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Recepción: 21 Septiembre 2023
Aprobación: 02 Agosto 2024
Publicación: 18 Marzo 2025
Resumo:
Objetivo da pesquisa: Analisar as oportunidades e desafios propiciados pelo processo de decisão colegiada no setor público; mais especificamente, nos cursos de pós-graduação stricto sensu da UFMG.
Enquadramento teórico: Realizou-se uma reflexão acerca daevolução da administração pública no Brasil e do processo de tomada de decisão coletiva.
Metodologia: Estudo de caso, de abordagem mista, produzido a partir de análise documental e entrevistas semiestruturadas, apreciadas via análise de conteúdo.
Resultados: Os resultados indicam uma centralidade decisória nos colegiados dos programas de pós-graduação, onde o poder do coordenador varia conforme o curso. Os processos são singulares em cada programa, entretanto, o debate foi destacado em todos como essencial para a tomada de decisão. Esse modelo decisório foi apontado como um dos melhores, por ser democrático, transparente e legítimo. No entanto, há pré-requisitos como a diversidade de participantes e uma coordenação eficiente, etc.
Originalidade: Este artigo amplia a compreensão das dinâmicas de poder nas políticas públicas, identificando oportunidades de aprimoramento na governança. Ademais, a análise de processos decisórios coletivos, ainda pouco explorada, é essencial para a construção de sociedades mais equitativas, inclusivas e democráticas.
Contribuições teóricas e práticas: Espera-se que este estudo sirva de fundamento para a construção de uma referência para os processos participativos de tomada de decisão, fomentando sua adoção e tornando os já implementados mais efetivos e inclusivos.
Palavras-chave: processo decisório, decisão coletiva no setor público, decisão colegiada, pós-graduação.
Abstract:
Research objective: Analyze the opportunities and challenges provided by the collegiate decision-making process in the public sector; more specifically, in the stricto sensu graduate courses of UFMG.
Theoretical framework: Was made a reflection about the evolution of public administration in Brazil and the collective decision-making process.
Methodology: Case study, of mixed approach, produced from documentary analysis and semi-structured interviews, appreciated via content analysis.
Results: The results indicate a decision-making centrality in the collegiates of the graduate programs, where the power of the coordinator varies according to the course. The processes are unique in each program; however, the debate was highlighted in all as essential for decision making. This decision-making model was pointed out as one of the best, because it is democratic, transparent and legitimate. However, there are prerequisites such as diversity of participants and efficient coordination, etc.
Originality: This article broadens the understanding of power dynamics in public policies, identifying opportunities for improvement in governance. The analysis of collective decision-making processes, although little explored, is essential for the construction of more equitable, inclusive and democratic societies.
Theoretical and practical contributions: It is expected that this study will serve as a foundation for the construction of a reference for participatory decision-making processes, fostering their adoption and making those already implemented more effective and inclusive.
Keywords: decision-making, collective decision in the public sector, collegiate decision, postgraduate.
Resumen:
Objetivo de la investigación: Analizar las oportunidades y desafíos que brinda el proceso colegiado de toma de decisiones en el sector público; más específicamente, en los cursos de posgrado stricto sensu de la UFMG.
Marco teórico: Se realizó una reflexión sobre la evolución de la administración pública en Brasil y el proceso colectivo de toma de decisiones.
Metodología: Estudio de caso, de enfoque mixto, producido a partir de análisis documental y entrevistas semiestructuradas, apreciado a través del análisis de contenido.
Resultados: Los resultados indican una centralidad en la toma de decisiones en los colegiados de los programas de posgrado, donde el poder del coordinador varía según el curso. Los procesos son únicos en cada programa, sin embargo, el debate se destacó en todos como esencial para la toma de decisiones. Este modelo de toma de decisiones fue señalado como uno de los mejores, porque es democrático, transparente y legítimo. Sin embargo, existen requisitos previos como la diversidad de participantes y la coordinación eficiente, etc.
Originalidad: Este artículo amplía la comprensión de las dinámicas de poder en las políticas públicas, identificando oportunidades de mejora en la gobernanza. El análisis de los procesos colectivos de toma de decisiones, aunque poco explorado, es esencial para la construcción de sociedades más equitativas, inclusivas y democráticas.
Aportes teóricos y prácticos: Se espera que este estudio sirva de base para la construcción de un referente para los procesos participativos de toma de decisiones, fomentando su adopción y haciendo más efectivos e inclusivos los ya implementados.
Palabras clave: toma de decisiones, decisión colectiva en el sector público, decisión colegiada, Postgrado.
Introdução
A nova administração pública tem se encaminhado cada vez mais para um modelo participativo e deliberativo, reinventando a política institucional e a própria gestão. Esse tipo governo está relacionado à expansão da esfera pública, decentralizando decisões, fortalecendo a democracia, diluindo práticas autoritárias, ampliando a legitimidade das decisões e tornando-a mais inovadora, embora cada vez mais complexa (Carneiro, 2004; Milani, 2008; Mintzberg, 1995; Paula, 2005; Tenório, 1998).
Dessa maneira, o processo decisório no setor público passou a contar com uma multiplicidade de atores (e.g., público, privado, não governamental e sociedade civil) e diferentes estratégias de participação, inclusão, coordenação, debate e solução (Milani, 2008; Mintzberg, 1995; Paula, 2005). Sendo para tal, indispensável o cumprimento de diversos requisitos mínimos como a pluralidade de indivíduos, deliberação, estrutura de comunicação, entre outros (Macêdo, 2018).
Assim, a tomada de decisão coletiva tem se tornado cada vez mais usual nas organizações, uma vez que permite a integração de diferentes perspectivas, uma maior descentralização de poder e o compartilhamento de responsabilidades (Almeida & Morais, 2021). Entende-se como decisão coletiva o resultado de um processo de negociação de um grupo, realizado de forma racional, colegiada, política, burocrática, ou anarquicamente organizada, para a definição de uma ação (Almeida & Morais, 2021; Chaffee, 1983; Melo, 1991; Souto-Maior, 1988). Esses diferentes modelos de tomada de decisão se diferem quanto ao método de escolha das alternativas, premissas, valores, implicações e resultados por eles possibilitados (Chaffee, 1983), particularidades que lhes tornam dignos de análise e melhor compreensão.
Soma-se a isso, a complexidade do processo decisório governamental, que progressivamente se torna mais desafiador. Seu estudo é, então, cada vez mais relevante, ao permitir compreender as dinâmicas de poder e de negociação, bem como as influências que moldam os serviços e as políticas públicas, contribuindo, ainda, para identificar oportunidades de aprimoramento e promover uma governança mais efetiva e inclusiva.
Isto posto, este trabalho objetiva analisar as oportunidades e desafios propiciados pelo processo de decisão colegiada no setor público; mais especificamente, nos cursos de pós-graduação stricto sensu da UFMG. Para isso, conduziu-se um estudo de caso de abordagem qualitativa e natureza descritiva, a partir de análise documental e entrevistas semiestruturadas com 18 indivíduos de 4 programas de pós-graduação (PPG) da UFMG. Sob essa ótica, justifica-se por ampliar a discussão referente às decisões administrativas, especificamente, sobre processos decisórios coletivos em âmbito colegiado – tema ainda limitadamente trabalhado, porém, de grande relevância. Espera-se, ainda, que sirva de fundamento para a construção de uma referência para os processos participativos de tomada de decisão.
O restante do trabalho está organizado como segue: no tópico seguinte é apresentado o enquadramento teórico que aborda a evolução da administração pública no Brasil e contextualiza a tomada de decisão coletiva, apresentando, ainda, suas vantagens e desvantagens. Em seguida, justifica-se a escolha do caso e descreve-se a abordagem metodológica utilizada. As análises e discussões são apresentadas após, acompanhada pelas considerações finais e referências.
A Administração Pública no Brasil
A administração pública paulatinamente tem buscado se adaptar às necessidades do próprio Estado e de seus cidadãos, que progressivamente estão mais conscientes de seus direitos e da importância do controle das ações públicas, exigindo, assim, mais qualidade e transparência (Abrucio, 1997; Bresser-Pereira, 1996; Paula, 2005). Como resultado, mudanças têm sido realizadas de forma a acompanhar as transformações econômicas, sociais, administrativas, políticas e tecnológicas ocorridas na sociedade, visando garantir o interesse público e a democratização do Estado (Paula, 2005).
No entanto, a evolução das práticas governamentais ainda constitui um desafio (Paula, 2005), logo, analisar as características e cenário da administração pública do Brasil é parte importante para a compreensão das transformações ocorridas, e por conseguinte, para o aprimoramento da democracia e do bem-estar social.
É sabido que a administração pública brasileira perpassa por três modelos de gestão, são eles: patrimonialista, burocrático e gerencial, também conhecido como nova gestão pública (Bresser-Pereira, 1996), que convivem, concomitantemente, no aparato governamental, se adaptando, como na combinação da administração patrimonial tradicional e burocracia, originando o chamado patrimonialismo burocrático. Há, entretanto, momentos de sobressalto de uma lógica de gestão sobre outra (Paula, 2005).
O modelo patrimonialista é marcado por decisões arbitrárias e descaso com os cidadãos. Nesse modelo não há uma clara distinção entre bens públicos e privados. A propriedade pública é considerada uma extensão do patrimônio dos governantes, sendo um cenário propício para a corrupção, nepotismo e apropriação indevida de bens (Bresser-Pereira, 1996; Paula, 2005).
A burocracia surge, então, como uma alternativa de combate ao patrimonialismo, trazendo consigo a impessoalidade, profissionalização, formalismo, separação entre bens públicos e privados, leis e normas, cujo principal objetivo era a modernização da máquina administrativa, a partir de conceitos como racionalidade e eficiência (Weber, 2008). Contudo, na prática, o modelo era ineficiente, acarretando apenas no enrijecimento da administração, devido ao excesso de burocracia e suas consequentes disfunções. Além disso, sua implantação não erradicou as práticas patrimonialistas outrora existentes (Bresser-Pereira, 1996; Faria et al. 2023; Paula, 2005).
Considerado insustentável, uma nova reforma foi necessária, emergindo, então, o modelo gerencial. Inspirado na administração privada, esse modelo se opõe ao burocrático, tendo como características a descentralização política, financeira e administrativa, a democratização do Estado e a qualidade do serviço público e de atendimento aos cidadãos; sendo orientado para o interesse público e baseado em eficiência, eficácia e efetividade (Abrucio, 1997; Blonski et al. 2017; Bresser-Pereira, 1996; Faria et al. 2023; Paula, 2005).
Na atualidade, a administração pública brasileira se direciona cada vez mais para uma gestão participativa e deliberativa (Paula, 2005), destaca-se, por exemplo, a gestão social que permite a incorporação de atores internos e externos na organização pública, ensejando a democratização na tomada de decisões e o combate, via emancipação e empoderamento, das desigualdades estruturais presentes na sociedade (Ckagnazaroff, 2004).
Ckagnazaroff (2004) associa a participação à própria ideia de descentralização de poder, visto que os envolvidos detêm uma possibilidade concreta de intervir na vida pública. Esse tipo de gestão, segundo o autor, é marcada por uma pluralidade de atores e dinâmicas de conflito e acordos, não se tratando, portanto, de uma tarefa fácil (Milani, 2008). O emprego de estratégias de tomada de decisão coletiva se torna, então, uma interessante saída para essa crescente necessidade de participação e a consequente ampliação do número de atores envolvidos.
Especificamente nas universidades públicas, o futuro aponta para a liderança compartilhada salientam Pearce, Wood e Wassenaar (2018). Esse modelo de gestão, segundo os autores, vai além da representação política do corpo docente[i], auferindo, a esses atores, a verdadeira voz que desejam, permitindo que competências e habilidades inerentes aos indivíduos sejam reunidas e aplicadas às questões universitárias e com um menor dispêndio de tempo, garantindo, assim, que as universidades prosperem e se tornem sustentáveis.
A tomada de decisão coletiva
A tomada de decisão coletiva advém dos primórdios da vida em sociedade e se relaciona à combinação de informações entre os membros do grupo para uma decisão em conjunto (Mahmoodi et al., 2013). No entanto, nas organizações, essa realidade pode ser considerada recente (Aktouf, 1996).
Para Frega (2009), a decisão coletiva, em geral, vincula-se à resolução de problemas complexos, pois estes necessitam de uma variedade de indivíduos para sua solução. Almeida e Morais (2021) reconhecem a decisão coletiva como o resultado de uma escolha, derivada de um processo de negociação, por dois ou mais atores, que chegam a uma decisão em comum e distribuem entre si a responsabilidade dela decorrente. Essa negociação pode se dar a partir da agregação de preferências individuais, isto é, de mera soma destas, ou a partir da integração dessas preferências, na qual os decisores renunciam às suas inclinações individuais e decidem como um grupo, ou seja, como uma unidade de decisão.
Por outro lado, Souto-Maior (1988) entende o processo em foco como um jogo, cujo resultado depende da escolha de todos os jogadores envolvidos, que influenciam outros atores por meio de estratégias manipulativas. No entanto, seu objetivo é o de satisfazer a vontade individual, ao invés de maximizá-la. A decisão para o autor é, portanto, uma solução conjunta.
Cançado, Tenório e Pereira (2011), em contrapartida, ressaltam que a coerção é estranha à tomada de decisão coletiva. Além disso, o consenso deve se dar por entendimento e não por negociação, necessitando, assim, de formação de alianças e coalizões (Sobral & Peci, 2013).
Logo, o processo decisório, nesses casos, se torna ainda mais complexo que a decisão individual, devido à necessidade do consenso, por seu turno, gerado tanto pela convergência quanto pelo confronto de diferentes interesses, perspectivas e informações (Araya, Carignano & Gomes, 2004; Fisher, 2017; Melo, 1991).
Apesar de compreender diversos tipos de vantagens como, por exemplo, maior diversidade de informações para subsídio da decisão e descentralização de poder, esse modelo decisório também possui desvantagens, como a propensão para assumir maiores riscos, explicado pela distribuição desses riscos e a limitada possibilidade de tomada de decisão com maior celeridade, já que se fazem necessários debates, quórum mínimo, bem como o já mencionado consenso entre os envolvidos (Sobral & Peci, 2013). O quadro 1 apresenta algumas vantagens e desvantagens encontradas na literatura acerca da tomada de decisão coletiva.

Especificamente, a decisão do tipo colegiada é um marco caracterizante das instituições de ensino superior brasileiras, que são constituídas por órgãos colegiados dirigidos pelo corpo docente, discente e técnico da instituição. A estes agentes é demandada uma racionalidade em conjunto, em direção a objetivos comuns (Chaffee, 1983; Lei n.º 9.394, 1996). O que possibilita representatividade do pluralismo de ideias, presente em seus diversos âmbitos, e garante, ainda, a descentralização necessária, bem como uma maior qualidade para as decisões tomadas nesses espaços (Fernandes, 1998).
Neste ponto, é relevante destacar que a decisão colegiada não é apenas uma mera soma das decisões individuais (Song, 2009). Chaffee (1983) define a decisão colegiada como uma decisão tomada em consenso, de responsabilidade compartilhada, que visa ao bem-estar coletivo; amplamente influenciada pelas relações de poder (Sousa, Sobrinho & Vasconcellos, 2012). Nesse sentido, Bernardes (2005) acrescenta que se faz necessária a participação igualitária de todos os membros do grupo, sendo a comunicação e o debate essenciais nesse processo.
No que tange ao consenso, Mckinney (2001) caracteriza-o como a aceitação, em prol da coletividade, de uma escolha por todos os membros do grupo, mesmo quando ela não corresponde às preferências individuais. Salienta, ainda, que uma escolha é razoável para a maioria quando seus participantes consideram que puderam expressar suas preferências e alcançam uma definição em conjunto.
Chaffee (1983) identifica, ainda, outros quatro modelos de tomada de decisão que podem ser encontrados em universidades[ii], conforme apresentado a seguir:

Cabe destacar que, na prática, a tomada de decisão colegiada pode ser influenciada por todas as premissas anteriormente mencionadas, uma vez que ela resulta de uma integração de análises socialmente construídas, baseadas em circunstâncias, em necessidades e em sua institucionalização. Numa palavra, não se segue um modelo único (Chaffee, 1983).
Procedimentos Metodológicos
Proveniente de uma dissertação, o presente artigo constitui-se como um estudo de caso de abordagem qualitativa e natureza descritiva, desenvolvido a partir de análise documental, na qual se efetuou consultas aos regimentos, resoluções e informações nas páginas eletrônicas da instituição como, por exemplo, o número de comissões permanentes do PPG, e entrevistas semiestruturadas com atores que estiveram ou estavam envolvidos com discussões colegiadas, a nível central e de unidade acadêmica. Foram realizadas 18 entrevistas entre os meses de março a junho de 2022, após aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (Cefet-MG)[iv].
Com mais de 95 anos de história, a UFMG tem se destacado, por sua excelência acadêmica, em distintas avaliações. Ocupa a quarta posição no Ranking Universitário Folha (Folha de S. Paulo, 2019) como a melhor universidade do Brasil em qualidade de ensino, é a terceira melhor instituição federal de ensino superior do país (World University Rankings, 2023) e a sétima do ranking regional América Latina 2023 (Times Higher Education, 2023). Se tratando da pós-graduação, 45,3% de seus cursos foram classificados com notas 6 e 7 (padrão internacional de excelência) na avaliação quadrienal mais recente (2017–2020) da Capes, enquanto a média nacional é de 11,5%. Credenciais que justificam sua seleção como o caso a ser analisado.
Os PPG analisados foram definidos de maneira intencional, no que foi estabelecido por Patton (1990) como “amostragem de casos críticos”, selecionou-se 4 dos 79 PPG acadêmicos[iii] da instituição por serem pioneiros na adoção de uma comissão de heteroidentificação em seus exames de seleção, são eles: (entre parênteses, o percentual de reserva em 2022/1): Ciência Política (31,25%), Comunicação Social (50,00%), Demografia (20,00%) e Educação: Conhecimento e Inclusão Social (50,00%). Essa restrição se relaciona ao caso analisado na dissertação – a política de cotas nos cursos de pós-graduação stricto sensu da UFMG – onde se considerou que tais programas evoluíram sua política de reserva de vagas, adicionando uma fase/um mecanismo opcional e sofisticada(o) para evitar fraudes na autodeclaração racial, indicando maiores chances de terem passado por uma rica discussão colegiada.
Foram entrevistados 5 discentes, 12 docentes e 1 servidor técnico administrativo, este pertencente à administração central da universidade, assim distribuídos entre os programas: 4 do PPG1, 5 do PPG2, 3 do PPG3 e 5 do PPG4. Visando assegurar a confidencialidade e proteger a privacidade dos participantes do estudo, os nomes dos entrevistados e seus respectivos cargos não serão mencionados. No decorrer do artigo, os programas serão identificados por números aleatórios, de PPG1 a PPG4, e os entrevistados, por sua vez, serão nomeados como E1 a E18. Para a exploração e interpretação dos dados foi empregada a análise de conteúdo, seguindo as três etapas descritas por Bardin (2000): pré-análise, exploração do material ou codificação, e tratamento dos resultados (i.e., inferência e interpretação).
Oportunidades e desafios da tomada de decisão colegiada
Reforçando o disposto por Chaffee (1983) sobre o padrão colegiado das instituições de ensino superior, percebe-se ao analisar a estrutura organizacional da UFMG, que a organização é constituída por diversos órgãos colegiados, sejam eles acadêmicos ou administrativos. Nesse contexto, E1 articula:
A universidade tem por práticas as decisões colegiadas. Desde lá do nível de departamentos, colegiados, congregação, câmaras... [né] até as Pró-Reitorias, CEPE, Conselho Universitário, Câmara de Diretores. Então, assim, em geral, essa hierarquia toda da universidade obedece a decisões colegiadas, que eu acho que dentro de uma comunidade do tipo da universidade, super salutar, porque aí a democracia, a discussão, as decisões passam por ouvir vários pontos de vista, né? Levam em consideração que uma pessoa acha, seja pelo bem ou pelo mal, do que está sendo discutido e será definido.
Esse relato é condizente com a importância do processo colegiado na tomada de decisão das universidades proposta por Fernandes (1998), a qual relaciona esta estratégia decisória a uma representatividade do pluralismo de ideias presente nestas instituições tão diversas.
Com exceção dos colegiados de cursos, seus órgãos colegiados são compostos por docentes, ocupantes de, no mínimo, 70% dos assentos, e, a partir deste percentual, por até 15% de servidores técnico-administrativos em educação e 1/5 de discentes, eleitos por seus pares, atendendo à Lei de Diretrizes e Bases da Educação no Brasil (Lei n.º 9.394, 1996).
Nos cursos, as proporções dos docentes e discentes se mantêm, entretanto, não há assento para servidores técnico-administrativos, os quais exercem apenas a função de secretários nas reuniões (Resolução n.º 04, 1999). Ademais, a incumbência de presidir as sessões é do coordenador do programa, o qual atua ainda como a principal autoridade executiva do órgão, possuindo a responsabilidade de iniciativa para as diversas matérias de competência deste, papel que, por seu turno, Macêdo (2018) conclui ser essencial para a estrutura de comunicação do tipo de tomada de decisão em foco.
Já a agenda decisória compreende os itens de expediente, isto é, discussão e votação de ata, comunicações, decisões do coordenador ad referendum, além da ordem do dia – momento em que são apreciados os assuntos da pauta. É previsto o trabalho de pareceristas e comissões para subsidiar a tomada de decisões na instituição. Além disso, é permitida a alteração da ordem dos trabalhos, a remoção de itens da pauta, baixadas de itens – com aprovação no plenário –, entre outras ações (Resolução Complementar n.º 03, 2022).
A resolução complementar n.º 03/2022 explicita, ainda, que a tomada de decisão colegiada na instituição deve perpassar por duas fases em cada assunto em pauta: a discussão e a votação. A definição do número de inscrições para manifestações, bem como a duração de cada intervenção, é prerrogativa da coordenação. Assim, cada assunto pautado, uma vez encerrada a fase de discussão, é submetido à votação do Plenário.
A decisão ocorre por maioria simples em relação aos membros presentes, podendo, quando envolvidos vários itens de um mesmo assunto, sem prejuízo de apresentação e discussão, ser votada em blocos; cada membro tem direito a um voto, sempre exercido pessoalmente, cabendo ao presidente o voto de desempate, além do voto comum. Veda-se a votação de assuntos de interesse pessoal (Resolução Complementar n.º 03, 2022).
De acordo com a narrativa a seguir, os órgãos colegiados da UFMG, ao mesmo tempo que são independentes, são correlacionados. Tal fato corrobora a visão de Bernardes (2005, p. 47) sobre a inter-relação na gestão colegiada: “o modelo prevê a diluição do poder, entendemos que todas as unidades têm autoridade e autonomia, de forma que nenhuma decide sozinha”.
Os programas têm autonomia, a Pró-Reitoria não interfere diretamente, assim... como uma imposição aos programas (E1, trecho 1).
Decide-se num âmbito, começa uma discussão, por exemplo, uma criação de um curso de pós-graduação, a discussão começa com um grupo de professores em geral, tem que ser aprovado por um departamento, pelo colegiado... câmara de pós-graduação, depois CEPE, depois o Conselho Universitário. Isso para uma decisão interna, claro, todos esses trâmites, mas passando por várias instâncias colegiadas, percorrendo todos os caminhos (E1, trecho 2).
Mas, para além dos aspectos em comum, cada colegiado é único e singular, possuindo natureza e realidades particulares. Cabe, então, a cada órgão colegiado a elaboração de um regulamento interno próprio, estabelecendo as linhas de pesquisa, composição dos colegiados, etc., sempre respeitando as normas superiores (Resolução Complementar n.º 03, 2022).
Por conseguinte, cada colegiado possui configuração específica e singularidades próprias, sendo, portanto, altamente heterogêneos, podendo variar de acordo com sua estrutura, tamanho, procedimentos, processos para a tomada de decisão, estratégias de gerenciamento e outros. Por outro lado, é arraigado em todos os programas a centralidade do colegiado, perpassando nele todas as suas decisões.
Ao analisarmos os quatro programas, destaca-se o PPG4 como sendo o único que trabalha quase exclusivamente de forma colegiada. Segundo os entrevistados, com exceção das demandas burocráticas e administrativas, todas as decisões relativas ao programa são definidas de forma colegiada, sendo a tomada de decisão do PPG realizada de forma 100% colegiada. Ademais, vale salientar que os procedimentos adotados pelo programa somente são viáveis devido ao seu tamanho reduzido.
À vista disso, não é habitual ao programa a utilização de referendamentos. Segundo E14, noutro tempo o coordenador tomava decisões e isso era feito, mas esse processo gerava certo incômodo dentro do colegiado. Inclusive, este desconforto foi partilhado por E16, que afirmou já ter se sentido desconfortável com alguma decisão tomada ad referendum.
Exatamente por isso, a responsabilidade da tomada de decisão foi transferida, de uns tempos para cá, quase que exclusivamente ao colegiado, buscando-se, cada vez menos, a utilização do ad referendum. E, nesse sentido, como afirma E16, mesmo quando utilizado, as questões, em geral, são discutidas anteriormente, pelo menos entre os professores; mesmo que informalmente, acrescenta E14.
Além disso, com as mudanças e novas tendências advindas do pós-isolamento social, um facilitador para esse processo 100% colegiado veio através da criação de um grupo no aplicativo de troca de mensagens WhatsApp, evidenciando o papel importante da tecnologia para um processo cada vez mais integrado (Angeloni, 2003). Outra particularidade de um programa pequeno, segundo E18, é que normalmente as demandas são de conhecimento geral, todo mundo fica sabendo das coisas, o que facilita o cuidado em conjunto.
Ainda de acordo com o entendimento deste entrevistado, o processo decisório do programa é bom, pois todo um trabalho é realizado antes da reunião de colegiado, trabalho este, não realizado apenas pelos membros do colegiado: “está todo mundo fazendo isso o tempo todo, assim, tentando não deixar nada ruim acontecer (E18)”. Nota-se, portanto, o comprometimento dos membros do programa com o bem-estar coletivo, implicações, segundo Chaffee (1983), do modelo colegiado de decisão.
A busca por uma composição diversa no colegiado é um hábito do programa, direcionado à pluralidade de indivíduos proposta por Lazari e Bolonha (2017), e uma maior representatividade conforme Fernandes (1998). Ademais, o papel atribuído ao coordenador do programa é o de detentor do comando de coordenação: “A gente sempre quer manter isso de que o coordenador coordena, ele não manda, tá? E quem toma as decisões é o colegiado (E14)”.
Para E18 há um apreço muito grande do corpo docente pelo programa. Em suas palavras: “[...] é como se o programa de fato fosse uma entidade maior e acima”. Dessa forma, pensá-lo de forma geral, bem como no que é melhor para ele, é sempre mais importante do que as preferências individuais. Condizendo com Almeida e Morais (2021) no tocante aos aspectos da renúncia às inclinações individuais e da decisão de grupo, aqui entendida como unidade de decisão. Ressalta-se, ainda, que durante as entrevistas e no site do programa não foram encontradas menções sobre resoluções e/ou comissões que atuem no PPG.
Em seu polo oposto, está o PPG2, um programa extremamente grande, a tal ponto de ser comparado por E7 a um grande elefante se movendo, sendo extremamente trabalhoso. Esta desvantagem é, a propósito, levantada por diferentes pesquisadores como um dos desafios da tomada de decisão colegiada (cf. Almeida & Morais, 2021; Frega, 2009; Sobral & Peci, 2013).
Soma-se a isso que todas as decisões do PPG perpassam pelo colegiado, seja por meio de informes, pautas ou referendamentos. E por ser um programa muito grande, com um colegiado bem amplo – em ambos os casos, o maior entre os analisados –, as demandas são igualmente grandes, o que o torna ainda mais complexo. Logo, sua coordenação e processos são extremamente morosos, exigindo a adoção de diferentes estratégias para seu gerenciamento.
Um artifício empregado pelo programa é a instituição de comissões, de modo que as demandas são encaminhadas “de certa maneira filtrada e debatida para o Colegiado (E7)”. Ademais, foram estabelecidas diversas resoluções, de modo a amparar e racionalizar as decisões. As pautas são asseadas e enviadas previamente, para que cada linha discuta seus temas centrais e o representante leve a posição da linha para ser debatida dentro do colegiado. Salienta-se, ainda, que, em alguns casos, para alguns temas, o colegiado também costuma escutar alguns especialistas no tema e buscar alguma experiência para subsídio da decisão, destaca E9. Procedimentos ligados à redução de incerteza, ricos e melhora na qualidade da informação (Pan & Chen, 2018; Stair, 1998).
Fundamentando a compreensão Fisher (2017) sobre como a dinâmica da decisão colegiada correlaciona-se à sua estrutura de comunicação, E7 possui com visão similar à de E14 a respeito do papel do coordenador na condução do colegiado – e não do programa –, o entrevistado ressalta que, em sua gestão, buscou estabelecer processos mais eficazes e eficientes para a coordenação das reuniões de colegiado, procedimentos estes mantidos, segundo relatos de E10, pela nova coordenação.
Assim, adotaram-se diferentes estratégias, como: a prática de que informes não se coloca em discussão, por serem apenas informes; a existência de tempo máximo de fala para cada um; a retirada, da pauta, de pontos que não levavam a nenhuma conclusão – casos em que se pedia um maior amadurecimento da discussão aos membros das linhas, para que a matéria fosse, então, retomada em pauta, em reunião posterior; e uma pauta comentada, na qual a coordenação e esclarecia “do que se tratava, anexando os documentos que poderiam auxiliar naquele debate e dizendo qual era a nossa posição, né? É, então, eu acho que ao se estabelecer essa dinâmica, a gente se preparava tanto para esclarecer sobre o ponto, para informar e dar suporte ao colegiado sobre a decisão (E7)”.
E7 acrescenta que, depois da adoção da pauta comentada, dificilmente entravam em grandes polêmicas, e que, raramente, os encaminhamentos da coordenação não eram aprovados. Ele salienta, no entanto, que, ainda assim, não era unanimidade o tempo todo; logo, alguns desses encaminhamentos eram reprovados ou modificados e aprovados de outro modo, mas de uma maneira muito tranquila, conclui ele. Tais processos são característicos de uma combinação do modelo racional e político de decisão (Chaffee, 1983).
Em suma, os PPG 2 e 4 desenvolveram características singulares de gerenciamento de seus colegiados, mas é importante sublinhar que algumas dessas particularidades podem ser aproveitadas por outros colegiados, a fim de torná-los mais ágeis e integrados.
Os PPG 1 e 3 são programas de tamanho próximo (PPG1) e ligeiramente maior (PPG3) que mediana (160). E assim como o PPG2, trabalham frequentemente com comissões no amparo a suas decisões. A propósito, as comissões podem ser permanentes ou instituídas para discutir um tema específico.
E5 destaca que, no PPG1, algumas comissões possuem certa discricionariedade, como a comissão de bolsas, que delibera a respeito do mérito e demérito dos bolsistas, bem como da locação de novas bolsas. Há também a deliberação por parte do colegiado de pareceres elaborados pelas comissões e a plena deliberação de alguns assuntos. Igualmente, ele salienta que a composição das comissões sempre conta com a presença de membros do colegiado.
O PPG1 foi o único programa que falou abertamente sobre a publicidade de suas reuniões: “[...] às vezes elas já são convocadas como abertas, então tem um convite “reuniões ampliadas. Mas fora isso, é muito comum. Às vezes tem uma pessoa que tem interesse na coisa... aí ela vai e senta, assiste e escuta. Elas são abertas, como tudo na universidade: banca, enfim... elas são abertas (E3)”. Ele complementa afirmando que pessoas externas têm direito à voz, mas não voto.
Uma importante singularidade desse programa diz respeito à representação discente. Embora esta disponha de duas cadeiras no colegiado, possui apenas um voto, fato que contraria explicitamente o regulamento da UFMG, que garante a cada membro o direito a um voto (UFMG, 2022). Ademais, este quadro destoa do princípio da participação igualitária de todos os membros do grupo proposta por Bernardes (2005).
Já o colegiado do PPG3 não apresenta nenhuma particularidade. De acordo com o E11, uma série de agentes atuam na conformação das decisões. Segundo ele, o colegiado se posiciona a partir dos diálogos internos de comissões, professores, discentes, da secretaria do programa e de demandas de outros órgãos da UFMG, da Capes, do CNPq, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), etc. Destaca-se que apenas recentemente as comissões internas do programa foram normatizadas.
Perspectivas dos atores sobre a decisão coletiva
É notável na tomada de decisão da pós-graduação da UFMG uma mescla dos quatro modelos gerais de decisão organizacional identificados por Chaffee (1983), sendo o colegiado o mais acentuado dentre eles. Explorando a tomada de decisão nos colegiados, per se, apesar da exigência de votação constante no regimento geral da UFMG (2022), verificou-se que apenas o maior colegiado (PPG2) tem como protocolo a realização de votações em todas as suas decisões. Os demais programas procuram chegar a um consenso (Chaffee, 1983), conforme elucidado pela fala de E11: “[...] se procura chegar a um consenso sempre... então envolve um bom exercício de paciência também. Se o programa não tá maduro pra tomar uma decisão, reúne mais uma vez... reúne mais uma vez”.
No entanto, os PPG sublinham a existência de divergências, além de casos e momentos específicos em que se faz necessária a votação. Além disso, é usual o estabelecimento de comissões consultivas, as quais se aprofundam nos temas, elaboram pareceres e sugerem propostas para os colegiados, que, por seu turno, discutem a partir de tais bases.
Condizendo com Mckinney (2001) em relação ao que é consenso, E11 afirma que este é diferente de harmonia. Para ele, há todo um empenho em considerar as tecnicidades e as tecnicalidades dos processos, bem como um esforço de razoabilidade, sendo necessário muito esforço para se chegar a um consenso. E3 acrescenta, relatando que “É mais comum as pessoas [...] votarem conjuntamente na pós, depois de discutir. E às vezes tem uma... duas abstenções que são registradas. Às vezes as pessoas fazem questão de: ‘Aaah! Gostaria de registrar meu voto em contrário. Gostaria de registrar minha abstenção’”.
Assim, unanimemente e validando os achados de Bernardes (2005), os debates foram considerados extremamente valiosos: “As coisas não são só um voto, que ‘Cê chega lá e dá seu voto. [...] tem esse espaço de discussão, tem reunião de colegiado que dura 4 horas, 5 horas, de tanto que as pessoas vão falando, falando... Então, acho que ter esse espaço de discussão é importante (E18)”. Daí, a celeridade com que, ocasionalmente, as decisões são pautadas é muito ruim, apontam E4 e E7.
Dessa forma, cabe ao coordenador, por vezes, tomar algumas decisões, sendo o ad referendum uma estratégia muito vantajosa nesses casos: “[...] o colegiado, quando há alguma pressa [...] de tomar uma decisão, sem consultar, é, colocar ad referendum para que depois o colegiado tome ciência daquela decisão, né? Mesmo que ela não... às vezes não possa voltar atrás, né? Mas acho que isso é muito importante assim (E7)”.
Soma-se a isso que nem sempre a posição do coordenador é a que suplanta as demais. Por vezes sua posição é vencida, o que, de acordo com E8, faz parte do processo democrático e dá própria decisão colegiada: “E [...] mais vale essa dor, né?, do que não ter esse órgão e a gente ter gestores que decidem pela sua cabeça”.
Ademais, em alguns casos, faz-se necessário implementar decisões que, como gestor, o coordenador sabe que não são as mais adequadas para o programa, embora, mesmo assim, sejam elas aprovadas pelo colegiado: “Muito recorrentemente o coordenador perde. Até porque as pessoas que votam nas coisas [elas] não têm que implementar. Aí cê sabe que umas coisas que podem até ser bonitas não são implementáveis (E3)”. Tal posicionamento se alinha ao de Lazari e Bolonha (2017), quando argumentam que nem sempre a decisão colegiada será a melhor decisão possível.
Ponderações e ressignificações de posições iniciais também fazem parte desse processo. De acordo com os entrevistados, no debate, frequentemente percebe-se a existência de uma proposta melhor, mais interessante, ou de um novo caminho. Posto isto, pode-se concluir que para a existência de consenso não é necessária convergência de pensamentos, mas sim a apresentação de dados factuais, bons argumentos e conhecimentos robustos, de modo a fazer com que o outro acredite e consinta naquilo que esteja sendo exposto. Legitima-se, nesse sentido, a concepção de que o consenso se dá unicamente através do entendimento e consequente formação de coalizão (Sobral & Peci, 2013), mas também a concepção de que ele pode se materializar mediante de pressões isomórficas (Ferreira, Silva & Costa, 2022).
O debate, entretanto, pode também trazer desconfortos. Dezessete dos dezoito entrevistados foram indagados sobre o desconforto em debates, e 72% deles (isto é, 13) afirmaram já terem se sentido desconfortáveis em algum momento. Desses, um único entrevistado (E10) sentiu desconforto, por inibição e constrangimento, para se expressar. Segundo ele, esse desconforto se deu no início de seu mandato, mas acredita que foi uma falta de traquejo com esse ambiente, que era novo para ele. Além disso, as reuniões de colegiado ocorriam, devido à pandemia da Covid-19, de forma online, o que tornava as coisas mais difíceis, inibindo-o e chegando a tornar o ambiente intimidador.
No entanto, com as reuniões presenciais, sente-se bem mais confortável para se impor, argumentar e defender as coisas que acredita que tenham que ser defendidas. Ademais, com o passar do tempo houve uma familiarização com as pessoas, o que auxiliou na erradicação desse desconforto. Este cenário se coaduna com as posições de Almeida e Morais (2021), Lazari e Bolonha (2017), Sousa, Sobrinho e Vasconcellos (2012) e Song (2009), no que diz respeito à necessidade de requisitos mínimos para não haver constrangimento na expressão ou na defesa de perspectivas.
Para os demais, o desconforto advém de questões de personalidade conflitiva e menos argumentativa de outros membros do colegiado, bem como de comentários desnecessários, exposição de terceiros, discussões sem conhecimento de causa, debates longos, tratamentos desrespeitosos e de questões delicadas (como o descredenciamento e a jubilação), etc. Não obstante, para E3, esses desconfortos fazem parte da interação social, não sendo específico das reuniões do colegiado, uma vez que faz parte da dinâmica decisória de qualquer organização não sendo culpa da forma de decisões, mas das relações humanas ali presentes.
Por outro lado, a adaptação se mostra fundamental para a diminuição do desconforto. Para E10, o exercício do mandato está diretamente relacionado à comodidade entre os membros dos colegiados, nota-se, então, um problema, visto que, segundo as Normas Gerais de Pós-Graduação (Resolução Complementar n.º 02/2017), os mandatos variam de 2 anos para docentes a 1 ano para discentes, acarretando uma grande oscilação, especialmente para esses últimos.
Outra problemática levantada refere-se à execução das decisões que, de acordo com E4, tem sobrecarregado os professores, que não possuem a formação e competência adequadas, desviando-os de onde seriam melhor aproveitados, não sendo este, portanto, um bom modelo administrativo.
No que concerne à percepção dos entrevistados sobre a decisão colegiada, ela é avaliada como uma boa estratégia de tomada de decisão – isto é, ressalvado o caso de E5, que a considera a única possibilidade. Ainda, pela maioria dos entrevistados, este processo é percebido como a melhor estratégia de decisão, bem como salutar, democrático, transparente e mesmo “fundamental”.
Para E7: “[...] as decisões colegiadas, são a garantia de que as questões estão sendo debatidas, de que as questões estão sendo ponderadas, de que a gente está ouvindo todos os lados. É uma questão de manter... um princípio democrático, fundamental, né?”. Ele acrescenta, ainda, que elas evitam a centralização tanto vertical quanto horizontal de poder na tomada de decisão organizacional, corroborando a posição de Mintzberg (1995).
Por outro lado, a decisão colegiada é apontada por determinados entrevistados como morosa, trabalhosa e passível de melhora. A despeito de tal posicionamento, não foi assinalada por nenhum entrevistado outra estratégia mais acertada para a tomada de decisão na universidade. O quadro 3 apresenta as vantagens e desvantagens da decisão colegiada segundo a percepção dos entrevistados:

A partir de sua análise, nota-se que a diluição de responsabilidades foi considerada uma desvantagem pelos autores e como uma vantagem para os entrevistados. Todas as 14 vantagens apresentadas no Quadro 1 foram mencionadas pelos entrevistados, enquanto das desvantagens foram citadas somente 6 das 14. Além disso, segundo os entrevistados, há mais vantagens do que desvantagens na decisão colegiada.
Reforçando a importância da coordenação para a tomada de decisão colegiada outrora exposta por Macêdo (2018), E11 afirma que esse processo exige ser bem conduzido, requerendo certos modos de gestão e gerência. Para E7 e E3, cabe à coordenação ser imparcial, conduzindo as reuniões, estabelecendo critérios de coisas transversais e levantando dados para amparar suas decisões, de modo a reduzir a assimetria informacional e ampliar o debate para a decisão como um todo, uma vez que, nas palavras de E3: “Às vezes, por causa das assimetrias informacionais, cê tem atores muito focados em fragmentos da decisão e sem noção do todo. Isso é muito comum e muito recorrente”.
Entretanto, nem sempre quem coordena busca tais elementos, salienta E11. Para ele, a decisão em conjunto deve ser tomada com cuidado e levando em conta diferentes dimensões, o que, apesar de exigir um grande esforço, evidencia, na verdade, um sinal de maturidade institucional.
Outro aspecto levantado diz respeito à composição do colegiado: “se a forma como o colegiado é composto [...] não for corretamente selecionada para representar a diversidade que existe em alguma esfera institucional, o colegiado reforça um efeito de status quo”, argumenta E15, cujo dizer se alinha à perspectiva de Sobral e Peci (2013). Nesse sentido, é evidenciada a importância de que a estrutura do colegiado seja, de fato, representativa em relação aos representados. Vale destacar, no entanto, que existe uma seletividade natural em sua composição, uma vez que as pessoas se selecionam voluntariamente para participarem, passando, em seguida, por uma votação pública. Reforça-se, ainda, a importância de ir além da representação, sendo fundamental o direcionamento para uma liderança compartilhada (Pearce, Wood & Wassenaar, 2018).
Considerações Finais
A tomada de decisão coletiva tem se tornado cada vez mais habitual e necessária na administração pública moderna, sendo a do tipo colegiada um marco caracterizante das universidades públicas brasileiras. O objetivo central deste estudo foi analisar as oportunidades e desafios propiciados pelo processo de decisão colegiada no setor público; mais especificamente, nos cursos de pós-graduação stricto sensu da UFMG. Para tal fim, realizou-se um estudo de caso, de abordagem qualitativa, natureza descritiva, gerado a partir de análise documental e entrevistas semiestruturadas, apreciadas via análise de conteúdo.
Para além dos aspectos em comum, cada colegiado mostrou-se único e singular, apresentando peculiaridades em sua natureza e realidade, com regulamentos internos específicos e variações no tamanho, composição, procedimentos, entre outros aspectos. No entanto, nota-se em todos os PPG uma centralidade decisória no colegiado, ou seja, todas as decisões perpassam por ali; ainda assim, há diferentes estratégias para sua condução, variando do trabalho colegiado quase exclusivo – onde a coordenação possui ínfimo poder de decisão – à fragmentação dessa responsabilidade por meio de diferentes comissões, resoluções, pautas comentadas, entre outros – na qual a coordenação detém maior poder de decisão empregado na maioria das vezes pelo ad referendum.
Especificamente no tocante à tomada de decisão, os achados indicam uma combinação dos quatro modelos gerais de decisão organizacional propostos por Chaffee (1983) no processo de tomada de decisão das pós-graduações da UFMG, com predominância do modelo colegiado. Observa-se uma priorização pelo consenso, contudo, sua presença não é imprescindível a tomada de decisão, ao contrário dos debates que se apresentou como indispensável, mesmo que haja desconfortos.
A tomada de decisão colegiada nas universidades afigura-se como a melhor estratégia de tomada de decisão possível, por se constituir como a mais democrático, transparente, representativo, legítimo, entre outras, mesmo compreendendo algumas desvantagens como morosidade, assimetria de informações, etc. Ressalta-se, no entanto, a necessidade um ambiente aberto e seguro, bem como uma coordenação articuladora e assertiva (características fundamentais de uma boa gestão e gerência) para viabilizar esse modelo de tomada de decisão.
Cabe lembrar que esta pesquisa está limitada ao estudo não de uma organização inteira, mas de programas específicos de pós-graduação, o que pode dificultar a generalização dos resultados nela apresentados. Não obstante, consideramos que o direcionamento proposto ao longo da pesquisa que nestas páginas se inscreve foi adequado para a concretização do estudo. Nesse sentido, sugerimos que novos estudos contemplem as lacunas por nós deixadas, expandindo as análises para outros programas, níveis educacionais e instituições de ensino superior, inclusive universidades privadas que podem adotar diferentes formas de condução dos colegiados e processos de tomada de decisões, que a depender podem ser adaptadas ao setor público, explorando, ainda, mais a fundo, o caráter político das decisões nas universidades.
Espera-se que as informações e reflexões aqui partilhadas possam fomentar a adoção de modelos de gestão participativa, fundamentar processos participativos de tomada de decisão, tornando-os mais efetivos e inclusivos, além de contribuir para uma melhor compreensão quanto às possibilidades e restrições da tomada de decisão coletiva no setor público, em especial a colegiada, apresentando estratégias que podem ser incorporadas visando melhorias em suas práticas.
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Notas
Información adicional
Comitê de Ética em Pesquisa do Cefet – MG: Processo CAAE 53943921.3.0000.8507