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Recepción: 21 Junio 2023
Aprobación: 31 Enero 2024
Publicación: 23 Diciembre 2024
Resumo:
Objetivo da pesquisa: este estudo tem como objetivo identificar pesquisas acerca do construto “governança no setor público” com intuito de verificar estudos empíricos que se utilizaram de escala como instrumento de mensuração, identificar avanços teóricos e empíricos referente ao tema governança pública, e assim extrair insights que podem ser úteis a gestores públicos especialmente considerando-se o diferencial alcançado por conta de uma metodologia quantitativa.
Enquadramento teórico: O embasamento teórico identifica as associações ao termo governança relacionando-se com a necessidade de melhores práticas e a partir do valor público produzido (Martins & Marini, 2014). Mesmo considerando-se o pressuposto de que existe um amplo guarda-chuva para abarcar todas as perspectivas relacionadas ao conceito do termo governança pública (Correio & Correio, 2019), poucos trabalhos foram identificados que versam acerca da criação/utilização de escalas de mensuração do construto governança no setor público.
Metodologia: Esta pesquisa é de levantamento e foi operacionalizada por meio de estratégia de pesquisa em bases de periódicos com protocolo de consulta pré-determinado.
Resultados: Os resultados deste estudo identificaram três pesquisas, das quais foram analisados os procedimentos de criação e utilização das escalas de mensuração. Também foi possível compreender como a governança está alicerçada e difere conforme o país estudado. Houve melhoria nos processos democráticos (embora ainda com baixa participação), bem como se verificaram práticas de capacitação e ética dos servidores públicos no Vietnã. Resultados positivos também foram observados na Holanda, quando identificaram incentivos por parte dos líderes para ações direcionadas à cooperação em rede e atuação com responsabilidade. Entretanto, um resultado não satisfatório se verificou na Malásia, em que apenas 66% dos pesquisados informaram utilizar controles de fraudes. Conclui-se que as escalas identificadas foram modificadas adotando variáveis latentes de construtos já utilizados anteriormente ou construídas com base na literatura; e mais importante, os avanços e deficiências relativas à apropriação da efetiva governança pública a depender do país – e, consequentemente, a identificação da relevância na temática da governança pública diante da complexidade intrínseca associada. Os estudos de Chien e Thanh (2022) e de Khalid, Alam e Said (2016) convergem no sentido de expor a necessidade de um supervisionamento de práticas de boa governança, elemento essencial para o alcance de níveis desejados de desenvolvimento econômico, social e político.
Originalidade: A pesquisa é original já que parte da identificação de trabalhos escassos que tratam de medição da governança pública, por meio de utilização de escalas de medidas. Destaca-se ainda a metodologia objetiva, que possui potencial para reverberar em outros estudos.
Contribuições teóricas e práticas: A contribuição teórica está em fazer um rastreamento de pesquisas que realizaram a medição objetiva por meio de pesquisa quantitativa acerca da governança pública – e, conhecer práticas de governança realizadas nestes países em que as pesquisas foram aplicadas, abrindo espaço para estudos em outros países. Contribuições práticas consistem na identificação das abordagens diferenciadas encontradas na governança pública nos países do Vietnã, Malásia e Holanda – e questionamentos quanto às práticas que podem ser apropriadas, disseminadas e/ou discutidas por outros países.
Palavras-chave: Setor público, Governança, Escalas de medidas.
Abstract:
Research objective: This study aims to identify research on the construct “governance in the public sector” with the aim of verifying empirical studies that used scale as a measurement instrument, identifying theoretical and empirical advances regarding the topic of public governance, and thus extracting insights that can be useful to public managers especially considering the difference achieved due to a quantitative methodology.
Theoretical framework: The theoretical basis identifies associations with the term governance relating to the need for best practices and the public value produced (Martins & Marini, 2014). Even considering the assumption that there is a broad umbrella to encompass all perspectives related to the concept of the term public governance (Correio & Correio, 2019), few works were identified that deal with the creation/use of scales of measuring the governance construct in the public sector.
Methodology: This research is a survey and was operationalized through a search strategy in journal bases with a predetermined query protocol.
Results: The results of this study identified three studies, from which the procedures for creating and using measurement scales were analyzed. It was also possible to understand how governance is based and differs depending on the country studied. There was an improvement in democratic processes (although still with low participation), as well as training and ethical practices among public servants in Vietnam. Positive results were also observed in the Netherlands, when they identified incentives on the part of leaders for actions aimed at network cooperation and acting responsibly. However, an unsatisfactory result was found in Malaysia, where only 66% of those surveyed reported using fraud controls. It is concluded that the identified scales were modified by adopting latent variables from constructs already used previously or constructed based on the literature; and most importantly, the advances and deficiencies related to the appropriation of effective public governance depending on the country – and, consequently, the identification of relevance in the theme of public governance given the associated intrinsic complexity. The studies by Chien and Thanh (2022) and by Khalid, Alam, and Said (2016) converge in highlighting the need for the oversight of good governance practices, an essential element for achieving desired levels of economic, social, and political development.
Originality: The research is original as it starts from the identification of scarce works that deal with the measuring public governance with measurement scales. The objective methodology also stands out, which has the potential to reverberate in other studies.
Theoretical and practical contributions: The theoretical contribution lies in tracking research that carried out objective measurement through quantitative research on public governance – and understanding governance practices carried out in these countries where the research was applied, opening space for studies in other countries. Practical contributions consist of identifying the different approaches found in public governance in the countries of Vietnam, Malaysia and the Netherlands – and questioning the practices that can be appropriated, disseminated an/or discussed by other countries.
Keywords: Public sector, Governance, Measurement scales.
Resumen:
Objetivo de la investigación: Este estudio tiene como objetivo identificar investigaciones sobre el constructo “gobernanza en el sector público” con el objetivo de verificar estudios empíricos que utilizaron la escala como instrumento de medición, identificar avances teóricos y empíricos respecto al tema de la gobernanza pública, y así extraer insights que puedan ser útil para los gestores públicos, especialmente considerando la diferencia lograda gracias a una metodología cuantitativa.
Marco teórico: La base teórica identifica el asociaciones com el término gobernanza relacionadas com la necesidad de mejores prácticas y el valor público producido (Martins & Marini, 2014). Incluso, considerando el supuesto de que existe un amplio paraguas amplio para abarcar todas las perspectivas relacionadas con el concepto del término gobernanza pública (Correio & Correio, 2019), se identificaron pocos trabajos que aborden la creación / uso de escalas de medición para el constructo de gobernabilidad en el sector público.
Metodología: Esta investigación es de tipo encuesta, y fue operativizada a través de una estrategia de búsqueda en bases de revistas con un protocolo de consulta predeterminado.
Resultados: Los resultados de este estudio capturaron tres estudios, a partir de los cuales se analizaron los procedimientos para la creación y uso de las escalas de medición. También fue posible comprender cómo se basa y difiere según el país estudiado. Hubo una mejora en los procesos democráticos (aunque todavía con baja participación), así como en la capacitación y prácticas éticas entre los servidores públicos en Vietnam. También se observaron resultados positivos en los Países Bajos, cuando identificaron incentivos por parte de los líderes para acciones destinadas a la cooperación en red y a actuar responsablemente. Sin embargo, se encontró un resultado insatisfactorio en Malasia, donde sólo el 66% de los encuestados informó haber utilizado controles de fraude. Se concluye que las escalas identificadas fueron modificadas adoptando variables latentes provenientes de constructos ya utilizados anteriormente o construidos con base en la literatura; y lo más importante, los avances y deficiencias relacionados con la apropiación de una gobernanza pública efectiva dependiendo del país – y, en consecuencia, la identificación de la relevancia en el tema de la gobernanza pública dada la complejidad intrínseca asociada. Los estudios de Chien y Thanh (2022) y de Khalid, Alam y Said (2016) convergen en resaltar la necesidad de supervisar las prácticas de buena gobernanza, un elemento esencial para alcanzar niveles deseados de desarrollo económico, social y político.
Originalidad: La investigación es original pues parte de la identificación de escasos trabajos que aborden la medición de la gobernanza pública, mediante el uso de escalas de medición. Destaca también la metodología objetiva, que tiene el potencial de repercutir en otros estudios.
Aportes teóricos y prácticos: La contribución teórica radica en el seguimiento de investigaciones que llevaron a cabo mediciones objetivas a través de investigaciones cuantitativas sobre la gobernanza pública y en la comprensión de las prácticas de gobernanza llevadas a cabo en estos países donde se aplicó la investigación, abriendo espacio para estudios en otros países. Las contribuciones prácticas consisten en identificar los diferentes enfoques que se encuentran en la gobernanza pública en los países de Vietnam, Malasia y los Países Bajos – y cuestionar las prácticas que pueden ser apropiadas, difundidas y/o discutidas por otros países.
Palabras clave: Sector público, Gobernancia, escalas de medida.
1 INTRODUÇÃO
O conceito de governança pública está atrelado aos conceitos de integridade, transparência, prestação de contas, ética e outras boas práticas (Chien & Thanh, 2022; Teixeira & Gomes, 2019). Esta abordagem teve início nos anos de 1980 a partir de um movimento do setor privado e decorreu de uma série de fatores como crise de desenvolvimento em países periféricos, fragilidade política, insuficiência de governabilidade, e especialmente do conflito de interesses dentro das organizações – que culminaram por necessidade de ações inovadores por parte dos gestores públicos (Jensen & Meckling, 1976; Matias-Pereira, 2010).
Outra motivação bastante importante para a origem da governança foi a mudança do papel do Estado, forçando-o a realizar alterações nas atividades de governo de modo a trabalhar com menos burocracia e mais atores não estatais para a prestação de serviços públicos. Todas essas questões levaram a buscar um mundo melhor a partir das necessidades de fortes instituições políticas como o Banco Mundial e a União Europeia (Bevir, 2012).
Governança é definida “como a combinação de processos e estruturas implantadas pela alta administração para informar, dirigir, administrar, avaliar e monitorar atividades organizacionais” (CRC/SC, 2022). O termo originado na iniciativa privada logo estabeleceu seu foco no setor público – pois resguardadas as suas particularidades e necessidades de adaptação, possuem semelhanças quando se trata de governança, inclusive no que tange aos princípios como transparência, equidade, ética, prestação de contas (Matias-Pereira, 2010).
Bevir (2012) defende que o caminho percorrido da governança indo da esfera privada para o setor público foi desencadeado especialmente a partir de reformas do setor governamental – dando início à Nova Gestão Pública (New Public Management – NPM) com foco em estabelecer princípios de gestão corporativos, agora voltados à iniciativa pública na busca de eficiência e desempenho. Uma segunda reforma em que o foco deixaria de buscar a eficiência de mercado (resultado da primeira reforma) aconteceu diante da necessidade de se considerar a sociedade como elemento ativo no complexo das atividades e serviços prestados pelo setor governamental.
A governança pública voltada à gestão organizacional consiste no direcionamento de práticas de governança como liderança, estratégia e controle (dimensões da governança pública segundo o Tribunal de Contas da União) para que as atividades executadas pelos gestores públicos possam ser avaliadas e direcionadas junto às partes interessadas no sentido de galgar melhores resultados – tendo como propósito um alinhamento no sentido de extrair burocracias desnecessárias e potencializar a entrega de resultado e a geração de valor (TCU, 2020;). Em seu estudo, Freitas, Vicente, Silva, Rosa e Santos (2022) definem governança pública como “um sistema complexo, cujo objetivo principal é a criação de valor público”, com a colaboração de vários atores interessados não apenas nos resultados, mas também na origem dos recursos despendidos.
Um diferencial expressivo da governança pública se refere exatamente ao valor público gerado “a partir de determinadas capacidades e qualidades institucionais; da colaboração entre agentes públicos e privados na coprodução de serviços, políticas e bens públicos e da melhoria do desempenho” (Martins & Marini, 2014, p. 44). Ainda, a governança no setor público existe em sentido amplo porque contempla uma estrutura de necessidades a atender compreendendo os domínios político, econômico, social, ambiental e outros (IFAC, 2001; 2014).
Ocorre que quando se busca estudar quesitos relativos à governança pública e a aderência das instituições às boas práticas, nem todas as categorias de análise podem ser diretamente identificadas e averiguadas – como mensurar a percepção de governança em uma organização, por exemplo. Segundo DeVellis (2012, p. 9), isso ocorre porque a “maioria das variáveis de interesse dos cientistas sociais e comportamentais não são diretamente observáveis; crenças, estados motivacionais, expectativas, necessidades, emoções e percepções de papéis sociais”. Ainda segundo o autor, instrumentos de medida compreendem a combinação de itens com “uma pontuação composta e destinados a revelar níveis de variáveis teóricas não facilmente observáveis por meios diretos são frequentemente chamados de escalas.” Assim, escalas de mensuração são utilizadas especialmente quando se pretende medir um fenômeno que não pode ser analisado de forma direta; então utiliza-se de uma escala que possa medir este fenômeno/construto (DeVellis, 2012, p. 11).
Examinar um construto é importante no sentido de que ele se traduz em uma característica do indivíduo analisado, que é a fonte de observação (DeVellis, 2012). E sob algumas condições, este construto apresenta as características do fenômeno que se deseja estudar, possibilitando chegar às análises e conclusões acerca da problemática.
Considerando o exposto e o interesse em se conhecer mais acerca do tema governança pública, e ao considerar que este conceito abrange uma série de perspectivas (Freitas et al., 2022) e valores baseados em princípios de boas práticas (TCU, 2020), torna-se importante a obtenção, o controle e a manutenção dessa condição, especialmente quando se trata da governança voltada ao setor público – setor este em que se busca o atendimento das necessidades da sociedade de forma a otimizar investimentos públicos versus benefícios sociais.
Entende-se que além de possibilitar transparência e controle de boas práticas utilizadas pelas instituições governamentais, estudar o construto promove um retorno de controle mensurável de forma objetiva, ou seja, estas pesquisas possibilitam extrair dados para tomada de decisão; como nos trabalhos de Oliveira e Pisa (2015) e de Silva (2022), por exemplo – que criam e analisam indicadores de resultado e de controle, úteis para o próprio setor público e a sociedade (Oliveira & Pisa, 2015). Para além de uma abordagem quantitativa, pesquisa que trabalha mensuração de governança por meio de escalas como o trabalho de Tummers e Knies (2016, p. 434), por exemplo “permite que estudiosos interessados na gestão pública examinem comparativamente diferenças entre países ou setores”.
Por fim, realizar a mensuração da governança por meio de escalas de medidas se torna relevante diante da necessidade de criação, evidenciação e disseminação de boas práticas em todos os setores, bem como na administração pública, permeada de complexidade e abrangência (Correio & Correio, 2019). Pesquisas com esta abordagem podem apoiar o processo de tomada de decisão de formuladores de políticas (Khalid, Alam, & Said, 2016) e servir como instrumento de controle social (Oliveira & Pisa, 2015). Por fim, com a utilização adequada de conceitos e escalas de medição, tais estudos possuem o potencial benéfico de avanços relacionados à pesquisa e prática na administração pública (Tummers & Knies, 2016).
Neste sentido, este artigo tem por objetivo identificar pesquisas acerca do construto “governança no setor público” com intuito de verificar estudos empíricos que se utilizaram de escala como instrumento de mensuração. Também identificar avanços teóricos e empíricos referente ao tema governança pública, e assim extrair insights que podem ser úteis a gestores públicos, especialmente considerando-se que a utilização de escalas permite realizar mensuração do fenômeno e com isso uma melhor gestão das potencialidades e resultados.
Para cumprir com o objetivo da pesquisa, após essa introdução, o trabalho apresenta uma breve fundamentação teórica sobre governança no setor público, seguida da seção em que se descreve o método de pesquisa utilizado, excluindo-se artigos que adotaram uma abordagem puramente teórica (ensaio teórico) ou se tratava de revisão de literatura sobre o tema – sem a utilização de dados e resultados empíricos. Na sequência são apresentadas as análises dos estudos selecionados, em que são evidenciadas a construção e utilização dos instrumentos de mensuração sobre o construto, bem como uma síntese das pesquisas. Por fim, apresentam-se as considerações sobre o estudo e as recomendações para futuras pesquisas.
2 GOVERNANÇA NO SETOR PÚBLICO
O termo governança é utilizado de forma ampla, e sem querer exaurir a temática, neste trabalho serão apresentados conceitos sob uma perspectiva geral, privada, culminando de forma mais aprofundada na perspectiva do setor público. Dessa forma, a utilização do termo governança no Relatório do Banco Mundial em 1989 colocou em evidência a necessidade de padrões mínimos de governança em que não seria possível alcançar estabilidade econômica sem considerar direito e democracia (Bovaird & Löffler, 2009).
O tema governança funciona como um guarda-chuva que abarca diversos conceitos de boas práticas convergindo com atitudes como integridade, transparência, equidade, accountability, transparência, prestação de contas, ética, legalidade, participação social nas decisões, liderança, integração, eficácia, eficiência (Correio & Correio, 2019; Buta & Teixeira, 2020; TCU, 2020). Por outro lado, situações indesejáveis como fraudes, corrupção, má utilização de recursos públicos e outras mazelas também são relacionadas ao termo – tidos como problemas de governança (Rose‐Ackerman, 2017); e, nesse sentido, Secchi (2009) defende que a ambiguidade do termo se deve à utilização em diversas áreas do conhecimento.
A governança corporativa é conceituada como um sistema formado por princípios, regras, estruturas e processos envolvendo atividades de direção e monitoramento com intuito de gerar valor sustentável para a organização, para os sócios e para a sociedade em geral (IBGC, 2023).
Assim, a temática apareceu nos anos 80, e as crises financeiras da década seguinte foram um ponto marcante nessa trajetória de demandas por boas práticas (TCU, 2020), abrindo espaço para a necessidade de se pensar nos primeiros padrões de governança. Algumas das primeiras publicações acerca de práticas de governança consistiram no Código de Melhores Práticas de Governança Corporativa (Cadbury Report) produzido pelo Banco da Inglaterra; e no Framework Integrado, elaborado pelo Comitê de Organizações Patrocinadoras da Comissão Treadway (COSO), nos Estados Unidos – ambos documentos em 1992. Após dez anos, em 2002 a Lei Sarbane-Oxley é aprovada nos Estados Unidos para prevenir fraudes e escândalos financeiros como as ocorridas com empresas de auditoria.
No Brasil, todos esses episódios chamaram a atenção (Oliveira & Pisa, 2015) – o que culminou na necessidade de se apropriar de boas práticas no país, tendo sido criado o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa em 1995, que teve por intuito orientar e disseminar boas práticas aplicáveis a diversos tipos de organizações, embora com foco principal para o setor privado (IBGC, 2023).
Considerando-se tratar de uma temática aplicável e necessária a diversos tipos organizacionais, não há um consenso ou marco único para fins de conceituação (Buta & Teixeira, 2020), fato este corroborado pelo trabalho de Teixeira e Gomes (2019) que sistematizaram o conceito do termo governança elencando trinta e seis diferentes abordagens no sentido de abarcar a diversidade conceitual, perpassando o sentido dado a reformas administrativas do Estado, compartilhamento de problemas em comum entre indivíduos, instituições públicas e privadas, alcance dos objetivos coletivos de uma sociedade, etc.
Apesar da origem e conceituação difusas do termo, e considerando a impossibilidade de esgotar tal discussão neste trabalho, a concepção de governança no setor privado nasceu primordialmente da necessidade de reduzir conflitos de interesse entre proprietários e agentes dentro das organizações (Cappellesso, Figueiredo, & Lima, 2016). Nesse contexto, em que o principal detém o capital e delega a gestão do seu patrimônio ao agente (Jensen & Meckling, 1976), a teoria da agência toma como premissa que se ambas as partes – principal e agente – buscam maximizar sua função utilidade, o agente não agirá em prol dos interesses do principal em todas as situações, originando os denominados conflitos de agência (Oliveira & Fontes, 2017). Assim, se faz necessário uma série de configurações estruturadas de boas práticas para reduzir os conflitos e potencializar as possibilidades para que os resultados da organização confluam conforme a intenção do principal – daí a importância da governança.
No âmbito do setor público – foco deste estudo – o Tribunal de Contas da União destaca-se como uma das principais instituições que trabalha fortemente na temática de governança. Com ênfase voltada para as instituições públicas brasileiras, o TCU iniciou os trabalhos nos anos de 2007/2008 na área de governança voltada à Tecnologia da Informação (TCU, 2020). Esse olhar da governança direcionado para o setor público se dá porque, resguardadas as suas particularidades, boas práticas de governança se aplicam aos setores privado e público (Matias-Pereira, 2010) e demais áreas. Nesse ínterim, da mesma forma que conflitos de agência foram um dos principais motivadores para a necessidade de estabelecimento de governança, o setor público também foi impactado por essa premissa, ao considerar-se que gestores públicos são incumbidos de bem gerenciar serviços e recursos públicos de outrem (Freitas et al., 2022), necessitando, portanto, de controles para a adequada utilização.
Assim, pesquisadores também têm trabalhado a teoria da agência e seus conflitos voltados para o setor governamental (Martins, Silva, Melo, Marchetti, & Veiga, 2016; Martins, Jeremias Junior, & Enciso, 2018; Oliveira & Fontes, 2017), no qual uma das abordagens define os papeis colocando a sociedade civil como detentora do patrimônio público (principal nessa relação), e que delega a gestão para servidores governamentais.
O Tribunal de Contas da União apresenta o conceito de governança para o setor público ao dispor que tal perspectiva “compreende essencialmente os mecanismos de liderança, estratégia e controle postos em prática para avaliar, direcionar e monitorar a atuação da gestão, com vistas à condução de políticas públicas e à prestação de serviços de interesse da sociedade” (TCU, 2020, p. 36). Assim, o termo governança pública pode ser vislumbrada como a proposição de maior eficácia aos processos, gestão democrática e respeito ao atendimento da necessidade de todos os envolvidos. Nessa linha de pensamento, a governança pública faz parte de uma nova perspectiva em que exige um modelo de sociedade diferente que atua com mais participação, além de exigir transparência (Baretta, Hoffmann, & Tezza, 2022).
Ainda, segundo a cartilha do Referencial Básico de Governança do TCU, este conceito pode ser entendido “como o sistema que determina o equilíbrio de poder entre os envolvidos — cidadãos, representantes eleitos (governantes), alta administração, gestores e colaboradores — com vistas a permitir que o bem comum prevaleça sobre os interesses de pessoas ou grupos” (TCU, 2020 adaptado de Matias-Pereira, 2010, p. 111). A governança pública é a abordagem mais recente, apresentando-se como novo paradigma, aplicável para “novos tempos e contextos, marcados pelo pluralismo, complexidade, ambiguidade e fragmentação” (Correio & Correio, 2019, p. 4).
Por fim, após diversas abordagens e ao considerar que como todo fenômeno social, o conceito segue em constante evolução carregando aspectos já consolidados e agregando novas camadas exigidas por essa dinâmica evolutiva, neste artigo adere-se à ideia trazida por Freitas et al. (2022) que defendem a evolução do conceito de governança pública – associando criação de valor público, colaboração em rede entre diversos stakeholders de forma cooperativa, voltados ao alcance dos resultados e à utilização de recursos escassos, necessidade de democracia, transparência e accountability para a concretização da governança pública - e, por fim, a inserção de tecnologias e processos automatizados.
Considerando a pluralidade, complexidade e especialmente a importância da governança num contexto social cada vez mais dinâmico e exigente, é relevante ter um meio de poder avaliar o nível de governança pública das instituições e suas implicações. Teixeira e Gomes (2019), defendem que ao buscar solucionar problemas sociais, se faz necessário estabelecer critérios avaliativos no sentido de analisar os resultados alcançados.
Diversos trabalhos abordam questões relativas à governança no setor público. Algumas pesquisas fazem estudo acerca de conceituação, aderência de práticas de governança e evolução da temática (Bresser-Pereira, 2007; Costa, Leal, Nascimento, Mendonça, & Guerra, 2018; Freitas et al., 2022; Kok & Veldkamp, 2011; Matias-Pereira, 2010) - importantes abordagens que permitem conhecer o estado da arte ou possibilitam identificar problemáticas em profundidade por meio de estudos de caso; entretanto, geralmente são limitados no quesito de perspectiva de comparabilidade ou utilização de estratégias, métricas por outras instituições e/ou setores.
Outros trabalhos ainda se utilizam de análises estatísticas como correlação e criação ou análise de índices – trabalhos com abordagem mais quantitativa, que de certa forma possibilitam a investigação e análise de diversas instituições, com potencial de aprendizagem do conhecimento interorganizacional, envolvendo a análise de dados secundários, normalmente pré-existentes em banco de dados (Silva, 2022; Ojok & Basheka, 2016; Potnis, 2010; Santos & Rover, 2019).
Entretanto, pesquisas que desenvolvem e/ou se utilizam de escalas de mensuração são ainda mais escassas porque além de ser uma metodologia mais complexa de desenvolvimento, com a execução de etapas necessárias para a construção de escala (elencada por DeVellis, 2012), requisitam a coleta de dados primários que envolvem variáveis latentes compreendidas a partir da percepção intrínseca ao ser humano. Trata-se de medir algo a partir de uma projeção e não ao acaso, captar características como habilidade, atitude, um comportamento dentro de um contexto (Wilson, 2023).
Neste sentido, e considerando as aplicações metodológicas deste tipo de pesquisa, poucos trabalhos empíricos utilizam-se de estudos quantitativos para mensurar a governança no setor público por meio de escalas, com destaque para Khalid et al. (2016), Tummers e Knies (2016), e Chien e Thanh (2022) – apresentados detalhadamente na seção de resultados.
3 MÉTODO
Com o objetivo de identificar os trabalhos que se utilizaram do construto “governança no setor público” realizou-se uma revisão de literatura de forma sistemática. A consulta foi realizada nas bases de dados Academic Search Premier (Ebsco), Scopus, Web of Science (WoS), Wiley Online Library e na base geral da Periódicos Capes. A estratégia de pesquisa consistiu no processo conforme fluxo apresentado na Figura 1.

O processo originou-se a partir da definição de três estratégias de pesquisa aplicadas igualmente em todas as bases de dados com a intenção de atingir o escopo proposto. As queries de busca consistiram em: a) governance OR governança OR gobernancia; b) “setor público” OR “public sector” OR “sector público” OR “setor governamental” OR “government sector” OR “sector gubernamental” OR “administração pública” OR “public administration” OR “administracion publica”; e c) “measurement scale" OR “escala de medição” OR “escala de medición” OR "measure scale" OR “escala de medida” OR “validation” OR “validación” OR “validação” OR “scale” OR “escala” OR “medida”.
O primeiro filtro realizado diretamente nas bases de dados consistiu em selecionar apenas: a) artigos científicos; b) advindos de periódicos revisados por pares; c) com acesso aberto; d) nos idiomas em português, inglês e espanhol; e e) abrangendo o período indefinido de início até a data da consulta, em 18 de maio de 2022.
A pesquisa resultou em 429 artigos e, após a exportação para o software EndNote Web®, ocorreu o segundo filtro que compreendeu a exclusão dos artigos duplicados, resultando 313 artigos. Além disso, três trabalhos que não se apresentaram acessíveis gratuitamente foram excluídos. Ao total, foram analisados 310 artigos.
Procedeu-se, primeiramente, à leitura do título, resumo e palavras-chave e com a utilização da planilha Excel® foram selecionados 26 artigos. A partir destes, foi realizada a leitura dos objetivos da pesquisa e da seção metodológica, e por questões de foco e intenção de estudo, foram considerados apenas os artigos que apresentaram pesquisas vinculadas à governança no domínio político e social (IFAC, 2001, 2014) em nível nacional; e assim, foram coletados estudos que abordaram percepções acerca de instituições políticas/órgãos do governo e sociedade a partir de uma nação/país. Assim, artigos que analisavam governança sob aspectos em áreas como saúde e ecologia (governança na utilização de recursos naturais como a água, por exemplo) foram descartados. Este filtro ocorreu de forma manual e não por meio das queries para que houvesse uma captação maior de estudos, e assim, não se perdesse nenhum trabalho considerado relevante e apropriado para a temática. Por fim, os achados culminaram na seleção de apenas três artigos, que estudaram o construto pesquisado e fizeram uso de criação ou utilização de escala de mensuração contendo a governança pública em uma das dimensões analisadas.
As razões para eliminação dos últimos 23 artigos foram: a) artigos que nas dimensões da escala não tratavam diretamente de “governança pública” foram excluídos; b) a pesquisa não criava ou utilizava escala de mensuração adaptada (nestes casos, a palavra escala tinha significado diverso de ferramenta de medida); e ainda, c) a pesquisa adotava uma abordagem puramente teórica (ensaio teórico) ou se tratava de revisão de literatura sobre o tema – sem a utilização de dados e resultados empíricos.
Por fim, cabe destacar que os artigos selecionados foram analisados conforme duas características. Primeiramente, realizou-se uma verificação para identificar as análises estatísticas empregadas, de forma a observar alguns dos critérios exigidos ao lidar com escalas de mensuração (DeVellis, 2012), considerando-se a) a forma utilizada para gerar ou adaptar a escala; b) número de itens adequados (em função da validade do construto); c) tipo de categoria de resposta adotado (Likert, adjetival, diferencial semântica, etc); d) revisão dos itens da escala por especialistas (validade de conteúdo); e) adequação da escala segundo recomendação de especialistas; f) realização de pré-teste; g) adequação da amostra (representatividade da população); h) exclusão/adequação de itens ao efetuar a análise dos dados; e (i) validade de construto (validade convergente e discriminante – análise fatorial confirmatória).
Na sequência, foram analisados os trabalhos quanto à contribuição teórica que os artigos trazem para a temática da governança pública por meio de um levantamento de pesquisas alinhadas à discussão da temática sob o ponto de vista de escalas de medidas. A partir desse objetivo, pretende-se avaliar também o avanços e diferenciais trazidos por estas pesquisas, especialmente por considerar tais aspectos objetivos para fins de mensuração da governança.
4 RESULTADOS
Considerando o objetivo do estudo, nesta seção realizou-se a apresentação dos principais aspectos metodológicos utilizados para cada uma das pesquisas selecionadas como: objetivo, utilização de variáveis, quantidade de itens gerados para a escala apresentada, utilização de amostras, medidas estatísticas, entre outros dados percebidos como requisitos relevantes para a construção de escalas de mensuração.
4.1 The impact of good governance on the people's satisfaction with public administrative services in Vietnam
Este artigo foi desenvolvido por Chien e Thanh (2022) e teve por objetivo explorar o impacto da boa governança na satisfação das pessoas com os serviços administrativos no Vietnã.
Quanto aos critérios estatísticos analisados, primeiramente cabe apresentar que os autores adotaram variáveis a partir da modificação da escala de Índice de Satisfação dos Serviços Administrativos Públicos (SIPAS), um índice aplicado pelo governo vietnamita desde 2018. A escala utilizada pelo governo foi “emitida pela Decisão nº 225/QD—Tt, de 4 de fevereiro de 2016, do Primeiro-Ministro do Vietnã, e Decisão nº 2640/QD-BNV” (Chien & Thanh, 2022, p. 5), ou seja, a escala foi emitida pelo governo e utilizada com modificações pelos autores do artigo.
Os autores elaboraram o questionário com base na revisão de literatura e com opiniões de especialistas. O trabalho utilizou uma escala Likert de cinco pontos sendo 1 (discordo totalmente) a 5 (concordo totalmente). A escala inicial continha 32 itens distribuídos em cinco dimensões. Cabe destacar que os autores não apresentaram a teoria de base para a escolha destas dimensões. a) Acessibilidade (5 itens); b) Procedimentos administrativos (6 itens); c) Ética e capacidade dos servidores públicos (7 itens); d) Resultados da resolução do procedimento (4 itens); e) Recepção e tratamento de comentários, feedback e recomendações (5 itens).
A variável dependente consistiu em “Satisfação das pessoas”, contendo 5 itens, perfazendo assim uma escala multidimensional. Neste sentido, percebe-se que cada dimensão continha mais de 3 itens, conforme recomendado por Hair, Black, Babin, Anderson e Tatham (2009).
Foi realizado pré-teste, fator positivo segundo critérios de utilização de escala (DeVellis, 2012), com amostra realizada com 40 pessoas consideradas como possíveis respondentes, uma vez que segundo os autores, tal amostra se apresentava representativa demograficamente em termos de idade, sexo, escolaridade e ocupação; e assim, cumprindo o critério da necessidade de representatividade da população na aplicação do pré-teste.
Após esta aplicação, a escala foi ajustada com a exclusão de um item da dimensão “Recepção e tratamento de comentários, feedback e recomendações”, portanto, a escala final continha 31 itens. A amostra de aplicação do questionário foi de 500 respondentes por meio de métodos de amostragem não aleatórios. Portanto, conforme Fávero, Belfiore, Silva e Chan (2009), o tamanho da amostra se apresentou adequado para a quantidade de itens, uma vez que é considerado adequado o número de 10 vezes mais observações em relação ao número de variáveis, ou seja, dez respondentes para cada item (sendo 5 itens o número mínimo sugerido).
Segundo a caracterização demográfica apresentada pelos autores, os respondentes da amostra compreenderam pessoas comuns, gerentes de pequenas empresas privadas (pequenos negócios), gerentes de organizações não governamentais, trabalhadores e professores de escolas particulares, e foram apresentados conforme idade, gênero e nível de escolaridade. Para os autores, estas categorias de respondentes da amostra em que a pesquisa foi aplicada são representativas da população estuda pois lidam com funcionários públicos ou representam organizações em procedimentos administrativos.
Os autores realizaram Análise Fatorial Exploratória (AFE), em que fizeram a extração do fator de análise de componentes principais e rotação varimax para agrupação dos itens. A confiabilidade da escala foi medida por meio do coeficiente de Alpha de Cronbach. Realizaram correlação e regressão linear multivariada, bem como análises quanto à adequação fatorial por meio de medida de adequacidade da amostra de Kaiser-Meyer-Olkin e Teste de esfericidade de Barlett. Os autores não realizaram uma segunda aplicação a partir desta escala redefinida de 31 itens. Entretanto, a escala sofreu validação de conteúdo, pois foi realizado o pré-teste representativo da amostra final.
Quanto à aplicação, o entendimento é que tal pesquisa seja adequada apenas à situação estudada, com suas características e particularidades, portanto, não cabe generalizações, sendo esta uma limitação do estudo. Outra observação consiste no fato da amostra ter sido intencional e não de forma aleatória, o que pode gerar viés de pesquisa.
Quanto à teoria abordada pelos autores, estes mencionam que no Vietnã:
A boa governança tem um impacto apropriado, prático e significativo na estratégia de crescimento socioeconômico do Vietnã. Ele permite que o governo e as empresas se concentrem em questões de desenvolvimento comunitário, como criação de empregos, redução da pobreza, questões habitacionais, urbanização, educação, etc (Chien & Thanh, 2022, p. 4).
Os autores ainda relatam que ao gerar impacto da boa governança no nível de satisfação das pessoas, influencia em qualidade e também na democracia, além de gerar confiança e satisfação (Chien & Thanh, 2022).
Nessa linha, quanto aos resultados e contribuições da pesquisa em relação à governança pública, os dados empíricos permitiram concluir que todas as variáveis dependentes (acessibilidade; procedimentos administrativos; ética e capacidade dos servidores públicos; resultados da resolução do procedimento; recepção e tratamento de comentários; e feedback e recomendações) impactam na satisfação das pessoas – comprovando, segundo os autores, que houve uma melhora em termos de gestão democrática no país nos últimos anos. Esses achados vão ao encontro do que foi apontado por Bovaird e Löffler (2009), quando defendem que direito e democracia são pilares para o estabelecimento de necessária e desejável estabilidade econômica.
Outro apontamento realizado pelos autores consiste em que os cidadãos exercem um importante papel na inovação em governança naquele país, e, embora tenha apresentado um resultado positivo na pesquisa, o nível da satisfação em relação à acessibilidade aos serviços públicos ainda é baixo, denotando que ainda é preciso melhorias quanto aos mecanismos de participação social dos cidadãos vietnamitas. Este resultado corrobora com a opinião de Correio e Correio (2019) quando defendem que a participação social nas decisões é uma das boas práticas essenciais ligadas à governança.
Por fim, os resultados da pesquisa também evidenciaram que a capacitação e a ética dos servidores públicos são altamente impactantes na satisfação dos cidadãos vietnamitas, pois denotam eficiência no trabalho desenvolvido pelos funcionários públicos, sendo a ética, um dos conceitos ligados à boas práticas de governança (TCU, 2020; Correio & Correio, 2019).
Especialmente por envolver uma quantidade grande de pesquisados, a importância de pesquisa como esta, que mensura a governança por meio de escala, se dá em tornar possível obter resultados que podem servir para o governo como tomada de decisão (Khalid et al., 2016) – de forma a potencializar os aspectos positivos identificados e reforçar assim a gestão democrática, com ênfase para programas de capacitação dos servidores e divulgação/promoção de práticas e condutas de ética junto aos mesmos; evidenciando a disseminação de boas práticas defendidas por Correio e Correio (2019). Por outro lado, esta pesquisa também permite pensar em alternativas de acessibilidade por parte dos cidadãos para alavancar não apenas a satisfação, mas galgar um avanço na eficiência do próprio governo estudado, considerando alto impacto identificado na pesquisa quanto a esta qualidade.
4.2 Empirical assessment of good governance in the public sector of Malaysia
Este estudo foi elaborado por Khalid et al. (2016) e o objetivo consistiu em explorar o nível atual de boas práticas de governança no setor público da Malásia.
Quanto aos critérios estatísticos observados, o primeiro ponto a relatar é que a escala utilizada foi desenvolvida a partir de modificações realizadas na existente do Corporate Integrity Assessment Questionnaire (CIAQ), desenvolvido pelo Instituto de Integridade da Malásia. O modelo de mensuração foi elaborado com itens formativos, ou seja, a variável dependente é causada pelas variáveis independentes, e, neste caso, devido a qualidade das variáveis (não reflexivas), não houve aplicação de validação da escala por meio de Análise Fatorial Confirmatória (AFC), tendo os autores trabalhado apenas com a Análise Fatorial Exploratória (AFE).
A escala multidimensional foi composta de 40 itens distribuídos em 10 construtos, e as respostas foram obtidas por meio de escala Likert de 7 pontos com 1 (discordo totalmente) a 7 (concordo totalmente). As dimensões analisadas e parte da base teórica de cada uma estão no Quadro 1.

Assim, a escala reuniu 9 dimensões formativas, construtos exógenos, e a boa governança como construto endógeno. De forma similar, este estudo atende ao critério de quantidade mínima de itens por dimensão (mínimo de três). Entretanto, a escala não passou por validação com acadêmicos, especialistas ou prováveis respondentes. Não havendo validação da escala, os autores também não realizaram ajustes com adição ou exclusão de itens.
O público-alvo foi composto por 682 chefes de departamento de 24 ministérios federais, incluindo o Departamento do Primeiro-Ministro da Malásia. Destes, 109 respondentes retornaram os questionários que foram encaminhados via e-mail e por meio do aplicativo Google Docs. A amostra de respondentes é pequena em relação à quantidade de 40 itens; entretanto, é compatível com o estudo realizado, uma vez o tipo de regressão Partial Least Squares (PLS), utilizado nesta pesquisa, permite a utilização de amostras pequenas (não se enquadra no mínimo de 5 respondentes por item). A respeito deste critério de quantidade de itens, todos os construtos possuíam, dentro do desejável, ao menos 3 itens (modelo identificável), numa estrutura em que uma variável era causada, formada pelas demais (estrutura formativa).
Cabe destacar que não houve uma segunda aplicação da escala, e que a amostra foi aleatória, pois os autores determinaram uma população alvo e desta população obtiveram as respostas. Ou seja, todos os respondentes tinham chances de participação iguais. Os autores afirmam a não consideração dos erros, convergindo com os preceitos da PLS-SEM, em que ocorre a estimação da variância total ignorando os erros de medida.
Em relação à compatibilidade do público-alvo com a pesquisa aplicada, os autores poderiam ter especificado melhor o objetivo do estudo, uma vez que o trabalho compreendeu apenas órgãos federais da Malásia (mais especificamente de ministérios federais) e não do setor público em todas as suas esferas. A amostra não foi demograficamente apresentada, provavelmente porque a pesquisa foi aplicada com servidores públicos dos 24 Ministérios Federais.
O alpha de Cronbach foi devidamente calculado para as dimensões em separado, sendo que todas apresentaram coeficiente superior a 0,70, idealmente sugerido por Hair et al. (2009) para fins de verificação da validade convergente (até onde o construto está positivamente relacionado a outras medidas do mesmo construto). Por conta de tais resultados, não houve eliminação de itens após a obtenção de cargas fatoriais.
Os autores realizaram validade convergente ao averiguar a Variação Média Extraída acima de 0,5 para todos os construtos, resultando na validade deste. Também realizaram validade discriminante quando identificaram que o carregamento das cargas fatoriais de cada construto se apresentou maior do que as cargas cruzadas.
O estudo possui algumas limitações: os pesquisadores mencionam que foram adotadas variáveis, com algumas modificações, do Corporate Integrity Assessment Questionnaire (CIAQ), desenvolvido pelo Malaysian Institute of Integrity (2012); no entanto, não apresentaram quais as modificações realizadas nos itens utilizados; se o fizessem, dariam mais transparência. Ao modificar a escala, os autores geraram uma nova escala, portanto, esta deveria ter sido validada junto a especialistas, acadêmicos e/ou possíveis respondentes. A pesquisa determina que tal estudo se refere a práticas de boa governança na Malásia, mas realizou estudo dentro da esfera federal (Ministérios Federais), portanto, deveria ter deixado mais explícito tal limitação. Por utilizar amostra pequena, pode não ser representativo da população estudada, causando inclusive, parâmetros tendenciosos; e cabe observar que ao ignorar os erros de medida (por se tratar de PLS), o estudo possui caráter meramente preditivo, não podendo ter o modelo validado/confirmado.
Quanto à teoria, os autores mencionam uma série de iniciativas ligadas à reforma na Malásia com intuito de melhorar a qualidade da boa governança no serviço público, com prestação de contas do governo e fortalecimento do setor governamental, com destaque para a criação do Instituto de Integridade da Malásia. Ainda, os autores relatam que uma série de problemas da opinião pública no país consistem em responsabilidade, integridade e ética (Khalid et al., 2016). Todos esses conceitos ligados à governança vão ao encontro daqueles mencionados por Matias-Pereira (2010) como fatores importantes no sistema de governança seja pública ou privada, como integridade, prestação de contas e ética.
Quanto aos resultados e contribuições da pesquisa em relação à governança pública, embora as questões sobre ética e integridade tenham sido apontadas como estratégias utilizadas pelo governo da Malásia, segundo os dados empíricos, o controle de fraude foi o menos apontado dentre as práticas aplicadas pelo público pesquisado (66% dos respondentes), – indo na contramão das boas práticas de governança (Correio & Correio, 2019; Matias-Pereira, 2010). Esse resultado, por óbvio, vai ao encontro da piora na situação da Malásia no ranking de Índice de Percepção da Corrupção de 2013, conforme apontado por Khalid et al. (2016).
Outro item de importante relação com a governança consiste na transparência (Correio & Correio, 2019), tido como um problema relatado nos achados da pesquisa, quando os autores mencionam a necessidade de publicação de relatórios ao público como uma importante ferramenta no sentido de reduzir as más condutas entre os servidores públicos.
Por fim, os resultados apresentam potencial de oportunizar melhorias por parte do governo – caso se utilize desta pesquisa – pode criar articulações considerando-se a necessidade de estabelecimento de controles eficientes no combate a fraudes, bem como a criação de mecanismos de transparência – campanhas de conscientização, estabelecimento de programas de integridade e ética dos servidores públicos, divulgação de relatórios com indicadores de desempenho, e outros (promovendo o controle social e avanço nas práticas da administração pública (Oliveira & Pisa, 2015; Tummers & Knies, 2016) –, na tentativa de reduzir fraudes, corrupção, má utilização de recurso público – situações indesejáveis, tidos como problemas de governança (Rose‐Ackerman, 2017).
4.3 Measuring public leadership: Developing scales for four key public leadership roles
O último artigo analisado foi produzido por Tummers e Knies (2016) e teve por objetivo desenvolver instrumentos de medição confiáveis e válidos para quatro funções de liderança pública.
Quanto aos critérios estatísticos analisados, inicialmente cabe observar que a escala de mensuração foi desenvolvida pelos próprios autores, composta por itens gerados a partir da revisão da literatura. O questionário foi elaborado a partir de escala Likert de 5 pontos, compreendendo 25 itens distribuídos em 4 dimensões, apresentadas como quatro papéis de liderança pública, em que os autores mencionam a construção da escala com base em critérios sugeridos por DeVellis (2012), convergindo com a análise acerca dos procedimentos estatísticos realizada sobre os trabalhos selecionados. As bases teóricas abordadas pelos autores para cada uma das dimensões são apresentadas no Quadro 2.

Considerando as dimensões citadas e o número de itens para cada uma, a escala apresentou-se identificável, contendo mais de três itens em cada construto. Não foi validada por acadêmicos ou potenciais respondentes, entretanto, foi objeto de discussão entre os próprios autores, passando por validade de critério, discriminante e de convergência.
Os autores realizaram Análise Fatorial Exploratória (AFE) e Análise Fatorial Confirmatória (AFC). Na AFE, utilizaram uma amostra de 200 respondentes para os 25 itens. Assim, foram 8 respondentes para cada item (atingindo o mínimo esperado de 5 respondentes por item). Após a eliminação de 4 itens, a escala final para fins de aplicação da AFC contou com uma amostra diferente da primeira, com 303 respondentes, perfazendo mais de 10 amostras por item, número apropriado para a referida análise.
Os autores mencionaram a aleatoriedade na AFE, mas não houve explicitação para a Análise Confirmatória, portanto, subentende-se que também ocorreu na mesma sistemática. O público pesquisado compreendeu várias organizações do setor público na Holanda: em educação (n=58), saúde (n=307) e provinciais e governo municipal (n=138). A caracterização dos respondentes foi apresentada de forma diminuta, informando apenas quanto à idade e sexo dos participantes.
Ainda em relação às análises estatísticas empregadas, foi apresentado desvio padrão e correlações para determinação das validades convergentes e discriminantes. As quatro dimensões apresentaram-se significativamente correlacionadas. Ainda, apresentaram o alpha de Cronbach, Ômega e os indicadores de ajustes CFI, TLI e RMSEA.
Quanto às limitações para este estudo, aponta-se que a pesquisa abordou a liderança pública a partir de quatro papéis. Então, não necessariamente se enquadra para todo o tipo de análise e contexto, mas entende-se como um recorte para a referida pesquisa. Ainda, embora tenha sido realizado de forma aleatória, é possível que a amostra não seja representativa, uma vez que há outros setores que poderiam ser abordados/pesquisados além das áreas de educação, saúde, provinciais e governo municipal.
Por outro lado, cabe ressaltar o entendimento de que os autores foram coerentes nos procedimentos, demonstrando os diversos procedimentos para a criação e validação da escala. Além disso, ao executarem Modelagem de Equações Estruturais (MEE) buscaram outras escalas já validadas em outros estudos para medir a validade convergente.
Quanto à parte teórica, os autores abordaram quatro visões de liderança, e, embora apenas um dos construtos mencione acerca especificamente sobre governança, de alguma forma, todos estão alinhados à boas práticas de liderança dentro da organização pública, convergindo para esse sistema necessário para o desenvolvimento sustentável das organizações. Como exemplo, a liderança baseada no relacionamento analisa o comportamento dos líderes em relação aos seus subordinados no apoio para fins de incentivar a prestação de contas junto aos interessados (Tummers & Knies, 2016) – ou seja, diretamente relacionado com a noção de accountability, um dos direitos estabelecidos aos cidadãos brasileiros pela Constituição Federal de 1988, segundo Oliveira e Pisa (2015). Da mesma forma, liderança baseada em regras, que trabalha o cumprimento das normas governamentais, encontrando alinhamento com o conceito da legalidade – uma das boas práticas da boa governança (Correio & Correio, 2019).
Quanto aos resultados e contribuições da pesquisa em relação à governança pública, um achado bastante positivo refere-se às altas correlações da dimensão liderança baseada na governança em rede – quando os líderes (e por consequência as organizações) valorizam as parcerias colaborativas – consistente com o atributo de interação, defendido como boa prática por Correio e Correio (2019).
Outro ponto positivo se refere à alta evidência liderança por responsabilidade, em que denota que os líderes incentivam os subordinados à realização da prestação de contas das suas ações junto aos interessados – novamente um incentivo à accountability.
Por fim, um resultado muito interessante a partir dos achados da pesquisa foi a baixa correlação da dimensão liderança baseada em lealdade política. Considerando que essa dimensão consiste na ideia de que lealdade é mostrada quando as pessoas continuam a mostrar compromissos mesmo com altos custos (quando vai contra os próprios valores do funcionário, por exemplo), esse resultado é significativamente positivo, pois denota que questões éticas não são preteridas em relação à lealdade política – o que representa prevalência da integridade do servidor público – um dos valores basilares da governança (Correio & Correio, 2019).
Considerando-se que gestores públicos compõe um grupo diferenciado no sentido de gerir recursos públicos e que trabalham com situações e contextos que os exigem conhecimento e habilidades bastante distintas e especializadas (Tummers & Knies, 2016), pesquisas como esta, que mede nível de governança por meio de escala, possui o diferencial de serem úteis para fins de disseminação de boas práticas no sentido de outros governos, setores ou instituições se apropriarem com as devidas e necessárias adaptações e também usufruir de uma melhoria para as suas lideranças organizacionais (Correio & Correio, 2019).
4.4 Síntese dos estudos analisados
A partir dos resultados apresentados, observa-se que as três escalas analisadas foram utilizadas para mensurar itens bastantes diversos da governança pública. Chien e Thanh (2022) analisaram o impacto da governança na satisfação das pessoas em relação aos serviços públicos vietnamitas prestados a partir de uma escala governamental adaptada. A escala multidimensional compreendeu as dimensões de: acessibilidade; procedimentos administrativos; ética e capacidade dos servidores públicos; resultados da resolução do procedimento; e recepção e tratamento de comentários, feedbacks e recomendações.
A escala utilizada por Khalid et al. (2016) teve por objetivo explorar o nível de boas práticas de governança no setor público da Malásia, utilizando-se de uma escala adaptada do Instituto de Integridade da Malásia (2012). A escala aplicada possui nove dimensões compreendendo: aliança estratégica; planejamento estratégico; auditoria; sistema de gerenciamento de risco; controle de fraude; desempenho de qualidade; recursos financeiros; gestão de recursos humanos; e infraestrutura e instalações.
O último estudo analisou a governança como uma das dimensões. Sendo a única escala criada, os autores buscaram desenvolver a ferramenta para fins de medição de quatro funções de liderança pública, sendo a liderança de governança de rede uma das quatro apresentadas.
O Quadro 3 apresenta as dimensões utilizadas nos trabalhos analisados, em que se identifica a diversidade da área abrangida pela governança. Observa-se o foco aplicado às áreas liderança, estratégia e controle – similar ao que estabelece o TCU (2020) como mecanismos vinculadas às práticas de governança (conjunto de práticas que influenciam na organização entre atores internos e externos à organização).

O que se observa é que os estudos apresentados abordaram diferentes aspectos da governança pública corroborando com a teoria apresentada inicialmente em que se evidenciou a abordagem ampla do termo “governança pública”. Portanto, trata-se de um amplo tema guarda-chuva, vinculado a diversos conceitos e abordagens.
Em relação às análises estatísticas, se observou que os artigos não apresentaram todos os requisitos considerados importantes na construção e utilização de escala de medida (DeVellis, 2012), como uma segunda aplicação da escala após a eliminação de item no artigo que mediu o impacto da boa governança na satisfação das pessoas com os serviços administrativos no Vietnã; ou validação necessária da escala que estudou o nível atual de boas práticas de governança no setor público da Malásia.
Quanto às contribuições trazidas para a governança pública, de forma específica em cada estudo, foi possível compreender como a governança está alicerçada de maneira diversa a considerar os países estudados na medida em que demonstrou convergência entre a melhoria dos processos democráticos no Vietnã, uma das bases para a estabilidade econômica (Bovaird & Löffler, 2009). Outros fatores importantes foram observados: ainda que existente, a participação social é baixa; e, de forma positiva, também se observou que práticas ligadas à capacitação e ética dos servidores públicos impacta na satisfação dos vietnamitas. Estes resultados possibilitam um retorno mensurável para a gestão do país, ou seja, podem servir como tomada de decisão por formuladores de políticas (Khalid et al., 2016), e/ou serem para fins de informação e avaliação (Oliveira & Pisa, 2015).
Os achados das pesquisas também demonstram que, embora haja uma série de eventos no sentido de fortalecer a integridade e ética na Malásia, os resultados demonstram que ainda há muito a conquistar efetivamente, uma vez que apenas 66% dos pesquisados informa utilizar-se de controle de fraudes, corroborando inclusive com queda na escala que mede o nível de percepção de corrupção no país; além de necessidades de melhoria quanto à transparência pública. Aqui se percebe uma relação evidente entre os achados das pesquisas e a teoria da agência aplicada ao setor público: quando as ações do governo (reduzidas medidas de controle contra fraude aplicada pelo governo) são divergentes das expectativas dos cidadãos (boa percepção de controle e combate às fraudes), o resultado é maior descontentamento causado aos cidadãos decorrente desse conflito.
Por fim, as pesquisas demonstraram resultados positivos em relação aos papeis de liderança na Holanda, no sentido de que demonstraram que líderes públicos incentivam seus subordinados a atuar com responsabilidade, prestando contas das suas ações junto aos interessados, bem como em atuar por meio de cooperação em rede. E, ainda mais positivo, os achados evidenciaram que os servidores públicos pesquisados dão prevalência à integridade em detrimento à lealdade política (renunciar aos próprios valores para prosseguir com lealdade). Aqui se percebe uma resposta positiva advinda da teoria da agência – incentivo dos gestores públicos na atuação com responsabilidade e prestação de contas aos subordinados vão ao encontro das expectativas destes.
De forma geral, a partir dos três estudos analisados, observa-se que as pesquisas realizaram um avanço na teoria trazendo ferramentas que possibilitam alcançar análises objetivas para a governança no setor público. Segundo os trabalhos de Tummers e Knies (2016) e de Khalid et al. (2016), ainda que se ressalte algumas limitações, a vantagem em se realizar este tipo de estudo abrangendo governança e utilização de escalas – permite a comparação entre instituições e setores, o que pode ser bastante benéfico para formuladores de políticas públicas.
A pesquisa de Tummers e Knies (2016) apresentou uma intenção mais operacional ao se preocupar em desenvolver um instrumento de medição confiável e válido para funções de liderança no setor público. Numa abordagem diferente, os trabalhos de Chien e Thanh (2022) e de Khalid et al. (2016) convergiram quando apresentaram uma preocupação em compreender e analisar o nível de governança em nível nacional, inclusive ambos se utilizando de instrumento já criado para medir a governança nos referidos países Vietnã e Malásia, respectivamente. Se observa nestes trabalhos, a necessidade de supervisionamento de práticas de boa governança, em que se apresentou a preocupação dos próprios países em monitorar a satisfação com a governança da nação, elemento essencial para alcançar níveis desejados de desenvolvimento econômico, social e político segundo os autores.
A mensuração por meio de escalas – o diferencial nestas pesquisas analisadas – possibilita analisar um fenômeno sob a perspectiva de uma população (percepções intrínsecas) que permitem extrair qual a avaliação está sendo percebida. Permite aos interessados quantificar para compreender o fenômeno – e, a partir disto, criar estratégias, melhorar processos, analisar as potencialidades e fragilidades no estágio atual, realizar comparações longitudinais, e por fim, galgar melhores resultados. Assim, todos os trabalhos convergem no sentido de mensurar para melhor compreender a governança pública – mas especialmente que permitem explorar situações políticas e sociais acerca de um país ou de um setor específico como o governamental – e de forma singular servir para tomada de decisão de formuladores de políticas e para o controle social (Oliveira & Pisa, 2015).
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este artigo identifica as pesquisas que abrangem o construto “governança no setor público”, com intuito de verificar estudos que utilizaram a escala como instrumento de mensuração voltados à gestão administrativa para a referida temática.
O tema é relevante diante da necessidade de criação, evidenciação e disseminação de boas práticas em todos os setores, bem como na administração pública, permeada de complexidade e ampla abrangência (Correio & Correio, 2019), com impacto social significativo.
Primeiramente, os achados deste trabalho permitem uma contribuição por demonstrar pesquisas que estudam governança pública com uma abordagem sistemática e objetiva potencializada e cunhada pelas investigações quantitativas, mais precisamente com utilização de escalas de mensuração. É interessante observar que as pesquisas quantitativas ligadas a temáticas não são numerosas, embora o conceito governança pública seja abundante e difuso considerando-se abrangência conceitual e para fins de aplicação (Freitas et al., 2022; Teixeira & Gomes, 2019).
Este trabalho ainda evidenciou que ao utilizar de escalas de mensuração, tendo sido analisado inclusive quanto a alguns critérios necessários para a adequada utilização deste tipo de ferramenta estatística (DeVellis, 2012), chegou-se à conclusão de que há uma ausência de construção completa e detalhada deste instrumento de mensuração, de forma a cumprir-se todos os requisitos necessários como validação, pré-teste, respeitando a representatividade da amostra, etc.
Foi possível também compreender como a governança se desenvolve, suas potencialidades e fragilidades a considerar os países estudados. Assim, demonstrou uma melhoria nos processos democráticos no Vietnã, ponto positivo considerando-se a democracia um dos pilares necessários para a estabilidade econômica (Bovaird & Löffler, 2009); bem como necessidade de melhorias para a participação social. Ainda no Vietnã, identificou-se bom desempenho relacionado em relação às práticas ligadas à capacitação e ética dos servidores públicos impacta na satisfação dos vietnamitas.
Por outro lado, foi possível observar que legalidade não necessariamente está vinculado à efetividade – pois, embora tenha sido observado alguns mecanismos de incentivo à integridade e ética na Malásia, como o Instituto de Integridade, os resultados demonstram que ainda há uma baixa adesão a esta prática de boa governança, pois apenas 66% dos pesquisados informa utilizar-se de controle de fraudes, corroborando inclusive com queda na escala que mede o nível de percepção de corrupção no país; além de necessidades de melhoria quanto à transparência pública. Nesse contexto, torna-se evidente uma correlação entre os achados da pesquisa e a teoria da agência quando aplicada ao setor público – quando as ações do governo – como reduzidas medidas de controle a fraudes – não estão alinhadas às expectativas dos cidadãos – combate e controle a fraude – surge um maior descontentamento causado pelo conflito de interesses.
Ainda, visualizou-se resultados positivos vinculados à governança pública considerando-se bons índices quanto aos papéis de liderança na Holanda, com destaque para incentivos à atuação com responsabilidade (prestando contas dos servidores públicos junto aos interessados), bem como em atuação de trabalho de forma cooperativa em rede. E, ainda neste mesmo estudo com holandeses, concluiu-se de forma quantitativa e por meio de dados e análises estatísticas que os servidores públicos pesquisados dão prevalência à integridade em detrimento à lealdade política (renunciar aos próprios valores para prosseguir com lealdade).
Por fim, a maior contribuição desta pesquisa se encontra no potencial de transferência de conhecimento dos estudos analisados. Inicialmente projetou-se uma observação analítica quanto aos procedimentos importantes quando da aplicação seja por criação ou utilização de escalas de mensuração para evidências estatísticas concretas e válidas, úteis para futuros pesquisadores. De forma complementar e mais relevante quiçá, para além da metodologia utilizada nas pesquisas analisadas, a contribuição com maior propósito foi o de evidenciar estudos acerca de governança no setor público – assunto emergente e necessário – apresentando diversidades que são culturais e legais – e, para além de diagnosticar problemas de governança pública que podem e merecem atenção para melhorias (Rose‐Ackerman, 2017); os estudos analisados possibilitam evidenciar boas práticas de governança que podem ser compartilhadas, avaliadas e praticadas em um contexto mesmo em um cenário de realidades tão distintas, mas que atuam em uma condição globalizada.
Para pesquisas futuras, sugere-se a criação de escala para mensurar a governança com o intuito de se apropriar da metodologia de criação de escala de forma a contemplar todos os requisitos necessários segundo a teoria (DeVellis, 2012).
Ainda, instiga-se a realização de estudos da adesão de práticas de governança com base nos mecanismos de governança pública – liderança, estratégia e controle – apresentados pelo Tribunal de Contas da União. Este estudo poderia ser realizado com objetivo de mensurar o nível de governança em setores (como o departamento de contabilidade) e processos (gestão patrimonial) específicos nas instituições públicas federais brasileiras para identificar se as instituições jurisdicionadas adotam as perspectivas sugeridas pelo órgão fiscalizador. Tal proposta surge não no sentido de penalizar, mas de potencializar melhorias das boas práticas, uma vez que para se alcançar a governança na alta gestão de uma organização pública, todo o sistema abarcado por ela precisa trabalhar na mesma sinergia.
Agradecimentos
Os autores gostariam de agradecer à Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina (Fapesc) pelo apoio financeiro.
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