ARTIGO DE PESQUISA

LOCAL DE MORADIA E VULNERABILIDADE SOCIAL NA REGIÃO METROPOLITANA DO VALE DO PARAÍBA E LITORAL NORTE E EM SÃO JOSÉ DOS CAMPOS - SP

SOCIAL HOUSING AND VULNERABILITY IN THE METROPOLITAN REGION OF THE PARAIBA VALLEY AND THE NORTHERN COAST, AND IN SÃO JOSÉ DOS CAMPOS - SP

DANIELA DAS NEVES ALVARENGA
Universidade do Vale do Paraíba, Brazil
PAULO ROMANO RESCHILIAN
Universidade do Vale do Paraíba, Brazil
ROBERTA GUERRA
Universidade Federal do ABC, Brazil

LOCAL DE MORADIA E VULNERABILIDADE SOCIAL NA REGIÃO METROPOLITANA DO VALE DO PARAÍBA E LITORAL NORTE E EM SÃO JOSÉ DOS CAMPOS - SP

Oculum Ensaios, vol. 15, núm. 1, pp. 149-169, 2018

Pontifícia Universidade Católica de Campinas

Recepção: 18 Abril 2017

Revised document received: 08 Setembro 2017

Aprovação: 31 Outubro 2017

RESUMO: Este trabalho propõe uma análise sobre a produção de moradia social pelo Programa Minha Casa Minha Vida no período de 2009 a 2016, destinada à população com renda de 0 a 3 salários mínimos, e seus impactos no processo de segregação socioespacial na Região Metropolitana do Vale do Paraíba e Litoral Norte. Parte-se do estudo do Plano Nacional de Habitação, associado aos resultados do Programa de Aceleração do Crescimento e do Programa Minha Casa Minha Vida, investigando o conceito de vulnerabilidade social desenvolvido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. A análise regional foi feita por meio do levantamento da produção habitacional vinculada ao programa e da identificação das expressões de vulnerabilidade nos municípios. Por fim, realizou-se uma análise intraurbana, em São José dos Campos, sobrepondo os locais de implantação dos conjuntos habitacionais ao mapa da vulnerabilidade social, evidenciando o processo de periferização, em consequência da diretriz da política habitacional municipal.

PALAVRAS-CHAVE: Litoral Norte, Programa Minha Casa Minha Vida, Segregação socioespacial, Vale do Paraíba, Vulnerabilidade social..

ABSTRACT: This paper proposes an analysis of the production of social housing to the population in the income range of 0 to 3 minimum wages, and linked to the program Minha Casa Minha Vida (Program My House, My Life) from 2009 to 2016, also looking at its impacts on socio-spatial segregation in the Metropolitan Region of the Paraiba Valley and Northern Coast. To investigate the concept of social vulnerability developed by the Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Institute of Applied Economic Research), we studied the results of the Programa de Aceleração do Crescimento (Growth Accel­eration Program) and of the program Minha Casa Minha Vida. The regional analysis was done using the data collection on housing production linked to the program, and through the identification of vulnerability expressions in the cities. Finally, an intra­urban analysis was carried out in São José dos Campos, overlapping the places of implantation of the housing complexes and the map of social vulnerability, evidencing the process of peripheralization caused by the city housing policy guideline.

KEYWORDS: North Coast, Minha Casa, Minha Vida Program, Socio-spatial segregation., Vale do Paraíba, Social vulnerability..

INTRODUÇÃO

As reivindicações acerca do direito à cidade trazidas no Fórum Nacional de Reforma Urbana de 1963, assim como a Constituição Federal de 1988, artigos 182 e 183, o Estatuto da Cidade de 2001, e a criação do Ministério das Cidades em 2003, delinearam a Política Nacional de Habitação (PNH) até 2016. A PNH carrega como princípio o direito à moradia, entendido como vetor de inclusão social. O Plano Nacional de Habitação (PLANHAB) e, em especial, a instituição do Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS), em 2005, foi dada como a grande conquista dos movimentos sociais pela reforma urbana. Dentre os eixos do PLANHAB, destacam-se o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), por meio das obras de urbanização de assentamentos precários, e a produção de habitação de interesse social a partir do financiamento ao setor privado, com a construção residencial vinculada ao Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), criado em 2009.

Segundo Maricato (2015), o PAC possibilitou um grande investimento na construção pesada, promovendo um crescimento da infraestrutura tanto econômica quanto social no país, mas em contrapartida, com o PMCMV retomou-se a visão empresarial da política habitacional, com a construção de novas casas como enfrentamento da crise econômica de 2008. Ferreira (2012) ressalta a importância da incorporação das temáticas da informalidade e da precariedade habitacional à agenda política brasileira, mas adverte quanto à péssima inserção urbana dos empreendimentos aprovados dentro do PMCMV-faixa1, destinados à população de faixa de renda de 0 a 3 salários mínimos, reforçando a segregação socioespacial nas cidades. Cabe observar que o propósito estrutural do PMCMV era promover desenvolvimento econômico-social, aquecer o mercado da construção civil, gerar empregos e dinamizar a indústria da construção civil via setor econômico, dentro do arcabouço das estratégias do neodesenvolvimentismo em curso no período.

A política habitacional deveria ter como perspectiva a cidade como obra, como lugar de vida urbana renovada, humana e democrática (LEFÉBVRE, 2008). No entanto, não é o que se verifica na prática do PMCMV, pois o conceito de territórios de vivência e cidadania, com enfoque na discussão do direito à cidade, entendido por Harvey (2012) como um direito humano, permanece distante dos resultados alcançados pelo programa federal.

A continuidade das dinâmicas segregadoras na produção do espaço urbano revela o que Kaztman (2001) define como “isolamento social”, dado não somente a partir da segregação, reservando aos pobres a periferia, mas da conjunção de dois elementos: a precariedade e instabilidade do mercado de trabalho e a carência de serviços oferecidos à população. O autor ressalta que a vulnerabilidade social transcende a condição de pobreza, situação de carência efetiva e atual, remetendo “a um estado dos domicílios que varia em uma relação inversa a sua capacidade para controlar as forças que modelam o seu próprio destino, ou para combater seus efeitos sobre o bem-estar” (KAZTMAN, 2000, p.278).

A temática da vulnerabilidade social nas cidades brasileiras vem ganhando destaque nas discussões sobre o enfrentamento da desigualdade social, principalmente a partir de 2000, quando a Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade), em parceria com a Assembleia Legislativa do estado de São Paulo, desenvolveu o Índice Paulista de Vulnerabilidade Social (IPVS), que baseado no Censo 2000, identifica os locais prioritários para intervenção do Estado. A edição de 2010, baseada nas informações do Censo Demográfico daquele ano, incorpora a segregação espacial existente no processo de formação do espaço urbano, como contribuidora para permanência dos padrões de desigualdade social (FUNDAÇÃO SISTEMA ESTADUAL DE ANÁLISE DE DADOS, 2013).

Do mesmo modo, com o objetivo de estabelecer processos de superação das desigualdades sociais, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) publicou, em 2015, o Atlas da Vulnerabilidade Social dos Municípios Brasileiros. O IPEA traz o conceito de vulnerabilidade social ligado ao acesso, a ausência ou a insuficiência de ativos, dialogando com a política social brasileira. Fundamentado na Constituição Federal (CF) de 1988 (Artigos 6º e 7º), em que os ativos devem ser providos pelo Estado, o Índice de Vulnerabilidade Social (IVS) identifica falhas de oferta de bens e serviços públicos no território brasileiro e dialoga com a política urbana, com intuito de fortalecer a função social da propriedade e da cidade, e por isso será o indicador sintético de vulnerabilidade social utilizado neste trabalho. Ressalta-se que os indicadores de análise, e sua respectiva espacialização, associam-se aos métodos de cada um dos indicadores, a despeito da base comum ser o censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Entretanto, o IPVS/Seade deriva do setor censitário e o IVS/IPEA da Unidade de Desenvolvimento Humano que agrega setores censitários.

Segundo Bonduki (2013), a questão habitacional dos municípios somente poderá ser equacionada quando abordada de forma integrada, envolvendo todas as prefeituras que compõem as regiões metropolitanas, uma vez que a demanda por moradia não obedece aos limites administrativos municipais. Com a institucionalização da Região Metropolitana do Vale do Paraíba e Litoral Norte (RMVPLN) em 2012, tendo como sede administrativa o município de São José dos Campos, este estudo, resultante de dissertação de mestrado, propõe-se a refletir sobre a forma como a problemática da moradia social e da vulnerabilidade social vem sendo enfrentada no ambiente urbano e metropolitano. Tem ele, como objetivo, evidenciar a vulnerabilidade social nas escalas regional e municipal - essa, a partir da análise de São José dos Campos - para discutir a inserção urbana da habitação de interesse social vinculada ao PMCMV, bem como a produção de moradia social do período anterior e, assim, alertar sobre a emergência da construção e implementação de um programa metropolitano de habitação efetivo, baseado no interesse comum, como prevê o Estatuto da Metrópole.

VULNERABILIDADE SOCIAL: CONCEITOS E INDICADORES SINTÉTICOS

A partir da ideia de espaço socialmente construído defendida por Lefébvre (2006) e Harvey (2012), compreende-se que a cidade tem perdido seu valor de uso em razão de um valor de mercado, à medida em que a terra adquire valor de troca ao incorporar investimentos públicos em infraestrutura. Diante da necessidade colocada por Bonduki (2013) - de tratar a questão da moradia como um problema metropolitano - questões relativas à atual Política Nacional de Habitação e às ações no espaço urbano e metropolitano são levantadas nesta análise sobre as dinâmicas de segregação socioespaciais e consequente vulnerabilidade social, da forma como define Kaztman (2000), relacionando-as ao local da moradia social nos novos tecidos urbanos.

A análise da vulnerabilidade social foi alicerçada por meio do estudo do Índice Paulista de Vulnerabilidade Social (IPVS), do IPEA, desenvolvido com base no Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil e suas respectivas Unidades de Desenvolvimento Humano (UDH). O IVS apresenta três dimensões: IVS Infraestrutura urbana (condições de acesso aos serviços de saneamento básico e de mobilidade urbana, relacionados ao lugar de domicilio), IVS Capital Humano (aspectos ativos e estruturais que determinam as perspectivas de inclusão social - saúde e educação), e IVS renda e trabalho, que agrupa indicadores relativos à insuficiência de renda presente e incorpora outros fatores como a desocupação de adultos, a ocupação informal de adultos pouco escolarizados e a dependência com relação à renda de pessoas idosas.

Na análise regional da RMVPLN foram investigados os municípios que aderiram ao PMCMV-faixa 1 e identificados os níveis de vulnerabilidade social dados pelo IPEA. Com o panorama regional construído, partiu-se para a análise intraurbana do município de São José dos Campos. A partir do mapa da vulnerabilidade social, nas suas três dimensões, foi observada a distribuição espacial dos empreendimentos aprovados pelo PMCMV-faixa 1, assim como dos conjuntos habitacionais construídos em décadas anteriores, de modo a conjecturar sobre a localização da moradia social produzida e sobre as condições de vulnerabilidade social às quais a população de baixa renda está sujeita no novo tecido urbano.

Esse “isolamento social” que a população com renda mais baixa encontra-se exposta nas cidades latino-americanas, inclusive no Brasil, foi definido por Kaztman (2001) como sendo resultado da segregação e do encontro da precariedade e instabilidade do mercado de trabalho e da carência de serviços oferecidos. A concepção de vulnerabilidade social correlacionada a processos de exclusão social, configurando situações de fragilidade e precariedade, será desenvolvida por autores como Kaztman e Filgueira, a partir dos trabalhos realizados por Moser, em 1998, para o Banco Mundial, com enfoque sobre ativos e vulnerabilidade (GONZÁLEZ, 2009).

Com o intuito de evidenciar a vulnerabilidade social nos municípios do Estado de São Paulo, para uma melhor eficácia no direcionamento de políticas públicas, a Fundação Seade desenvolveu, em 2000, o Índice Paulista de Vulnerabilidade Social, apoiado conceitualmente em dois pressupostos: o primeiro refere-se à ideia de que as múltiplas dimensões de pobreza deveriam ser consideradas no estudo, operacionalizando o conceito de vulnerabilidade social desenvolvido por Kaztman. O segundo pressuposto está baseado na segregação espacial como contribuidora para a permanência dos padrões de desigualdade social nos espaços urbanos e metropolitanos. Portanto, o IPVS, edição 2010, construído a partir do Censo Demográfico daquele ano, agrega aos indicadores de renda, aqueles referentes ao ciclo de vida familiar e a escolaridade no espaço intraurbano, considerando as características do local de residência - incorporando a situação de aglomerado subnormal - e diferenciando situação urbana e rural de setores censitários de baixa renda. Essas variáveis utilizadas na construção do IPVS 2010 definiram sete grupos sujeitos à vulnerabilidade social nos municípios paulistas (FUNDAÇÃO SISTEMA ESTADUAL DE ANÁLISE DE DADOS, 2013).

Em 2015, o IPEA, lançou o Atlas da Vulnerabilidade Social nos Municípios Brasileiros. Exclusão e vulnerabilidade social são noções políticas, segundo o Instituto. Portanto, o Índice de Vulnerabilidade Social é fundamentado conceitualmente na Constituição Federal de 1988, Artigos 6º e 7º, em que os ativos devem ser providos pelo Estado. O indicador apresenta dimensões que correspondem a conjuntos de ativos, recursos ou estruturas que permitem identificar o padrão de vida das famílias brasileiras. O IVS foi desenvolvido com metodologia de construção baseados nos indicadores do Atlas do Desenvolvimento Humano (ADH) no Brasil, e oferece um panorama do desenvolvimento humano e da desigualdade interna nos municípios brasileiros, por meio do Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) e suas respectivas Unidades de Desenvolvimento Humano (UDH). As UDH, diferentemente das áreas de ponderação do IBGE, foram delineadas a partir do ponto de vista das condições socioeconômicas, com o objetivo de retratar as desigualdades intrametropolitanas de forma mais contundente (INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA AVANÇADA, 2015).

Por trazer o conceito de vulnerabilidade social fundamentado nos direitos sociais previstos na Constituição Federal de 1988, e por dialogar com as diretrizes gerais para o desenvolvimento urbano previstas no artigo 182, o IVS-IPEA foi o indicador utilizado na análise da Região Metropolitana do Vale do Paraíba e Litoral Norte e, em especial, da cidade de São José dos Campos, com o intuito de verificar a hipótese de continuidade do padrão periférico das cidades, além da consequente exclusão e vulnerabilidade social que a população mais pobre tem se sujeitado.

AMPLIAÇÃO DA ORDEM JURÍDICO-URBANÍSTICA E PERMANÊNCIA DE UMA LÓGICA

Pesquisas realizadas a partir da década de 1990 nos Estados Unidos, sobre o padrão de desenvolvimento das cidades norte-americanas, indicam o espraiamento das cidades como resultado de políticas públicas, refletidas num desenvolvimento urbano disperso, de baixa densidade e de uso único, com pouca acessibilidade e ausência de espaços livres públicos. Ewing et al. (2014) define o espraiamento como um fenômeno que envolve quatro fatores: densidade, utilização do solo, centralidade de atividades e acessibilidade. As causas do espraiamento são levantadas pelo autor como reflexo das falhas de mercado (cujo custo da terra é incerto, resultando em especulação imobiliária) e dos governos, que muitas vezes introduzem distorções adicionais ao mercado, reduzindo as densidades e segregando os usos da terra urbana. De acordo com Ewing et al. (2014), as intervenções de planejamento são necessárias as forças do mercado devem ser enfrentadas com intervenções políticas ligadas a tarifas e ajustes de preços da terra, ao invés de ordenamento e regulação do solo.

No Brasil, a retração do investimento público em políticas sociais a partir da difusão do ideário neoliberal, nas décadas de 1980 e 1990, fez com que reivindicações populares acerca do direito à cidade tomassem forma por meio dos movimentos pela Reforma Urbana. A periferização e o espraiamento urbano, aprofundados nas chamadas décadas perdidas, dão surgimento a cidades extremamente desiguais, fazendo com que entidades profissionais e sindicais, lideranças de movimentos sociais e organizações não-governamentais se unissem em torno da questão da justiça urbana (MARICATO, 2015).

A garantia dos direitos à moradia e à cidade foi sendo construída por meio de uma série de encaminhamentos. Nos artigos 182 e 183, a Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988) instituiu o princípio da função social da propriedade, que segundo Ferreira (2012, p.29), “indica a prevalência do interesse público sobre o particular no uso da propriedade urbana”. O Estatuto da Cidade, aprovado em 2001, reúne normas relativas à ação do poder público, trazendo instrumentos urbanísticos, tributários e jurídicos para que os municípios tenham mecanismos para garantia do pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, a serem estabelecidos de forma participativa no Plano Diretor. A aprovação do Estatuto da Cidade, a criação do Ministério das Cidades, em 2003, a realização da Conferência Nacional da Cidade no mesmo ano, e a constituição do Conselho Nacional das Cidades, em 2004, foram encaminhamentos que delinearam a Política Nacional de Habitação (PNH) do Governo Federal.

A PNH criou o Sistema e o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social para enfrentamento do déficit habitacional que, em 2007, era de 6,3 milhões de domicílios, com uma demanda correspondente ao período de 2008 a 2023 de 24,7 milhões de domicílios, totalizando então 31 milhões. O déficit estratificado por renda era concentrado na faixa de 0 a 3 salários mínimos (91,00%), sendo que as maiores demandas vinham das regiões Sudeste (37,00%) e Nordeste (34,00%). Com relação aos assentamentos precários no país, 820 mil e 513 domicílios estavam concentrados no Estado de São Paulo, com 80,69% nas regiões metropolitanas, conforme dados de 2008 da Fundação João Pinheiro e de 2007 da MCidades/Cedeplar apresentados pela Secretaria Nacional de Habitação, em 2009, no Encontro de Municípios do Estado de São Paulo (BRASIL, 2009).

O Programa Nacional de Habitação (PLANHAB), principal instrumento da PNH, foi desenvolvido como estratégia de desenvolvimento econômico e inclusão social. Por meio de uma metodologia participativa de grupos de acompanhamento do CONCIDADES, seminários regionais, oficinas com segmentos sociais específicos (movimentos por moradia, empresários, sindicatos, entre outros), e seminários com especialistas do setor habitacional, o PlanHab criou instrumentos e programas com o objetivo de equacionar a demanda habitacional do país até 2023, identificando os seguintes eixos: modelo de financiamento e subsídios, política urbana e fundiária, desenho institucional e cadeia produtiva da construção civil (BRASIL, 2009).

Vieira e Chaves (2011) comenta que o Sistema Nacional de Habitação de interesse Social (SNHIS), criado em 2005, foi a grande conquista dos movimentos sociais, uma vez que nasceu de um projeto de lei encaminhado ao Senado, em 1991, por organizações e movimentos populares urbanos, visando a promoção do direito à moradia. Os recursos do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS) criado em 2006, foram direcionados para urbanização de assentamentos precários, no eixo de infraestrutura social e urbana do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), e para construção de moradia para famílias com renda mensal de até 3 salários mínimos, por meio do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV).

Com relação ao PMCMV, Vieira e Chaves (2011) reforça o papel do programa como uma das medidas anticíclicas adotadas pelo governo federal, frente à crise econômica de 2008, prevendo a construção de 1 milhão de unidades habitacionais. Os autores destacam as inovações trazidas na forma de financiamento, articulando os recursos do Orçamento Geral da União (OGU) e do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Ferreira (2012) aponta dois cenários como estratégia de atendimento à população, sendo um de subsídio público, exclusivamente para população de baixa renda, com recursos oriundos do OGU. O segundo cenário corresponde ao PMCMV destinado às faixas de renda média, composto, principalmente, por recursos do FGTS. Ressalta que, mesmo contribuindo para a construção de casas para a população com faixas de renda muito baixa, o PMCMV não equacionou a questão do acesso à terra, e foi responsável pelo aumento do preço da propriedade urbana e pela implementação de empreendimentos habitacionais com péssima inserção.

De acordo com Ferreira (2012), são poucos os municípios que se valeram do Estatuto da Cidade, para garantir terras bem localizadas para implantação de empreendimentos ligados PMCMV. O direito à cidade, “condição de um humanismo e de uma democracia renovados” (LEFÉBVRE, 2008, p.7), ficou distante da prática do programa. O princípio da moradia digna como direito e vetor de inclusão social não foi alcançado pelo programa, colocando o ideário do direito à cidade, entendido por Harvey (2012), como um direito comum antes de individual, fora das conquistas do PMCMV. O urbano como lugar de encontro e de prioridade do valor de uso foi encoberto pelas questões da propriedade da terra, da renda fundiária e da segregação socioespacial. A cidade no seu valor de troca ganha força nessa perspectiva de continuidade das dinâmicas segregadoras na produção do espaço urbano. Segundo Maricato (2009), o PMCMV segue na mesma direção, acentuando o processo de espraiamento das cidades e reservando aos pobres a periferia.

REGIÃO METROPOLITANA DO VALE DO PARAÍBA E LITORAL NORTE

Segundo Lefébvre (2006), o espaço se define como produto do modo de produção, reunindo o mental, o cultural, o social e o histórico. De acordo com Santos (2014a), o espaço é definido como fator da evolução social, estando assim ligado às instâncias econômicas, políticas e culturais de um determinado lugar. Com o conceito de região entendido como um subespaço nacional, na qual se reúnem materialidade e ação humana em um determinado tempo (SANTOS, 2014b), parte-se para a construção e entendimento das metrópoles brasileiras. Compreende-se, para efeito deste trabalho, a concepção de urbanização extensiva defendida por Monte-Mór (2006), como delineadora das análises metropolitanas contemporâneas e as relações entre a dinâmica socioespacial da urbanização e da constituição de entornos metropolitanos.

Segundo o Estatuto da Metrópole, Lei Federal nº 13.089, de 12 de janeiro de 2015, a metrópole é um “espaço urbano com continuidade territorial que, em razão de sua população e relevância política e socioeconômica, tem influência nacional ou sobre uma região que configure, no mínimo, a área de influência de uma capital regional, conforme os critérios adotados pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE” (BRASIL, 2015, online). O Estatuto da Metrópole traz também a definição de região metropolitana como uma aglomeração urbana que venha a configurar uma metrópole. A questão da função pública de interesse comum sobre o local e a da governança interfederativa, introduzidas no Estatuto da Metrópole, abrem possibilidades para formulação de um plano metropolitano, privilegiando o interesse comum em detrimento do interesse de grupo.

A Região Metropolitana Vale do Paraíba e Litoral Norte foi instituída em 2012, por meio da Lei Complementar nº 1.166, em um contexto em que o governo estadual procura consolidar a macrometrópole paulista como grande território de planejamento e gestão do estado de São Paulo. A região é composta por 39 municípios e se divide em cinco sub-regiões, conforme a Figura 1. A população total é de 2.404.276 habitantes, sendo que 2.272 323 vivem em áreas urbanas. O município de São José dos Campos, sede administrativa da região metropolitana, aparece como o mais populoso, seguido por Taubaté e Jacareí, com 680.008, 296.449 e 221.650 habitantes, respectivamente (FUNDAÇÃO SISTEMA ESTADUAL DE ANÁLISE DE DADOS, 20--).

Região Metropolitana do Vale do Paraíba e Litoral Norte - Sub-regiões.
FIGURA 1
Região Metropolitana do Vale do Paraíba e Litoral Norte - Sub-regiões.
Fonte: Elaborado pelos autores (2017), com base nos dados da Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano (2011).

Para análise socioterritorial da região metropolitana, parte-se das Unidades de Informações Territorializadas (UIT) definidas pela equipe técnica da Emplasa. As UIT diferenciam-se pelo ritmo e grau de urbanização, pelo grau de complementariedade e articulação interna dos centros urbanos (fluxos de pessoas e mercadorias) e pela densidade (EMPRESA PAULISTA DE PLANEJAMENTO METROPOLITANO, 2013).

A Figura 2 traz as seguintes unidades territoriais: (1) Eixo Urbano Estruturante, formado por centros urbanos dinâmicos e sistema urbano policêntrico, em forma de eixo, concentra as atividades industriais e de serviços de inovação científica e tecnológica. Apresenta uma forte dinâmica demográfica, com intensas relações funcionais ao longo da Rodovia Presidente Dutra e conexão com as rodovias transversais, permitindo acesso ao litoral e ao sul de Minas Gerais. A existência de firmas transnacionais e globais promovem a conectividade da região com as redes urbanas nacionais. São José dos Campos, Taubaté, Jacareí e Guaratinguetá aparecem como municípios com multipolarização funcional dentro da UIT. (2) Alto Paraíba, constituído por centro urbanos de pequeno porte, articulados pela identidade cultural e pelo sistema ambiental, de valor histórico na região, com lento dinamismo urbano. (3) Litoral Norte, formado por centros urbanos articulados, com dinâmica econômica concentrada nas atividades de petróleo e gás, forte potencial para inovação tecnológica, ativos ambientais e atividade turística (EMPRESA PAULISTA DE PLANEJAMENTO METROPOLITANO, 2013).

Região Metropolitana do Vale do Paraíba e Litoral Norte - UITs.
FIGURA 2
Região Metropolitana do Vale do Paraíba e Litoral Norte - UITs.
Fonte: Elaborado por Daniel José de Andrade (2017), com base nos dados da Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano (2011).

O Eixo Urbano Estruturante, formado por 22 municípios, apresenta uma população de 1.872.379 habitantes e é responsável por 85% do PIB da região. O Alto Paraíba, formado por 13 municípios, apresenta uma população de 110.436 habitantes. O Litoral Norte, constituído apenas por três municípios, tem uma população de 281.779 habitantes (EMPRESA PAULISTA DE PLANEJAMENTO METROPOLITANO, 2013).

CONTEXTO DA PRODUÇÃO HABITACIONAL DO PMCMV E VULNERABILIDADE SOCIAL NA RM VALE DO PARAÍBA E LITORAL NORTE

Dentro dos diferentes contextos socioeconômicos dos 39 municípios, cabe introduzir a questão habitacional como o grande desafio para o planejamento do espaço metropolitano. Segundo Bonduki (2013), as estratégias para solucionar o problema habitacional devem estar articuladas com o planejamento físico-territorial das regiões metropolitanas, e necessariamente envolver as dimensões fundiária, ambiental, urbana e social.

De acordo com o Centro de Estudos da Metrópole (CEM), o diagnóstico dos assentamentos precários da Macrometrópole Paulista, elaborado em 2013, apontou a existência de 214 setores com precariedade urbanística na RMVPLN, sendo que 178 correspondem à setores precários levantados pelo CEM, e 36 aos setores subnormais levantadas pelo IBGE no Censo de 2010. O número de pessoas residentes em setores precários e subnormais era de 142.469, segundo o relatório do CEM. Os municípios de São José dos Campos e Jacareí aparecem com o maior número de assentamentos precários no Vale do Paraíba. Os municípios de São Sebastião, Campos do Jordão, Caraguatatuba e Ilhabela aparecem com a maior porcentagem de domicílios em assentamentos precários (MARQUES, 2013). Segundo os dados do Ministério das Cidades, os maiores déficits habitacionais, em 2010, estavam em São José dos Campos (21.910 UH), Taubaté (8.969 UH), Jacareí (7.053 UH), Pindamonhangaba (4.139 UH), Guaratinguetá (3.791 UH) e Lorena (3.475 UH).

Entre os anos de 2009 e 2013, a produção de empreendimentos MCMV-faixa 1 na RM Vale de Paraíba e Litoral Norte foi de 11.229 unidades habitacionais, contratadas com a Caixa Econômica Federal (CEF). Durante a Fase 1 do programa, foram aprovados empreendimentos nos municípios de Cruzeiro, Guaratinguetá, Jacareí, Lorena, Caçapava e Pindamonhangaba, totalizando 5.096 unidades no Vale do Paraíba. Na fase 2, a partir de 2013, foram construídas 6.133 unidades nos municípios de Caraguatatuba e São José dos Campos. A maior parte dos empreendimentos foi aprovada sob regime de condomínio, com quatro pavimentos, sendo que somente Caçapava, Pindamonhangaba, Caraguatatuba e São José dos Campos aprovaram loteamentos, com casas (DADOS, 2016). Apenas o município de Taubaté firmou contrato com o Banco do Brasil, para construção de 2 124 unidades habitacionais para população com renda de 0 a 3 salários mínimos (PREFEITURA MUNICIPAL DE TAUBATÉ, 20--).

O total de unidades destinadas às famílias com renda de 0 a 3 salários mínimos na região foi de 13.353, destacando-se as cidades de São José dos Campos com o maior número de moradias produzidas (4.914), seguida por Taubaté (2.124), Caraguatatuba (1.950), Guaratinguetá (1.297) e Jacareí (1.248). A Figura 3 apresenta os nove municípios com moradias aprovadas por meio do PMCMV-faixa 1 na região metropolitana, revelando a predominância das cidades atendidas pelo programa localizadas no Eixo Urbano Estruturante definido pela Emplasa, com exceção de Caraguatatuba, localizada no Litoral Norte.

RM do Vale do Paraíba e Litoral Norte - Municípios com MCMV-faixa1.
FIGURA 3
RM do Vale do Paraíba e Litoral Norte - Municípios com MCMV-faixa1.
Fonte: Elaborado pelos autores (2017), com base nos dados da Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano (2011) e Dados (2016).

A análise do Índice de Vulnerabilidade Social na RMVPLN indica a presença dos maiores índices de vulnerabilidade presente nos municípios situados no Alto Paraíba: Redenção da Serra (0,355), Natividade da Serra (0,344), Monteiro Lobato (0,333), Cunha (0,321), e Lagoinha (0,313), configurando-se na faixa de vulnerabilidade social média, conforme Figura 4. Nestes municípios, a porcentagem de domicílios particulares com renda per capita de até ½ salário mínimo gira em torno de 40%, e o percentual de domicílios com renda per capita de até ¼ de salário mínimo, está pouco acima dos 16% (FUNDAÇÃO SISTEMA ESTADUAL DE ANÁLISE DE DADOS, 20--). Os municípios que apresentam valores relativos à vulnerabilidade social muito baixa são: Jambeiro (0,177), Guaratinguetá (0,179), Caçapava (0,183), Cachoeira Paulista (0,184), Taubaté (0,187), Aparecida (0,188) e Cruzeiro (0,197). Cabe observar que as cidades que apresentavam os maiores déficits habitacionais absolutos em 2010, assim como os municípios atendidos pelo PMCMV - Faixa 1, encontram-se em áreas de vulnerabilidade baixa no Eixo Urbano Estruturante, com exceção de São José dos Campos, com a maior porcentagem do território situada na faixa de vulnerabilidade social média.

Mapa da vulnerabilidade social na RM do Vale do Paraíba e Litoral Norte - IVS/IPEA.
FIGURA 4
Mapa da vulnerabilidade social na RM do Vale do Paraíba e Litoral Norte - IVS/IPEA.
Fonte: Elaborado pelos autores (2017), com base nos dados e shapefiles do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (2015).

Para aprofundar a análise da produção habitacional a partir do MCMV-faixa 1 na região metropolitana, associada ao mapa da vulnerabilidade social no território urbano e regional, deverá ser considerada a escala intraurbana de cada município atendido pelo programa na RM Vale do Paraíba e Litoral Norte. Para isso, neste trabalho, foi feita a análise de São José dos Campos, o município com maior população, com o maior déficit habitacional em 2010, com o maior número de empreendimentos contratados e com a maior porcentagem do território situada na faixa de vulnerabilidade média.

LOCAL DE MORADIA E VULNERABILIDADE SOCIAL EM SÃO JOSÉ DOS CAMPOS - SP

Segudo Maricato (2010), dar visibilidade à cidade real é uma das formas de se construir um ambiente mais adequado ao planejamento urbano. Portanto, será revelada a São José dos Campos real, baseada na segregação socioespacial e na vulnerabilidade social, dada pelo Índice de Vulnerabilidade Social desenvolvido pelo IPEA.

O processo de industrialização e urbanização pelo qual a cidade passou em função da construção do CTA e do Inpe na década de 1950, foi intensificado na década de 1970, por meio do Plano Nacional de Desenvolvimento (I e II), que impulsionou a implantação de indústrias e setores estratégicos na cidade, como a Embraer. O rápido aumento populacional ocorrido resultou no surgimento de loteamentos irregulares e favelas. Os programas habitacionais subsidiados pelo Estado iniciaram-se em 1976, por meio de planos e programas baseados na parceria do governo local com a Caixa Econômica Federal e com a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU), essa a partir de 1996. Até 2010, as moradias sociais construídas concentraram-se, principalmente, na periferia da cidade, consolidando-se assim a segregação socioespacial no território (SURIANO & RESCHILIAN, 2012). De acordo com a autora, a dispersão característica da urbanização produziu um adensamento no eixo da rodovia Presidente Dutra e ao redor dos centros de tecnologia e de produção industrial, áreas mais valorizadas e infraestruturadas, juntamente às regiões central e oeste, essa caracterizada pela construção de condomínios e loteamentos fechados para classes média e alta. No entanto, nas regiões leste e sul, percebe-se um crescimento urbano destacado desse processo industrial, ligado à ocupação de uma população de baixa renda, seja nos conjuntos habitacionais produzidos pelo poder público, seja de maneira informal nos loteamentos irregulares.

Nos últimos anos, a produção de habitação de interesse social esteve vinculada especialmente ao PMCMV. Entre 2013 e 2016 foram construídos 11 conjuntos habitacionais para as famílias de 0 a 3 salários mínimos, totalizando 3 450 unidades na forma de condomínio com quatro pavimentos. O único loteamento com casas aprovado dentro do programa foi o “Pinheirinho dos Palmares II”, destinado às 1 461 famílias removidas do antigo Pinheirinho (PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS, 20--).

Somando-se às 5.410 unidades habitacionais construídas pela CDHU entre 1996 e 2012 (SURIANO & RESCHILIAN, 2012), a partir de 2013 foram construídas mais 4.195 unidades pelo PMCMV, totalizando 9.605 moradias voltadas para a população mais pobre. Da mesma forma que planos e programas habitacionais anteriores, o PMCMV vem sendo responsável pela continuidade da periferização e segregação socioespacial na cidade, o que reforça a vulnerabilidade social dos grupos populacionais assentados. A localização dos novos empreendimentos, em especial nas regiões leste e sudeste, distantes 20 km do centro equipado, revela a falta de conexão com o Plano Local de Habitação de Interesse Social (PLHIS), que prevê a garantia do direito à moradia digna como vetor de inclusão social. Além disso, revela a falta de compromisso do governo local em regulamentar os instrumentos previstos no Estatuto da Cidade, em especial com a demarcação de Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis) em vazios urbanos providos de infraestrutura completa, para que se cumpra a função social da propriedade. O Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado (PDDI), aprovado em 2006, prevê a delimitação de Zeis para regularização fundiária e urbanística, na Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo, assim como, a demarcação de glebas no perímetro urbano destinadas a programas habitacionais para a população de baixa renda. No entanto, as Zeis demarcadas na LC 428/10, configuram-se como áreas já ocupadas, para fim de regularização fundiária.

A Figura 5 traz o mapeamento do local de moradia das famílias atendidas pelos programas estaduais e federais, no período de 1976 a 2016, sobrepostas ao mapa da vulnerabilidade social de 2010 (INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA, 2015). Observa-se que a produção de moradia social anterior ao PMCMV ocorreu principalmente em áreas periféricas, nas regiões norte, extremo sul, leste e sudeste. Assim como evidenciado por Ferreira (2012), a localização da habitação social produzida também pelo PMCMV continua sendo nas periferias da cidade, em localidades que acumulam, além da dificuldade de acesso devido à distância das áreas centrais, outras fragilidades sintetizadas pelo Índice de Vulnerabilidade Social.

Localização da moradia social em São José dos Campos, 2016.
FIGURA 5
Localização da moradia social em São José dos Campos, 2016.
Fonte: Elaborado pelos au5(2015).

As Figuras 6, 7 e 8 são relativas às três dimensões do IVS 2010: IVS Infraestrutura urbana, IVS Capital Humano e IVS Renda e trabalho, respectivamente. Se por um lado as condições de acesso aos serviços de saneamento básico e mobilidade urbana apontam para uma situação de fragilidade nas regiões Norte, Sudeste e Leste (Figura 6), os aspectos ativos e estruturais ligados à inclusão social por meio de equipamentos de saúde e educação, apontam carência nas regiões sul e leste, de acordo com a Figura 7. O mapa do IVS renda e trabalho, Figura 8, revela a fragilidade a qual as famílias estão sujeitas na região leste da cidade, uma vez que agrupa indicadores relativos à insuficiência de renda presente, desocupação de adultos, ocupação informal de adultos pouco escolarizados e dependência com relação à renda de pessoas idosas.

Local da moradia social e infraestrutura urbana em São José dos Campos, 2016.
FIGURA 6
Local da moradia social e infraestrutura urbana em São José dos Campos, 2016.
Fonte: Elaborado pelos autores (2017), com base nos dados de Suriano e Reschilian (2012), Prefeitura Municipal de São José dos Campos (20--) e shapefiles do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (2015).

Local da moradia social e capital humano em São José dos Campos, 2016.
FIGURA 7
Local da moradia social e capital humano em São José dos Campos, 2016.
Fonte: Elaborado pelos autores (2017), com base nos dados de Suriano e Reschilian (2012), Prefeitura Municipal de São José dos Campos (20--) e shapefiles do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (2015).

Local da moradia social e renda e trabalho em São José dos Campos, 2016.
FIGURA 8
Local da moradia social e renda e trabalho em São José dos Campos, 2016.
Fonte: Elaborado pelos autores (2017), com base nos dados de Suriano e Reschilian (2012), Prefeitura Municipal de São José dos Campos (20--) e base de dados e shapefiles do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (2015).

A condição de fragilidade nas periferias de São José dos Campos, em função da precariedade de equipamentos e serviços públicos, pouca mobilidade, entre outros fatores, já era conhecida quando, a partir de 2013 essas localidades passaram a abrigar mais famílias, com a construção de novos conjuntos habitacionais, principalmente na região leste da cidade, na qual foram construídas 1 318 novas unidades habitacionais. Ressalta-se também o caso do loteamento “Pinheirinho dos Palmares II”, construído na região sudeste, próximo à rodovia Carvalho Pinto, em uma área com características rurais.

O que se observa, portanto, é que o modelo de expulsão de grupos populacionais menos favorecidos para as bordas precárias da cidade continua a se perpetuar, não só pela dificuldade de acesso ao mercado formal e mecanismos de valorização imobiliária nas áreas inseridas na cidade, mas também por políticas públicas de habitação excludentes. O isolamento social ao qual se refere Kaztmán continua sendo a realidade da população mais pobre atendida pelo programa, com destaque para o “Pinheirinho dos Palmares II”. Se houve um total desrespeito aos direitos humanos durante a remoção das famílias, conforme Rolnik (2012), essa nova localidade, negociada por diversos agentes, indica, no mínimo, a negação do direito à cidade.

CONCLUSÃO

A continuidade das dinâmicas segregadoras no processo de formação de novos tecidos urbanos, por meio também da política pública habitacional, revela a lógica da cidade baseada no seu valor de troca, em detrimento do seu valor de uso, condição essa, indispensável à realização de cidades mais justas para a sociedade urbana, principalmente para a classe trabalhadora. A Política Nacional de Habitação do período de 2003 a 2010 priorizou dois eixos dentro do Plano Nacional de Habitação: o PAC, que trouxe mudanças significativas para o país, tanto do ponto de vista estrutural, quanto social e o PMCMV, principalmente aquele focado no financiamento ao setor privado, para baixa renda, o qual evidencia não só um modelo baseado no desenvolvimento econômico, e por isso desvinculado do direito à moradia como vetor de inclusão social, mas também, a continuidade da segregação socioespacial nas cidades brasileiras.

A vulnerabilidade social entendida como resultante de dinâmicas segregadoras e discutida por meio do Índice de Vulnerabilidade Social desenvolvido pelo IPEA, com bases conceituais fundamentadas nos direitos sociais previstos na Constituição Federal, revela uma leitura da RM Vale do Paraíba e do Litoral Norte, em que os municípios situados no Alto Paraíba aparecem com maior vulnerabilidade em relação às áreas centrais dos municípios ao longo da Rodovia Presidente Dutra. A análise da produção de moradia social vinculada ao PMCMV-faixa 1 na região aponta São José dos Campos com o maior número de unidades aprovadas, seguido por Caraguatatuba, Guaratinguetá e Jacareí e revela a predominância dos municípios localizados no Eixo Urbano Estruturador. O panoroma da produção da moradia social e da vulnerabilidade social, construído na escala intraurbana de São José dos Campos revela a concentração de empreendimentos na região leste da cidade, local de maior vulnerabilidade no município, segundo o mapeamento do IVS de 2010. O novo local de moradia das famílias atendidas pelo programa, em áreas com precariedade de trabalho, de infraestrutura e de equipamentos públicos, confirma a dificuldade do poder público em regulamentar o solo para garantir empreendimentos bem localizados, enquadrando a cidade no padrão periférico de crescimento, já consolidado por conjuntos habitacionais produzidos anteriormente.

As políticas públicas habitacionais deveriam focar na cidade real, através da regularização fundiária e urbanística dos assentamentos precários existentes, mas não unicamente. É necessário também criar mecanismos para que a produção de nova moradia, se realmente necessária, aconteça nos vazios urbanos, em centros ou novas centralidades equipadas de todos os capitais. As análises socioespaciais dos territórios urbanos e regionais evidenciam a consagração da precariedade e da vulnerabilidade por meio da própria política habitacional, e pela dificuldade dos municípios no enfrentamento da regulação do solo e implementação de instrumentos urbanísticos que promovam o direito à cidade.

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Autor notes

COLABORADORES Todos os autores contribuíram na concepção e desenho do estudo, análise de dados e redação final.

Correspondência para/Correspondence to: P.R. RESCHILIAN | E-mail: <pauloromano@univap.br>.

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