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A Incidência de Penalidades sob a Lei Anticorrupção: Um Estudo a partir do Cadastro Nacional de Empresas Punidas
Penalties’ Incidence under the Anti-Corruption Law: A Study Based on the National Registry of Penalized Companies
Incidencia de las Sanciones según la Ley Anticorrupción: Un Estudio Basado en el Registro Nacional de Empresas Sancionadas
A Incidência de Penalidades sob a Lei Anticorrupção: Um Estudo a partir do Cadastro Nacional de Empresas Punidas
Administração Pública e Gestão Social, vol. 17, núm. 1, 2025
Universidade Federal de Viçosa

Recepción: 07 Marzo 2024
Aprobación: 17 Diciembre 2024
Publicación: 17 Marzo 2025
Resumo:
Objetivo da pesquisa: Analisar a incidência de penalidades aplicadas às empresas que praticaram atos lesivos contra a administração pública com fundamento na Lei Anticorrupção (LAC). Enquadramento teórico: As multas previstas na LAC são analisadas à luz de diferentes perspectivas dos fins da pena, em que a sua imposição seria considerada uma resposta a atos lesivos, com o fim de retribuir financeiramente o dano causado pelo infrator, de prevenir a reincidência do ato ou dissuadir a prática desses atos pela sociedade. Metodologia: Os dados foram obtidos a partir do Cadastro Nacional de Empresas Punidas (CNEP) e analisados por meio de estatísticas descritivas e testes de Mann-Whitney e de Kruskall-Wallis. Resultados: Existem 498 multas ativas documentadas no CNEP e elas equivalem a R$ 1,706 bilhão, bem como há, em média, quase R$ 18 milhões de multas sancionadas mensalmente. Observou-se uma tendência de crescimento no número de multas de 2016 a 2023 e multas sancionadas por valores insignificantes como um real. Originalidade: Embora a literatura prévia tenha gerado achados valiosos, permanece uma lacuna referente à análise das multas registradas no CNEP sob um nível de escrutínio mais rígido. Essa carência é direcionada pelo presente estudo. Contribuições teóricas e práticas: Este estudo contribui ao oferecer evidências que promovam a transparência e o controle social, bem como de serem úteis à elaboração de políticas governamentais em relação ao combate à corrupção, particularmente em solo nacional. Adicionalmente, percebe-se que há poucos estudos empíricos que analisam as multas oriundas da LAC e as discutem a partir de diferentes perspectivas dos fins da pena.
Palavras-chave: Lei Anticorrupção, Penalidades, Corrupção.
Abstract:
Purpose: To analyze the incidence of penalties applied to companies that engaged in harmful acts against public administration based on the Anti-Corruption Law (LAC). Theoretical framework: Fines stipulated in the LAC are examined considering the aim of penalties, where their imposition is considered a response to harmful acts, aiming to financially compensate for the damage caused by the offender, prevent the recurrence of the act, or deter the practice of such acts by society. Methodology: The data were obtained through the National Registry of Penalized Companies (CNEP) and were analyzed using descriptive statistics and Mann-Whitney and Kruskall-Wallis tests. Findings: There are 498 active fines in the CNEP, totaling R$ 1.706 billion, with an average of nearly R$ 18 million in fines imposed monthly. A trend of growth in the number of fines from 2016 to 2023 was observed, with fines sanctioned for negligible amounts, such as one real. From the perspective of punishment, fines may not be achieving their intended effects. Originality: Despite valuable findings in previous literature, a gap remains regarding the analysis of fines recorded in the CNEP under more rigorous scrutiny. This gap is addressed by the present study. Theoretical and practical contributions: This study contributes by offering evidence that can promote transparency and social control, as well as being useful in the development of government policies in relation to combating corruption, particularly on national soil. Additionally, few empirical studies analyze fines arising from LAC and discuss them based on theories of punishment.
Keywords: Anti-corruption law, Penalties, Corruption.
Resumen:
Objetivo de la investigación: Analizar la incidencia de sanciones impuestas a empresas que cometieron actos lesivos contra la administración pública según la Ley Anticorrupción (LAC) a partir del Registro Nacional de Empresas Sancionadas (CNEP). Marco teórico: Las multas estipuladas en la LAC se analizan a la luz del objetivo de las sanciones, donde su imposición sería considerada una respuesta a actos lesivos, con el objetivo de compensar financieramente el daño causado por el infractor, prevenir la reincidencia del acto o desalentar la práctica de estos actos por parte de la sociedad. Metodología: Los datos se obtuvieran del Registro Nacional de Empresas Sancionadas (CNEP) y se analizados mediante estadísticas descriptivas y pruebas de Mann-Whitney y Kruskall-Wallis. Resultados: Hay 498 multas activas documentadas en el CNEP y equivalen a R$ 1,706 mil millones, con un promedio de casi R$ 18 millones en multas sancionadas mensualmente. Se observó una tendencia de crecimiento en el número de multas de 2016 a 2023, así como multas sancionadas por valores insignificantes, como un real. Originalidad: Si bien la literatura previa ha generado hallazgos valiosos, aún existe un vacío en cuanto al análisis de las multas registradas en el CNEP bajo un nivel de escrutinio más riguroso. Este estudio aborda esa brecha. Aportes teóricos y prácticos: Este estudio contribuye proporcionando evidencia capaz de promover la transparencia y el control social, además de ser útil para el desarrollo de políticas gubernamentales en relación con la lucha contra la corrupción, especialmente a nivel nacional. Además, se observa que hay pocos estudios empíricos que analizan las multas derivadas de la LAC y las discuten desde el objetivo de las sanciones.
Palabras clave: Ley Anticorrupción, Sanciones, Corrupción.
1 Introdução
A corrupção ocorre em múltiplos países (Capasso et al., 2022; Guerrero-Dib et al., 2020). No Brasil, há evidências que sustentam que o país é considerado corrupto (Crittenden et al., 2009; Pinho & Sacramento, 2018). Crittenden et al. (2009) investigaram o índice de percepção de corrupção entre alunos da área de negócios de diversos países e o categorizaram como “corrupto”, ao lado de China, Colômbia, Grécia, Hungria, Coreia do Sul, México, Marrocos, Senegal, Tailândia, Tunísia e Turquia. A boa notícia para o Brasil é que ele não é o mais corrupto, pois ainda existem os países considerados extremamente corruptos, como Bolívia e Filipinas (Crittenden et al., 2009).
A corrupção é difícil de definir ou mensurar devido à sua complexa natureza (Capasso et al., 2022; Halter et al., 2009; Tribunal de Contas da União [TCU], 2018). E. N. de Oliveira e Moisés (2023) colocam que o seu conceito envolve características multidimensionais que englobam diversos comportamentos. Embora não haja uma definição consensual internacional (TCU, 2018), o termo tem apresentado conotação negativa em qualquer contexto. Ela é frequentemente associada ao setor público, sendo um dos mais sérios problemas das democracias (Moisés, 2010), bem como representa um dos pontos centrais de pesquisa acerca da obtenção de vantagens pessoais a partir da interação com oficiais da administração pública (E. N. de Oliveira & Moisés, 2023).
Pinho e Sacramento (2018) indicam que a corrupção tem sido uma constante na história brasileira, sob a “lógica do patrimonialismo incrustado no Estado em simbiose com o setor privado” (p. 200). Contudo, ela assume um novo patamar qualitativo e quantitativo, essencialmente a partir do início da década de 90 e com destaque para os eventos de 2013, caracterizando-se como sistêmica e resiliente.
Um dos recentes esforços para combatê-la no Brasil repousa na promulgação da Lei nº 12.846, de 01/08/2013, também conhecida como Lei Anticorrupção (LAC). Ela estabelece a adoção de programas de integridade para prevenir e identificar irregularidades, bem como a aplicação de penalidades administrativas e civis às empresas que praticarem atos lesivos contra a administração pública. Adicionalmente, ela institui, no âmbito do Poder Executivo Federal, o Cadastro Nacional de Empresas Punidas (CNEP), que reúne e divulga sanções aplicadas pelas entidades dos poderes executivo, legislativo e judiciário de todas as esferas de governo. Também houve aprovação do Decreto nº 8.420/2015, revogado pelo Decreto nº 11.129/2022, que regulamenta a LAC e determina sanções administrativas e encaminhamentos judiciais.
Entes estaduais brasileiros têm promulgado dispositivos legais semelhantes à LAC (Silva & Brunozi, 2021, 2024). Essas promulgações, conforme Silva e Brunozi (2021, 2024), foram efetuadas para a legitimação institucional em resposta ao campo organizacional, por meio do isomorfismo mimético. Esse tipo de iniciativa – seja no contexto federal, seja no estadual – usualmente esbarra em “fragilidades institucionais existentes” (Pinho & Sacramento, 2018, p. 205), como na aplicação de leis e meios de transparência.
Por ser uma lei relativamente nova, a LAC apresenta uma literatura ainda em desenvolvimento. Estudos buscaram provocar reflexões críticas sobre a LAC do ponto de vista legal (Martins, 2020; R. C. R. Oliveira & Neves, 2014). De um ponto de vista empírico, é possível observar alguns estudos (Castro et al., 2019; Silva & Brunozi, 2021, 2024). Castro et al. (2019), por exemplo, examinaram o grau de aderência das empresas brasileiras de capital aberto aos critérios de programas de integridade estipulados pela LAC e a sua relação com a implantação de controles internos. Os resultados demonstram que esses programas estão aderentes à LAC e existe relação positiva entre o nível de aderência e a implantação de controles internos.
Silva e Brunozi (2021, 2024) analisaram a ocorrência do isomorfismo mimético de práticas de compliance, através da LAC, nos estados brasileiros, tendo em vista a responsabilização administrativa, a compliance pública e a exigibilidade de compliance nos contratos com o setor privado. Eles apresentam evidências a favor dessa ocorrência, demonstrando o uso de mecanismos isomórficos miméticos na aderência de leis mitigadoras da corrupção a partir da LAC.
Embora a literatura prévia tenha gerado achados valiosos, ainda há uma lacuna referente à análise de penalidades e, especificamente, das multas registradas no CNEP sob um nível de escrutínio mais rigoroso e a partir de diferentes óticas. As multas, que estão previstas na LAC como uma forma de penalidade, podem ser analisadas sob diferentes perspectivas dos fins da pena, que consideram a sua aplicação como uma resposta a atos lesivos, com o fim de retribuir financeiramente o dano causado pelo infrator, prevenir a reincidência do ato ou inibir a prática desses atos pela sociedade.
Nesse contexto, o objetivo deste trabalho é analisar a incidência de penalidadesaplicadas às empresas que praticaram atos lesivos contra a administração pública com fundamento na LAC. Especificamente, o estudo visa analisar as multas ativas constantes no CNEP de 2016 a 2023, período em que os dados estão disponíveis.
Pesquisas sobre corrupção se concentram principalmente na sua prevenção (Ceschel et al., 2022). Contudo, estudos sobre penalidades são relevantes devido (i) ao seu efeito inibidor, corretivo, educativo e complementar à prevenção, pois indivíduos ou empresas podem ser menos propensas à prática de atos lesivos quando sabem das consequências aplicáveis e medidas de prevenção podem não ser suficientes para inibir o envolvimento de pessoas ou entidades; (ii) à responsabilização e reparo dos danos, promovendo um senso de justiça e possível efeito redutivo da recorrência da prática; (iii) promoção da confiança pública, como meio de sinalização de que as instituições funcionam e estão comprometidas com o combate de atos corruptos; e (iv) reforço de políticas e legislações, uma vez que a aplicação de penalidades reforça a implementação de políticas públicas de anticorrupção e o seu estudo permite identificar falhas para o aprimoramento legal e/ou na sua aplicação. Barrett et al. (2017), Chang et al. (2020) e Hu et al. (2024) examinaram empiricamente as penalidades em contextos internacionais, mas a temática ainda não foi abordada no Brasil. A ausência de pesquisa e os elementos discriminados justificam estudos sobre penalidades e, consequentemente, a presente pesquisa.
Este estudo contribui precisamente ao oferecer evidências que promovam a transparência e o controle social, bem como de serem úteis para a elaboração e ajuste nas políticas governamentais no que diz respeito ao combate à corrupção, particularmente no Brasil. Adicionalmente, percebe-se que há poucos estudos empíricos que analisam as multas oriundas da LAC e as discutem a partir de diferentes perspectivas dos fins da pena.
Argumenta-se que o estudo é relevante porque (i) a corrupção, em sentido amplo, deve continuar sendo debatida e tratada de modo sério, buscando, desejavelmente, eliminá-la; (ii) as quantidades de multas denotam o comprometimento – ou a falta dele – por parte das empresas e de governos de lutar contra a corrupção; (iii) o exame minucioso da magnitude das multas permite observar a gravidade de atos ilícitos praticados contra a administração pública; (iv) a análise longitudinal das multas possibilita perceber os rumos que a corrupção empresarial está tomando; e (v) a criação de indicadores que envolve a quantidade e valores pecuniários das multas pode servir de subsídio adicional para moldar decisões e políticas governamentais que visem combater a corrupção.
2 Fundamentação do estudo
2.1 As penalidades
A prática de atos corruptos contra a administração pública é um problema em múltiplas nações, envolvendo questões morais e de altos custos econômicos (Siddiquee, 2010). Estratégias para combatê-la são discutidas em diversas jurisdições. Conforme Stapenhurst e Langseth (1997), elas devem abordar o encontro da oportunidade com a inclinação. As oportunidades precisam ser minimizadas mediante reformas sistêmicas e a inclinação reduzida com mecanismos eficazes de dissuasão, como aqueles abrangidos em programas de integridade que envolvem, por sua vez, prevenção e penalidades (Stapenhurst & Langseth, 1997).
A pena como medida de correção é debatida historicamente. A Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (Nações Unidas, 2007), aprovada em 2003 e considerada o primeiro e principal instrumento internacional a tratar da corrupção, aborda medidas de prevenção, punição e aplicação da lei, dada a relevância dessas ações conjuntas para combatê-la. Conforme coloca Sandel (2009), Aristóteles aponta que “justiça” é dar às pessoas o que merecem. Assim, empresas que praticam atos lesivos devem receber a pena merecida.
Prado (2004) define penalidade como a consequência jurídica do delito, envolvendo a privação ou restrição a bens jurídicos impostas por entidades competentes. Ele a considera “a mais importante das conseqüências [sic] jurídicas do delito” (p. 2). Existem diversas perspectivas que procuram justificar as penalidades. O autor as agrupa em três categorias: (i) absoluta, (ii) relativa e (iii) unitária, eclética ou mista.
A perspectiva absoluta dos fins da pena encontra fundamento exclusivamente no ato ilícito para fazer valer a sua pena, a qual tem o intuito de retribuição. Isto é, “ela atende à suprema exigência de que o mal praticado deva exigir a inflição de um castigo proporcionado à gravidade do malefício” (Bettiol, 1977, p. 121). Nesta vertente, a punição tem caráter reacionário em virtude da concretização da prática ilícita. Na perspectiva retribucionista, “a imposição de pena tem exclusiva tarefa de realizar justiça, devendo a culpabilidade do autor ser compensada com a imposição de um mal proporcional à pena” (Cordeiro, 2007, p. 119).
A perspectiva relativa tem fundamento na prevenção da prática futura ilícita. Embora haja diferentes tipos de perspectivas relativas, a ideia geral é a de que a pena funcione como “um instrumento ou meio de prevenção da prática do delito; inibindo, evitando ou impedindo tanto quanto possível a prática, ou a reincidência de delitos” (Cordeiro, 2007, p. 124). Um dos tipos de perspectiva relativa é a Prevenção Geral, a qual busca prevenir práticas de delito por meio da intimidação imposta aos potenciais infratores (população em geral), de modo que seja suficiente para afastá-los da prática ilegal.
A Prevenção Geral pode ser dividida em dois formatos: (i) Prevenção Geral Negativa, quando a pena assume um caráter intimidador; e (ii) Prevenção Geral Positiva, quando a pena tem caráter de retribuição modificativa (Cordeiro, 2007). Ainda, na perspectiva relativa, existe a Prevenção Especial, a qual tem suporte na atuação sobre o infrator para não haver a reincidência da pena em virtude da prática ilícita. “Enquanto a prevenção geral se dirige indistintamente à totalidade dos indivíduos integrantes da sociedade, a idéia [sic] de prevenção especial refere-se ao delinqüente [sic] em si” (Prado, 2004, p. 5).
A terceira perspectiva é a unitária, a qual é uma conciliação entre a perspectiva absoluta (retributiva mais ou menos acentuada) e a da prevenção geral e especial (Cordeiro, 2007; Prado, 2004). A finalidade da pena, nesta perspectiva, possui duplo papel: justiça e utilidade (Cordeiro, 2007). Aplica-se uma pena sobre o infrator que seja, concomitantemente, justa (reparação do dano) e útil (serve de mensagem intimidatória aos potenciais infratores). Assim como as outras perspectivas dos fins da pena, as unitárias também apresentam diferentes tipos, tais como a da união aditiva – na qual se compatibilizam a justiça e utilidade, mas a prioridade está nas exigências da primeira – e a dialética unificadora – na qual há a predominância da proteção subsidiária dos bens jurídicos e existe a recusa da retribuição como finalidade da incidência da pena (Cordeiro, 2007).
Pesquisas empíricas sobre penalidades as abordam implicitamente, principalmente, sob a perspectiva relativa dos fins da pena, uma vez que as estudam como meio de prevenção (Barrett et al., 2017; Chang et al., 2020; Hu et al., 2024). Chang et al. (2020) analisaram como as penalidades financeiras impactam as estratégias e os processos evolutivos para otimizá-las, no contexto da poluição ilegal de empresas chinesas de energia. Eles concluem que as penalidades devem ser mais altas do que a diferença entre o ganho econômico da não conformidade e o benefício de reputação da conformidade, para impedir efetivamente que as empresas realizem atividades poluentes ilegais.
Barrett et al. (2017) executaram um estudo longitudinal para examinar o impacto do valor em dólares das multas na conformidade com as leis ambientais entre as principais instalações no estado americano de Michigan. Eles concluem que existe efeito decrescente de dissuasão das multas. Assim, os achados sugerem que a punição tem um caráter reacionário, consoante com a perspectiva absoluta dos fins da pena, em detrimento da prevenção, abordada na perspectiva relativa.
Hu et al. (2024) analisaram as violações ambientais repetidas no contexto chinês. Eles identificaram que as regulamentações estão positivamente associadas com as violações ambientais repetidas. Os achados indicam que baixas penalidades monetárias dificultam a alteração sustentável do comportamento das empresas.
Apesar da relevância das penalidades para a mitigação de atos corruptos, ela tem sido pouco analisada academicamente. No Brasil, em específico, as penalidades por atos lesivos contra a administração pública são estabelecidas pela LAC.
2.2 A Lei Anticorrupção
No Brasil, o debate sobre o combate à corrupção se intensifica com a promulgação da LAC em 2013. Antes dessa lei, Halter et al. (2009) observam que a corrupção no setor privado frequentemente não era tratada apropriadamente e Silva (1999) cita casos em que os ofensores não eram julgados ou as punições não eram efetivamente executadas.
A LAC, em vigor desde 29/01/2014 (Martins, 2020), estabelece a responsabilização objetiva de pessoas jurídicas por atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira. O artigo 3º afirma que essa responsabilização não exclui a responsabilidade individual de dirigentes, administradores ou qualquer pessoa física envolvida, que também podem ser punidas.
Essa lei foi sancionada no âmbito federal, e até outubro de 2023, 20 das 27 Unidades Federativa (UFs) adotaram medidas similares, sendo elas empregadas como mecanismos isomórficos miméticos em relação à União e entre os próprios entes subnacionais (Silva & Brunozi, 2024). Acre, Amapá, Amazonas, Bahia, Piauí, Roraima e Sergipe não possuem tais dispositivos.
O artigo 5º da LAC elenca atos lesivos contra a administração pública, como prometer vantagem indevida a agente público (inciso I), financiar atos ilícitos (inciso II) e dificultar investigações ou fiscalizações (inciso V). Em complementação, o artigo 6º prevê penalidades administrativas para pessoas jurídicas responsáveis por atos lesivos, incluindo multa (inciso I) e publicação extraordinária da decisão condenatória (inciso II).
Essas penalidades são regulamentadas pelo Decreto nº 11.129/2022. As multas, em específico, são regulamentadas pelos artigos 20 ao 27 do decreto. O artigo 20 determina que a base de cálculo da multa é o faturamento bruto da empresa no último exercício anterior ao da instituição do processo administrativo de responsabilização (PAR). De acordo com o artigo 21, caso a empresa, comprovadamente, não tenha percebido faturamento no último exercício anterior à instauração do PAR, deve-se adotar como base de cálculo o último faturamento bruto disponível.
No que tange ao valor final da multa, o artigo 25 desse decreto determina que o montante mínimo (inciso I) corresponderá ao maior valor entre (i) o da vantagem auferida pela empresa sancionada e (ii) um décimo por cento da base de cálculo ou seis mil reais. Já o montante máximo (inciso II) representará o menor valor entre (i) três vezes o valor da vantagem pretendida ou auferida, dos dois o maior; (ii) 20% do faturamento bruto do último exercício que precedeu à instauração do PAR, excluídos os tributos sobre as vendas; ou (iii) sessenta milhões de reais, condicionada à impossibilidade de se estimar a vantagem auferida. O prazo para o recolhimento integral da multa pela empresa sancionada é de trinta dias, conforme o artigo 29 do decreto.
Sob a ótica da perspectiva absoluta, as multas impostas pela LAC possuem o papel de reparação do dano ocasionado decorrente da ação corruptiva. Já a partir da ótica relativista, essa lei buscaria, por meio da penalização, prevenir ou evitar a reincidência da prática ilícita e dissuadir a sociedade de praticar atos lesivos. Por fim, na unitária, eclética ou mista, a LAC procuraria por um equilíbrio entre reparação e prevenção das práticas de corrupção.
O artigo 22 da LAC cria, no âmbito do Poder Executivo Federal, o CNEP. Ele traz dados das empresas punidas, incluindo o nome, o Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ), o tipo de punição e o valor da multa (quando aplicada). Portanto, a LAC, ao criar o CNEP, estabelece uma espécie de punição relativista que busca prevenir que a ação ilícita ocorra, uma vez que as empresas, presumivelmente, não gostariam de ser listadas no CNEP e terem seu nome e CNPJ associados a atos corruptos. Isto poderia prejudicar a reputação das empresas e dificultar o seu acesso a linhas de crédito, fornecedores, clientes que prezam por empresas de boa reputação.
3 Metodologia
Utilizou-se o banco de dados do CNEP, mantido pela Controladoria-Geral da União (CGU) (https://dados.gov.br/dados/conjuntos-dados/cnep). Os arquivos dos Dados do CNEP (.csv) e do Dicionário de Dados (.pdf) foram baixados do Portal de Dados Abertos em 01/01/2024 e estão atualizados até 30/12/2023. Embora a LAC foi publicada em agosto de 2013 e começou a vigorar em 29/01/2014, o conjunto de Dados do CNEP mais recente tem como data de criação o dia 16/01/2017.
A análise preliminar revelou que os registros mais antigos das multas contidas no CNEP são de 2016. Assim, o presente estudo cobre o período 2016–2023. Segundo o Dicionário de Dados, as penalidades são excluídas do CNEP após o seu pagamento, em consonância com o parágrafo 5º do artigo 22 da LAC. Frisa-se que este estudo analisa as multas ativas documentadas no CNEP. A ausência de dados anteriores à 2016, não derivada da exclusão legal, é uma limitação de pesquisa.
Os dados do CNEP totalizam 872 observações, conforme mostra a Tabela 1. Há sete tipos de penalidades ativas até o final de 2023 e as mais representativas são as multas (57,1%) e as publicações extraordinárias da decisão condenatória (40,6%). Se somadas, elas correspondem a mais de 97% das sanções. Este trabalho tem como foco as multas, cuja quantidade e valor indicam a gravidade dos atos ilícitos cometidos.

As multas foram analisadas por estatísticas descritivas. Além da análise geral, elas foram examinadas por subamostras: (i) tipo de pessoa: pessoa física (PF) e pessoa jurídica (PJ); (ii) ano da multa: de 2016 a 2023, com base na data de início da penalidade; (iii) período antes e a partir da pandemia de COVID-19; (iv) UF do órgão sancionador; e (v) tipo de ato lesivo praticado que fundamenta a multa, com base no artigo 5º da LAC.
Quanto à UF do órgão sancionador, utilizou-se a informação referente ao nome do órgão sancionador que aplicou a multa para estabelecer UFs faltantes na base de dados. Esse procedimento viabilizou a inserção de 156 UFs e ele foi executado para órgãos cujos nomes permitiam a identificação da UF, por exemplo: Controladoria Geral do Estado de Mato Grosso, pertencente à UF de Mato Grosso; Controladoria-Geral da União, Secretaria de Estado de Justiça e Cidadania do Distrito Federal e Ministério da Agricultura e Pecuária, pertencentes à UF do Distrito Federal.
Para a análise do tipo de ato lesivo praticado, utilizaram-se os dados dispostos como “Fundamentação Legal” na base de dados que, segundo o Dicionário de Dados, apresenta o “dispositivo legal que fundamenta a aplicação da sanção”. Observou-se, contudo, que a maioria das multas apresenta nessa variável a indicação da responsabilização administrativa aplicada que, quando o tipo de penalidade analisada é as multas, essa responsabilização corresponde ao disposto no artigo 6º, inciso I, da LAC. Ao todo, 460 multas indicam esse dispositivo legal na variável “Fundamentação Legal”. Das 498 multas que integram a amostra, somente 78 delas discriminam o tipo de ato lesivo praticado que fundamenta a aplicação da penalidade, segundo o artigo 5º da LAC. Assim, a quantidade de multas estudadas para o tipo de ato lesivo praticado é inferior àquelas utilizadas nas demais análises devido à restrição de dados disponíveis.
Adicionalmente às análises descritivas, foram utilizados testes de Mann-Whitney e de Kruskall-Wallis com metodologia de cálculo de Dunn e correção de Bonferroni. Estes foram usados para comparar os valores medianos das multas entre os tipos de pessoa, anos da sanção, períodos pré e a partir da pandemia e tipos de atos lesivos. Em função do baixo número de observações, não foi possível realizar os testes de medianas por UF. Os testes estatísticos foram efetuados por meio do software R, versão 4.3.2.
4 Resultados e análises
A Tabela 2 traz os resultados gerais em relação às multas. Existem 498 multas ativas que totalizam R$ 1,706 bilhão. Embora o CNEP contemple todas as empresas brasileiras, incluindo aquelas com atuação em domínio internacional, este valor é, ainda assim, expressivo e sugere que as empresas e os governos ainda precisam empregar esforços para combater práticas ilegais. Ao dividir o valor total das multas pela sua quantidade, é obtida uma média de R$ 3,426 milhões por multa. Considerando a dimensão de milhões de reais para o valor médio das multas, presume-se haver grandes companhias envolvidas em esquemas ilícitos. Contudo, a corrupção deve ser extinta independentemente do setor econômico ou porte da empresa. Os valores mínimo e máximo das multas foram, respectivamente, R$ 1 real e R$ 384,298 milhões.

Também é possível criar outros indicadores com base nos valores das multas. Por exemplo, ao dividir R$ 1,706 bilhão por 96 meses (total de meses de 2016 a 2023), chega-se ao valor médio de R$ 17,774 milhões por mês. A corrupção tem custado ao meio empresarial, em média, quase R$ 18 milhões mensalmente, os quais poderiam ter sido investidos em programas de integridade e treinamentos relacionados à ética empresarial visando a sua prevenção, além de servir a outras áreas mais carentes das empresas. Ao dividir R$ 1,706 bilhão pelo número total de UFs (27), chega-se ao valor médio de R$ 63,196 milhões. Em média, cada UF seria responsável por mais de R$ 63 milhões em multas em virtude de corrupção.
A Tabela 3 mostra a análise das multas por tipo de pessoa sancionada. Das 498 multas, 475 (95,4%) são referentes a PJs e 19 (3,8%) a PFs. Ressalta-se que o artigo 3º da LAC determina a responsabilização individual dos dirigentes ou de qualquer pessoa natural que tenha sido autora, coautora ou partícipe da prática ilícita. Desta forma, PFs também estão sujeitas a sanções. Além das multas de PJs e PFs, existem quatro (0,8%) cujo tipo de pessoa não é informado, sendo reportadas como “sem indicação”. Todavia, no campo de nome da empresa, percebe-se serem quatro empresas estrangeiras, as quais poderiam ter sido categorizadas como PJs. Ainda assim, optou-se por mantê-las em separado por motivo de fornecer um resultado mais específico e, se necessário, os seus resultados podem ser agregados aos das PJs.

Referente ao valor das multas, o montante ativo das PJs é de R$ 1,184 bilhão (69,4%), enquanto o das PFs equivale a R$ 3,235 milhões (0,2%). O valor dos registros com tipo de pessoa não especificado totaliza R$ 518,941 milhões, que pode ser considerado relevante por corresponder a 30,4% do total das multas. Caso fossem classificados como PJ, estas teriam um saldo de R$ 1,703 bilhão, que corresponderia a 99,8% das multas. O valor médio das multas é de R$ 2,493 milhão para as PJs, de R$ 170 mil para as PFs e de R$ 129,735 milhões para as empresas estrangeiras. No quesito de menor multa, há uma multa de R$ 1 real aplicada à PJ, uma de R$ 6 mil à PF e uma de R$ 1,488 milhão à empresa estrangeira. Quanto à multa de maior valor, observa-se que o das PJs é de R$ 96,171 milhões, o das PFs é de R$ 768 mil e o das empresas estrangeiras é de R$ 384,298 milhões.
Ainda em relação à análise por tipo de pessoa, realizou-se o teste de Mann-Whitney considerando apenas as observações classificadas como PFs ou PJs. Constatou-se que não houve diferença estatisticamente relevante (p>0,10). Isto significa que os valores medianos das multas das PFs e PJs são semelhantes. Se o valor da multa denota a gravidade do ato ilícito ou, ao menos, possui uma correlação positiva com a gravidade do ato ilícito, então este resultado constitui uma evidência de que PFs e PJs cometem atos ilícitos de gravidades equivalentes. Este é um achado interessante porque aparenta ser, à primeira vista, contraintuitivo, já que PJs geralmente possuem maiores ativos e capacidades de pagamento do que as PFs. Embora as PJs efetivamente possuam quantidades e valores totais de multas superiores aos das PFs, as PJs também parecem ter quantidades e valores menores do que as PFs suficientes para fazer com que as medianas não se distinguissem significativamente.
A Tabela 4 traz os resultados relativos à análise das multas por ano de suas sanções. Observa-se que, com exceção de 2017 e 2020, a quantidade de multas ativas é crescente. Isto é natural à medida que as empresas pagam as multas e têm os seus registros excluídos do CNEP. Deste modo, permanecem quantidades maiores nos anos mais recentes. Nota-se que 2022 e 2023 concentram mais da metade da quantidade de multas. Embora seja um movimento natural, são quantidades que sugerem que as práticas ilícitas estão, ao menos, se mantendo. Conforme discutidas na subseção 2.3, as estratégias de combate à corrupção precisam ser empregadas, urgente e efetivamente, a fim de reduzir a quantidade de multas. Ainda, foram identificados 11 registros associados ao ano de 2016, um deles sendo de 27 de janeiro (o mais antigo).

Em relação ao valor das multas, nota-se uma tendência crescente até 2021 e de redução em 2022 e 2023. O valor total das multas ativas é de R$ 3,265 milhões (0,2%) para o ano de 2016. O ano de 2021 é o período que contém o maior saldo de multas, o qual equivale a R$ 734,023 milhões (43,0%). No último ano de análise (2023), o saldo de multas é de R$ 334,652 milhões (19,6%). O valor médio das multas é de R$ 297 mil para o primeiro ano da análise (2016) e de R$ 2,373 milhões para o último (2023). O maior valor médio pertence ao ano de 2021, no qual atingiu R$ 7,058 milhões por multa. A menor multa (R$ 1 real) foi sancionada em 2019 e a maior (R$ 384,298 milhões) em 2022.
Quanto ao teste de Kruskal-Wallis, constata-se que havia ao menos uma diferença significativa (p<0,01). Para verificar quais valores medianos eram relevantemente distintos, foi utilizado o teste de Dunn com correção de Bonferroni para cada par de ano (2016 e 2017, 2016 e 2018, 2016 e 2019 e assim por diante). A maioria dos valores medianos das multas não é estatisticamente diferente (p>0,10). Contudo, observaram-se algumas diferenças relevantes (p<0,10). O valor mediano das multas de 2021 é estatisticamente superior ao de 2018 e 2019. E, similarmente, o valor mediano de 2023 é estatisticamente maior do que os dos anos de 2018 e 2019. Embora seja esperado que os anos mais recentes possuam maiores quantidades e valores de multas, é um resultado preocupante porque sugere que a prática de atos ilícitos contra a administração pública pode não estar diminuindo.
Outra análise temporal das multas repousa no período antes (de janeiro de 2016 a fevereiro de 2020) e a partir da pandemia de COVID-19 (de março de 2020 em diante). Ao aplicar este filtro, têm-se os resultados reportados na Tabela 5. Ao todo, há 107 multas ativas até antes do início da pandemia e totalizam R$ 27,316 milhões. A partir do período pandêmico, foram constatadas 391 multas ativas, as quais totalizam R$ 1,679 bilhão. O valor médio das multas do período “antes da pandemia” é de R$ 255 mil (mediana de R$ 40 mil), enquanto para o período “a partir da pandemia” é de R$ 4,294 milhões (mediana de R$ 165 mil). Os resultados a partir da pandemia de COVID-19 são superiores aos do período anterior analisado e, portanto, sugerem que a fiscalização e autuação das empresas que praticaram atos lesivos contra a administração pública continuaram sendo feitas mesmo em tempos atípicos.

O teste de Mann-Whitney também foi usado para comparar os valores medianos das multas antes e a partir da pandemia. O seu resultado apontou haver diferença estatisticamente material (p<0,01). Isto é uma evidência de que as multas ativas a partir da pandemia são maiores do que as do período pré-pandêmico. Alinhadamente aos resultados prévios, parece haver uma manutenção das práticas ilícitas contra a administração pública. Por este motivo, as estratégias de combate à corrupção devem ser aplicadas eficazmente com o propósito de que os números futuros do CNEP sejam mais promissores.
Subsequentemente, a Tabela 6 mostra os resultados da análise das multas por UF do órgão sancionador. Acre, Alagoas, Amapá, Bahia, Ceará, Goiás, Maranhão, Paraíba, Piauí, Rio Grande do Norte, Roraima, Sergipe e Tocantins não possuem multas ativas. Dessas UFs, Acre, Amapá, Bahia, Piauí, Roraima e Sergipe não possuem dispositivos similares à LAC quanto à responsabilização administrativa e civil de PJs (Silva & Bruzoni, 2024). Ademais, 186 multas não possuem a indicação de UF, das quais 80, totalizando R$ 41,002 milhões, foram sancionadas pela Petróleo Brasileiro S.A. e 44, somando R$ 45,200 milhões, pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (dados não tabulados). A Petróleo Brasileiro S.A. é o órgão com a maior quantidade de multas sancionadas.

As UFs com as maiores quantidades de multas são Distrito Federal, Espírito Santo, São Paulo e Mato Grosso. O Distrito Federal, com a maior quantidade de multas sancionadas, contempla órgãos sancionadores pertencentes ao Governo Federal; como o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (sancionador de 27 multas ativas que somam R$ 48,085 milhões) e a CGU (sancionadora de 23 multas ativas que somam R$ 23,139 milhões) (dados não tabulados). Estes são os dois principais sancionadores de multas em termos de quantidade de multas ativas do Distrito Federal, de um total de 14 órgãos distintos. Oito destes são ministérios do Governo Federal. O Distrito Federal também é a UF que possui o órgão que aplicou a maior multa em termos financeiros, equivalente a R$ 384,298 milhões, sendo que esse órgão é a CGU e a entidade sancionada é uma das entidades estrangeiras.
Espírito Santo é a UF com a segunda maior quantidade de multas sancionadas. Ao todo, são 74 multas, sendo que 57 delas foram sancionadas pelo governo estadual. A multa de menor valor, no montante de R$ 1 real, foi aplicada pela Prefeitura Municipal de Colatina. Ela é a única multa ativa sancionada por esse município. O valor médio das multas sancionadas por órgãos localizados nessa UF é de R$ 236 mil, com desvio-padrão de R$ 646 mil e valor máximo de R$ 4,165 milhões.
Mato Grosso é a quarta UF em quantidade de multas sancionadas, contudo, é a primeira ao se observar os valores total e médio das multas. A Controladoria Geral do Estado de Mato Grosso (CGE-MT) é o órgão sancionador que acumula o maior saldo monetário de multas entre todos os órgãos, não limitados à UF de Mato Grosso, R$ 712,581 milhões ou 41,7% (dados não tabulados). Essa UF possui o segundo maior valor de multa aplicada, R$ 96,171 milhões.
A UF do Rio de Janeiro apresenta o segundo maior valor médio das multas aplicadas, R$ 14,725 milhões. Nessa UF se encontra a Prefeitura do Rio de Janeiro que sancionou duas multas com saldo acumulado de R$ 98,545 milhões. Essa entidade municipal é o órgão sancionador que acumula o segundo maior saldo monetário em multas entre todos os órgãos. A UF do Paraná (uma multa de R$ 6 mil) é a que tem a menor quantidade e valor total de multa, sem incluir aquelas UFs que possuem zero (não elencadas). Mato Grosso do Sul, Pará, Rondônia e Amazonas apresentam duas multas ativas cada.
A última análise é referente ao tipo de ato lesivo praticado que deu origem à multa, com base no artigo 5º da LAC, e está reportada na Tabela 7. Ressalta-se que, para esta análise particular, mais de um fundamento legal pode ter sustentado uma mesma multa e existem multas cujo ato lesivo praticado não foi discriminado na base de dados. Logo, a quantidade e o valor apresentados na tabela diferem daqueles indicados nas análises anteriores.
Ao todo, 24 multas e um total de R$ 176,729 milhões foram fundamentadas, parcial ou integralmente, na comprovação de prática de prometer, ofertar ou dar benefício indevido a agentes públicos ou a terceiros, seja direta ou indiretamente (inciso I). Este é o ato lesivo mais frequente e acumula maior valor monetário entre as multas ativas que possuem indicação do ato lesivo praticado. A utilização interposta de PF ou PJ para ocultar ou dissimular os seus reais interesses ou a identidade dos beneficiários das ações praticadas (inciso III) constituiu o segundo ato lesivo mais frequente; pois foi observado em 14 multas, equivalentes a R$ 102,880 milhões. O ato de dificultar a investigação ou fiscalização de órgãos, entidades ou agentes públicos (inciso V) foi responsável por motivar 12 multas que representam R$ 50,909 milhões.
O inciso IV é referente a licitações e contratos. No caso da alínea “a” deste inciso, foram constatadas seis multas cujo valor total é de R$ 91,809 milhões. Para a alínea “b”, verificaram-se também seis multas, equivalentes a R$ 73,463 milhões. E, para alínea “d”, houve dez multas, totalizando R$ 9,823 milhões. Por fim, o financiamento, custeamento, patrocínio ou qualquer tipo de subvenção à prática de atos ilícitos (inciso II) foi apontada como a causa de seis multas que, conjuntamente, resultam em R$ 63,437 milhões.

Quanto ao teste de Kruskal-Wallis, ele indicou haver pelo menos uma diferença significante (p<0,05) entre os valores medianos das multas dos sete grupos de atos lesivos considerados representados por seus incisos e itens. Para saber especificamente as diferenças significativas, foi efetuado o teste de Dunn com correção de Bonferroni para cada par de ato lesivo sob comparação. Nota-se que a maioria das diferenças entre os valores medianos não é estatisticamente relevante (p>0,10). Contudo, constata-se que o valor mediano da multa do ato lesivo que consta na alínea “b” do inciso IV é estatisticamente inferior ao dos atos lesivos que constam nos incisos I (I>IV-b*) e II (II>IV-b*). Isto significa que, em geral, os atos lesivos dos incisos I e II rendem valores de multas maiores do que o ato previsto na alínea “b” do inciso IV. Aponta-se que o número de observações desta análise é relativamente baixo e os resultados dos testes devem ser vistos com parcimônia.
5 Discussão e conclusões
Este trabalho analisou a incidência de penalidades aplicadas às empresas que praticaram atos lesivos contra a administração pública com fundamento na LAC. Estudou-se o período 2016–2023 que compreende 498 multas ativas, as quais representam 57,1% de todas as sanções constantes no CNEP.
Como principais achados, destacam-se: (i) o total de 498 multas ativas equivale a R$ 1,706 bilhão, com média mensal de quase R$ 18 milhões de multas sancionadas; (ii) 475 multas equivalentes a R$ 1,184 bilhão (69,4%) são devidas de PJs; (iii) a quantidade de multas ativas cresceu, com mais de 50% concentradas em 2022 e 2023, enquanto o valor monetário aumentou de 2016 a 2021 e declinou em 2022 e 2023; (iv) multas durante e após a pandemia superam as de antes, sugerindo manutenção da fiscalização; (v) o Distrito Federal lidera em número de multas, mas Mato Grosso tem os maiores valores monetários total e médio; (vi) o ato lesivo mais comum é o previsto no artigo 5º, inciso I, da LAC; e (vii) testes de medianas indicaram diferenças relevantes de valores das multas a partir das distintas óticas consideradas.
A partir destes achados, traçam-se algumas implicações. Primeiro, o Brasil ainda tem um caminho significativo rumo ao combate da corrupção no domínio empresarial privado. O saldo total de multas ativas indica que ainda há problemas de conduta nas empresas. Mesmo assim, esta pesquisa não pretende oferecer desencorajamento. Pelo contrário, busca ser ferramenta de controle social e oferece evidências que possam subsidiar decisões e moldar políticas e regulamentações a fim de conter a corrupção.
Segundo, embora haja uma tendência de aumento nas multas ao longo do tempo, a eficácia delas como meio de dissuasão é questionável, especialmente em casos de valores baixos, como um real. Não foram analisadas outras penalidades além das multas. Contudo, multas nesses montantes geralmente não proporcionam retribuição financeira pelo dano causado. A multa de maior valor, R$ 384,298 milhões, foi aplicada à empresa estrangeira. Mesmo para empresa brasileira de grande porte, questiona-se se esse montante é suficiente para desencorajar a prática de atos lesivos. Estudos (Chang et al., 2020; Barrett et al., 2017; Hu et al., 2024) sugerem a necessidade de avaliar os valores das multas para garantir seu impacto desejado. No entanto, como o CNEP não fornece os totais de multas, mas tão somente daquelas que continuam ativas, é preciso cautela ao interpretar essas tendências, pois os dados são limitados.
Terceiro, embora em alguns casos os valores das multas sejam questionáveis para fins de reparação do dano, em outros eles podem ser adequados ao dano. A esse respeito, Halter et al. (2009) apontam que líderes empresariais somente implantaram boas práticas quando entenderam a importância da transparência e integridade. Portanto, busca-se transmitir uma mensagem aos gestores empresariais acerca da necessidade de condução dos negócios com responsabilidade e ética.
Quarto, a análise por UF mostra que as práticas ilícitas ocorrem em diversas regiões do Brasil, indicando que a corrupção não é particular de certa localidade. Os governos precisam continuar trabalhando para monitorar e sancionar as PJs e PFs que violam a LAC. Contudo, algumas UFs, como Distrito Federal e Espírito Santo, apresentam maior incidência de multas, o que pode refletir tanto a maior ocorrência de práticas lesivas quanto a diferente aplicação das leis anticorrupção (Pinho & Sacramento, 2018). Conforme Silva e Brunozi (2021, 2024), existe isomorfismo mimético na aderência dessas leis em estados brasileiros. Assim, é possível que a responsabilização não tenha sido aplicada devido à inexistência de estrutura administrativa para a fiscalização e vigilância, oriundas de motivações variadas, incluindo a falta de recursos e interesse. Pesquisas futuras podem investigar essas variáveis.
Quinto, a maioria dos valores medianos dos atos lesivos não apresentou diferença estatística, indicando similaridade na gravidade dos atos ilícitos. Isso destaca a relevância de programas educacionais para funcionários públicos e da colaboração para detectar práticas indevidas. Além disso, é fundamental analisar a política de exclusão de dados do CNEP, pois dados históricos, incluindo multas inativas (decorrentes do pagamento da multa), são relevantes para estudos sobre eficácia das penalidades. Sob a perspectiva relativa e unitária, penalidades são importantes para a prevenção de práticas indesejadas, sendo que os valores financeiros das multas são instrumentos importantes para o alcance do objetivo da penalidade imposta (Chang et al., 2020; Barrett et al., 2017; Hu et al., 2024). Desse modo, dados históricos são fundamentais para o estudo do alcance do objetivo das penalidades aplicadas. A manutenção de dados históricos é essencial como evidência da aplicação da LAC e dos esforços para o rompimento do “círculo vicioso da corrupção no Brasil”, em um contexto que se indica fragilidades institucionais na aplicação de leis e na transparência das ações (Pinho & Sacramento, 2018). Dar luz aos problemas do CNEP é uma contribuição deste estudo.
Como limitações de pesquisa, coloca-se que os dados faltantes, principalmente quanto ao tipo de ato lesivo praticado e as multas excluídas do CNEP por motivo de seu pagamento. A realização deste estudo é importante, apesar dessa limitação, por indicar progressos a serem realizados na disponibilização dos dados. É necessário, por exemplo, analisar se o efeito educativo e dissuasor das penalidades não é reduzido com a exclusão das multas do CNEP. Além disso, é possível observar a tendência das multas aplicadas mesmo com dados faltantes.
Outra limitação é o estudo exclusivo das multas, como proxy de penalidades, para tratar de atos lesivos contra a administração pública. Não é possível afirmar que todos os atos lesivos cometidos foram identificados pelas autoridades competentes e punidos de acordo com a LAC, bem como não é possível afirmar que todos os atos lesivos identificados por essas autoridades foram punidos. É possível que tenha ocorrido variabilidade no nível de enforcement da LAC no período analisada. Consequentemente, a análise realizada limita a extração de conclusões com base nos dados disponíveis no CNEP.
Há também limitação quanto às informações disponíveis no banco de dados do CNEP. Ele não traz outras variáveis que poderiam ter sido usadas como filtros com o intuito de gerar evidências suplementares, tais como o setor e o porte da empresa. Como alerta, recomenda-se a interpretação cautelosa e responsável dos dados, já que algumas análises e testes estão fundamentados em poucas observações e os seus resultados poderiam variar sensivelmente com novas adições, ou exclusões, de observações.
A escassa literatura acerca de penalidades e, em específico, sobre multas é uma última limitação a ser considerada. Há poucos estudos empíricos que focaram neste fenômeno e que acabam por limitar a discussão dos achados, ainda que as multas denotem a gravidade dos atos ilícitos e constituam tópico investigativo relevante.
Futuras pesquisas podem investigar qualitativamente a percepção de gestores de empresas associadas à corrupção para identificar impactos negativos nas empresas. Recomenda-se também criar indicadores para avaliar os impactos financeiros das multas, especialmente em micro e pequenas empresas. Encoraja-se também o desenvolvimento de estudos que apontem práticas efetivas nas empresas multadas a fim de evitar a reincidência de multas (práticas baseadas na perspectiva relativa de Prevenção Especial); bem como se encoraja a análise da reincidência de multas a partir de dados disponíveis no CNEP, uma vez que este discrimina os CNPJs e nomes das empresas multadas. Por fim, é relevante examinar penalidades em conjunto com outros dados, como processos licitatórios, ordens bancárias, unidades gestoras ou unidade de administração de serviços gerais, população, empresas inidôneas, acordos e leniência e servidores demitidos.
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