas, como sugestão, ao invés de vocês montarem uma barricada na frente da empresa, comprometer o andamento do nosso projeto, que beneficia boa parte de vocês, e ainda se expor a um conflito em que todos perderíamos, que tal se amanhã de manhã, nos encontrarmos novamente? Só que dessa vez com o responsável logístico da empresa, para que ele possa lhes trazer explicações claras sobre o que está acontecendo e ouvir suas reclamações.”, sugeriu Fred.
De início, houve resistência, mas depois de um tempo, até mesmo Maria cedeu à possibilidade, com ressalvas.
- “Ok! Amanhã às 8:00 estarei aqui novamente. Se o que eu ouvir não nos agradar e não resolver o nosso problema, montaremos acampamento na frente da empresa e exigiremos uma solução de forma mais enfática!” – declarou Maria, dando por encerrada a reunião.
Ao menos temporariamente, a manifestação dos moradores estava evitada. O desafio agora era mobilizar um dos gerentes da São Jerônimo para participar do encontro, em caráter emergencial. Depois da reunião, Fred e Raiana partiram para a sede da pedreira, onde ainda tiveram que aguardar por 30 minutos pra ter acesso à Gabriel, gerente de operação. Ocupado em resolver as questões operacionais, Gabriel resistiu em atender Fred e Raiana, pois nunca teve muito interesse ou realmente entendeu a necessidade do setor de Educação Ambiental e Responsabilidade Social. “Isso é dever do Estado”, dizia ele. Primeiro, o que lhe chamou a atenção, foi a angústia de Raiana antes de encontra-lo. Mas, só concordou em participar da reunião quando se deu conta do tamanho do prejuízo que um dia sem operação da pedreira causaria aos cofres.
1.4 Onde Há Poeira, Há Fogo: A Reunião de Conciliação e de Cobrança
No dia seguinte pela manhã, os caminhões não iniciaram suas atividades no horário convencional. Foi solicitado que apenas começassem a operar após a sinalização de Gabriel, que seria dada após a reunião. Era um gesto com dois objetivos: o primeiro, e mais importante, foi criar um ambiente propício ao diálogo, onde a poeira dos caminhões não fosse tão evidente a ponto de lhe deixar sem argumentos, e, em segundo, proteger os seus funcionários de uma possível retaliação da população local, afinal, ele não tinha certeza do que realmente poderia acontecer.
Com algum atraso, a reunião teve início. Representando a São Jerônimo, estavam Raiana e Gabriel. Representando a comunidade, um grupo de aproximadamente 20 mulheres, dentre elas Edileusa e Maria. Entre os dois grupos estava Fred, que buscou desde o início do diálogo se colocar em uma posição de mediador. Evidentemente, o projeto desenvolvido por sua empresa era financiado pela São Jerônimo e todos sabiam disso. No entanto, sua presença e trabalho no condomínio eram associados a coisas positivas e sua opinião era respeitada. Mostrar-se tendencioso em defender a qualquer custo os interesses da pedreira seria matar o projeto da mesma forma, uma vez que ele entendia que, para seguir, era necessário o apoio e participação das pessoas. Para continuar com o trabalho, ele precisava da aprovação dos dois lados do conflito.
Previamente ao encontro, as cadeiras disponíveis foram organizadas em círculo, em uma tentativa simbólica de desconstruir a divisão entre os atores presentes. Organizados dessa forma, todos poderiam se olhar diretamente e, hierarquicamente, ali estariam em pé de igualdade. Antes da reunião começar, Fred pediu a fala primeiro e se voluntariou como alguém que poderia mediar o diálogo.
- “A primeira coisa que precisamos notar aqui é que dividimos o mesmo território. O conflito não é desejável por nenhuma das partes, pois em qualquer cenário, todos saem perdendo. O condomínio não vai deixar de existir e nem a pedreira deixará de operar. Vocês coexistem no território, são interdependentes. Apesar dos evidentes conflitos, o fato de terem concordado em estar aqui agora, nesta reunião, mostra que existe o reconhecimento dessa interdependência e que todos aqui presentes tem a disposição de dialogar e chegar a um acordo. Estou correto?” – indagou Fred com expectativa e foi respondido com acenos de cabeça discretos, mas positivos.
Após Maria e Edileusa fazerem suas exposições sobre os problemas causados pela poeira para a comunidade, Raiana falou da sua trajetória como funcionária da empresa dentro da comunidade, da sua participação na formação do condomínio e da realização do projeto socioambiental, enquanto que Gabriel tratou de justificar tecnicamente a razão da poeira. A criação de um ambiente onde os atores puderam se expressar com clareza foi fundamental para acalmar os ânimos mais exaltados e evitar a interrupção da via pela comunidade, garantindo a operação segura da empresa. Por outro lado, serviu também para conseguir um compromisso por parte da São Jerônimo de adoção de estratégias para diminuição da poeira, como trânsito de caminhões em horário restrito e com limite de velocidade de 30km/h, asfaltamento da via principal após o período de utilização regular da via e, principalmente, retorno do acesso pelo portão original dentro do prazo de uma semana.
Durante a reunião, a maioria das mulheres presentes não havia ainda participado de nenhuma ou de pouquíssimas atividades desenvolvidas pelo projeto socioambiental. Algumas delas malmente havia ouvido falar das ações desenvolvidas há oito meses, o que chamou a atenção de Gabriel. Como era possível? A comunidade não estava mobilizada? Era isso o que diziam os relatórios de desenvolvimento entregues até então, mas não era aquilo que ele via na prática. Será que se a comunidade estivesse mesmo mobilizada, seria necessário que ele abandonasse a frente de trabalho para ir expor-se em uma reunião em que ele não sabia qual seria o resultado? Os compromissos apalavrados com a comunidade haviam deixado Gabriel desconfortável e diante de alguns desafios. Para ele, essa condição era tudo o que o projeto socioambiental deveria evitar, mas não o fez. Por que? Depois da reunião da conciliação, viria a da cobrança.
Já na São Jerônimo, em reunião a portas fechadas com Fred e Raiana, Gabriel reafirmou o compromisso firmado com a comunidade. Garantiu que cumpriria com a palavra dada, mas que estava “decepcionado e surpreso” com a quantidade de pessoas totalmente desconhecidas do projeto e da empresa presentes naquela reunião.
- “Não é possível que a gente invista um recurso representativo todos os meses na realização de um projeto que mobiliza tão poucas pessoas. Para a São Jerônimo construir uma imagem positiva diante da comunidade, é preciso que mais pessoas se façam presentes nas ações, que os temas sejam mais apelativos e que a gente dialogue com cada vez mais gente!” – declarou rispidamente.
A reclamação era legítima. De fato, apenas Edileusa (que já era parceira da empresa mesmo antes da realização do projeto) e outras poucas mulheres se fizeram presentes na reunião de conciliação. Apesar da fala de Edileusa ter trazido os resultados do projeto para a reunião, não houve uma representação significativa do grupo em um momento de crise. A mobilização das pessoas era frágil e restrita a um pequeno grupo, e essas ainda só apareceriam quando sentissem que ganhariam algum benefício, mesmo que coletivo.
- “Estamos com 80% do primeiro ano do projeto já realizado. Dentro do grupo participante, os resultados são satisfatórios, caminhávamos para alcançar os objetivos estabelecidos no início. A crise gerada pela poeira foi uma situação inesperada, que pode fazer com que a gente mude os rumos do trabalho” – argumentou Fred.
- “Não tenha dúvidas que será preciso mudar. Se ainda quiserem continuar com o trabalho no próximo semestre, preciso de resultados mais relevantes e que garantam para a São Jerônimo uma boa relação com a comunidade e, sobretudo, segurança para a sua operação. Peço que refaça o diagnóstico e o planejamento inicial completamente. Da forma que está, não é interessante para nós” – declarou Gabriel taxativo, encerrando a reunião.
Mesmo que dentro de uma perspectiva de resolução de conflito, a realização da reunião entre comunidade e empresa tenha sido um sucesso, Fred agora estava diante de uma enorme demanda e que, na realidade, nunca havia se deparado antes. Precisava reprogramar todo um conjunto de ações previstas que haviam sido previstas baseadas em um diagnóstico questionável, realizado há oito meses. O objetivo era o de manter o projeto socioambiental acontecendo no ano seguinte, agora atendendo às expectativas e demandas de um público mais amplo e, ao mesmo tempo, garantir o bom relacionamento da empresa com a comunidade local. Por onde começar?
1.5 Informações Complementares
As informações apresentadas neste item são a transcrição do documento de diagnóstico socioambiental realizado como primeiro contato da equipe gestora do projeto com a comunidade do condomínio São Francisco, conforme mencionado no início da narrativa. Os dados, análises, proposições e estrutura apresentada são a transcrição literal do documento entregue pela empresa de consultoria responsável pelo projeto que inspirou a construção deste caso, sendo alterados somente os nomes das pessoas e das organizações envolvidas.
1.5.1. Sumário do Relatório Diagnóstico
1. Introdução .................................................................................................................... 3
2. Objetivos ...................................................................................................................... 4
3. Metodologia ................................................................................................................. 6
4. Desenvolvimento ......................................................................................................... 8
4.1 Atividade inicial ........................................................................................................ 8
4.2 Atividades de Mobilização....................................................................................... 10
4.3 Dinâmicas de grupo – Diagnóstico........................................................................... 15
4.4 Apresentação do biomapa, aplicação de questionário socioambiental e plantio de árvores nativas................................................................................................................ 20
4.5 Mutirão de catação ................................................................................................... 27
4.6 Lançamento do Programa de Responsabilidade Social São Jerônimo..................... 33
5. Questionário Socioambiental...................................................................................... 38
6. Considerações finais.....................................................................................................40
1.5.2. Introdução do Relatório Diagnóstico
Este relatório descreve as atividades que foram desenvolvidas durante a Etapa de Mobilização e Diagnóstico no condomínio São Francisco, localizado no bairro São Francisco (Salvador/BA) pela CASA, dentro do âmbito do Programa de Responsabilidade Socioambiental São Jerônimo. As atividades contaram com a participação direta dos moradores e lideranças comunitárias do condomínio, além da equipe técnica da CASA, e teve como principal resultado realização de um diagnóstico socioambiental, mobilização dos moradores e lançamento do Programa. No total, foram realizados 9 (nove) encontros no condomínio, com carga horária de 6 (seis) horas cada um, totalizando 54 (cinquenta e quatro) horas de campo.
1.5.3. Objetivos do Relatório Diagnóstico
A etapa de mobilização e diagnóstico do Programa de Responsabilidade Socioambiental São Jerônimo foi desenvolvida nos meses de janeiro e fevereiro de 2017, sendo que a participação da equipe técnica consultora se estenderá até o prazo final desta primeira etapa do Programa, previsto para dezembro de 2017.
Essa etapa do Programa teve como objetivo a realização de um diagnóstico socioambiental, para nortear as atividades a serem desenvolvidas no condomínio e a mobilização dos moradores, para garantir a participação efetiva destes nas atividades bem como a sua formação. Os métodos para alcançar os objetivos traçados tiveram como norte o envolvimento direto entre a equipe técnica e moradores previamente identificados, havendo destaque ao interesse por temáticas relacionadas às questões ambientais. Inicialmente, foi feita uma mobilização com os moradores e, em seguida, feito um diagnóstico ampliado, abordando os temas de agricultura urbana, gerenciamento de resíduos sólidos, saneamento e questões sociais. Foram levantadas informações gerais, mas que já trouxeram um panorama esclarecedor da situação e percepção dos moradores perante os temas abordados.
Com o andamento das atividades, os vínculos com os participantes mais ativos foram se fortalecendo e, com isso, a qualidade das informações passadas aumentou. Os moradores se sentiram mais próximos da equipe que coordena as ações e assim transmitiram também opiniões valiosas para o andamento do trabalho. A etapa de mobilização e diagnóstico culminou no Lançamento do Programa de Responsabilidade Socioambiental São Jerônimo.
1.5.4. Metodologia do Relatório Diagnóstico
Para a realização do diagnóstico socioambiental, foram realizadas visitas técnicas ao condomínio com o objetivo de avaliar as condições sanitárias, ambientais, infraestrutura local, interagir com os moradores e coletar dados primários.
Uma das ferramentas utilizadas nessa etapa foi a construção de um biomapa com a comunidade, entendendo o caráter sistêmico em que sociedade e meio ambiente se relacionam. O desenvolvimento das atividades buscou enfatizar e valorizar o papel individual e coletivo na remediação, preservação e potencialização dos sistemas de plantio já existentes no condomínio São Francisco. A partir do diálogo entre moradores e as lideranças locais identificadas no decorrer do diagnóstico ambiental, foram selecionadas seis áreas para o desenvolvimento dos sistemas de plantio, quatro áreas no Bloco 1 e duas áreas no Bloco 2.
Para a elaboração do diagnóstico, a metodologia utilizada foi a aplicação de um Questionário Socioambiental, que aborda informações gerais e outras específicas sobre inclusão digital, saneamento, saúde e meio ambiente, para geração de dados primários e posterior tratamento desses dados, para criação de um panorama ampliado da condição social, econômica e ambiental do condomínio.
A mobilização foi a principal e mais explorada ferramenta nesta etapa de trabalho no condomínio. Para garantir a participação efetiva durante as atividades, foi um criado um grupo na rede social que tem maior alcance efetivo no que se refere a condição social dos moradores, o Whatsapp. O grupo reúne 47 pessoas relacionadas ao projeto e interessados na temática do meio ambiente e está em constante alimentação, tanto por parte dos moradores quanto pela equipe de trabalho da CASA. Além disso, foram colados cartazes-convite para participação dos moradores nas atividades, contendo cronograma completo das oficinas.
A Etapa de Mobilização e Diagnóstico concluiu-se no dia 29 de fevereiro, com o Lançamento do Programa. O dia representou a reafirmação da importância da participação dos moradores nas atividades, esclarecimentos sobre o cronograma de atividades e entrega dos materiais que serão utilizados nas oficinas de Agricultura Urbana. É importante lembrar que, a mobilização é constante para atingir a participação efetiva dos moradores nas atividades e o diagnóstico auxilia na sistematização das atividades programadas.
1.5.5. Considerações finais do relatório diagnóstico
A importância da etapa de mobilização se reflete no crescente interesse de moradores pela temática ambiental abordada no programa. No decorrer das atividades, foram identificados os moradores mais comprometidos com a presença nos encontros, mas também alguns que, mesmo não participando ativamente das atividades nos sábados, reconhecem a importância do Programa e buscam fortalece-lo através do grupo de mobilização no WhatsApp, participações pontuais e divulgação das atividades.
A presença da São Jerônimo nas atividades realizadas fortalece o engajamento dos moradores do Programa. No evento de lançamento, Raiana trouxe para o coletivo a importância da participação nas atividades e que isso está relacionado aos critérios de avaliação dos currículos dos moradores que pleiteiam trabalhar na empresa.
Os moradores identificados, através do diagnóstico socioambiental, que tem afinidade com a Agricultura Urbana e tempo disponível para participar das atividades e manejo das implantações foram mapeados para receber as Intervenções de Agricultura Urbana, em áreas próximas às suas residências.
A participação feminina é representativa nas atividades. As mulheres participam ativamente dos encontros, realizam as intervenções no condomínio e veem possibilidade de geração de renda através das atividades de formação. No programa, está prevista a formação a partir da construção de artesanatos com material reciclável, visto que essa é uma possibilidade palpável de geração de renda.
Após a realização da Etapa 1, o Programa está mais fortalecido e é notável a valorização e envolvimento crescente dos moradores.
1.5.6. Cronograma de Atividades do Projeto Socioambiental

2. Notas de ensino
2.1 Sinopse
Na tentativa de estabelecer um relacionamento positivo com a comunidade (recém-chegada ao território), a pedreira São Jerônimo optou pelo desenvolvimento de um projeto socioambiental em conjunto com a comunidade do condomínio São Francisco, localizado nos arredores da empresa. Foi contratada a organização CASA para administrar esse projeto, desenvolvendo uma série de atividades de mobilização e realizando de um diagnóstico socioambiental, o que ajudaria a subsidiar a elaboração de um planejamento a ser aprovado pela empresa e validado pela comunidade.
Depois dessas etapas, a gestão do projeto transcorreu bem, até o dia em que a operação da pedreira precisou mudar e passou a emitir uma quantidade muito grande de poeira, que atingia diretamente o condomínio. Moradoras insatisfeitas e até então não contatadas ou mobilizadas pelo projeto se organizaram para cobrar providências, sob pena de organizarem uma barricada em frente à entrada da empresa e comprometer suas operações diárias.
Neste momento de crise, o gestor do projeto socioambiental agiu como um mediador e conseguiu evitar a manifestação por parte dos moradores. Ao mesmo tempo, conseguiu com que a empresa assumisse alguns compromissos para resolver a situação que afligia as moradoras. No entanto, indaga-se sobre a efetividade do processo de mobilização realizada até então. Fica evidente que a mobilização estava frágil e precisava ser reforçada em regime de prioridade. Caso contrário, o projeto seria interrompido no ano seguinte.
2.2 Objetivos educacionais
Os objetivos de aprendizagem deste caso de ensino são:
● Compreender as principais atividades no processo de gestão de projetos socioambientais e o papel vital da dialogia nesse processo.
● Conceber a mobilização social como um desafio central no processo de gestão dialógica de projetos socioambientais.
● Conhecer as práticas de promoção da mobilização social no processo de gestão dialógica de projetos socioambientais.
O público-alvo do caso é variado, incluindo gestores de projetos socioambientais e lideranças comunitárias, bem como estudantes dos cursos de Administração de Empresas, Administração Pública, Ciências Ambientais, Engenharia, Gestão Ambiental, Gestão Social, Relações Públicas, entre outros.
2.3 Fonte de informações
Este caso para ensino apresenta personagens, lugares e organizações fictícias, mas se fundamenta em dados empíricos verídicos, oriundos de pesquisa de campo. As técnicas utilizadas para a coleta de informações e dados apresentados, que serviram como referência para a construção do caso, foram: (a) levantamento de documentos junto às organizações executoras; (b) aplicação de entrevistas semiestruturadas com gestores das organizações executoras e do projeto socioambiental em questão; (c) observação ativa do pesquisador no exercício da gestão. A análise desses dados gerou a substância e a estrutura do presente caso de ensino, bem como suas notas de ensino.
2.4 Uso pedagógico
Para a aplicação deste caso de ensino, é sugerida a realização de uma atividade em equipes, organizada em duas etapas, que podem ser realizadas sequencialmente ou em momentos diferentes. O propósito é criar um ambiente dinâmico de discussão, que possibilite que os participantes se coloquem no lugar dos atores do caso. O tempo estimado para o desenvolvimento da atividade é aproximadamente 200 minutos.
Etapa 1 – Leitura, discussão e identificação de atores
O primeiro momento deve ser dedicado para a leitura coletiva do caso. Para dinamizar e envolver mais estudantes, o educador pode solicitar que diversas pessoas da turma leiam um trecho do texto. Após a leitura, os estudantes são convidados a:
· identificar quem são os principais atores do território retratado, chamados de atores territoriais, sendo eles: (a) pedreira São Jerônimo, por meio de seus funcionários diretamente envolvidos; (b) moradores do condomínio São Francisco, e; (c) empresa de consultoria CASA, por meio de seu gestor.
· identificar os principais interesses de cada ator.
· construir um quadro à medida que a turma vai conseguindo avançar na discussão.

No segundo momento, a turma deve ser dividida em três equipes, para que cada uma represente um dos atores territoriais identificados. A proposta é de que cada equipe se transporte para o território e se imagine no lugar dos atores, considerando todos os seus aspectos e diversidades.
No terceiro momento, cada equipe planeja e desempenha o papel do seu ator na reunião. Uma possibilidade para organizar essa dinâmica é que cada equipe escolha um de seus membros para atuar e representar a equipe. Para a simulação da reunião, recomenda-se uma duração de 20 a 30 minutos. O educador assume um papel de observador externo e intervém o mínimo possível no desenrolar da dinâmica, apenas controlando o tempo e anotando suas observações.
No quarto momento, as equipes se reúnem para discutir suas impressões do processo, do desfecho que se chegou na simulação e sobre como a equipe se comportou diante do desafio de integrar os diversos interesses (dos diferentes personagens do caso e dos membros da equipe). Cada equipe deve relatar suas impressões e avaliação do processo de aprendizagem.
No quinto momento, solicita-se: (a) à equipe que representou a empresa de consultoria que elabore e apresente um planejamento de projeto de responsabilidade socioambiental para a pedreira e para a comunidade, como resultante da discussão desenvolvida; (b) às outras duas equipes, representantes dos moradores e da pedreira, que se preparem para atuar frente à proposta de planejamento, emitindo um parecer e justificando suas motivações.
Etapa 2 – Influência da Gestão de projeto e da dialogia na superação do desafio da mobilização social
O educador solicita aos estudantes leitura prévia de Frediani, Davel e Ventura (2021) e de Toro e Werneck (2007). Como leitura complementar, o educador pode sugerir a leitura de Frediani, Davel e Ventura (2022).
Divididos nas mesmas equipes da etapa anterior, os estudantes devem responder às questões #1, #2 e #3. O tempo para preparar as respostas pode ser de 30 a 40 minutos. As três questões ajudam a fundamentar e estruturar uma resposta para a questão de encerramento do caso: “O objetivo era o de manter o projeto socioambiental acontecendo no ano seguinte, atendendo às expectativas e demandas de um público mais amplo e, ao mesmo tempo, garantindo o bom relacionamento da empresa com a comunidade local. Por onde começar?”
Todas as equipes reunidas, cada equipe apresenta sua resposta da questão #1 para as demais equipes. Um debate pode ser realizado entre as apresentações de cada equipe ou ao final de todas as apresentações.
Na sequência, cada equipe apresenta sua resposta da questão #2 para as demais equipes. Um debate pode ser realizado entre as apresentações de cada equipe ou ao final de todas as apresentações.
Em seguida, cada equipe apresenta sua resposta da questão #3 para as demais equipes. Um debate pode ser realizado entre as apresentações de cada equipe ou ao final de todas as apresentações.
Finalmente, as equipes são convidadas a refletir conjuntamente sobre como, a partir do que foi analisado em cada uma das três questões iniciais, poderia ser a resposta à questão de encerramento do caso.
2.5Questões para Discussão
Questão #1 – Gestão de projetos socioambientais e a dialogia
Com base em Frediani, Davel e Ventura (2021), como se caracteriza a gestão deste projeto socioambiental e como a dialogia pode contribuir para essa gestão? Descreva os elementos e o processo de gestão e discuta a possível importância da dialogia nele.
Questão #2 – Mobilização social como desafio de gestão
Com base em Frediani, Davel e Ventura (2021) e Toro e Werneck (2007), por que a mobilização é um desafio de gestão dialógica neste projeto socioambiental? Explique, fundamente e discuta.
Questão #3 –Mobilização na prática de gestão dialógica
Com base em Toro e Werneck (2007), elabore e proponha um processo de gestão dialógica deste projeto socioambiental que promova a mobilização social. Imagine que essa proposta evite grande parte dos conflitos existentes. Apresente, explique e fundamente sua proposta.
2.6 Análise do caso e conexão com a literatura
2.6.1 Questão #1 – Gestão de projetos socioambientais e a dialogia
A partir da identificação da contribuição metodológica da dialogia e de todo o processo de gestão de projeto socioambiental, Frediani, Davel e Ventura (2021) propõem uma tecnologia de gestão de projetos socioambientais capaz de orientar a prática do gestor. O modelo proposto se baseia em três aspectos fundamentais, oriundos da teorização dialógica e perfeitamente aplicáveis à gestão: princípios, processos e práticas. Cada um desses elementos se desdobra em aspectos específicos, conforme Figura 1.

Frediani, Davel e Ventura (2021) propõe também um escopo básico de sete atividades a serem realizadas para orientação do gestor e da equipe executora de projetos dessa natureza. São eles:
● Diagnóstico Socioambiental
● Planejamento
● Coordenação
● Facilitação
● Monitoramento
● Avaliação
● Conclusão
Com o objetivo de relacionar o caso e a proposta de gestão de Frediani, Davel e Ventura (2021), é necessário identificar as atividades propostas no modelo de gestão dialógica no relato do caso e descrevê-las. Importante notar que algumas atividades têm maior relevância para justificar a crise descrita no caso e, por isso, merecem maior atenção na resolução da questão.
O diagnóstico socioambiental certamente é, dentre todas as atividades, a melhor descrita no caso, justamente por se constituir na origem de todos os problemas relatados. Esta atividade é constituída por três ações específicas, sendo que a primeira delas diz respeito ao entendimento da natureza e das motivações da instituição financiadora em apoiar a realização de um determinado projeto. Nesse sentido, em um primeiro momento, a criação do setor de Educação Ambiental e Responsabilidade Social surge com o objetivo de estabelecer uma “relação positiva” com os novos vizinhos da pedreira. Certamente que, a busca por esse relacionamento com a comunidade não se devia a uma questão meramente de responsabilidade ou boa ação, mas por uma segurança na continuidade da operação do empreendimento sem maiores percalços, o que fica evidente na passagem.
A missão era clara: construir uma imagem positiva da empresa junto à comunidade, afastar em definitivo qualquer possibilidade de manifestações ou conflito entre os atores, gastando pouco para tudo isso.
Esse é o primeiro ponto que se mostra problemático na relação entre o empreendimento e a comunidade, não identificado de maneira apropriada pela gestão do projeto. Em alguns momentos do caso, ficou claro a não priorização do desenvolvimento das iniciativas socioambientais, refletidas na contratação solitária de uma profissional inexperiente e sem as condições ideais de trabalho para o desempenho da função, que se mostraria mais delicada do que imaginava a gerência da empresa. A São Jerônimo tinha a expectativa de que, a partir da realização do projeto socioambiental, não mais teria qualquer problema com a comunidade e poderia desempenhar as suas atividades como fazia antes da chegada do condomínio. Dois momentos do caso deixam essa expectativa clara: (a) o primeiro está justamente na origem do problema da poeira, que foi a alteração do processo logístico da empresa sem comunicação ou mitigação prévia dos efeitos que aquilo provocaria; (b) o segundo se apresenta no final do caso, quando Gabriel demonstra a sua insatisfação em ter participado da reunião com a comunidade.
Será que se a comunidade estivesse mesmo mobilizada, seria necessário que ele abandonasse a frente de trabalho pra ir se expor em uma reunião que ele não sabia qual seria mesmo o resultado? Os compromissos apalavrados com a comunidade haviam deixado Gabriel desconfortável e diante de alguns desafios. Para ele, essa condição era tudo o que o projeto socioambiental deveria evitar, mas não o fez.
Um dos princípios da gestão dialógica é o da interdependência, que traz a noção de unidade territorial, de coexistência e reconhecimento mútuo de todos os atores, sem negar a diversidade entre eles. A incorporação deste princípio se traduz na compreensão da capacidade de coexistência, desenvolvendo todos os processos inerentes a cada indivíduo, a partir do reconhecimento da existência e necessidades do outro (Machado, 2016). Ser responsável pela geração de poeira, ignorar os impactos que aquilo teria na comunidade vizinha e buscar apoiar o desenvolvimento dessas atividades danosas na realização de um projeto socioambiental mostra que, de fato, o princípio da interdependência não estava presente na São Jerônimo no momento do caso. A realização da reunião e os compromissos assumidos certamente tornaram esse princípio mais relevante para a alta administração da empresa, mesmo que por vias mais dramáticas do que poderia ser.
As outras duas ações que compõem a realização do diagnóstico socioambiental são a identificação de quais os atores mais atuantes e influentes e a identificação das vulnerabilidades e potenciais do território (Frediani, Davel & Ventura, 2021). Essas duas ações também se mostram problemáticas e ficam evidentes na descrição do caso, ainda que de maneira sutil. Com relação à identificação dos atores mais atuantes e influentes, a equipe do projeto foi decisivamente influenciada por Edileuza, liderança comunitária importante, mas não única dentro do condomínio São Francisco. A descrição deixa claro, inclusive, que ela contava com a simpatia de alguns e a desconfiança de outros, o que certamente acabou por afastar uma parcela importante dos moradores do condomínio do processo de mobilização, ficando este concentrado principalmente ao raio de influência desta única liderança. Mais adiante, essa fragilidade se evidenciou com a grande quantidade de pessoas que sequer haviam escutado falar do projeto e estavam presentes na reunião com falas exaltadas e agressivas, resultante de uma ausência completa de relação.
A identificação dos potenciais e vulnerabilidades é elemento fundamental para determinar o escopo de ações de um projeto, pois é a partir dessas informações que se define a forma de atuação no território. Esta etapa também foi comprometida no diagnóstico inicial principalmente em função da influência direta de Edileuza na mobilização, que levou a equipe técnica do projeto a desenvolver uma visão estreita sobre a diversidade de atores do condomínio. O resultado, como pode ser notado na descrição do caso e nas informações complementares, é o desenvolvimento de um projeto apelativo para apenas um pequeno grupo de moradores do condomínio, ainda que os seus resultados pudessem ser percebidos por todos.
Sob a perspectiva da gestão dialógica, o princípio que aí foi deixado de lado é o da “inclusividade”, que é uma resposta ao desafio de considerar múltiplos interesses e perspectivas (Machado, 2016). A sinalização deste princípio aqui é importante pois deixa claro que mesmo a partir da construção do posicionamento de um ator territorial, neste caso os moradores do condomínio São Francisco, podem acontecer divergências e conflitos. Quando a inclusividade é valorizada, os interesses das partes podem ser considerados de maneira mais ampla, possibilitando a construção de um posicionamento e objetivos unificados.
Para o gestor, a compreensão do processo dialógico facilitaria a resolução do conflito, o que acabou acontecendo em certa medida na condução da reunião entre empresa e comunidade. A primeira fase do processo dialógico é pautada pela “instabilidade”, marcada pela desconfiança mútua entre os atores e é nesta etapa em que se encontra as relações entre a São Jerônimo e o condomínio São Francisco (Isaacs, 1999). No entanto, é notório que todo e qualquer grupo de pessoas ou organizações que se reúnem em torno de determinada causa tem dentro de si um desejo de uma possibilidade de associação, ou seja, existe uma pré-disposição para resolução de um possível conflito (Gergen, 2002). Certamente, foi nisso que Fred se apoiou para apostar na realização da reunião como direcionamento para apaziguar os ânimos da comunidade e evitar as manifestações, que não seriam positivas para nenhum dos lados.
Em resumo, nenhuma das ações que compõem a realização de um diagnóstico socioambiental adequado sob a perspectiva dialógica foi realizada de maneira a subsidiar de maneira apropriada a etapa de planejamento. As principais consequências disso se refletiram nos dois atores principais do caso, a pedreira São Jerônimo e os moradores do condomínio São Francisco. Nos primeiros, não foi consolidado o princípio da interdependência, o que os levou a tomar decisões sem levar em consideração os efeitos nefastos na comunidade e a acreditar que o desenvolvimento de qualquer que fosse a ação socioambiental a ser desenvolvida no território os daria o crédito necessário para que os danos fossem relevados. Frente à comunidade, a mobilização foi definitivamente comprometida pela pequena inclusividade de perspectivas e indivíduos do território na construção do diagnóstico.
2.6.2 Questão #2 – Mobilização social como desafio de gestão
A mobilização social está no centro da problemática relatada no caso, mesmo que de forma subliminar. A relevância para o desfecho do caso e a presença de elementos por todo o relato que se relacionam com a mobilização social, indicam a centralidade do desafio no processo de gestão.
O primeiro momento do caso que merece destaque é a necessidade identificada pela São Jerônimo de estabelecimento de um “relacionamento positivo” com a comunidade do entorno. Sob quais aspectos se estruturam e a partir de qual perspectiva se fala de um relacionamento positivo? Se não se conhece a realidade e nunca houve a tentativa de estabelecimento de um diálogo entre as partes, a única perspectiva sob a qual se baseia uma expectativa positiva qualquer é a de si mesmo (Isaacs, 2002). Neste caso, esta motivação revela, evidentemente, um temor pela segurança da operação do empreendimento, mas também uma percepção de que o caminho para isso seria a construção de uma imagem positiva da empresa junto à comunidade, apesar dos impactos causados pela mesma. De acordo com a definição proposta por Frediani, Davel e Ventura (2021), esse posicionamento da pedreira evidencia a necessidade de desenvolvimento do princípio de interdependência entre os atores.
Incorporar esse princípio demanda o reconhecimento de que a perspectiva individual ocupa lugar de equiparada importância com todas as demais. Demanda autonomia ao mesmo tempo que responsabilidade consigo, com o outro e com o território em toda a sua complexidade (Frediani, Davel & Ventura, 2021, p. 69).
Segundo Toro e Werneck (2007, p. 5), mobilização social se define como o ato de “convocar vontades para atuar na busca de um propósito comum, sob uma interpretação e um sentido também compartilhados”. Dentro da atividade de diagnóstico, que a esta altura da narrativa já estava em realização, apenas a questão sobre a natureza e motivações da instituição financiadora estavam claras. Ainda era preciso identificar quais os atores mais influentes e atuantes no território e seus potenciais e vulnerabilidades. A realização dessas atividades a contento é pré-requisito para estar de acordo com a definição de mobilização social de Toro e Werneck (2007), além de subsidiar com informações suficientes a realização da atividade de planejamento, proposta por Frediani, Davel e Ventura (2021) e que envolve a definição de um objetivo a partir da identificação de um propósito comum entre os atores.
As duas ações restantes para a consolidação da atividade de diagnóstico aconteceram com particularidades que certamente interferiram no resultado. O primeiro ponto é o nível de envolvimento entre a equipe gestora do projeto e algumas lideranças locais, em especial, Edileusa. Durante a narrativa, há o entendimento de que Edileusa era conhecida por todos os moradores, mas que haviam restrições quanto a ela em função, justamente, da sua aproximação com a empresa. Dessa forma, ao mesmo tempo que Edileusa mobilizou participantes, ela também os afastou.
Segundo Frediani, Davel e Ventura (2021, p. 74), “é o gestor que nesse momento assume o papel de representante do projeto e deve se colocar como responsável por esclarecimentos e criar um canal de comunicação de fácil acesso”. No caso, o que aconteceu foi uma interposição, onde uma liderança local identificada com o projeto assumiu o lugar de interlocução com a equipe gestora.
A partir do desenvolvimento de ações com o objetivo de levantar informações in loco e percepções relacionadas às motivações do cliente, a pauta sob a qual se optou por focar o desenvolvimento do projeto foi a ambiental (agricultura urbana, saneamento e economia solidária). De acordo com o capítulo de considerações finais do relatório diagnóstico (Item 1.5.5), foram selecionados moradores “que tem afinidade com a Agricultura Urbana [...] para receber as intervenções em áreas próximas às suas residências”, o que reduz ainda mais a abrangência e o interesse de participação por boa parte dos moradores do condomínio.
De acordo com Toro e Werneck (2007), pode-se inferir que essa interferência na participação dos moradores nas atividades diagnóstico e consequente construção de um propósito comum entre os atores, deve ser a principal origem da problemática da mobilização social no caso. Este processo deve ser dotado de dois atributos básicos, que são a abrangência (referente ao quão ampla é a mobilização social em um território) e profundidade (relacionada ao nível de envolvimento dos participantes). No entanto, ao reduzir principalmente a abrangência da mobilização, a centralizando na referência de poucas lideranças locais, pode-se comprometer todo o trabalho, como ficou confirmado no desenrolar da narrativa. Tendo a abrangência e a profundidade em vista, a participação em si é o principal termômetro para medir a intensidade da mobilização social.
A participação, em um processo de mobilização social, é ao mesmo tempo meta e meio. Por isso, não podemos falar da participação apenas como pressuposto, como condição intrínseca e essencial de um processo de mobilização. Ela de fato o é. Mas ela cresce em abrangência e profundidade ao longo do processo, o que faz destas duas qualidades (abrangência e profundidade) um resultado desejado e esperado (Toro & Werneck, 2007, p. 15).
A mobilização social é processo incessante, que não deve ser interrompido durante toda a linha do tempo do projeto (Cezario, 2017). A tendência, a partir do que foi relatado no caso, era de que as ações previstas no planejamento fossem cumpridas e a mobilização social se fortalecesse ao longo do tempo, alcançando uma maior abrangência e profundidade. No entanto, uma ação negativa decorrente da não incorporação do princípio de gestão dialógica da interdependência por parte da empresa, teve um potencial de mobilização social mais potente do que todo o trabalho que vinha sendo realizado. Em pouco tempo, um grupo maior do que o participante no projeto teve as suas vontades mobilizadas em torno de um propósito comum, como preconiza Toro e Werneck (2007), que foi o de exigir uma providência da empresa com relação à geração de poeira.
A reunião realizada entre a empresa e os moradores e lideranças locais, apesar de ter sido o clímax do caso, com um grande potencial de acirramento dos conflitos, se confirmou como uma grande oportunidade para o fortalecimento da mobilização social (Hatch, 2002). Ao assumir a dianteira da interlocução entre os atores, o gestor começou a descontruir a percepção de dependência existente o projeto e a figura de Edileusa, certamente representando um ganho em credibilidade junto a uma grande quantidade de pessoas que sequer sabiam da existência do projeto. Já com relação ao cliente, expor a situação o fez assumir um compromisso público com os presentes, contribuindo também para a construção da ideia de interdependência entre empreendimento e comunidade, afinal, a segurança do empreendimento só estaria garantida se a comunidade estivesse satisfeita.
Ao final do caso, o projeto socioambiental é confrontado com a necessidade de expandir a abrangência da mobilização social sob pena de ter as suas atividades finalizadas. Sob a perspectiva da gestão dialógica de projetos socioambientais, a relação dialógica entre os atores ainda se encontra no processo de incerteza. Neste contexto, o desafio colocado é o de dialogar com o maior número de pessoas possível, a partir principalmente das práticas de escuta e respeito.
Neste momento é comum que os membros do processo dialógico em construção discutam entre si, afinal o paradigma das certezas absolutas ainda é predominante e talvez ainda não estejam dispostos a abrir mão de crenças enraizadas durante anos. Essa crise tem como resultado, muitas vezes, a dificuldade em aceitar as ideias e necessidades das outras partes, trazendo para o método a demanda de estimular que todos os envolvidos exercitem principalmente o princípio da incerteza, abrindo mão publicamente dos seus próprios pontos de vista (Frediani, Davel & Ventura, 2021, p. 70).
Os elementos presentes na narrativa do caso referentes à problemática da mobilização social não representa um caso isolado na prática da função de gestores de projetos socioambientais (Gray, 2009). Guardadas as devidas particularidades dos contextos, os desafios na construção de uma relação dialógica entre os atores são comuns. Sob a perspectiva do processo dialógico proposto por Frediani, Davel e Ventura (2021), a etapa em que cada relação se encontra pode variar entre as experiências, mas a tendência é encontrar relações ainda na etapa da instabilidade, como no caso relatado. Avançar nesse processo significa aumentar em profundidade a mobilização social e os consequentes vínculos de cooperação entre os atores.
2.6.3 Questão #3 –Mobilização na prática de gestão dialógica
O planejamento e a preparação de um processo de mobilização social começam com três atividades: (a) estruturação da rede de reeditores; (b) converter o imaginário em materiais e mensagens que possam ser usados no campo de atuação do reeditor, e (c); estruturar os sistemas de coletivização (Toro & Werneck, 2007). Levando-se em consideração que, mesmo apresentando algumas fragilidades, já foi iniciado um processo de mobilização social, a estratégia adotada para resolução da problemática exposta no caso será revisar cada uma dessas atividades, identificando o que foi falho e buscando complementar as informações que já foram levantadas.
Segundo Toro e Werneck (2007, p. 24), reeditores são aqueles reconhecidos socialmente, “que tem a capacidade de negar, transformar, introduzir e criar sentidos frente a seu público, contribuindo para modificar suas formas de pensar, sentir e atuar”. Contextualizando com o caso, os reeditores são as lideranças comunitárias locais, como Edileusa, por exemplo. No entanto, o aspecto a ser corrigido neste momento é alcançar a pluralidade de representação.
No caso, ficou claro que existe e que foi mobilizado um grupo específico de mulheres interessadas no desenvolvimento de ações ambientais dentro do condomínio, como as oficinas de Agricultura Urbana. Se o objetivo compartilhado, construído a partir das informações levantadas no diagnóstico socioambiental e consolidado na atividade de planejamento, fosse o desenvolvimento desse tipo de ação, isso não seria um problema. No entanto, a organização financiadora tinha como prioridade a mobilização do condomínio como um todo, que é um recorte do território muito mais amplo do que o que foi trabalhado efetivamente.
Dentro do condomínio, certamente existem outros grupos de mulheres, comerciantes, jovens, idosos, e outros incontáveis grupos, cada um com interesses e lideranças específicas. Importante reforçar aqui que, dentro de um contexto territorial, os reeditores não necessariamente representam uma organização estabelecida. Muitas vezes elas surgem naturalmente a partir da reunião de um determinado grupo de pessoas interessadas em um mesmo tema. Um grupo de jovens que se reúne semanalmente para jogar bola ou alguns aposentados que organizaram um grupo de corrida são exemplos de agrupamento de pessoas que certamente existem e tem algum reeditor respeitado por aquele grupo. Dessa forma, a primeira atividade a ser realizada pela equipe gestora do projeto seria ampliar o número de reeditores mobilizados.
O que dá estabilidade a um processo de mobilização social é o que Toro e Werneck (2007, p. 30) denominaram de coletivização. Sua definição traz que esta é o “sentimento e a certeza de que aquilo que o indivíduo realiza no seu campo de atuação estará sendo feito por outros com os mesmos propósitos e sentidos”. A partir dessa definição, o gestor deve partir para a segunda atividade prevista para dar início a mobilização social, que é converter o imaginário em materiais e mensagens que possam ser usados no campo de atuação do reeditor. A comunicação aqui é peça chave e deve ser desenvolvida de maneira contextualizada (Macedo & Gonçalves, 2014).
Em um primeiro momento, os materiais de comunicação devem ser produzidos por quem está tomando a iniciativa da mobilização, no caso, a equipe gestora do projeto. Estes materiais não devem ter uma finalidade promocional, mas informativa e convocatória (Toro & Werneck, 2007). No caso, nota-se que a equipe gestora usou das estratégias de distribuição de cartazes, panfletos e passagens de carros de som. Para além dessas estratégias, a presença de equipe específica do projeto aplicando questionários com moradores do condomínio também se constitui em veículo de coletivização.
Em tempos em que as informações circulam em velocidade cada vez maior, é interessante verificar a viabilidade e, sempre que possível, utilizar de estratégias de comunicação digital. Além de não produzir o passivo do material em si, que acaba virando resíduo sólido, o compartilhamento de informações e conteúdos diversos sobre o projeto através de aplicativos de troca de mensagens ou perfis em redes sociais tem outras vantagens relacionadas à mobilização social. Com o uso de fotos e vídeos, é possível trazer materiais de comunicação em que as pessoas vejam o seu território e a si mesmas retratadas, contribuindo com o engajamento e envolvimento (Rosenberg, 2006).
O caso relatado traz a informação de que a equipe gestora do projeto utilizou um grupo em um aplicativo de mensagens como estratégia de mobilização de maneira bem-sucedida. Essa conclusão levou em conta apenas o grupo restrito de mulheres que foram mobilizadas, que de fato, usavam a plataforma para compartilhar os seus avanços entre si e outros materiais de interesse daquele grupo. No entanto, em um condomínio com as dimensões do São Francisco e com acesso à internet para boa parte dos moradores, essa estratégia tem o potencial de alcançar um número muito maior do que efetivamente alcançou.
Dessa forma, entende-se que o desafio da equipe gestora é fortalecer as estratégias de comunicação que foram realizadas na etapa diagnóstico do projeto (Ximenes, 2012). A utilização de cartazes, panfletos e carros de som, continuam sendo alternativas a depender do contexto, mas a preferência é focalizar na mobilização in loco, através do contato direto da equipe gestora e reeditores com os moradores, e mídias digitais. Essas últimas, cada vez mais, despontam como plataforma de atuação de diversos grupos, em especial os jovens e tem o potencial de gerar pertencimento e envolvimento.
Uma vez que os reeditores foram identificados e todo o material de comunicação estiver disponível, é o momento da terceira atividade, que é a de estruturar a coletivização. Primeiro, os reeditores devem ser procurados, informados sobre os propósitos e as expectativas da iniciativa e receber o material de comunicação que tiver sido preparado. Nesse momento, uma conversa individual pode ser interessante, mas pode-se optar também pela realização de uma reunião com o maior número possível de reeditores (Toro & Werneck, 2007). No caso relatado, a moradora Maria, que demonstrou ter a dianteira do grupo de moradores insatisfeitos com a pedreira, tem o potencial de ser mobilizada pela equipe gestora, com o objetivo claro de apresentar a iniciativa e convidá-la a participar.
A partir daqui, é interessante realizar uma ação concreta e de fácil visibilidade. No processo de gestão dialógica, ainda estamos na fase da instabilidade e é natural que os envolvidos queiram ter algum retorno imediato do que será possível de ser realizado (Isaacs, 1999). A realização deste primeiro evento ou objetivo é um termômetro importante para a mobilização social. Neste momento, se tudo estiver acontecido satisfatoriamente, o processo de mobilização começa a ganhar vida própria. O gestor aqui terá que exercitar também os princípios da gestão dialógica, especialmente o da incerteza, afinal os caminhos que vão tomar o processo de mobilização não dependem exclusivamente dele, mas de todo o conjunto de atores envolvidos (Machado, 2016). Não raramente a mobilização produz resultados inesperados para os gestores, mas, se bem conduzido, tão gratificantes quanto surpreendentes.
De acordo com Toro e Werneck (2007, p. 48), “mobilização se concretiza quando os gestos, as crenças e as informações se consolidam, se propagam, se multiplicam e geram ações que concorram diretamente para os objetivos, em função dos quais está sendo proposta a mobilização”. O processo de mobilização não é uma campanha com começo, meio e fim. Durante o processo de mobilização podem ser realizadas diversas campanhas, que se encerram quando os seus objetivos específicos são alcançados, mas a mobilização em si nunca cessa. Tendo essa continuidade como característica, as atividades descritas são o primeiro passo para a retomada da mobilização social no caso relatado, mas também para outras em outros contextos. Invariavelmente, é preciso inicialmente fazer o processo de reconhecimento dos reeditores e montar estratégias eficientes de comunicação antes de partir para a realização de atividades concretas de mobilização social.
Com base nas respostas às questões #1, #2, e 3# os estudantes devem ser capazes de concluir que, para conseguir manter o projeto socioambiental acontecendo no ano seguinte, atendendo às expectativas e demandas de um público mais amplo e, ao mesmo tempo, garantindo o bom relacionamento da empresa com a comunidade local, o gestor socioambiental deverá retomar seu processo de aproximação com a comunidade como um todo, de forma realmente dialógica.
Referências
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