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Os Interesses Acima dos Planos e Ações Estatais em Cenários de Crises Sanitárias e Conflitos Geopolíticos: Uma Análise Histórica e Comparativa
João Eudes de Souza Calado; José Matias-Pereira; Andrea de Oliveira Gonçalves;
João Eudes de Souza Calado; José Matias-Pereira; Andrea de Oliveira Gonçalves; João Abreu de Faria Bilhim
Os Interesses Acima dos Planos e Ações Estatais em Cenários de Crises Sanitárias e Conflitos Geopolíticos: Uma Análise Histórica e Comparativa
Interests Above State Plans and Actions in Health Crisis Scenarios and Geopolitical Conflicts: A Historical and Comparative Analysis
Intereses por encima de planes y acciones estatales en escenarios de crisis sanitarias y conflictos geopolíticos: un análisis histórico y comparativo
Administração Pública e Gestão Social, vol. 16, núm. 4, 2024
Universidade Federal de Viçosa
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Resumo: Objetivo da pesquisa: Identificar e analisar histórica e comparativamente as ações e decisões dos planos estatais em alguns cenários de crises sanitárias e de conflitos geopolíticos, desde a década da Grande Guerra Mundial e de pandemia da Gripe Espanhola no século passado até as crises recentes com a Covid-19 e a Guerra Rússia-Ucrânia.

Enquadramento teórico: Estudo histórico e comparativo sobre as ações do planejamento estatal em cenários de crises e conflitos, aborda, sem aprofundar, os sistemas de governos, as ideologias políticas, as teorias da economia e do planejamento, entre outras.

Metodologia: Trata-se de um estudo descritivo, bibliográfico, a partir de uma revisão integrativa qualitativa e sistemática da literatura em fontes que contribuem para a compreensão dos diferentes cenários e processos decisórios.

Resultados: Infere-se que apesar da evolução do planejamento, os desafios recentes não representaram situações de crises ou conflitos desconhecidos e que as decisões se concentram no poder central dos governos e nem sempre alinhadas com os planejadores e interesses da sociedade, causando significativos impactos sociais, econômicos e ampliando-se as crises e os riscos de tensões e conflitos.

Originalidade: A pesquisa apresenta uma análise comparativa e histórica de desafios distintos para os planos estatais, o estado da arte das crises e de conflitos recentes, o qual as discussões na literatura são incipientes, assim como as discussões em curso no cenário externo.

Contribuições teóricas e práticas: Do ponto de vista teórico, contribui para a revisão histórica do planejamento e processo decisório nos países e governos, sobretudo no Brasil, para o estado da arte da crise sanitária e dos conflitos Rússia-Ucrânia, e em termos práticos, por lançar luz as decisões recentes pautadas nos interesses do centro do poder político e nem sempre ordenadas com o planejamento e as demandas da sociedade, que mais sofre os impactos dessas decisões.

Palavras-chave: Análise Comparativa, Planejamento Estatal, Cenários de Crises e Conflitos.

Resumen: Objetivo de la investigación: Identificar y analizar histórica y comparativamente las acciones y decisiones de los planes estatales en algunos escenarios de crisis sanitarias y conflictos geopolíticos, desde la década de la Gran Guerra Mundial y la pandemia de Gripe Española en el siglo pasado hasta las recientes crisis con el Covid-19 y la Guerra Rusia-Ucrania.

Marco teórico: Estudio histórico y comparativo sobre las acciones de planificación estatal en escenarios de crisis y conflicto, aborda, sin profundizar, sistemas de gobierno, ideologías políticas, teorías económicas y de planificación, entre otras.

Metodología: Se trata de un estudio bibliográfico descriptivo, basado en una revisión integradora cualitativa y sistemática de la literatura en fuentes que contribuyen a la comprensión de diferentes escenarios y procesos de toma de decisiones.

Resultados: Se infiere que a pesar de la evolución de la planificación, los desafíos recientes no representaron situaciones de crisis o conflictos desconocidos y que las decisiones se concentran en el poder central de los gobiernos y no siempre están alineadas con los intereses de los planificadores y de la sociedad, provocando impactos sociales y económicos significativos. y las crecientes crisis y los riesgos de tensiones y conflictos.

Originalidad: La investigación presenta un análisis comparativo e histórico de diferentes desafíos para los planes estatales, el estado del arte de las crisis y conflictos recientes, cuyas discusiones en la literatura son incipientes, así como discusiones en curso en el escenario externo.

Aportes teóricos y prácticos: Desde un punto de vista teórico, contribuye a la revisión histórica del proceso de planificación y toma de decisiones en países y gobiernos, especialmente en Brasil, al estado del arte de la crisis sanitaria y los conflictos Rusia-Ucrania, y en la práctica. términos, al arrojar luz sobre las tendencias recientes de las decisiones basadas en los intereses del centro del poder político y no siempre alineadas con la planificación y las demandas de la sociedad, que es la que más sufre los impactos de estas decisiones.

Palabras clave: Análisis Comparado, Planificación del Estado, Escenarios de crisis y conflictos.

Carátula del artículo

Artigos

Os Interesses Acima dos Planos e Ações Estatais em Cenários de Crises Sanitárias e Conflitos Geopolíticos: Uma Análise Histórica e Comparativa

Interests Above State Plans and Actions in Health Crisis Scenarios and Geopolitical Conflicts: A Historical and Comparative Analysis

Intereses por encima de planes y acciones estatales en escenarios de crisis sanitarias y conflictos geopolíticos: un análisis histórico y comparativo

João Eudes de Souza Calado
Universidade de Brasília - UnB, Brasil
José Matias-Pereira
Universidade de Brasília-UnB, Brasil
Andrea de Oliveira Gonçalves
Universidade de Brasília-UnB, Brasil
João Abreu de Faria Bilhim
Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, Universidade de Lisboa, Portugal
Administração Pública e Gestão Social, vol. 16, núm. 4, 2024
Universidade Federal de Viçosa

Recepción: 22 Noviembre 2023

Aprobación: 24 Mayo 2024

Publicación: 23 Diciembre 2024

Introdução

A pandemia da Covida-19 decretada pela Organização Mundial da Saúde em 2020 tem causado impactos significativos no planejamento estatal em todo o mundo, não apenas no campo da saúde, mas também no campo social, político e principalmente econômico. Se não bastasse a crise sanitária, as tensões geopolíticas com a invasão da Ucrânia pela Rússia em 2022 têm agravado ainda mais a situação por trazer preocupações adicionais, além das mortes dos civis, crise migratória, recessão econômica, possível expansão dos conflitos, entre outras.

Neste sentido, as ações do planejamento estatal em todo mundo têm sido observadas e exigidas com vistas a minimizar os impactos causados pela pandemia e guerra entre a Rússia e Ucrânia, se considerados como cenários não previstos. Contudo, cenários de crises sanitárias e conflitos geopolíticos com impactos sociais, econômicos e políticos não são novidades, exemplos da epidemia da Gripe Espanhola, Primeira e Segunda Guerra Mundial, e que levantaram debates sobre questões como crise fiscal, social, intervenção do Estado, Liberalismo Econômico, entre outras (Becker, 2012; Fonseca, 2010; Schwarcz & Starling, 2020; Souza, 2012).

Friedmann (2011) ao analisar as diferentes culturas na prática do planejamento, enuncia alguns eixos principais, o primeiro deles, em nível macro, o contexto institucional, representado pela forma de governo. Além da forma de governo, alguns países são capitalistas, outros estão em transição para uma economia de mercado e muitos são pobres, desorganizados, o que sugerem diferentes processos decisórios. Por outro lado, em Cultura e imperialismo, Said (2011) argumenta historicamente a sobrevivência do imperialismo, pautado na expansão de práticas políticas, ideológicas, econômicas e sociais, em que um Estado, formal ou informalmente, busca o controle da soberania política de outra sociedade política.

Os ideais da teoria Keynesiana, adotadas por muitos países após a Segunda Guerra Mundial, defendiam a participação ativa do Estado no combate à recessão ante às instabilidades dos ciclos econômicos, em que se percebia que o liberalismo econômico pouco ofereceria nos momentos de crise, pois se limitava a defesa da autorregulação dos mercados (Fonseca, 2010; Hunt & Sherman, 1988; Reymão & Oliveira, 2017).

Não é de hoje que o planejamento está diretamente ligado ao processo decisório em cenários de crise e de conflitos entre os países. Diversas teorias e a evolução do planejamento ocorreram justamente na reconstrução dos países pós Segunda Guerra Mundial (Friedmann, 2011). Contudo, ao longo do século passado e mais recentemente, as questões ideológicas têm sido incorporadas ao debate sobre as práticas de planejamento nas organizações, há os que defendem o Neoliberalismo, o Socialismo e os que defendem o Capitalismo ou um modelo híbrido de adoção entre correntes (Fonseca, 2010; Schumpeter, 2020). Embora, em Friedmann (2011) é possível observar que modelos autoritários estejam presentes em diferentes ideologias de governo.

Sendo assim, este estudo se propôs a investigar a seguinte questão de pesquisa: Quais os planos e ações históricas do planejamento estatal em cenários de crises sanitárias e conflitos geopolíticos, desde o início do século passado até os cenários recentes?

O objetivo foi identificar e analisar comparativamente ações do planejamento estatal nos cenários de crises sanitárias e conflitos geopolíticos do passado com os cenários de crises e conflitos da atualidade, levando-se em consideração fatores endógenos e exógenos, lançando luz sobretudo na Epidemia de Gripe Espanhola nos anos 1910, Segunda Grande Guerra iniciada em 1939, Epidemia da Covid-19 em 2020 e Guerra Rússia-Ucrânia em 2022. O debate da questão é relevante por considerar os impactos iniciais já observados nas crises recentes, seja a mortalidade de civis, a instabilidade econômica, a questão migratória e a possível ampliação da escalada de conflitos, entre outras, e sua relação intrínseca com o processo decisório das ações do Estado.

Buscando responder à questão de partida, foi realizada uma revisão integrativa, sistemática e qualitativa da literatura, apresentando contribuições teóricas ao longo de mais cem anos e que possam produzir reflexões sobre as ações e planos governamentais, evolução do planejamento e contribuir com o debate sobre as decisões e enfrentamento aos desafios do futuro. Segundo Torraco (2005) a revisão integrativa da literatura é uma abordagem de pesquisa qualitativa mais densa que se utiliza de amostras menores e que busca analisar, criticar e sintetizar um corpo significativo da literatura sobre temas determinados. A revisão sistemática da literatura neste estudo pode ser considerada a partir da aplicação de estratégias de seleção e na delimitação de estudos relevantes sobre tópicos específicos para análise com espírito crítico e discussão narrativa (Botelho, Cunha & Macedo, 2011).

Neste sentido, dois critérios foram estabelecidos para seleção dos estudos. O primeiro, na construção do referencial teórico com estudos históricos que discutem o planejamento estatal, cenários de crise sanitária e geopolítica, mais focado no contexto brasileiro. E para construção do tópico das análises e discussões comparadas dos cenários recentes com os acontecimentos passados, um segundo critério, que foi a busca complementar de estudos na literatura internacional mais recente. Nos dois critérios de seleção foram utilizados a ferramenta de buscas do Software Publish or Perish, versão 8.

Nos resultados, foi possível inferir que as decisões muitas vezes representam o poder do plano central dos países, nem sempre relacionadas com as ideologias, mas com os interesses individuais, e que em muitos casos, os planos não são seguidos em conformidade com a representação de especialistas e atores sociais. As decisões dos países têm sido divergentes nos dois cenários, apesar de alguns efeitos econômicos e sociais parecidos, exemplo da alta mortalidade da população mais vulnerável.

Além desta introdução, o estudo está estruturado da seguinte forma: o tópico desenvolvimento, apresenta subtópicos com a evolução histórica e teórica do planejamento nos diferentes cenários de crises e conjunturas, seguido das análises e discussões comparativas separadamente de cada cenário e de questões para reflexões sobre as decisões comparando as duas crises, com a contribuição de estudos recentes sobre a pandemia da Covid-19 e da Guerra Rússia-Ucrânia. O tópico seguinte apresenta as considerações finais, apontando limitações e propostas de agenda para pesquisas futuras. E, por fim, as Referências.

Desenvolvimento
Evolução Histórica do Planejamento Estatal em Cenários de Crises e Conflitos

O papel do Estado na formulação do planejamento como instrumento do desenvolvimento econômico no Brasil tem sua origem a partir da década de 1930 com a criação do Estado Novo, em que se inicia a construção de um Estado capitalista de caráter nacional-desenvolvimentista, planejador e intervencionista (Souza, 2004). De acordo com Becker (2012), esse processo nacionalista, de intervenção estatal e modernização se firmou também com a crise mundial de 1929.

Em paralelo ao Estado Novo, nas décadas de 1930 e 1940 os estudos de geopolítica multiplicaram-se no país, cujo tema central das pesquisas era uma nova interpretação geopolítica da história brasileira associada à ascensão de grandeza continental, porém, percebida pelos Estados vizinhos como ameaça e expansionismo (Becker, 2012). No mesmo período, o Plano Especial de Obras Públicas e Preparo da Defesa Nacional foi estabelecido no intuito de contribuir para criar e articular uma cultura prática de planejamento que pudesse atender às principais demandas sociais. Complementarmente, houve a necessidade de esforços para a criação de uma matriz decisória global tendo em vistas os desafios impostos pela Segunda Guerra Mundial ocorrida entre 1939 e 1945 (Souza, 2004).

No cenário global, a teoria Keynesiana na obra Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda (The General Theory of Employment, Interest and Money), publicada originalmente em 1936, representava uma das principais referências da percepção do cenário pré-quebra da Bolsa de Nova Iorque, em que as ideias foram adotadas por muitos países desde o pós Segunda Guerra até os anos de 1970. Por outro lado, Schumpeter (2020), cuja obra Capitalismo, Socialismo e Democracia (Capitalism, Socialism and Democracy), publicada originalmente em 1942, ao abordar a depressão de 1929 não conferia ao capitalismo a incapacidade de manutenção do crescimento econômico por considerar que depressões igualmente sérias ocorriam repetidas vezes a cada 55 anos.

Então durante o Estado Novo no Brasil, no governo de Getúlio Vargas, o Estado se apropria de meios de produção essenciais ao desenvolvimento nacional, como energia, minas, transporte, parte da siderurgia e do crédito, e implanta a indústria de base com apoio do capital estrangeiro (Becker, 2012, p. 131-132). Souza (2004) destaca nesse período alguns planos, ainda não teorizados como estratégicos, o Plano de Obras e Equipamentos e o Preparo da Defesa Nacional, os quais tinham como objetivos preparar o país para as adversidades da Segunda Guerra Mundial, a construção de obras de infraestrutura e a criação de indústrias de base, vistas como as grandes alavancas do processo de industrialização. Silva (2010) ressalta para essa época o papel de Roberto Simonsen (1889-1948), engenheiro, líder da classe empresarial industrial, escritor e político, precursor do pensamento conservador adotado pelos membros da Escola Superior de Guerra e seu precoce conhecimento em áreas como geopolítica e político-militar.

Considerando as demandas dos países por conhecimento e formação técnica na área do planejamento, as décadas de 1950 e 1960 foram de intensa teorização sobre o tema. Friedmann (2011), argumenta que nos Estados Unidos e no Canadá a maioria das escolas de planejamento surgiu nas décadas seguintes à Segunda Guerra Mundial. No entanto, as discussões sobre o planejamento estratégico ocorreram somente a partir da segunda metade dos anos de 1970 (Pares & Valle, 2006). Para Toni (2021, p.11), no âmbito governamental, o “Planejamento Estratégico é feito a partir de um conjunto de referências, processos, ferramentas e técnicas que têm como objetivo a definição de uma visão de futuro de médio e longo prazo”. Mas Friedmann (2011) expõe que a cultura do planejamento é bastante distinta entre os países, o que pode mudar para uma maior convergência nas próximas décadas, considerando a expansão das redes, porém, é preciso considerar se essa expansão consonante será para o bem ou para o mal dos países.

Nos anos 1950, 1960 e 1970, o planejamento brasileiro coincide com o auge da Comissão Econômica para América Latina e o Caribe (CEPAL) e foi marcado pela ausência de vínculos com a disciplina fiscal, gerando uma crise fiscal a partir dos anos 1980 e inflacionária que se estendeu até os anos 1990, impossibilitando o financiamento de políticas públicas e a promoção do desenvolvimento social, inserindo o país em um conjunto de países capitalistas que sofreram com os impactos da globalização (Pares & Valle, 2006; Souza, 2004). Este cenário acabou gerando no Brasil uma pressão social por mais eficiência e efetividade das políticas públicas (Pares & Valle, 2006).

Ainda sobre cultura do planejamento, Friedmann (2011) argumenta que em nível macro, a forma de governo é o primeiro eixo que caracteriza as diferenças entre países na prática do planejamento, citando como exemplos a China, Japão e a França como países centralizadores e Canadá, EUA e Índia com estrutura de governo descentralizada. O autor complementa ao citar também a existência de arranjos institucionais que são regimes locais com diversos graus de autonomias para tomada de decisão. Adicionalmente, Mintzberg (1994) em “Ascensão e Queda do Planejamento Estratégico”, alerta que os planejadores devem contribuir no entorno do processo de elaboração da estratégia, fornecendo análises formais ou dados concretos que o pensamento estratégico requer, mas não dentro dele, de modo que sua contribuição possa ampliar a consideração de questões em vez de descobrir uma única resposta certa.

A Constituição Federal brasileira de 1988 estabeleceu o atual sistema de planejamento plurianual articulado com a execução do orçamento e instrumentos de controle fiscal, e em 1995 foi editado o Plano Diretor de Reforma do Estado orientado para a modernização da administração pública a partir do modelo gerencial que estava sendo implementado em diversos países capitalistas (Pares & Valle, 2006). Neste sentido, considerando o orçamento governamental como questão complexa, geralmente as decisões estratégicas são concentradas nos Conselhos de Ministros, porém, cercadas de pressões e interesses (Spackman, 2002). Friedmann (2011) destaca que em países ricos, sociedades civis e democracias fortes, os planejadores dos governos precisam dialogar com as organizações hábeis em mobilizar a opinião pública e realizar provisões para uma agenda de inclusão de mulheres, crianças, PCD´s, sustentabilidade e meio ambiente, diferentemente se comparada a África, em que há espaços urbanos organizados, mas uma parte da sociedade civil é praticamente invisível e as pessoas não atentam à essas questões nos detalhes do planejamento.

No estudo de Faria e Faria (2017) ao analisar as bases do Plano Diretor de Reforma do Estado brasileiro, por exemplo, concluiu-se que a reforma circunscrita à eficiência de parte do aparelho administrativo não correspondeu à concepção de papel do Estado nas relações sociais, mas à uma instrumentalização para atender demandas da economia com agilidade e eficiência. Friedmann (2011) contribui ao argumentar nas diferenças entre os países, em que os interesses são distintos, alguns são ricos, na África, muitos países são pobres, agrários, a China, Vietnã e a Rússia são governados por regimes autoritários, no Oriente Médio são várias formas de governo, desde a monarquia absoluta na Arábia Saudita ao regime secular e democrático na Turquia, o que influencia nas ações dos planos.

Voltando a discussão sobre a implementação do modelo gerencial como reforma do Estado, Christophe et al. (2014) destacam no período a incorporação de modelos de análises de desempenho advindos da iniciativa privada. Segundo os autores, diferentes modelos foram adaptados e utilizados nas áreas da saúde, transportes, entre outras, com contributos dos estudos de Hood em 1995, Talbot em 1999, Bouckaert e Pollitt em 2004, inclusive, incluíam ferramentas de gestão estratégica como o Balanced Scorecard de Kaplan e Norton de 1996. No mesmo sentido, implementam-se planejamentos estratégicos urbanos, quando as cidades se alinham à lógica do desenvolvimento capitalista na promoção de parcerias público-privado para atrair investimentos e tecnologias (Vainer, 2011). Por outro lado, Mintzberg (1994) argumenta que o planejamento estratégico não é pensamento estratégico, causando confusão na visão do real com a manipulação de números pelos gerentes, e que as estratégias bem-sucedidas são na verdade visões e não planos.

Nos anos 2000, duas relevantes crises, uma econômica e financeira em 2008, proveniente da bolha imobiliária norte-americana, que se transformou numa crise sistêmica, causando impactos no mercado financeiro e extensos efeitos macroeconômicos, no que fez o Estado surgir como tábua de salvação, no socorro aos mercados, emprestador de última instância (Bresser-Pereira et al., 2009). A outra, em 2009, que foi a pandemia da Influenza A (H1N1), causando preocupações nas autoridades dos países em todo mundo, principalmente em relação à rapidez da infecção e número de mortes, inclusive, suscitando comparações com a pandemia da Gripe Espanhola de 1918 (Alvarez et al., 2009).

Eis que no final dos anos 2010 e início dos anos de 2020 mais dois cenários de crises globais acenderam o alerta das nações em todo o mundo. A pandemia da Covid-19 decretada pela OMS em março de 2020 e a invasão da Ucrânia pela Rússia em fevereiro de 2022, em que foram observadas incompetências políticas, científicas, empresariais e sociais, comprometendo negativamente as decisões governamentais diante dos desafios globais (Anghel & Jones, 2022; Barbosa, Cardoso & Dias, 2020).

Dagnino (2012) argumenta que um Planejamento Estratégico Governamental deve ser elaborado com a perspectiva de criação de um “Estado Necessário” e não de um “Estado Herdado”, que esteja preparado para atender as demandas da sociedade a partir de um modelo alternativo mais justo de desenvolvimento, economicamente igualitário e ambientalmente sustentável.

Neste primeiro tópico, o estudo apresenta um recorte histórico de mais de cem anos, apontando diferentes crises: sanitária, financeira, econômica, geopolítica, entre outras, mas sem aprofundar nos tipos e sem comparar as ações e planos de governos. Neste contexto, considerando as crises globais mais recentes, notadamente a pandemia da Covid-19 e a Guerra Rússia-Ucrânia, o estudo lança luz nos próximos tópicos para discussões mais específicas nas crises sanitárias e geopolíticas, com maior ênfase para o cenário brasileiro.

Cenários de Crises na Saúde Global

O ponto de partida para discussão dos cenários de crise na saúde global será a pandemia da Gripe Espanhola entre os anos de 1918 e 1920, considerada até então como a maior epidemia da história e que estima-se foi fatal para mais de 20 milhões de seres humanos em todo o mundo (Bertucci-Martins, 2003). No entanto, esses números são desencontrados, variando entre 20 e 100 milhões (Alvarez et al., 2009).

O debate de Alvarez et al. (2009) informa sobre a existências de outras epidemias de influenza nos anos 1890, 1957, 1968 e destacam o sucesso da descoberta de cepas decifradas com ferramentas da biologia molecular em 1999, a partir de materiais biológicos de vítimas da pandemia de 1918. Contudo, as pesquisas históricas recentes sobre pandemias costumam referenciar a Gripe Espanhola a cada nova epidemia devido os seus efeitos devastadores (Alvarez et al., 2009; Bertucci, 2002; Bertucci-Martins, 2003; Goulart, 2005; Schwarcz & Starling, 2020).

O resgate histórico que Bertucci (2002) realizou na literatura brasileira e internacional sobre a Gripe Espanhola apontou preocupações com questões sobre deficiência sanitária, os limites do saber médico, o aspecto comercial e financeiro da exploração do lucro, o reconhecimento ao trabalho dos médicos e enfermeiros, o medo, entre outras. No texto “Conselhos ao povo: Educação contra a Influenza de 1918”, Bertucci-Martins (2003) cita algumas ações do Serviço Sanitário do Estado de São Paulo quando do surgimento das primeiras vítimas da gripe espanhola. Na ocasião, uma série de prescrições foram emitidas com intuito de esclarecer e instruir a população, em que o apelo à higiene pessoal e aos cuidados com o contato social foram permanentes (Bertucci-Martins, 2003). Em 2009, as preocupações com o isolamento ressurgem a partir da pandemia da Influenza A (H1N1), em que a atuação dos Estados nacionais, governos locais, a opinião dos médicos e dos meios de comunicação, e o comportamento da população, foram comparados com a experiência de 1918 (Alvarez et al., 2009).

Em 2020 a população mundial se depara mais uma vez com uma pandemia de grandes proporções em termos de mortes. Entre os meses de janeiro de 2020 e dezembro de 2021 foram relatados à OMS 287 milhões de casos confirmados e 5,42 milhões de mortes por Covid-19, no entanto, esses números também são contestados na literatura (Msemburi, et al., 2023). Já nos primeiros meses após a decretação da pandemia pela OMS, houve uma mobilização global de planos estatais para minimizar os efeitos nas mais diversas áreas, em que comparativamente, havia significativa discrepância nos percentuais do PIB que os governos dos países se comprometiam investir nos planos anticrise; enquanto a Alemanha se comprometia com valores acima dos 30%, Brasil, China, Rússia, África do Sul, por exemplo, indicavam aportar recursos abaixo dos dois dígitos (Aganbegyan et al., 2020 ; Cassim et al., 2020). Ainda sentindo os efeitos da pandemia, o mundo viu eclodir uma guerra em 24 de fevereiro de 2022, quando a Rússia invadiu a Ucrânia e ascendeu novos desafios associados aos impactos do conflito (Anghel & Jones, 2022).

Considerando o cenário mais recente, este estudo aborda no próximo tópico sobre geopolítica, incluindo o contexto brasileiro, tendo em vista que no passado houve também cenários de crise sanitárias e conflitos geopolíticos em períodos próximos, na verdade, concomitante se considerado que a Primeira Grande Guerra foi encerrada em novembro de 1918 e os primeiros casos de Gripe Espanhola foram observados já nos primeiros meses do ano. Porém, assim como neste tópico sobre crises sanitárias, o próximo sobre conflito geopolítico ainda não explora e nem compara as ações e planos de governos.

Cenários de conflitos geopolíticos

Vieira (2015) quando analisa a obra “História, Estratégia e Desenvolvimento: para uma geopolítica do capitalismo” de José Luís Fiori, destaca na obra a proposição de que a acumulação de riqueza deriva da concentração de relações de poder na forma de poderes territoriais. No século XIX a consolidação dos Estados-Nação estava associada à instrumentalização do espaço como meio de controle social e capitalismo industrial, porém, com o crescimento das populações, da economia política e dos dispositivos de segurança, o Estado de governo se firma como nova forma de poder, a governamentalidade (Becker, 2012).

Entre 1914 e 1918 ocorreu a Primeira Guerra Mundial e que pela utilização volumosa de armamentos pesados chamou a atenção para a importância da criação de uma indústria moderna de defesa nacional (Silva, 2010). Em diante, no âmbito internacional, um ambiente pesado antecedeu a Segunda Guerra Mundial iniciada em 1939, em que as ameaças que pareciam prevalecer em todas as partes estimulavam o interesse das Nações de se armarem para se protegerem e que no Brasil a aquisição de material bélico esbarrava na fraqueza da economia, (Silva, 2010).

No período entre as Grandes Guerras ocorreram também a crise sanitária em 1918, a crise do capitalismo de 1929, impactando sobremaneira a economia dos países (Alvarez et al., 2009; Fonseca 2010). Nestas condições, viu-se no Brasil o movimento na constituição de um Estado capitalista de caráter nacional-desenvolvimentista, intervencionista e também de preparo da defesa nacional, considerando as necessidades do período da Segunda Guerra Mundial (Becker, 2012; Silva 2010; Souza, 2004; Souza, 2012).

De acordo com Becker (2012) é nas questões gerais da geopolítica que se revela a relação histórica de poder econômico, político, ideológico e da guerra com o espaço, como um princípio geral, em acordo com um imperativo estratégico. O que talvez justifique no Brasil a mudança de ideologia nacionalista de segurança no cenário em que o militarismo crescia em todo o mundo, a solidariedade internacional não encontrava espaço e a competição econômica aumentava devido à crise e à recessão, motivando a busca pela autossuficiência econômica, fortalecimento da defesa do território, porém, associado à um ideário autoritário que criticava o liberalismo e o comunismo, ao passo que se desenvolviam relações econômicas com a Alemanha nazista (Silva, 2010).

Becker (2012, p.132) assim argumenta a ampliação dos estudos de geopolítica no Brasil:

...multiplicam-se os estudos de Geopolítica nas décadas de 1930 e 1940 desenvolvidos principalmente por professores de colégios militares, destacando-se, dentre eles, Mário Travassos, com a sua “Projeção Continental do Brasil”. O tema central desses trabalhos era uma nova interpretação geopolítica da história brasileira, focalizando a marcha para o oeste do Estado, desde sua origem na costa atlântica, e enfatizando a necessidade de o Brasil continuar sua projeção para o oeste, especialmente ao longo de dois eixos, um em direção à Bolívia e o outro à Amazônia (Becker, 2012, p. 132).

Importante destacar em Silva (2010) o seguinte cenário para entrada do Brasil no conflito: embora a cúpula militar nutrisse simpatias ideológicas com as ditaduras fascistas, havia uma preocupação de caráter estratégico, em que os países sul-americanos se aliam com os EUA, mas a Argentina se mantinha neutra; então os militares brasileiros temiam que o país fosse invadido pelas potências do Eixo (Alemanha-Itália-Japão) caso declarasse apoio aos Estados Unidos ou tivessem que enfrentar a Argentina caso ela se mantivesse neutra, o que os militares do Brasil não estavam preparados, então o governo decidiu não declarar apoio total à posição norte-americana, mas solidariedade continental em janeiro de 1942 (Silva, 2010).

Durante o Estado Novo, os planos implementados por Vargas para construção de uma cultura e prática de planejamento governamental sofreram alterações ou foram praticamente descontinuados após a queda do governo, e com o fim da Segunda Guerra e a nova Constituição de 1946, retornam alguns princípios do liberalismo econômico e a implementação de novos planos anti-intervencionistas, como exemplo, o Plano Salte (Saúde, Alimentação, Transporte e Energia) pelo novo governo do General Dutra entre 1946 e 1950, e que havia sido Ministro de Guerra do governo Vargas (Souza, 2004).

Nas décadas seguintes, considerando as crises de 1966-67 e 1973-75 com fases de estagnação econômica, mas de aparente rápida superação, viu-se um novo período de expansão do capitalismo, global, que se configura uma nova forma de Estado, em que o valor estratégico do espaço se torna condição necessária para reprodução generalizada do espaço do poder (Becker, 2012). Adicionalmente, a distribuição de poder no sistema internacional se deu em grande medida pelo desenvolvimento tecnológico e posse de armamento nuclear durante a Guerra Fria, sobretudo, pelo aumento da capacidade nuclear norte-americana, a redução do arsenal chinês e obsolescência da armaria russa (Ávila, Martins & Cepik, 2009). No período, argumenta Becker (2012), a projeção para interpretar o cenário de mundo era o conflito ideológico, manifestado na definição das atribuições e responsabilidades do Estado em duas concepções opostas, de um lado o liberalismo otimista e a negação do planejamento estatal, do outro, a ditadura e a tirania do planejamento do Estado.

Então a partir da segunda metade da década de 1960, para além do espaço, Becker (2012, p. 137) assim argumenta a perspectiva de um projeto geopolítico estratégico moderno para o Brasil:

As premissas do projeto geopolítico da modernidade brasileira não são determinadas pela Geografia no país nem se resumem à apropriação física do território. Elas são a justificativa para a consolidação política e o papel dirigente do Estado em todos os setores da atividade e do território, ou seja, para a produção do espaço estatal. Para tanto, o domínio da tecnologia e a instrumentalização do espaço constituem-se condições fundamentais.

Do ponto de vista do poder concreto, na geopolítica do capitalismo, não é a acumulação de capital e crescimento econômico o que somente interessa, mas a sua utilidade numa determinada estratégia expansiva, fundamentada no espaço e na guerra, consequentemente de natureza geopolítica (Vieira, 2015). Não obstante, nos anos de 1970 desponta a economia de guerra promovida pela bomba nuclear da Segunda Guerra como inovação científica para o próprio Estado e revelando meios poderosos de preparação para um grupo de Estado (Becker, 2012). No entanto, Said (2011) argumenta neste cenário que é os Estados Unidos que estabelece as regras básicas para o desenvolvimento econômico e a movimentação militar em todo o planeta, as regras para o comportamento soviético em Cuba, o comportamento brasileiro no Brasil, entre outros, e que por suas riquezas colocam-se acima do sistema internacional.

Nas primeiras décadas do século XXI, as grandes potências militares, como Estados Unidos, Rússia e China, além das armas termonucleares, investem em uma nova classe de armas estratégicas, as chamadas armas de energia direta - lasers e micro-ondas de alta potência (Ávila, Martins & Cepik, 2009). Segundo o relatório anual do Instituto Internacional de Pesquisa da Paz de Estocolmo (Sipri), os gastos militares pelo mundo cresceram pelo oitavo ano seguido desde 2014 (Glucroft, 2023). Em 2019, o Brasil respondia pela metade dos gastos militares na América do Sul (Heinrich, 2020).

A discussão sobre conflitos geopolíticos poderia avançar e ser mais explorada neste estudo abordando inclusive outros cenários, como exemplos, o da Guerra Fria, da Guerra do Golfo, da tomada do território da Criméia em 2014 pela Rússia, o conflito entre Israel e o Hamas na Faixa de Gaza, as tensões recentes entre a Venezuela e a Guiana, entre outros. Contudo, neste tópico, optou-se pela contextualização dos cenários das Grandes Guerras e alguns planos e interesses Estatais na perspectiva da geopolítica, no intuito de servir para análises comparativas com os acontecimentos mais recentes, sobretudo o do conflito da Guerra Rússia-Ucrânia.

Neste sentido, os tópicos seguintes apresentam algumas análises e discussões comparativas entre os cenários de crises sanitária e geopolítica recentes com os cenários do passado.

Análises e discussões comparativas

Antes de iniciar as análises e discussões comparativas, optou-se no estudo por apresentar duas tabelas para indicar os resultados das buscas para os critérios estabelecidos na seleção das referências através da ferramenta Publish or Perish. A Tabela 1 apresenta os artigos selecionados para a construção do Referencial Teórico, em que foram utilizados os descritores na língua portuguesa “planejamento estatal brasileiro”; “crises sanitárias”; “pandemias”; “geopolítica”; “crise geopolítica”. As prioridades foram direcionadas para estudos históricos e o Qualis da publicação. Não consideradas as obras e Teses, a Tabela 1 apresenta o ano de publicação, título da pesquisa, periódico, Qualis Periódicos Capes - classificação 2017-2020.


Tabela 1: Artigos selecionados para construção do referencial teórico

Fonte: Elaboração própria (2023)

As buscas para os dois conjuntos de informações foram realizadas entre os meses de maio e julho de 2023. Para o tópico das análises e discussões, os critérios estabelecidos foram a seleção de trabalhos recentes que discutissem o planejamento e ações relacionadas à pandemia da Covid-19 e à crise geopolítica. Foram utilizados os seguintes descritores na língua portuguesa e inglesa: “planejamento”; “covid-19”; “guerra rússia-ucrânia”; “planning”; “war russia ukraine”. O período das publicações compreendido entre 2020 e 2023. E como critério principal, o número de citações. A Tabela 2 na sequência apresenta o ano da publicação, o número de citações, o título da pesquisa e o periódico:


Tabela 2: Artigos selecionados para as análises e discussões comparativas

Fonte: Elaboração própria (2023)

O resultado da seleção com os descritores utilizados justificam o retorno de estudos abordando impactos econômicos, sociais, políticos e geopolíticos em diversas áreas e os desafios que se apresentam para os planejadores dos países.

Crises Sanitárias

O ponto inicial para análise e discussão comparativa foi a pandemia da Covid-19 decretada pela OMS em março de 2020 e que colocou em alerta todo o mundo para um surto de doença causada por um vírus de rápida infecção com os primeiros casos observados em dezembro de 2019 na cidade chinesa de Wuhan (Msemburi et al., 2023). No entanto, historicamente, experiências relacionadas ao surto de doenças não são novidades para a humanidade, principalmente em se tratando de influenzas (Bertucci, 2002). Neste sentido, sempre da ocorrência de pandemias, logo as comparações são direcionadas para a Gripe Espanhola de 1918, em que se estima vitimou mais de 20 milhões de pessoas em todo o mundo e que a conduta de especialistas, das autoridades governamentais e da sociedade foram questionadas (Alvarez et al., 2009; Schwarcz & Starling, 2020).

Antes da decretação da pandemia da Covid-19, cientistas já investigavam a dinâmica temporal do surto no período entre 11/01/2020 e 15/03/2020 na China, Itália e França, identificando que apesar de o parâmetro de taxa de recuperação ser o mesmo entre os países, diferentemente, a taxa de infecção e mortalidade variava. Na ocasião, a taxa de mortalidade na Itália estava entre 4 e 8%, e na China, entre 1 e 3% (Fanelli & Piazza, 2020). O que pode ter contribuído para essa percepção inicial no cenário italiano poderia estar relacionado à campanha Milano no si ferma em 27 de fevereiro, quando o país registrava 17 óbitos; essa campanha foi replicada por outras cidades e no final de março a Itália atingia 12.466 óbitos e concentrava 27,8% do total de mortos pela Covid-19 em todo o mundo, sendo que a população do país sequer corresponde à 1% da população mundial (Calil, 2021).

Nas análises iniciais de Fanelli e Piazza (2020), a suposição de que fatores culturais e estilo de vida da população poderiam influenciar as taxas de infecção, tendo em vista que as autoridades chinesas impuseram lei marcial para uma grande parcela da população, contribuindo para a reduzida taxa de infecção, o que talvez explicasse o surto na Itália, em que governantes haviam optado por não conter a contaminação inicialmente. Não obstante, as ações e os estímulos à aceleração do ritmo de contaminação eram compartilhadas por governos de muitos países, como Brasil, Estados Unidos, Reino Unido, Holanda e Bélgica (Calil, 2021). Analisando a reação das pessoas no enfrentamento a doença na Rússia, Quirguistão e no Peru, Voronin et al. (2020) identificaram comportamentos variados e característicos das questões culturais, socioeconômicas e medidas tomadas pelos governos, exemplos do uso de substâncias, negação, religião, entre outros. Em 1918 durante a gripe espanhola no Brasil, Bertucci (2002) e Bertucci-Martins (2003) apresentam as mesmas discussões em torno das mesmas questões em diferentes regiões do país, como também sobre as disputas e fusões de ideias entre os que defendiam o contágio e contrários a teoria da infecção.

Em 2020, não bastasse o impacto inicial da pandemia, uma preocupação adicional foi a infodemia mundial, termo utilizado pela OMS para descrever a onda de medo acelerada em todo o mundo e que foi impulsionada pelo preconceito e informações errôneas, afetando a implementação dos planos estratégicos de controle (Patel, Kute & Agarwal, 2020). Sobre essa aparente desordem social, Goulart (2005, p. 134) cita o seguinte em relação ao caos na pandemia de 1918:

“A desordem pode ser uma situação criadora, uma vez que torna visível os problemas, tensões e insatisfações latentes no mundo social, podendo ser também fonte de mudanças nas decisões das elites e estimular o surgimento de novos comportamentos tanto políticos como sociais” (Goulart, 2005, p. 134).

Na pandemia da Covid-19, a tragédia em desenvolvimento no Brasil a partir do mês de abril de 2020, segundo Calil (2021), ocorreu conforme os planos do presidente Bolsonaro, que militarizou o Ministério da Saúde, adotando uma política negacionista, difundindo medicamentos ineficazes, restringindo gradualmente a testagem e ocultando parte significativa do número de óbitos.

Voltando às análises de Fanelli e Piazza (2020) na Itália, pelos dados levantados, o plano estratégico seria a necessidade de aquisição de 2.500 unidades de ventilação mecânica para atender os infectados na fase de pico da doença, e ao perceberem a redução dos índices após o país realizar o bloqueio total em 8 de março, concluíram que os países que enfrentariam o surto epidêmico só conseguiriam reduzir os impactos se houvesse um esforço cooperativo e disciplinado da população como um todo para o bloqueio. Não obstante, Patel, Kute e Agarwal (2020) argumentavam também para a necessidade dos países investirem mais em planejamento estratégico no combate a infodemia mundial.

Enquanto isso, nos Estados Unidos, o presidente Donald Trump politizava a situação qualificando a covid-19 como “vírus chinês”, proferindo manifestações contraditórias e que em nenhum momento propôs uma política nacional de contenção, diferentemente de algumas políticas regionalizadas por parte de alguns governos estaduais, assim como ocorreu no Brasil (Calil, 2021). A designação de gripe espanhola em 1918, ocorreu por ser a Espanha o primeiro país a dar publicidade a doença e que por não participar da guerra não havia censura na imprensa local, diferente dos países envolvidos com o conflito e que não queriam dar qualquer sinal de fraqueza - apontar uma doença com o nome do inimigo ou estrangeiro é algo reiterado desde a Idade Média (Schwarcz & Starling, 2020).

Alvarez et al. (2009) ao debaterem comparativamente algumas variáveis entre as pandemias da Influenza A (H1N1) em 2009 com a de 1918, considerando as experiências do México, Brasil e Argentina, apontam entre outras questões, que todos os avanços em termos de saúde pública internacional ao longo de quase um século não impediram práticas médicas, ações do Estado e comportamentos sociais inadequados semelhantes aos praticados em 1918, como exemplos, alterações nos discursos das autoridades, informações distorcidas sobre a origem da doença, descrédito aos riscos de contaminação, a promoção de aglomerações e o uso de medicamentos sem comprovado sucesso contra a infecção. O mesmo se repetiu em 2020 com as indicações da Cloroquina como tratamento para os infectados pela Covid-19, inclusive, pelo governo e autoridades brasileiras (Calil, 2021).

A pandemia pressionou a União Europeia na busca de um conjunto unificado de políticas de proteção de mercado da incerteza financeira internacional e garantia da disponibilidade de vacinas (Anghel & Jones, 2022). Enquanto no Brasil, oito meses após o primeiro caso confirmado, o país estava entre os países com os piores indicadores de óbitos e contaminações, resultado da estratégia definida e implementada pelo governo, orientado pela perspectiva de atingir a imunização coletiva (Calil, 2021).

Por outro lado, analisando as respostas econômicas dos governos nos primeiros meses da pandemia, foram observados variados tipos e formas de pacotes de estímulos como garantias, empréstimos, transferências para empresas e indivíduos, entre outros, e também em diferentes magnitudes; enquanto o Brasil se comprometia com 5.5% do PIB em pacotes de estímulos econômicos, a Alemanha anunciava o aporte de possíveis 33% (Cassim et al., 2020). Contudo, os autores apontavam para os riscos na destinação de vultuosos recursos. Não obstante, no Brasil, em maio de 2020 a Polícia Federal deflagrava a Operação Placebo para apurar irregularidades no uso dos recursos destinados ao estado de emergência de saúde pública decorrente da Covid-19 no Estado do Rio de Janeiro (Polícia Federal, 2020).

Edgar Morin, pesquisador francês que completou um século de vida em 2021, publicou em 2020 a obra “É hora de mudarmos de via: as lições do coronavírus”, nela, o autor reflete sobre as limitações governamentais, empresariais, científicas e sociais, que impactam negativamente na capacidade de enfrentamento aos graves desafios mundiais, explora as falhas do Estado neoliberal, sugere novos questionamentos sobre diplomacia e cooperação internacional e explica por que a pandemia pode elevar os riscos de retrocessos intelectuais, morais, democráticos e bélicos (Barbosa, Cardozo & Dias, 2021).

O estudo de Agambengyan et al. (2020) avalia as mudanças ocorridas na economia russa causadas pela pandemia da covid-19, apresenta algumas estratégias básicas de ação e políticas econômicas para fortalecer a capacidade de crescimento econômico do país, mas que seria necessário a formação de um efetivo sistema de gestão e planejamento estratégico. No entanto, o que se viu foi a invasão da Ucrânia pela Rússia em fevereiro de 2022. Não obstante, os gastos militares globais têm aumentado nos últimos anos; a Europa teve a maior alta anual na era pós-Guerra Fria, motivada principalmente pelo crescimento das despesas militares na Rússia e Ucrânia (Glucroft, 2023).

Cassim et al. (2020) apresentam um quadro comparativo dos investimentos em percentual do PIB de alguns países nos planos anticrises para os cenários de crise financeira em 2008 e sanitária em 2020, em que todos os países analisados, as respostas de estímulo econômico dos governos à crise da Covid-19 superam as da crise financeira de 2008. Porém, quando Aganbegyan et al. (2020) incluem as informações de Rússia e China, os dados apontam o contrário; o estímulo foi maior para a crise financeira e não para crise sanitária de 2020.

No sentido dos confrontos, segundo Said (2011), o pensamento global tende a reproduzir as diferentes disputas das superpotências, ainda mais perigosas na era nuclear e pós-nuclear, então a probabilidade é de que os poderosos se tornem cada vez mais poderosos e ricos, e os fracos, mais fracos e pobres; as diferenças vão ultrapassar a distinções anteriores entre regimes capitalistas e socialistas, pois novas formas de dominação serão criadas.

O próximo tópico aborda cenários de crises geopolíticas, mais especificamente as ações e planos no período da Segunda Grande Guerra comparando com os acontecimentos mais recentes, notadamente o conflito entre a Rússia e a Ucrânia, mas incorporando em parte o contexto brasileiro.

Crises geopolíticas

Durante os conflitos em 1942, o Brasil hesitou por um tempo em declarar guerra, mas observava o militarismo aumentar, a competição econômica se acirrar e não encontrar espaço e solidariedade internacional (Silva, 2010). Anghel e Jones (2022) ao discutir as reações e posicionamentos iniciais dos países à invasão da Ucrânia, demonstrou que muitos líderes buscaram pela diplomacia evitar o avanço do conflito, exemplos dos governos de França e Alemanha, membros da UE e da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), porém, o que se viu em seguida foram articulações econômicas, políticas, militares, encontros e assembleias em diferentes organizações internacionais para discutir sanções e apoios.

Mbah e Wasum (2022) explicam que mesmo que as sanções financeiras impostas à Rússia pelos EUA, Canadá, Reino Unido e UE tenham surtido efeito na economia do país, os impactos do conflito afetaram a economia global, considerando a ascensão da inflação devido o aumento nos preços do petróleo, gás natural e dos alimentos já no princípio da crise. Behnassi e Haiba (2022) argumentam que a atual Guerra Rússia-Ucrânia destacou fragilidades sistêmicas existentes na segurança alimentar internacional, fragilizando a capacidade das nações e dos indivíduos de garantir suas necessidades alimentares, o que inclui as atividades de cultivo, colheita, comércio, transporte, fornecimento e processamento dos alimentos, afetando o funcionamento de toda a cadeia de suprimentos.

Durante o Estado Novo, Silva (2010) destacou no Brasil que o interesse das forças armadas na economia aumentou especialmente no período que antecedeu a Segunda Guerra Mundial, ocasionando mudanças no pensamento estratégico, que antes a preocupação era com o aumento das despesas militares da Argentina, mas diante do cenário de tensões externas, logo a preocupação com os riscos de uma potencial agressão estava no mundo todo, então um dos planos foi a promoção da autossuficiência em alimentos.

Em 2019, os governos do mundo gastaram mais de 1,9 trilhão de dólares em armamentos, a Alemanha foi o país que mais incrementou seus gastos em termos percentuais, 10% maior em comparação com o ano anterior, o que já era uma pressão para o país, mesmo antes do governo Trump e incentivado pela OTAN que tem como meta que os países membros da aliança gastem 2% do PIB com defesa, isto desde 2014, quando a Rússia invadiu a Criméia e voltou a ser vista como uma ameaça (Heinrich, 2020).

Em 2020, o Plano Nacional de Defesa (PND) e a Estratégia Nacional de Defesa (END) encaminhados para apreciação do Congresso Nacional brasileiro instituem as ações estratégicas de médio e longo prazo e objetiva a modernização da estrutura nacional de defesa e também trata das questões político-institucionais. A END é inseparável da Estratégia Nacional de Desenvolvimento (Ministério da Defesa, 2022). O peso da Defesa no investimento federal no Brasil cresceu 33% em 2019 (Lupion, 2020).

Segundo o relatório anual da Sipri em 2023, os Estados Unidos é de longe o país que mais gasta com defesa no mundo, respondendo por 39% dos gastos militares em 2022, mas em termos de percentual do PIB, foi menor que o valor gasto em 2013 e longe do recorde de quase 10% do PIB durante a Guerra Fria (Glucroft, 2023). Embora a Alemanha tenha aumentado os gastos com defesa, os valores não chegaram a 2% do PIB, enquanto a soma dos gastos da Rússia com defesa chegaram a quase 4% do PIB em 2019 (Heinrich, 2020).

O que se pode inferir até aqui é que apesar de não ser tratada ainda como uma grande guerra, o cenário de tensões parece próximo do que já foi sofrido no passado. Importante destacar que os desentendimentos da Rússia contra a Ucrânia não são recentes, pois, desde 2007 o governo de Vladimir Putin acusa a postura agressiva dos Estados Unidos em detrimento da diplomacia ao observar a expansão da OTAN para o Leste Europeu e o suporte ocidental a grupos e partidos adversários do governo russo na Ucrânia, Geórgia e na própria Rússia (Ávila, Martins & Cepik, 2009). Por outro lado, a Ucrânia, maior representante da "Europa em Desenvolvimento", deverá ter um encolhimento de 30% no PIB por conta da guerra, o que também acrescentaria cerca de 2% à inflação global em 2022 e 1% em 2023, comparando com as projeções do início de 2022 (Liadze, et al., 2023).

Em relação aos gastos militares citados anteriormente, é necessário considerar o aumento nos índices de inflação em todo mundo, inclusive provenientes da crise sanitária e do conflito entre a Rússia e Ucrânia (Anghel & Jones, 2022; Glucroft, 2023).

Numa última análise, o estudo apresenta no próximo tópico algumas reflexões sobre as decisões de alguns governos, organismos internacionais e discussões nos dois cenários de crises, incluindo alguns questionamentos sobre o posicionamento ou a falta dele diante das tensões e dos efeitos causados nas populações e países.

Questões para reflexões sobre as decisões comparando os dois cenários de crises

Para Anghel e Jones (2022) a pandemia e a Guerra Rússia-Ucrânia representam crises distintas para a Europa, mesmo em se tratando de choques exógenos, incitam a UE a tomar decisões e fazer política de maneira distinta. A percepção dos autores logo nos remete aos cenários da Primeira Grande Guerra e da pandemia de Gripe Espanhola nos anos 1910, em que os planos de guerra foram modificados em virtude do surgimento de uma agente biológico, que não somente acometia os combatentes, mas toda a população, o que em parte, contribuiu para redução dos conflitos com a fragilização das tropas e para que os países retornassem às atenções internamente no combate a epidemia (Schwarcz & Starling, 2020).

Para ilustrar a percepção de Anghel e Jones (2022), os autores codificaram através de pontos positivos e negativos a visão de que as crises estão forjando a Europa em apontar em direções diferentes em termos de atuação da UE. A Tabela 3 a partir do modelo elaborado pelos autores aponta o lócus de atenção da UE para ambas as crises:


Tabela 3: As diferentes direções da gestão de crises da UE

Fonte: Anghel e Jones (2022)

Ao analisar a codificação estabelecida pelos autores, suscitam reflexões e alguns questionamentos, por exemplo, qual seria o resultado dessa análise em outras organizações de Estados pelo mundo? Qual o posicionamento do Brasil em relação às duas crises nessas variáveis de avaliação? E se avaliados o posicionamento dos países e as decisões da ONU em relação ao conflito entre Israel e o Hamas, e as tensões entre Venezuela e a Guiana?

Said (2011) aponta que a ONU, uma organização em princípio admirável, não mostrou-se adequada para lidar com os constantes conflitos regionais e globais ocorridos inúmeras vezes ao longo do século passado após a Segunda Guerra Mundial. Ao que parece, até o momento, primeiros meses de 2024, também não tem conseguido apaziguar os ânimos dos conflitos recentes.

Toni (2021), em Reflexões sobre Planejamento Estratégico no Setor Público, ao referenciar Matus (1997) na definição do planejador dominado pelo economicismo, aponta que seria um erro separar a dimensão técnica do plano da dimensão política, pois a ação de planejar é comportamental no estilo da teoria econômica, logo, está inserido no contexto institucional, no balanço de poder do plano, na correlação de força entre os atores, isto é, na dimensão política. Por outro lado, há uma volumosa literatura que discute os traços de liderança nas organizações, mas, às vezes contraditória, pois a ideia mais divulgada é a de que um líder já nasce líder e dispõe de características como inteligência, carisma, iniciativa, autoconfiança, entre outras; porém, o apontamento dessas características não classificam se estas serão utilizadas para o bem ou mal (Bilhim, 2013). No que nos remete prontamente a citação de Friedmann (2011) sobre a expansão e consonância dos planos, se estes serão utilizados para o bem ou mal das nações.

Outro ponto relevante a considerar em Mintzberg (1994) é de que a elaboração de estratégias precisa funcionar fora das “caixas” para incentivar a informalidade e produzir conhecimentos que gerem novas perspectivas e novos arranjos; e que os planejadores querem que as pessoas acreditem que o planejamento falha quando não recebe o apoio da alta administração, sendo que muitas vezes são os próprios proponentes que desencorajam a alta administração por considerar os planos desinteressantes na execução prática.

Finalizadas as análises comparativas, considera-se como uma limitação neste estudo a comparação ampla e não específica e profunda dos temas, o que poderá ser explorado em estudos futuros, por exemplo, a discussão sobre os impactos das crises e conflitos especificamente na saúde, na defesa dos países, na distribuição de alimentos, no aspecto humanitário, na questão inflacionária global, na educação, entre outros. Exemplificando, como fizeram Faria e Faria (2017) quando analisaram especificamente as bases históricas da chamada Reforma do Estado brasileiro, ocorridas no período de 1995 a 1998, decorrente da implementação do Plano Diretor de Reforma do Estado, considerando as diversas crises do Estado desde o pós-guerra. Adicionalmente, outros estudos podem ser desenvolvidos buscando discutir separadamente as crises, enfatizando o papel do Brasil nos cenários.

Contudo, as limitações apontadas acima não desqualificam as análises do estudo, visto que foi possível observar que os interesses dos governos de plantão muitas vezes estão acima dos planos e ações esperadas e de que as decisões políticas muitas vezes contribuem para o agravamento dos cenários de crises sanitárias e dos conflitos geopolíticos, sobretudo nos impactos negativos nas questões sociais.

Considerações Finais

A partir da revisão integrativa da literatura, desde os anos 1910 até os anos mais recentes, infere-se que as relações de poder e os interesses econômicos dos países se sobrepõem à todos os demais quando o assunto são as ações governamentais em cenários de crises e conflitos.

A análise comparativa entre as pandemias de Covid-19 e da Influenza Espanhola de 1918 sugere que ações de planejamento não foram concebidas, o que pôde ser observado pela incompetência das autoridades governamentais e comportamentos inadequados da sociedade em geral. Neste sentido, o avanço da medicina, da tecnologia e do conhecimento ao longo de cem anos não pareceram suficientes para impedir que o elevado número de vítimas, a desqualificação da doença, a exploração do lucro e as falsas notícias pudessem se repetir e gerar o caos em alguns países.

Diferentemente, a análise comparativa entre os cenários de conflitos geopolíticos da Guerra Rússia-Ucrânia e a Segunda Guerra Mundial, sugerem que os países estão mais preparados, que os planos estão alinhados às questões de poder e políticas econômicas desenvolvimentistas. Neste sentido, o cenário que se parece ao que antecedeu à Segunda Guerra Mundial em termos de crise do liberalismo econômico, difere em termos de governos político-militares autoritários, o que espera-se, possa contribuir para redução e não ampliação das tensões e conflitos, o que não foi observado até os primeiros meses de 2024.

No geral, o que se observou na análise histórica e comparativa deste estudo, foi que as decisões centradas no poder não alinhadas aos planos estrategicamente elaborados por especialistas e planejadores, recaem nas populações mais vulneráveis os impactos significativamente negativos desses cenários, levando-se em consideração os efeitos observados tanto na crise sanitária da Covid-19, quanto nos impactos iniciais da Guerra da Rússia-Ucrânia, seja a morte de civis, a crise econômica, humanitária, riscos ao abastecimento alimentar, as preocupações com a inflação, entre outras. Isto, sem a discussão dos efeitos sociais devastadores do mais recente conflito entre Israel e o Hamas, o que deverá ser temática de investigação em pesquisas futuras.

O estudo apresenta como limitações a análise geral, mais ampla dos temas crises sanitárias e conflitos geopolíticos, utilizando especificamente dois cenários (Covid-19 versus Gripe Espanhola e Guerra Rússia-Ucrânia versus Segunda Guerra), não abordando os planos estratégicos específicos das áreas, como exemplos, área da saúde e de defesa do Brasil e dos países separadamente, o que poderá ser também sugestão para estudos futuros. No mesmo sentido, a percepção dos autores a partir de um recorte de estudos históricos, o que poderia apresentar outras visões e olhares quando da análise de eventos, períodos e questões isoladas, portanto, mais temáticas para pesquisas futuras. Uma última sugestão de agenda de pesquisas, seria a abordagem específica dos regimes políticos, o perfil dos governos de plantão, a realidade de cada país, discutindo apenas uma das crises e enfatizando o papel do Brasil nesses cenários.

Material suplementario
Referências
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Notas

Tabela 1: Artigos selecionados para construção do referencial teórico

Fonte: Elaboração própria (2023)

Tabela 2: Artigos selecionados para as análises e discussões comparativas

Fonte: Elaboração própria (2023)

Tabela 3: As diferentes direções da gestão de crises da UE

Fonte: Anghel e Jones (2022)
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