ARTIGO DE PESQUISA

REGIÕES METROPOLITANAS DA PARAÍBA: CARACTERIZAÇÃO, IMPLANTAÇÃO E PROCESSOS DE GESTÃO

METROPOLITAN REGIONS OF PARAÍBA: CHARACTERIZATION, IMPLEMENTATION, AND MANAGEMENT PROCESSES

CAROLINE MEDEIROS RODRIGUES E SILVA
Universidade Federal de Campina Grande, Brazil
EMIZAEL MARCOS DA SILVA
Universidade Federal de Campina Grande, Brazil
LÍVIA IZABEL BEZERRA DE MIRANDA
Universidade Federal de Campina Grande, Brazil

REGIÕES METROPOLITANAS DA PARAÍBA: CARACTERIZAÇÃO, IMPLANTAÇÃO E PROCESSOS DE GESTÃO

Oculum Ensaios, vol. 15, núm. 1, pp. 129-148, 2018

Pontifícia Universidade Católica de Campinas

Recepção: 29 Janeiro 2016

Revised document received: 23 Julho 2017

Aprovação: 22 Agosto 2017

Financiamento

Fonte: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

Número do contrato: 485389/2011-8

RESUMO: A institucionalização de Regiões Metropolitanas na Paraíba vem sendo realizada, aparentemente, sem critérios que as justifiquem. Esta pesquisa buscou identificar a efetiva centralidade que os núcleos apontados como metropolitanos exerceriam sobre sua hinterlândia, tomando como referência os parâmetros clássicos para definição de Regiões Metropolitanas definidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e suas recentes adaptações. A partir desses resultados buscou-se a comparação com os parâmetros estabelecidos pela Lei Federal n° 13.089/2015, o Estatuto da Metrópole. Além disso, o artigo discute se houve implementação de instrumentos de planejamento e gestão para a cooperação intermunicipal nestas unidades. A metodologia adotada considerou características demográficas, estruturais e de integração para identificação de centralidades urbanas e sua aplicação resultou na identificação de apenas três núcleos com características metropolitanas: Campina Grande, João Pessoa e Guarabira. Na comparação com as novas determinações do Estatuto da Metrópole constatou-se que apenas as Regiões de Campina Grande e João Pessoa tinham perfil efetivamente metropolitano. Os estudos apontam, então, a necessidade de desinstitucionalização da maior parte das Regiões Metropolitanas no estado da Paraíba e a criação de estruturas para a gestão dos serviços comuns. Essas estruturas, quando previstas em lei, não foram efetivadas.

PALAVRAS-CHAVE: Aglomeração Urbana, Estatuto da Metrópole, Gestão Urbana, Institucionalização, Região Metropolitana..

ABSTRACT: The institutionalization of Metropolitan Regions in Paraíba is being carried out, apparently, without meeting the criteria that justify the choices. This research sought to identify the effective centrality that the indicated metropolitan nuclei show regarding their hinterland, taking as reference the classical parameters for the definition of Metropolitan Regions defined by the Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, and their recent adaptations. From these results, a comparison was made with the parameters established by the Federal Law 13,089 / 2015, the Statute of the Metropolis. In addition, the article discusses the implementation of planning and management tools for intermunicipal cooperation in these units. The adopted methodology considered demographic, structural, and integrational characteristics to identify urban centralities and its application resulted in the identification of only three cores with metropolitan characteristics: Campina Grande, João Pessoa, and Guarabira. In comparison with the new determinations of the Statute of the Metropolis it was verified that only the Regions of Campina Grande and João Pessoa effectively had a metropolitan profile. Thus, the studies indicate the need for deinstitutionalization of most Metropolitan Regions in the state of Paraíba and the creation of structures for the management of common services. These structures, when foreseen by law, were not implemented.

KEYWORDS: Urban Agglomeration, Status of Metropolis, Urban management, Institutionalization, Metropolitan Region..

INTRODUÇÃO

O primeiro estudo sobre as redes urbanas brasileiras foi publicado em 1966 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) denominado Regiões de Influência das Cidades (REGIC) que, ainda hoje, identifica os fluxos entre as cidades do Brasil, o que levou à divisão do Brasil em espaços homogêneos e espaços polarizados, e à delimitação das suas áreas de influência. Atualmente, o REGIC estabelece uma hierarquia de cidades com cinco níveis de centralidades, a partir da qual é possível obter uma base para o planejamento estatal e, assim, a distribuição de recursos, a localização de atividades e serviços e o desenvolvimento de políticas que tornem possível o desenvolvimento de todo o país (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2007).

A delimitação e institucionalização das áreas metropolitanas brasileiras era de responsabilidade do Governo Federal até a aprovação da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), quando a incumbência passou a ser dos Governos Estaduais. O objetivo dessa atribuição seria facilitar e incentivar um planejamento integrado das áreas submetidas a intensos processos de urbanização e promover as funções públicas de interesse comum para esses municípios.

As razões que levam uma aglomeração a ser considerada uma Região Metropolitana, bem como grau de metropolização a ser atingido para que isso ocorra, são motivos de controvérsias. Isso se deve, em parte, à dinâmica de metropolização estar em constante transformação. Enquanto que as primeiras Regiões Metropolitanas criadas no Brasil na década de 1970 precisaram atender a um conjunto de critérios estabelecidos, em âmbito nacional, a partir de diversos estudos realizados acerca do tema, nos dias atuais as institucionalizações vêm sendo realizadas sem critérios claros, com cada estado adotando suas próprias metodologias e procedimentos.

Em 2010, o Brasil possuía 36 Regiões Metropolitanas. No estado da Paraíba, neste mesmo ano, existiam apenas duas, as de João Pessoa e Campina Grande, contudo, a partir de 2012 o número de projetos de lei para a criação de Regiões Metropolitanas no estado cresceu vertiginosamente e hoje há um total de 12 regiões. A aparente banalização do processo de institucionalização por parte desta unidade federativa despertou a atenção para o tema.

Partiu-se do pressuposto de que nem todas as aglomerações institucionalizadas no estado da Paraíba apresentam dinâmicas metropolitanas, nem vem estruturando parcerias para o desenvolvimento dos serviços comuns metropolitanos. O artigo, portanto, pretende discutir as delimitações propostas para as Regiões Metropolitanas paraibanas a partir da identificação das centralidades regionais e da existência de processos de metropolização, utilizando como referência uma metodologia clássica adaptada. Buscou-se ainda confrontar os resultados com os parâmetros definidos pela Lei nº 13.089/2015 (BRASIL, 2015), o Estatuto da Metrópole e observar a implementação e estruturação de instâncias e instrumentos de planejamento e gestão dos serviços comuns metropolitanos nos núcleos institucionalizados.

Desta forma, o objetivo desta pesquisa pode ser segmentado em três partes: (i) identificar quais seriam as Regiões Metropolitanas da Paraíba caso fosse aplicado um conjunto de critérios clássicos adaptados, com base em uma mesma metodologia; (ii) Comparar os resultados com os parâmetros definidos pelo Estatuto da Metrópole (Lei 13.089/2015); (iii) Observar a implementação e estruturação de instrumentos de planejamento e gestão e dos serviços comuns metropolitanos nos núcleos institucionalizados.

A aprovação do Estatuto da Metrópole trouxe a esperança de que a regulamentação de regiões metropolitanas no Brasil fosse menos casuística e obedecesse a critérios uniformes estabelecidos para todo território nacional. A norma traz um conjunto de definições e conceitos e ainda dispõe sobre governança interfederativa dessas unidades, sobre os instrumentos de desenvolvimento urbano integrado e a atuação da União no apoio à implementação desses instrumentos.

O presente artigo está estruturado em quatro seções: (i) na primeira são abordados alguns estudos e metodologias acerca de delimitações e níveis de integração de áreas metropolitanas, e são apresentadas e discutidas as novas determinações do Estatuto da Metrópole; (ii) na segunda seção é apresentada uma caracterização das Regiões Metropolitanas da Paraíba e seu funcionamento, principalmente no que tange às estruturas de gestão e governança interfederativa; (iii) na terceira seção é discutida a delimitação das regiões metropolitanas paraibanas apoiada em critérios técnicos para delimitação de Áreas Metropolitanas com base em Galvão et al. (1969) e Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (2013); e por fim, (iv) procedeu-se o confronto dos casos paraibanos com as novas definições do Estatuto da Metrópole.

OS PERÍMETROS METROPOLITANOS: METODOLOGIAS E ESTUDOS

DELIMINTANDO ÁREAS METROPOLITANAS

Em setembro de 1968 ocorreu a I Conferência Nacional de Geografia e Cartografia promovida pelo IBGE, onde foram debatidas questões metropolitanas, além de estudos e propostas de critérios para delimitação de Regiões Metropolitanas. Esta conferência resultou na criação do Grupo de Áreas Metropolitanas (GAM) que identificou e delimitou as áreas metropolitanas, posteriormente, institucionalizadas a partir dos critérios propostos por Galvão et al. (1969). Foram elas: Belém, Fortaleza, Recife, Salvador, Belo Horizonte, São Paulo, Curitiba e Porto Alegre, no ano de 1973, e Rio de Janeiro em 1974, mediante o Art. 1º da Lei Complementar nº 14 de 1973 (BRASIL, 1973).

A metodologia proposta por Galvão et al. (1969), considerou as centralidades municipais a partir de critérios demográficos, estruturais e de integração conforme apresentado abaixo.

I - Características demográficas - considerou tamanhos e dinâmicas populacionais.

  1. 1) População de pelo menos quatrocentos mil habitantes. Esse número foi obtido através de um estudo feito pelo Departamento de Geografia do Instituto Brasileiro de Geografia (IBG) a respeito da centralidade das cidades brasileiras. O estudo resultou na identificação de nove cidades como metrópoles regionais e nacionais, e o que se observou é que equipamentos e serviços urbanos com maior diversificação não estavam presentes em cidades com volume populacional menor que quatrocentos mil habitantes. Hoje essa realidade mudou, os serviços e equipamentos ocorrem de maneira mais generalizada na rede urbana.

  2. 2) A densidade da população do distrito-sede da cidade central de no mínimo quinhentos habitantes por Km².

Além disso, um dado município poderia ser incorporado a uma área metropolitana, quando:

  1. 3) A densidade de população dos municípios vizinhos fosse no mínimo de sessenta habitantes por km². Quando o município não possuísse tal densidade deverá apresentá-la pelo menos em um distrito que seja contíguo a outro município da área. Esta densidade está usualmente associada a uma certa predominância da população urbana sobre a rural.

  2. 4) Variação da população no período 1950/1960 de no mínimo 45% no município ou em um distrito contiguo. Esse critério reflete o momento pelo qual passava o país na segunda metade do século XX, de enorme crescimento populacional e urbanização acelerada que fez inchar as cidades e surgir os grandes centros e metrópoles nacionais.

II - Características estruturais - considerou dinâmicas econômicas e do trabalho.

  1. 1) Ter pelo menos 10% de sua população potencialmente ativa ocupada em atividades industriais. A industrialização, em seu processo, já vinha ocupando um papel de destaque na economia brasileira e era um dos fatores de maior atração para as grandes cidades.

  2. 2) No caso dos chamados núcleos “dormitórios” esta porcentagem é substituída por um índice de movimento pendular, igual ou superior a 20% da população, deslocando-se diariamente para qualquer ponto da área.

  3. 3) Quando o valor da produção industrial for 3 vezes maior que o valor da produção agrícola.

III - Características de integração - considerou mobilidade e comunicação.

  1. 1) Quando tiver pelo menos 10% de sua população total deslocando-se diariamente, em viagens intermunicipais, para o município que contém a cidade central ou outros municípios da área.

  2. 2) Quando tiver um índice de ligações telefônicas para a cidade central superior a oitenta, por aparelho, durante um ano.

Com a nova Constituição de 1988, a responsabilidade pela institucionalização das Regiões Metropolitanas passou a ser dos estados da federação. A ideia era descentralizar e dar mais atenção às questões de nível local. Desse modo, configura-se a necessidade de integrar métodos de análise em diferentes escalas, dando atenção especial aos processos de nível regional. A delimitação das centralidades estaduais e de suas extensões territoriais é um importante instrumento de planejamento e pode apoiar estratégias de associação territorial solidárias.

Posteriormente, outros estudos foram desenvolvidos com o objetivo de analisar, identificar e classificar as aglomerações e arranjos urbanos brasileiros e traçar um perfil das diversas conexões e redes existentes.

Na década de 1990, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) coordenou o estudo “Caracterização e Tendências da Rede Urbana do Brasil”, em parceria com diversas instituições, entre elas IBGE, o Núcleo de Economia Social Urbana e Regional (Nesur) e a Universidade de Campinas (Unicamp). O estudo buscou analisar a configuração e as tendências de transformação da rede urbana brasileira “[…] enfocando as transformações ocorridas no processo de crescimento demográfico, funcional e espacial das cidades” (INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA, 2002, p.9). Além da análise de rede urbana, os municípios com mais de cem mil habitantes foram categorizados e incluídos em uma hierarquia. Os resultados mostram que já existiam novas centralidades frente ao cenário definido pelas aglomerações institucionalizadas.

Moura (2009) em seu estudo sobre os arranjos urbano-regionais brasileiros explora outra dimensão da urbanização contemporânea e das dinâmicas territoriais e ressalta que esses arranjos apresentam fluxos elevados de pessoas e mercadorias, relevância econômica-social, alta densidade e se diferenciam de aglomerações singulares devido “[…] a ordem de complexidade dos fenômenos que operam em seu interior […] as insere no rol de morfologias superlativas - tratadas recorrentemente como megacidades, cidades-regiões, macrometrópoles […]” (MOURA, 2009, p.25). O trabalho identifica os arranjos urbano-regionais em território brasileiro a partir de uma análise exploratória espacial que considera as dimensões populacionais, econômicas e os deslocamentos e fluxos, entre eles destaca-se o arranjo Recife-João Pessoa.

Outra pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (2013) recoloca a discussão acerca da delimitação das Áreas Metropolitanas brasileiras. O estudo intitulado “Rediscutindo a delimitação das regiões metropolitanas no Brasil: um exercício a partir dos critérios da década de 1970” fez uma simulação de quais seriam as Regiões Metropolitanas existentes na atualidade, caso fosse aplicado um único conjunto de critérios para todo o país. A metodologia de Galvão et al. (1969) foi utilizada para definição dos perímetros, feitas adaptações relativas às dinâmicas e características da rede urbana na atualidade. Na seção referente a metodologia serão apresentadas as adequações feitas à proposta original.

Estudos complementares, também desenvolvidos pelo IBGE, têm contribuído para as observações e análises das reconfigurações da rede urbana brasileira: Divisão Urbano - Regional (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2013a), que estabelece as chamadas Regiões de Articulação Urbana, e Arranjos Populacionais e Concentrações Urbanas do Brasil de 2015, estes tomam como base as dinâmicas territoriais e fluxos identificados inicialmente pelo REGIC, além de levar em consideração características regionais, históricas e sociais influentes nos processos espaciais. Estes produtos são importantes referências para a gestão e o planejamento em todo o território nacional.

NÍVEIS DE INTEGRAÇÃO À DINÂMICA METROPOLITANA (OBSERVATÓRIO DAS METRÓPOLES)

Um estudo realizado pelo Observatório das Metrópoles, em 2012, analisou os níveis de integração dos municípios brasileiros inseridos em Regiões Metropolitanas, Aglomerações Urbanas e Regiões Integradas de Desenvolvimento (Ride) à dinâmica metropolitana. O universo da pesquisa envolveu as 59 unidades institucionalizadas no país até aquele momento, sendo 51 Regiões Metropolitanas, 5 Aglomerações Urbanas e 3 Ride (RIBEIRO et al., 2012).

Utilizando procedimentos analíticos (Análise por Componentes Principais [ACP] e Análise de Cluster por Classificação Hierárquica Ascendente), a pesquisa observou as 59 unidades sob diferentes variáveis: população, taxa de crescimento populacional, grau de urbanização, percentual de trabalhadores em ocupações não-agrícolas, densidade populacional dos setores urbanos, produto interno bruto, total de rendimentos, entrada e saída por movimento pendular, porcentagem de entrada e saída de movimento pendular. A análise resultou na classificação dos 945 municípios em sete grupos, sendo o primeiro composto pelos polos, correspondentes aos núcleos das 59 unidades. Os demais grupos são referentes aos níveis de integração dos demais municípios, assim divididos: extensão dos polos, muito alto, alto, médio, baixo, muito baixo (RIBEIRO et al., 2012).

Os resultados mostraram que mais da metade dos municípios investigados (508 municípios - 53%) possuíam nível de integração baixo ou muito baixo. Isto revela que, em todo o Brasil, muitos municípios foram inseridos em perímetros institucionalizados mesmo não estando efetivamente integrados a uma dinâmica metropolitana.

Na época em que o estudo foi realizado, a Paraíba já possuía oito Regiões Metropolitanas das quais seis foram analisadas na pesquisa: Cajazeiras, Campina Grande, Esperança, Guarabira, João Pessoa e Patos. Os resultados revelaram que mais de 90% dos municípios pertencentes a estas regiões apresentavam nível de integração baixo ou muito baixo. Isso confirma a fragilidade dos perímetros institucionalizados e reforça a ideia de que estes foram definidos de maneira arbitrária.

O ESTATUTO DA METRÓPOLE

Em janeiro de 2015 foi sancionado pela Presidente da República, o Estatuto da Metropóle (Lei Federal nº 13.089/2015), após uma década de tramitação no Congresso. A Lei representa um marco no que diz respeito ao planejamento a nível metropolitano e regional e traz inovações importantes, entre elas:

[…] estabelece diretrizes gerais para o planejamento, a gestão e a execução das funções públicas de interesse comum em regiões metropolitanas e em aglomerações urbanas instituídas pelos Estados, normas gerais sobre o plano de desenvolvimento urbano integrado e outros instrumentos de governança interfederativa, e critérios para o apoio da União a ações que envolvam governança interfederativa no campo do desenvolvimento urbano (BRASIL, 2015, Art. 1°, online).

O texto define uma série de conceitos essenciais à discussão sobre a metrópole: Aglomeração Urbana, Metrópole, Região Metropolitana, Função Pública de Interesse Comum (FPIC), Plano de Desenvolvimento Urbano Integrado, Gestão Plena, Governança Interfederativa. Estes conceitos são importantes, entre outras coisas, para que as novas institucionalizações possam ser feitas com mais coerência, tendo por base um nível hierárquico que serve como critério de corte, impedindo que aglomerações pouco dinâmicas sejam consideradas, arbitrariamente apenas por motivos políticos, de natureza metropolitana. Isso porque, o Estatuto determina que apenas aglomerações urbanas que configurem uma metrópole poderão ser consideradas Regiões Metropolitanas. Por sua vez, para ser considerada metrópole a aglomeração precisa ter continuidade territorial e seu núcleo deve ter a influência de uma Capital Regional.

Além do conjunto de conceitos, o Estatuto dispõe sobre a instituição de Regiões Metropolitanas e Aglomerações Urbanas, da governança interfederativa dessas unidades, sobre os instrumentos de desenvolvimento urbano integrado e a atuação da União no apoio à implementação desses instrumentos.

Apesar do grande avanço que a referida Lei representa, algumas questões importantes deixaram de ser especificadas. O Artigo 5º determina que as leis complementares estaduais para delimitação de novas Regiões Metropolitanas e Aglomerações Urbanas deverão definir, entre outras coisas, os municípios que integrarão estas unidades territoriais. Apesar de requerer que os critérios técnicos adotados para essa definição sejam explicitados no ato de elaboração da lei, o Estatuto não oferece parâmetros para a elaboração destes critérios. Sendo assim, a Lei dá margem para que cada estado crie sua própria metodologia.

No caso das Regiões Metropolitanas, a lei define que os municípios integrantes precisam ter continuidade territorial, mas para as Aglomerações Urbanas cujos municípios não precisam apresentar essa característica, a questão se torna mais complicada. No Capítulo I, Aglomerações Urbanas são definidas como “unidades territoriais urbanas constituídas pelo agrupamento de 2 (dois) ou mais Municípios limítrofes, caracterizadas por complementaridade funcional e integração das dinâmicas geográficas, ambientais, políticas e socioeconômicas” (BRASIL, 2015, Art. 2º, online). Mas, como medir essa complementariedade e integração entre os municípios, e assim definir quais poderiam fazer parte da aglomeração?

O mesmo Artigo 5º determina ainda que as leis complementares estaduais apresentem as FPIC que justifiquem a instituição das unidades territoriais, bem como as estruturas de governança interfederativa e os meios de controle social da organização, planejamento e execução das FPIC. Essas imposições adicionadas a outras, como a que determina a aprovação do Plano de Desenvolvimento Urbano Integrado no prazo de três anos da instituição da Regiões Metropolitanas ou da Aglomerações Urbanas, resultando em um processo de improbidade administrativa para o governador ou prefeito em caso de descumprimento, podem evitar que sejam feitas novas institucionalizações arbitrárias e garantir que as estruturas de gestão funcionem de forma efetiva, com execução de políticas públicas direcionadas a reparar os problemas comuns aos diversos municípios integrantes, com um planejamento adequado a escala metropolitana e considerando as diversas questões que não poderão mais ser tratadas de forma individualizada por cada instancia municipal.

REGIÕES METROPOLITANAS DA PARAÍBA: ASPECTOS INSTITUCIONAIS

Na Paraíba, a apresentação de projetos de lei para criação de Regiões Metropolitanas se tornou uma prática constante nos últimos anos. As institucionalizações foram feitas, aparentemente, sem critérios que pudessem justificar a delimitação dos municípios que compõem estas regiões, consequência da falta de estratégia de planejamento territorial em nível regional pelos Governos Estaduais e das brechas legais e institucionais que permitem este tipo de iniciativa.

O estado possui 223 municípios, deles 151 (67,71%) fazem parte das 12 Regiões Metropolitanas existentes. O ano de 2013 marca a proliferação de Regiões Metropolitanas, foram seis regiões instituídas. Outras quatro foram criadas entre 2014 e 2015. Uma breve análise das características dessas regiões evidencia fortes inadequações, como é o caso de Araruna, sede da Regiões Metropolitanas de mesmo nome, que apresenta frágil dinâmica urbana e população predominantemente rural.

As divergências entre a realidade espacial e as ações administrativas, exemplificado no trecho a seguir, podem ser facilmente identificadas nas Regiões Metropolitanas do estado Paraíba.

[…] por um lado, há a aceleração do processo de urbanização e metropolização como sua fase superior e, por outro lado a estagnação das possibilidades de intervir e administrar os espaços resultantes deste processo acelerado […]. Assim, enquanto as estruturas espaciais se modificam de modo acelerado, as estruturas administrativas continuam lentas e amarradas a uma realidade passada (INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA, 2013, p.31).

O Quadro 1 apresenta as principais estruturas burocráticas e administrativas previstas nas legislações de criação das respectivas Regiões Metropolitanas. No mesmo quadro é possível observar a existência ou não destes mecanismos com base nos dados fornecidos pela Pesquisa de Informações Básicas Municipais (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2013b). Por meio desta comparação foi possível constatar a ausência ou insuficiência de ações conjuntas para resolver problemas de interesse comum entre os municípios integrantes de Regiões Metropolitanas na Paraíba, já que quase nenhum destes possui os mecanismos de gestão necessários para tornar tal integração possível. Nos casos de Araruna e Barra de Santa Rosa, não há sequer uma ferramenta essencial para o planejamento e a gestão municipal, o Plano Diretor do município sede.

QUADRO 1
Mecanismos de gestão integrada previstos em lei e os existentes.
Região Metropolitana (RM)Leis complementaresInstrumentos Estabelecidos em Leis Complementares Mecanismos de Gestão Existentes
Estudo de viabilidadeFundo de recursosÓrgão gestorPlanosConsórciosPlano DiretorConselhos IntermunicipaisPlanos IntermunicipaisConsórcios
Araruna 119/2013----X---
Barra de Santa Rosa 14/2011XXXXX----
Cajazeiras 107/2012-XXXXX---
Campina Grande 92/2009-XXXXX---
Esperança 106/2012)XXXXXXX--
Guarabira102/2011-XXXXX---
Itabaiana118/2013-XXXXX---
João Pessoa59/2003, alterada pela 90/2009 e 93/2011-XXXXXX-X
Patos103/2011-XXXXX---
Sousa117/2013-XXXXX---
Vale do Mamanguape116/2013-XXXXX---
Vale do Piancó 26/2012-X XXXX---

O Artigo 2º do Capítulo II da Lei Complementar nº 59, criadora da Região Metropolitana de João Pessoa, estabelece dois instrumentos específicos para a gestão de tal Região Metropolitana, são eles: (i) o Conselho de Desenvolvimento Metropolitano, de caráter consultivo, normativo e deliberativo; e (ii) o Consórcio de Desenvolvimento Intermunicipal da Região Metropolitana De João Pessoa - Codiam - PB, que, de acordo com o Artigo 6º do Capítulo III da mesma lei, deve ser o responsável por executar as decisões do Conselho, pois seu objetivo é estimular o desenvolvimento intermunicipal por meio das ações conjuntas dos municípios pertencentes à Regiões Metropolitanas de João Pessoa. Porém, percebe-se que mesmo quando há mecanismos para gestão integrada é difícil garantir a existência de ações conjuntas e o funcionamento de consórcios, devido ao baixo nível de integração entre a maioria dos municípios paraibanos como comentaram Nascimento e Fernandes (2015).

Devido a essas distâncias, há dois pontos que são relevantes. O primeiro é que como o aterro está localizado em João Pessoa, o custo de transporte do lixo em alguns municípios é inviável […]. O segundo ponto relevante é que tais distâncias contribuem para explicar a baixa conurbação entre os municípios (NASCIMENTO & FERNANDES, 2015, p.35).

É necessário estabelecer parcerias para que seja possível a realização de serviços comuns. Estas parcerias podem ser realizadas por meio de Consórcios Intermunicipais (Decreto nº 6.017, de 17 de janeiro de 2007), que estabelecem a cooperação entre cidades para a realização de serviços e representam os entes da Federação perante outras esferas do governo. É importante ressaltar, contudo, que esses não implicam a existência de uma Região Metropolitana. Da mesma forma, apenas as institucionalizações não garantem a governança interfederativa.

Embora esse processo de institucionalização geralmente passe por uma argumentação em defesa de políticas e ações integradas de desenvolvimento e gestão territorial, a simples criação de regiões metropolitanas não traz essas garantias, justamente pela ausência de legitimidade funcional, social e política (RIBEIRO et al., 2012, p.5).

Pode-se afirmar que, institucionalizadas a partir de iniciativas do legislativo estadual, sem necessariamente constituir um instrumento de planejamento e gestão territorial (que é uma atribuição do executivo municipal), as Regiões Metropolitanas paraibanas sequer possuem estrutura de planejamento e gestão que possibilitem seu funcionamento.

METODOLOGIA

Para investigar parâmetros de leitura das dinâmicas de aglomeração dos municípios da Paraíba, buscou-se apoio nas metodologias clássicas construídas para esse fim (GALVÃO et al., 1969) e suas recentes adaptações ao contexto urbano brasileiro (INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA, 2013). Ao conjunto de indicadores e variáveis adaptadas foram realizadas, ainda, algumas adequações, para ajustá-los ao tamanho, densidade e hierarquia da rede urbana paraibana. No Quadro 2 estão listados os critérios utilizados na metodologia original, as adaptações feitas pelo Ipea e os ajustes atentados nesta pesquisa.

QUADRO 2
Critérios para delimitação de área metropolitanas.
DimensãoCritérios originais propostos por Galvão et al. (1969)Critérios utilizados (adaptações)
(I) Demográfica1. População municipal de pelo menos quatrocentos mil habitantes. (Cidades Centrais)População municipal de pelo menos 45 mil habitantes.
2. Densidade do distrito-sede de pelo menos quinhentos habitantes/Km². (Cidades Centrais)Mantido.
3. Densidade municipal de pelo menos sessenta habitantes/Km².Mantido.
4. Variação da população de decênio anterior deve ser de no mínimo 45%, no município ou em um distrito contíguo.Descartado.
(II) Estrutural1. Pelo menos 10% da população potencialmente ativa do município ocupada em atividades industriais.Pelo menos 70% de sua população ocupada em atividades urbanas.
2. No caso dos chamados núcleos “dormitórios”, esta porcentagem é substituída por um índice de movimento pendular, igual ou superior a 20% da população, deslocando-se diariamente para qualquer município da área.Descartado.
3. Quando o valor da produção industrial municipal for três vezes maior do que o da agrícola.Descartado.
(III) Integração1. Pelo menos 10% da população total deslocando-se diariamente, em viagens intermunicipais, para qualquer município da área - considerando fluxos de entrada e saída do município.Pelo menos 7% da população municipal total deslocando-se, em viagens intermunicipais, para trabalhar ou estudar, para qualquer município da área.
2. Quando tiver um índice de ligações telefônicas para a cidade central superior a oitenta, por aparelho, durante um ano.Descartado por indisponibilidade de dados.
3. Não foi proposto originalmente.Possuir quantidade de pessoas que entram na cidade, diariamente, para estudar ou trabalhar, maior do que a quantidade que sai (Cidades Centrais).

A metodologia considerou diversas variáveis tais como: população urbana, densidade demográfica, fluxos de população em movimentos pendulares, proporção de pessoas ocupadas em atividades não-agrícolas, para discriminar os centros de maior atratividade do estado bem como os municípios de maior integração com estas aglomerações. O procedimento para este reconhecimento acompanhou os seguintes passos básicos: (i) identificar as cidades polos. Estas deveriam atender aos critérios I.1, I.2 e III.3, simultaneamente; (ii) definir um raio de abrangência primário para identificação dos municípios adjacentes; (iii) identificar os municípios adjacentes. Estes deveriam responder aos critérios I.3 ou II.1 e, necessariamente, ao critério III.1.

De acordo com o critério I.1, apresentado no Quadro 2, as cidades polo deveriam ter no mínimo quatrocentos mil habitantes1. Constatou-se, porém, que a imensa maioria dos municípios paraibanos (97%, Censo 2010) possui população urbana inferior a cinquenta mil habitantes e que as centralidades regionais se manifestam, portanto, em aglomerados com concentração demográfica mais modesta, se comparado aos grandes arranjos urbanos nacionais. Desse modo, para adequar este critério à realidade do estado, considerou-se: (a) as maiores centralidades coincidentes nos estudos mais recentes sobre a rede urbana divulgados pelo IBGE. Em todos esses estudos há conformidade quanto ao destaque para João Pessoa e Campina Grande como os principais centros de rede, os mais urbanizados; (b) dessa forma, utilizou-se um dos níveis hierárquicos definidos pelo Regic, os Centros SubRegionais A, como referência para definição de um patamar mínimo de população. Esses centros desempenham papel relevante na rede urbana regional, no que se refere à atração de pessoas e oferta de bens e serviços. Após a identificação desses centros, detectou-se qual apresentava menor população urbana e, então, adaptou-se a escala dos núcleos centrais para este nível mínimo de população, ou seja, as cidades polos deveriam ter 45 mil2 habitantes ou mais vivendo em sua área urbana. Após a discriminação dos municípios que passaram neste primeiro critério, identificou-se quais desses possuíam densidade urbana de quinhentos hab/Km² (critério I.2).

Uma das principais características que definem uma metrópole ou uma cidade considerada central é a sua capacidade de oferecer bens e serviços, o que a faz atrair grandes quantidades de pessoas vindas de locais fora dos seus limites, onde não existe essa oferta. O fator de atração é muito importante na definição ou identificação das cidades que vão sediar uma dada Região Metropolitana, e não só suas características populacionais. Desse modo, para avaliar o nível de atração dos centros foi incluído o critério III.3 (não presente na metodologia original), que determina que a quantidade de pessoas que entra para trabalhar ou estudar deve ser maior do que a quantidade pessoas que sai para essas mesmas finalidades.

Após a identificação das cidades polos por meio da aplicação dos critérios I.1, I.2 e III.3, para cada uma delas foi definido um raio de cinquenta Km. Este valor foi encontrado tomando como base a área de influência da cidade de Campina Grande que é a maior do estado. Desse modo, utilizando como auxílio um programa da plataforma GIS (Geographic Information System), o Esri’s ArcGis 9.3, mediu-se a maior distância entre o centroide do polígono formado pelo conjunto de municípios que compõem a região de Campina Grande e o perímetro deste polígono. A maior distância encontrada foi no valor de aproximadamente cinquenta km. O objetivo da determinação desses raios foi a delimitação de uma área de abrangência primária que servisse de base para identificação dos municípios adjacentes nas etapas posteriores.

Após a etapa descrita cima, foram aplicados os critérios I.3 e II.1 para as unidades inseridas dentro dos raios de abrangência, com o objetivo de identificar os municípios adjacentes de cada cidade polo. Considerando que a participação da indústria no PIB atual, não é tão relevante quanto nos anos 1970, optou-se por manter a adaptação feita pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (2013) ao critério II.1, passando-se a considerar não apenas as atividades industriais, mas todas as atividades urbanas, seja na indústria, nos serviços, ou comércios. Então, os municípios que não possuíam densidade superior sessenta hab./km² ou mais de 70% de sua população ocupada em atividades urbanas foram descartados.

Na última etapa foi aplicado o critério III.1, referente aos deslocamentos diários entre os municípios de uma dada área metropolitana. O método original definia 10,0% da população deslocando-se diariamente em viagens intermunicipais para trabalhar ou estudar em algum outro município da mesma região, mas para a realidade paraibana, cujas taxas diárias de mobilidade se apresentam pouco significativas, considerou-se outro percentual de corte com base nos deslocamentos a partir da ponderação proporcional às taxas de deslocamento encontradas por meio das quebras-naturais3 (intervalo de 6,8%). Então, foram calculadas as matrizes origem-destino de cada grupo de municípios (Figura 1) e se excluíram aqueles cujo volume de fluxos trocados com seu respectivo grupo - somando-se entradas e saídas ao município - fosse menor que 7,0% da população total residente do município. Cabe observar que todos os valores da matriz origem-destino foram recalculados a cada vez que se excluiu da área um município que não atendia ao percentual estipulado. Estas exclusões foram feitas sucessivamente até que todos os municípios restantes atendessem ao limite de porcentagem mínima estabelecida. Por último, excluíram-se os municípios não contíguos e incluíram-se os municípios enclaves.

Grupos base para Matriz origem-destino/ deslocamentos.
FIGURA 1
Grupos base para Matriz origem-destino/ deslocamentos.
Fonte: Elaborado pelos autores (2015), a partir do Censo 2010 (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2011).

A dinâmica de crescimento populacional é outro critério da metodologia clássica (critério I.4). O município deveria ter apresentado um grande crescimento populacional na última década. Esse critério foi levantado em um momento em que o Brasil passava por um intenso processo de urbanização, contexto bastante diferente do que se vive hoje no qual as taxas de crescimento diminuíram consideravelmente. Optou-se, então, por descartar este critério.

O critério II.3 expressa a importância da indústria no período em que foram delimitadas as primeiras Regiões Metropolitanas e sua forte participação nos processos de urbanização. Como nas cidades paraibanas é o setor terciário que mais contribui para os PIB locais, não faz sentido considerar a proporção entre o valor da produção industrial e agrícola. Sendo assim, o critério II.3 foi desconsiderado na pesquisa.

O critério II.2 trata dos “núcleos dormitórios”, Galvão et al. (1969). Não fica claro o que são esses núcleos, tão pouco os parâmetros para defini-los. Por esse motivo, o critério também foi descartado.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A aplicação dos critérios I.1, I.2 e III.3 resultou na identificação de um grupo de 6 municípios centrais: Cajazeiras, Campina Grande, Guarabira, João Pessoa, Patos e Sousa. Apesar dos municípios de Bayeux, Cabedelo e Santa Rita terem sido selecionados nos dois primeiros critérios, foram descartados no terceiro por apresentarem um número maior de pessoas saindo do que entrando em seus territórios para estudar ou trabalhar4 . Isso mostra que apenas critérios demográficos foram insuficientes para identificar as centralidades urbanas.

Após a definição dos raios de abrangência primários e a aplicação dos critérios referentes à densidade, ocupação e deslocamentos, constatou-se que apenas três cidades polos haviam agregado municípios adjacentes: Campina Grande, Guarabira e João Pessoa. A aplicação da matriz origem-destino mostrou que nenhum dos municípios pertencentes aos grupos de Cajazeiras, Patos e Sousa, possuía mais do que 7% de sua população deslocando-se para qualquer outro município do grupo, para trabalhar ou estudar.

A análise mostrou, então, que a partir da aplicação de um único conjunto de critérios e de uma mesma metodologia, na Paraíba existiriam apenas 3 núcleos com características que poderiam lhes conferir caráter metropolitano, considerando a escala regional. Percebeu-se que há um exagero, não apenas no número de Regiões Metropolitanas como também na quantidade de municípios agregados por região. Os resultados são mostrados na Figura 2.

Arranjos.
FIGURA 2
Arranjos.
Fonte: Elaborado pelos autores (2015), a partir do Censo 2010 (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2011).

Os resultados encontrados foram satisfatórios, pois demonstraram através de dados o que já se previa. A maioria dos perímetros institucionalizados na Paraíba não passam de meros arranjos institucionais que pouco tem de metropolitano, constituídos de municípios com baixo nível de integração e com estruturas de gestão inexistentes ou inoperantes5 .

Observando as aglomerações paraibanas sob a ótica das determinações do Estatuto da Metrópole, tomando como base os novos conceitos de Região Metropolitana, Aglomeração Urbana e Metrópole apresentados por este, pode-se concluir que somente dois núcleos urbanos paraibanos seriam instituídos como Regiões Metropolitanas: João Pessoa e Campina Grande. Isso porque essas aglomerações são as únicas que configuram uma metrópole, ou seja, um espaço urbano com continuidade territorial6 e com influência de uma Capital Regional.

Se comparados os resultados do estudo com o panorama encontrado a partir da análise do caso paraibano sob a luz do Estatuto da Metrópole, ver-se-á que há semelhanças, com a confirmação dos casos de João Pessoa e Campina Grande. Isso demonstra a relevância do estudo realizado, e da pertinência da metodologia utilizada que considerou características demográficas, estruturais e de integração para discriminar os centros com influência considerável em nível estadual bem como os municípios que sofrem essa influência mais fortemente. Além disso, confirma que o REGIC consegue avaliar de forma coerente as dinâmicas regionais de nível estadual, mesmo sendo uma pesquisa realizada para a escala nacional.

Com relação aos demais perímetros institucionalizados e que não configurem uma metrópole o Estatuto dispõe.

A região metropolitana instituída mediante lei complementar estadual que não atenda o disposto no inciso VII do caput do art. 2º desta Lei será enquadrada como aglomeração urbana para efeito das políticas públicas a cargo do Governo Federal, independentemente de as ações nesse sentido envolverem ou não transferência de recursos financeiros (BRASIL, 2015, Art. 15, online).

Dessa maneira, tem-se o seguinte cenário na Paraíba: duas Regiões Metropolitanas: João Pessoa e Campina Grande; e dez Aglomerações Urbanas: Araruna, Itabaiana, Sousa, Vale do Mamanguape, Vale do Piancó, Barra de Santana, Esperança, Cajazeiras, Patos, Guarabira.

Na Paraíba houve um entendimento controverso do objetivo da criação de uma Região Metropolitana. Excetuando João Pessoa, as demais Regiões Metropolitanas foram instituídas por iniciativa de deputados estaduais e aprovados no legislativo sem que houvesse nenhuma articulação com as instâncias de planejamento do executivo estadual. Sabe-se que alguns programas e políticas de nível federal privilegiam explicitamente as Regiões Metropolitanas, no que diz respeito a repasses de recursos. Por exemplo, 59% dos investimentos selecionados para habitação e saneamento no PAC 1 foram destinados às regiões metropolitanas (EM SEMINÁRIO…, 2012). O Programa Minha Casa Minha Vida também estabelece parâmetros diferenciados para os financiamentos destinados à Regiões Metropolitanas. Em uma Sessão Especial da Assembleia Legislativa da Paraíba (ALPB) para debater o Estatuto da Metrópole em 6 de agosto de 2015, o então presidente do Conselho das Cidades da Paraíba, Yuri Silva Lima, ressaltou que criou-se uma ideia de se levar recursos a determinados municípios inclusos nestas regiões (ASSEMBLEIA…, 2015). Talvez esse seja um dos motivos que levaram a demasiada criação de Regiões desse tipo, sem a devida preocupação com o planejamento de nível regional. Ainda assim, os instrumentos previstos para esse tipo de unidade urbana, podem ser aproveitados pelos gestores locais, pois, mesmo não tendo a influência e os fluxos necessários para obter destaque nacional, algumas cidades, principalmente João Pessoa e Campina Grande, possuem grande importância em âmbito estadual.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A questão metropolitana precisa ainda ser muito discutida. Os recentes avanços trazem promessas de uma melhor abordagem, planejamento e gestão para cidades e metrópoles, de forma mais articulada e integrada, observando as diversas demandas urbanas e regionais. Porém isso não será fácil, considerando que muitos municípios não conseguem lidar sequer com as problemáticas de nível intraurbano, o que dirá as de nível metropolitano. As gestões municipais ainda são frágeis e necessitam de apoio institucional externo para planejar e gerir o território.

Com este estudo constatou-se que não há, no geral, um processo de metropolização ocorrendo nas aglomerações urbanas paraibanas que possam justificar suas institucionalizações como Regiões Metropolitanas, ainda mais em um número tão expressivo. Os estudos mostraram que essas regiões, na verdade, são arranjos institucionais, como recentemente classificou o Estatuto da Metrópole. Utilizando como parâmetro as dinâmicas, valores, níveis de integração, além da oferta de bens e serviços observados nas grandes aglomerações metropolitanas nacionais, a maior parte dos agrupamentos urbanos paraibanos são aglomerações frágeis, com baixa capacidade de atração e integração, que oferecem poucos serviços, e com significativo número da população empregada em atividades não urbanas. Além disso, nenhuma das Regiões Metropolitanas funciona efetivamente em termos legais. Não há planos, consórcios ou projetos intermunicipais. Algumas cidades sede de Região Metropolitana sequer possuem o instrumento básico do planejamento urbano, o Plano Diretor, ou mesmo população urbana que justifique a implantação destas Regiões Metropolitanas. De qualquer forma, os gestores dessas aglomerações precisarão agora se adequar as novas determinações, promovendo a governança interfederativa e planejando de forma combinada, exercendo assim a gestão plena.

O tema é mais complexo do que parece. Apesar da relevância dessa nova lei, talvez ela não seja capaz de contemplar em sua totalidade a enorme variedade de configurações espaciais presentes em um país como o Brasil, de dimensões continentais. Pesquisas complementares precisam ser realizadas a fim de identificar e estudar as diversas formatações dos aglomerados urbanos e metropolitanos brasileiros que estão em constante processo de mudança. É fato que alguns pontos do código precisam ser aprofundados e aprimorados, porém não se pode desconsiderar o ganho enorme que ele representa.

AGRADECIMENTOS

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Processo n° 485389/2011-8).

REFERÊNCIAS

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NOTAS

1 . Na Paraíba apenas uma cidade apresentava valor superior a este para sua população urbana, e trata-se da Capital João Pessoa (720.789 hab.).
2 . Assumiu-se que o número de 45 mil habitantes representava núcleos com diferenciado grau de urbanização, para o caso da Paraíba. É importante destacar que algumas sedes de RM institucionalizadas não possuem sequer dez mil habitantes de população urbana ou vinte mil de população total (Araruna e Barra de Santa Rosa).
3 . O método de classificação por Quebras-naturais (Jenks) define classes de acordo com grupos aparentemente naturais de valores de dados. Os dados com menor variação são agrupados.
4 . Isto é perfeitamente justificável considerando que os mesmos estão conurbados com a capital João Pessoa e são dependentes hierarquicamente da mesma.
5 . A fragilidade dos perímetros institucionalizados fica mais evidente quando se constata que um dos municípios (S. S. de Lagoa de Roça) pertencentes, oficialmente, à RM de Esperança, apresentou no estudo maior nível de integração com a cidade polo de Campina Grande.
6 . A informação sobre os espaços urbanos paraibanos que possuem continuidade territorial foi obtida em uma publicação resultado de uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, intitulada “Arranjos Populacionais e Concentrações Urbanas do Brasil” (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2015).

Autor notes

COLABORADORES Todos os autores contribuíram na concepção e desenho do estudo, análise de dados e redação final.

Correspondência para/Correspondence to: L.I.B. MIRANDA | E-mail: <livia.miranda@ufcg.edu.br>.

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