ARTIGO DE PESQUISA
ENSINO E CONFORTO AMBIENTAL: DISCUSSÃO SOBRE A INSERÇÃO DA ERGONOMIA NO PROCESSO DE PROJETO
TEACHING AND ENVIRONMENTAL COMFORT: A DISCUSSION ABOUT THE INSERTION OF ERGONOMICS IN THE DESIGN PROCESS
ENSINO E CONFORTO AMBIENTAL: DISCUSSÃO SOBRE A INSERÇÃO DA ERGONOMIA NO PROCESSO DE PROJETO
Oculum Ensaios, vol. 15, núm. 1, pp. 171-182, 2018
Pontifícia Universidade Católica de Campinas
Recepção: 05 Fevereiro 2016
Revised document received: 24 Julho 2017
Aprovação: 21 Agosto 2017
RESUMO: O artigo discorre sobre o ensino de conforto ambiental, ergonomia e o processo de projeto. Trata-se da apresentação de uma experiência de ensino de conforto ambiental, para os alunos de primeiro ano, que tem por objetivo introduzir ao aluno conceitos básicos de conforto ambiental (iluminação, térmica, acústica e ergonomia) e eficiência energética, além de sensibilizá-lo sobre a importância dos significados e dos recursos de ergonomia para a percepção, a organização e dimensionamento do ambiente construído através da avaliação da influência dos fatores físicos, ambientais, culturais e psicológicos sobre o comportamento do usuário. Conclui-se que as questões de conforto ambiental devem ser tratadas em conjunto com todas as variáveis de projeto, e que, apesar da existência de vários métodos de projeto, deve-se exercer o olhar das questões de conforto ambiental em conjunto com as outras variáveis.
PALAVRAS-CHAVE: Conforto ambiental, Ensino, Ergonomia, Projeto..
ABSTRACT: The article discusses the process of teaching environmental comfort, ergonomics, and design process. It presents the experience of teaching environmental comfort for first-year students, aiming to introduce them to the basic concepts of environmental comfort (lighting, temperature, acoustics, and ergonomics) and energy efficiency, as well as raise their awareness on the importance of ergonomic meanings and features to the perception, organization, and scaling of the environmental design built by assessing the influence of physical, environmental, cultural, and psychological factors on user behavior. The conclusion is that issues of environmental comfort must be addressed together with all the design variables, and that despite the existence of various design methods, one should exercise the consideration of environmental comfort issues in conjunction with other variables.
KEYWORDS: Environmental comfort, Teaching, Ergonomics, Design..
INTRODUÇÃO
O CONFORTO AMBIENTAL E A PERCEPÇÃO DO ESPAÇO: A ERGONOMIA COMO ELO ESTRUTURADOR NO PROCESSO DE PROJETO
A complexidade envolvida no processo de concepção dos edifícios e espaços urbanos acaba muitas vezes fazendo com que todo o esforço em capacitar os alunos, por meio do extenso currículo das escolas de Arquitetura e Urbanismo, resulte no efeito contrário, dificultando o processo de síntese necessária na prática do projeto além de não facilitar a inserção e utilização de conceitos específicos na solução adotada, seja no âmbito urbano como no do edifício.
O ensino do Conforto Ambiental, principalmente na última década do século XXI, obteve um expressivo impulso devido ao contexto mundial global de necessidade de redução dos impactos ambientais. A possibilidade de realizar projetos mais eficientes, principalmente do ponto de vista do consumo energético, fez com que aspectos relacionados ao conforto ambiental voltassem a ter a importância devida.
O cenário mundial mostrado pela United Nations Environmental Programme (2011) no Green Economy Report, reforçou a necessidade de redução das emissões de CO2 e apontou o setor das edificações1 tanto residencial como comercial, principalmente nos países em desenvolvimento, com o maior potencial de redução destas emissões ressaltando demandas de projeto com foco no desempenho e na qualidade ambiental. Esse cenário considerou tanto os edifícios novos como também o potencial de reabilitação, reiterando não só a importância do setor, como também evidenciando a necessidade de desenvolvimento de nicho de mercado ainda pouco explorado (GONÇALVES, 2015).
A tão aclamada “arquitetura sustentável”, “bioclimática”, “verde”, “passiva”, “de baixo impacto ambiental” entre outros termos, apesar de algumas distorções e apelos de “marketing verde”, passou a ser sinônimo, no âmbito global, de adaptação do edifício ao clima local, materiais construtivos com desempenho adequado dentro dos critérios de conforto ambiental, ventilação natural, proteção solar, inovação tecnológica, entre outros fatores.
Com este quadro, seria natural e almejável que o ensino de conforto ambiental passasse por revisões e atualizações, não só com o objetivo de renovação curricular e didática, mas principalmente com o objetivo de inserir e facilitar critérios de adequação e conforto ambiental no processo de projeto utilizado pelos alunos. Seria desejável uma constante busca por integrar as avaliações de conforto ambiental na prática de projeto, no âmbito do conforto térmico, ergonômico, acústico e luminoso, com o objetivo de familiarizar os alunos em métodos mais interativos. Mas, apesar de todo o contexto favorável a revisões e adaptações, o ensino de conforto ambiental, na grande maioria das escolas de arquitetura e urbanismo, com alguns centros de excelência como exceções, ainda tratam as questões relacionadas ao conforto ambiental como reducionistas, referindo-se ainda a aspectos da física aplicada às edificações.
A concepção do ensino de conforto ambiental, em disciplinas estanques, previamente definidas, sem inter-relações acaba reforçando o caráter de especificidade em detrimento da prática de projeto e consequentemente prejudica o entendimento destes fatores na espacialidade do projeto (SCHMID, 2005).
A inserção do conforto ambiental, em particular das questões pertinentes à Ergonomia, na concepção e avaliação dos projetos, das edificações existentes e do meio urbano, remete ao questionamento e definição de conforto ambiental, que em quase todas as referências, apesar de suas especificidades, caracteriza uma percepção individual do espaço, de qualidades, influenciada por valores de conveniência, adequação, expressividade, comodidade e prazer (VIRILIO, 1993). Percepção essa, que engloba não só todas as suas variáveis e interferências, mas também vários fatores comportamentais, que poderiam ser classificados em quatro grandes grupos: sócio culturais, psicológicos, ambientais e físicos (HALL, 2005).
Partindo do pressuposto que o conforto ambiental trabalha com a relação da “arquitetura” e o “meio” através das sensações e estímulos, é desejável que este processo de avaliação do conforto térmico, acústico, ergonômico e luminoso também traga a possibilidade de interação dos fatores físicos, ambientais, psicológicos e culturais.
Um dos pontos mais essenciais no processo da avaliação do conforto ambiental e a percepção espacial é a compreensão de como os indivíduos percebem, assimilam e agem a partir de informações que captam no ambiente a sua volta. É a partir dessa compreensão que as tarefas exercidas em determinado ambiente podem ser melhoradas principalmente em relação ao conforto e à segurança do usuário.
Esses processos têm origem na cognição humana. Segundo Abrahão et al. (2009, p.148) a cognição é “um conjunto de processos mentais que permite às pessoas buscar, tratar, armazenar e utilizar diferentes tipos de informações do ambiente”. Associado a este processo se encontra os processos perceptivos que são “um conjunto de processos pelos quais recebemos, reconhecemos, organizamos e entendemos as sensações recebidas dos estímulos ambientais” (ABRAHÃO, 2009, p.149). Dessa maneira, os sentidos humanos se tornam essenciais para esses processos perceptivos (GEHL 2014) classifica-os por sentidos de “distância” - visão, audição e olfato - e sentidos de “proximidade” -, tato e paladar. Além desses cinco sentidos mais básicos, há ainda mais dois que influenciam de forma significativa: a propriocepção e o vestibular. A primeira diz respeito a questões de força e posição corporal; enquanto o segundo relaciona as forças da gravidade com a movimentação no espaço (NEW YORK CITY, 2010). Dessa maneira, é possível ter certa noção da enorme complexidade que a relação homem x espaço traz consigo.
Talvez uma crítica importante à abordagem convencional das variáveis de conforto no projeto esteja no aprofundamento e detalhamento dos aspectos relacionados com os fatores físicos, em detrimento aos aspectos sócio culturais, psicológicos e ambientais das questões relacionadas com o conforto ambiental como um todo. Esse questionamento vem justamente de encontro com as questões ergonômicas, que em um projeto, na maioria das vezes, restringem-se aos aspectos relacionados ao dimensionamento do espaço em questão. Muito provável, por seu caráter interdisciplinar, ou até mesmo pela sua ausência no currículo de muitos cursos de graduação em arquitetura e urbanismo2 , a ergonomia muitas vezes é esquecida e até “injustiçada” na sua efetiva contribuição. Talvez o ponto central esteja em definir o verdadeiro papel da ergonomia, não só como parte efetivamente integrante das áreas do conforto ambiental, mas também no seu real papel na concepção, estruturação e avaliação de projetos, de edifícios e do ambiente urbano.
Ressalta-se também o fato de que a ergonomia apesar de ser atribuição da profissão do arquiteto e urbanista segundo Lei nº 12.3783 (BRASIL, 2010), não existe como disciplina obrigatória nos perfis de área e padrões de qualidade no reconhecimento, expansão e avaliação dos cursos de arquitetura e urbanismo do país. Esse fato abre precedentes para cursos que possuam poucas disciplinas de conforto ambiental, como levantado por Vianna (2002), que constatou que em 78,7% dos cursos de conforto ambiental possuem até três disciplinas, destacando-se dessa porcentagem, mais da metade, cerca de 40,0% com apenas duas disciplinas.
A ERGONOMIA EM BUSCA DE SUA IDENTIDADE
Independentemente das linhas de atuação existentes na ergonomia, quer seja o enfoque europeu ou no americano4 pretende-se aqui discutir e questionar quais os aspectos relevantes e pertinentes dentro de um curso de Arquitetura e Urbanismo, no qual a Ergonomia é parte integrante das disciplinas de Conforto Ambiental.
Carregada por décadas pelo estigma de ciência que estuda a interface do ser humano com o trabalho, a ergonomia passou (e ainda passa) por várias interpretações equivocadas, que enfraqueceram o seu caráter multi e interdisciplinar, reduzindo-a, no caso especifico do projeto de arquitetura, a questões meramente dimensionais, reforçando os aspectos antropométricos e, mais recentemente, relacionados com a acessibilidade.
Entender o “trabalho”, objeto da ergonomia, como qualquer ação do homem no meio em que se encontra trouxe a real dimensão da ERGONOMIA5 . Partindo do pressuposto que a Ergonomia na Arquitetura tem como objeto “o homem no espaço”, podemos defini-la como o “estudo das ações e influências mútuas entre o ser humano e o espaço através de interfaces recíprocas” (KRONKA MÜLFARTH, 2017, p.27). E desta forma, a principal contribuição da ergonomia na arquitetura é reforçada em propor relações e condições de ação e mobilidade, definir proporções e estabelecer dimensões em condições especificas em ambientes naturais e construídos, tendo como base o conforto ambiental, que pressupõe a percepção individual de qualidades, influenciada por valores de conveniência, adequação, expressividade, comodidade e prazer (Figura 1).

Baseada nestes pressupostos, a ergonomia, a partir de seus quatro fatores estruturadores: os psicológicos, os socioculturais, os ambientais e os físicos, embasa ações projetuais que visam conforto. O grande desafio, porém, esteja justamente em como incorporar estes pressupostos em ferramentas no processo de projeto (Figura 2).

Apesar da existência de métodos de conforto ambiental amplamente consolidados nas áreas de conforto térmico, acústico e luminoso, na área de ergonomia, observa-se uma grande quantidade de métodos em fase de amadurecimento, não só para avaliação das atividades humanas no ambiente construído, como também para o entendimento da relação entre o usuário e o ambiente em questão (COSTA & VILLAROUCO, 2014).Todavia, os métodos não auxiliam, na sua grande maioria, no processo efetivo de projeto, e dificultam com que as questões relacionadas ao conforto ambiental façam parte desse desenvolvimento desde o início, das discussões relacionadas ao partido inicial, bem como todas as inter-relações que possam ocorrer com esses fatores.
A escolha do método acaba sendo guiada pelos resultados que se espera obter, e o pesquisador, ou profissional da área, acaba utilizando o método que mais se adequa aos objetivos.
Todas as áreas que fazem parte do conforto ambiental, térmica, acústica, iluminação natural e artificial, e ergonomia devem ser avaliadas em conjunto, dentro de um contexto que adequem todas as possíveis interfaces com o projeto procurando estabelecer a relação destas áreas e o comportamento do usuário. Sem essa busca, as questões associadas ao conforto ambiental tendem, na maioria dos casos, a ficarem isoladas, sem conexão com o processo de projeto, apenas cumprindo um protocolo dentro do projeto como um todo.
O ENSINO E A PRÁTICA DE CONFORTO AMBIENTAL: UMA TENTATIVA
Com o objetivo de sensibilizar os alunos de arquitetura e urbanismo quanto às questões previamente discutidas, iniciou-se uma reformulação na estrutura curricular das disciplinas de conforto ambiental da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP), cuja implantação foi efetivada no primeiro semestre de 2014.
Neste artigo, serão apresentados os métodos e os resultados obtidos na primeira disciplina da sequência de Conforto Ambiental6 - AUT 0270 - Homem, Arquitetura e Urbanismo - Conforto Ambiental I Fundamentos.
A disciplina tem por objetivo introduzir ao aluno conceitos básicos de conforto ambiental (iluminação, térmica, acústica e ergonomia) e eficiência energética, além de sensibilizá-lo sobre a importância dos significados e dos recursos de ergonomia para a percepção, a organização e dimensionamento do ambiente construído através da avaliação da influência dos fatores físicos, ambientais, culturais e psicológicos sobre o comportamento do usuário. Através de trabalhos de campo e modelos físicos procura-se a sensibilização dos alunos quanto ao significado dos recursos da ergonomia avaliando a influência dos fatores ergonômicos sobre o comportamento do usuário, objetivando condições de conforto, segurança, mobilidade e acessibilidade.
Tendo como base as experiências anteriores da disciplina, optou-se em realizar os trabalhos de campo da disciplina AUT 0270 tendo como objeto e de estudo o prédio da FAUUSP localizado na Cidade Universitária Armando Sales de Oliveira (Cuaso - Prédio Vilanova Artigas e Edifício Anexo). A convivência no edifício familiariza os alunos do primeiro ano ao objeto de intervenção, e provoca, no nosso entendimento, o olhar e a sensibilização para as questões de conforto ambiental aqui tratadas.
Além desta sensibilização com as questões de Conforto Ambiental, o “olhar” para o edifício da FAUUSP também promove a articulação entre o objetivo didático fundamental da escola - o ensino de boas práticas de concepção, elaboração e construção de obras arquitetônicas e de intervenções urbanísticas -, e as intervenções destinadas à manutenção, adequação e ampliação de edifícios e espaços de interesse patrimonial.
Após duas aulas teóricas nas quais são tratadas as questões atuais de Conforto Ambiental, como eficiência energética, selos e certificações ambientais, desempenho, comportamento, conforto e fatores ergonômicos, os alunos são convidados a entender como funciona o desempenho ambiental do edifício da FAUUSP (Cuaso). Eles não só são apresentados às diretrizes iniciais de projeto, aos conceitos de conforto ambiental que embasaram o partido do projeto, mas também são levados a conhecer todos os percalços que ocorreram na etapa de construção e falhas no processo de manutenção preventiva que ocasionaram vários problemas no edifício, com ênfase no conforto ambiental do usuário. Também são apresentados ao processo de avaliação, diagnóstico e simulações computacionais de Conforto Ambiental da cobertura do edifício, realizados pelo Laboratório de Conforto Ambiental e Eficiência Energética da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (LABAUT-FAUUSP), que recentemente passou por uma reforma na qual as questões de ventilação natural, iluminação e térmica foram extensamente discutidas por toda a comunidade.
Neste momento da disciplina, os alunos7 são convidados a eleger um ambiente do edifício (sala de aula, estúdio, sala de computação, biblioteca, laboratório, lanchonete, áreas externas, entre outros) o qual julgue que tenha “algum problema” de conforto ambiental, sendo então apresentados ao exercício prático, que é dividido em três etapas básicas: (1) Avaliação; (2) Diagnóstico e (3) Proposta de Intervenção. Paralelamente à realização do exercício e à apresentação de todas as etapas, os alunos têm aulas teóricas sobre os processos de projeto, reabilitação de edifícios com ênfase em aspectos de conforto ambiental, comportamento, mobilidade, acessibilidade, ergonomia no edifício e no espaço urbano, além de apresentação de ícones da arquitetura brasileira e mundial.
As etapas do exercício são conduzidas com o objetivo principal de fazer os alunos entrarem em contato com as variáveis de conforto ambiental no processo de projeto, ou seja, as avaliações, o diagnóstico e a proposta de intervenção incentivam este “olhar” para o projeto. É importante observar que nessa fase do curso em que o aluno se encontra, existe uma descoberta de diferentes métodos que auxiliam no processo de projeto, e independentemente da sua escolha ou preferência, tem-se a finalidade de treiná-los para este “novo olhar” (Figura 3).

A etapa de avaliação subdivide-se em duas análises: do ambiente e da percepção do usuário. Na análise do ambiente em que se explora principalmente os fatores físicos e ambientais, os alunos efetuam um levantamento do local escolhido (layout e outros detalhes), além de levantamento da utilização do local escolhido (fluxogramas de circulação etc.) e também levantamento das variáveis de conforto térmico, acústico e luminoso (utilização de termo higrômetros, decibelímetros, luxímetros e anemômetros). Quanto à análise da percepção do usuário, se exploram os fatores físicos, ambientais, culturais e psicológicos, através da observação dos usuários, registros de comportamento e de questionários e entrevistas elaborados pelos próprios alunos.
A etapa de diagnóstico leva os alunos a confrontarem os levantamentos de análise do ambiente, as normas técnicas e a percepção do usuário com a finalidade de elencar e priorizar as demandas do local escolhido para a sua intervenção e estabelecer um partido de projeto (Figura 4).

Cabe ressaltar que a “dupla função” dos alunos de usuários do espaço e de protagonistas da intervenção os levam a uma análise crítica não só dos resultados dos levantamentos (medições de conforto ambiental e entrevistas) como também da priorização das demandas reais do espaço e da proposta como um todo.
Outro aspecto de grande relevância para o aprendizado dos alunos é que os exercícios desenvolvidos no âmbito da disciplina devem articular-se, sempre que possível, com as demandas da comunidade, de forma a contribuir para a qualificação do processo de projeto e de efetiva realização das obras, e devem respeitar as diretrizes estabelecidas pelo Plano Diretor Participativo (PDP) da faculdade.
O contato com um edifício tombado, com problemas e demandas reais, também faz com que os alunos tragam para a sua proposta de projeto uma abordagem com maior embasamento. As razões para o tombamento do edifício, que passam não só por aspectos estéticos, pela importância de preservação da memória coletiva, pelo caráter simbólico e valores relacionados com a importância histórica de documentação do edifício, os levam ao questionamento da atual apropriação do espaço frente as suas demandas.
Questões como a informatização dos estúdios, métodos de ensino e de aprendizagem, reorganização de layout, demandas por novos laboratórios, entre outras questões, passam a ser discutidas pelos alunos com a “carga da responsabilidade” que o edifício tombado compreende. Apesar de não se saber ao certo qual valor a Arquitetura irá atribuir ao edifício no futuro, é possível levar os alunos à discussão de quais valores seriam prioritários para serem mantidos.
Depois desta etapa de diagnóstico, e embasado com todos os elementos apresentados aos alunos durante a sequência de realização do exercício, são apresentadas as propostas de intervenção, a síntese de todo o processo da disciplina. Essa apresentação é realizada em sala de aula, com todos os alunos e professores (Figura 5).

CONCLUSÃO: UM LONGO CAMINHO A PERCORRER
“O mais provável é que projetar seja um processo no qual o problema e solução surjam juntos […]” (KOWALTOWSKI, 2011, p.21).
A inserção do projeto no processo de aprendizagem de conforto ambiental dos alunos mostrou-se uma ferramenta muito eficaz, não só por colocá-los diante de problemas reais, vivenciados no seu cotidiano em uma escola de arquitetura, mas também por mostrar a importância da avaliação das questões de conforto ambiental desde a fase preliminar do projeto.
O processo de levantamento do ambiente e da percepção do usuário levou-os a considerar, não só as variáveis físicas e ambientais, mas também as variáveis culturais e psicológicas, tendo em vista que muitas vezes as contradições entre as variáveis medidas e os dados obtidos nas inquirições (questionários, entrevistas e observações) eram contraditórios. Este encadeamento levou os alunos a olharem criticamente os levantamentos e a priorizarem, em seus diagnósticos, as principais diretrizes de projeto para as demandas verificadas.
Esta experiência também os leva a constatarem a importância da inserção do conforto ambiental no processo de projeto, com possibilidade de atingir ações mais efetivas independentemente do processo de projeto escolhido. Por demanda dos alunos, haverá uma redistribuição nas aulas teóricas da disciplina e um maior enfoque nas aulas práticas. É imperativo que as questões relacionadas ao conforto ambiental façam parte do processo de projeto desde o início, das discussões relacionadas ao partido inicial, bem como todas as inter-relações que possam ocorrer com estes fatores.
Todas as áreas que fazem parte do conforto ambiental, térmica, acústica, iluminação natural e artificial, e ergonomia devem ser avaliadas em conjunto, dentro de um contexto que adequem todas as possíveis interfaces com o projeto procurando estabelecer a relação entre essas áreas e o comportamento do usuário. Sem essa busca, as questões relacionadas ao conforto ambiental tendem, na maioria dos casos, a ficarem isoladas, sem conexão com o processo de projeto, apenas cumprindo um protocolo dentro do projeto como um todo.
Neste contexto, o Conforto Ambiental, juntamente com a Ergonomia, com o seu caráter integrador, deve ser resgatado no processo de projeto, e nas análises de desempenho ambiental, não só para atingir um resultado adequado, mas também como instrumento de projeto, com todos os seus fatores integradores, para a transformação necessária de edifícios e de cidades em ambientes de melhor desempenho e qualidade ambiental.
REFERÊNCIAS
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NOTAS