ARTIGO DE PESQUISA
Zonas especiais de interesse social nos vazios de Brasília
Special zones of social interest in Brasilia’s empty spaces
Zonas especiais de interesse social nos vazios de Brasília
Oculum Ensaios, vol. 15, núm. 2, pp. 209-222, 2018
Pontifícia Universidade Católica de Campinas
Recepção: 24 Agosto 2017
Revised document received: 05 Janeiro 2018
Aprovação: 25 Janeiro 2018
RESUMO: As cidades brasileiras têm como um dos atributos fundamentais a forte segregação socioespacial. O estudo visa a analisar a medida em que a localização das Zonas Especiais de Interesse Social nos vazios em Brasília contribui ou não para a manutenção dessa constante. A análise é sustentada pela Teoria da Sintaxe Espacial e facilitada pela construção dos mapas de integração global e de renda da capital. Caracterizada como a cidade mais dispersa do país e a segunda do mundo, com pouca variedade de estratos sociais em seus bairros, Brasília possui como potencial a grande quantidade de áreas públicas desocupadas. Apesar disso, a estratégia de reserva de áreas para a provisão de habitação de interesse social aparentemente não contemplou critérios que contribuam para a redução da segregação socioespacial.
PALAVRAS-CHAVE: Política habitacional, Segregação socioespacial, Zonas Especiais de Interesse Social.
ABSTRACT: Brazilian cities present a strong socio-spatial segregation as one of their fundamental attributes. The study aims to analyze how the location of the Special Zones of Social Interest in Brasília’s empty spaces contributes to the reproduction of such traits, or otherwise. The analysis was based on the Spatial Syntax Theory and was made feasible by the creation of global integration and average income maps of the city. Characterized as the most dispersed city in the country and as the second most dispersed city in the world, with low variety of social strata in its boroughs, Brasilia has, as a great asset, a large stock of empty public areas. Nevertheless, the strategy behind saving urban areas for housing policy does not seem to contemplate criteria which contribute to a reduction of socio-spatial segregation.
KEYWORDS: Housing policy, Socio-spatial segregation, Special Zones of Social Interest.
INTRODUÇÃO
Problemas habitacionais são inerentes à atual sociedade capitalista, cujas desigualdades são materializadas no tempo e no espaço. E nenhum lugar evidencia mais e melhor essas desigualdades do que o meio urbano, que concentra os conflitos e as soluções possíveis para os problemas resultantes dessas assimetrias.
Embora existentes a partir do final do século XIX, foi principalmente depois de meados do século XX, com a aceleração do crescimento demográfico das cidades brasileiras, que esses conflitos tomaram proporções que não podiam mais ser ignoradas. Para a população de renda baixa, a moradia possível estava em lugares com deficiência ou mesmo ausência de infraestrutura urbana de saneamento e transporte, áreas ambientalmente frágeis e zonas de risco.
Nesse contexto, viu-se, na década de 1970, a retomada do movimento pela reforma urbana, silenciado nos anos anteriores da ditadura. Sua principal bandeira, a luta por terra para moradia, foi intensificada nos anos do processo constituinte. As discussões resultaram nos dois artigos do capítulo de política urbana da Constituição de 1988, nos quais foi retomado o princípio da função social da propriedade1 , base do atual marco jurídico-urbanístico brasileiro (BRASIL, 1988).
Quase treze anos depois, o Estatuto da Cidade, Lei nº 10.257/2001, regulamentou esses dois artigos, inaugurando e endossando instrumentos de política urbana, dentre eles o Plano Diretor e as Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis), um dos principais zoneamentos voltados à moradia social (BRASIL, 2001).
No mesmo sentido, o Plano Nacional de Habitação (PlanHab), de 2009, definiu como um dos dois objetivos gerais do eixo “estratégias urbano-fundiárias” a garantia do acesso à “terra urbanizada, legalizada e bem localizada para a provisão de Habitação de Interesse Social (HIS) (unidades prontas ou lotes) na escala exigida pelas metas do PlanHab” (BRASIL, 2009, p.120). A delimitação de Zeis em áreas desocupadas foi inserida como um dos indicadores para o índice de capacidade institucional habitacional e de gestão urbana, que seria utilizado para “bonificar com maior acesso aos recursos federais os entes federativos que se [qualificassem] para gerir adequadamente o setor habitacional” (BRASIL, 2009, p.108).
Diante desses fatos, apreende-se que o processo de produção e reprodução das cidades contribuiu para a construção de um novo paradigma no entendimento da propriedade urbana. A legislação urbanística é, ela própria, resultado de processos de luta social e fundamento para a construção de um novo ideal urbano, baseado na função social da propriedade.
A discussão proposta para este artigo encontra-se no campo da arquitetura considerada como “Ciência Social Aplicada” (assim considerada pelas agências oficiais de fomento brasileiras) que estuda as relações das pessoas com os lugares. Discute-se a localização das áreas propostas no Plano Diretor de Ordenamento Territorial de Brasília (PDOT) e no Programa Morar Bem para provisão habitacional. Entende-se que a inserção da habitação na cidade, de forma segregada ou integrada, é um dos aspectos relacionados à apropriação da cidade pelos sujeitos sociais, podendo ou não satisfazer suas respectivas expectativas.
Tomando emprestada a classificação proposta por Holanda (2015)2 dos aspectos por meio dos quais a arquitetura impacta as pessoas, as reflexões que motivaram este artigo abrangem essencialmente a dimensão sociológica, tangenciando também a funcional e a econômica. Mais especificamente, abrangem a análise da legislação que rege o espaço urbano.
Entende-se que a legislação urbanística atua como variável independente e gera efeitos diretos na produção e reprodução da cidade. O foco das discussões propostas será dado à questão habitacional, notadamente ao instrumento das Zeis em terrenos vazios. As reflexões serão guiadas pelo exemplo de Brasília, considerada como todo o território do Distrito Federal, explorando as possíveis dimensões de caracterização e análise dos terrenos vazios gravados com esse zoneamento.
Primeiramente será feita uma breve análise da configuração urbana de Brasília. Na sequência, discute-se o conceito de segregação, para posteriormente apresentar e refletir sobre as principais normas distritais que versam sobre a oferta de áreas para habitação social.
CONFIGURAÇÃO URBANA DE BRASÍLIA
Desde a origem, Brasília teve como forte característica a formação de uma configuração urbana extremamente dispersa, presente até hoje: é considerada a cidade mais dispersa do país e a segunda mais dispersa do mundo, de acordo com estudos comparativos internacionais (HOLANDA, 2010b, 2016; RIBEIRO, 2008) - mundialmente, perde apenas para Mumbai, Índia. Além disso, a contínua alocação de núcleos urbanos de forma esparsa moldou a capital, como definiu Paviani (1996), como uma metrópole polinucleada. Desde a predominância dos espaços vazios em relação aos edificados até a proposta de cinturões verdes para manter o Plano Piloto destacado e preservado de futuras conurbações, a dispersão está presente em várias escalas do projeto original e da cidade atual.
Somada a ela, tem-se a pouca variedade edilícia proposta para o plano (prédios de seis pavimentos sobre pilotis e residências unifamiliares), cujo resultado foi a também pouca diversidade de estratos sociais: Holanda (2010a) descreve como a diversidade arquitetônica - relativa tanto ao microparcelamento (tamanhos de lotes, ruas e calçadas) quanto aos edifícios e seus usos (casas, apartamentos, entre outros) -, implica diversidade de renda.
Além das características morfológicas, a segmentação de atividades e o grande contingente populacional recebido na primeira década após a inauguração de Brasília tiveram grande influência na sua configuração urbana (aqui abrangidas as relações entre os espaços vazios e espaços edificados, bem como as relações entre eles e a sociedade).
A segmentação de atividades teve diversas consequências, sendo a mais evidente o movimento pendular entre os setores: estima-se que quase 1 milhão de pessoas se deslocam diariamente entre o Plano Piloto e os demais bairros de Brasília, considerando todos os fins e meios de locomoção (HOLANDA, 2016). Essa situação é intensificada pelo espraiamento da cidade e pela consolidação do Plano Piloto como principal área dotada de serviços urbanos de lazer, cultura, esporte e de emprego.
Quanto ao contingente populacional, em setembro de 1960, o Distrito Federal contava com mais de 140 mil habitantes, que passaram a mais de 535 mil na década seguinte (HOLANDA, 2002). Atualmente, são 2,9 milhões (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2016). A diversidade dos estratos sociais relacionados à renda e à ocupação existe desde os primórdios da capital, de trabalhadores manuais atraídos pela possibilidade de emprego na construção da cidade ao alto escalão da política e da administração federal transferidos para a nova sede do governo federal.
No bojo do contexto de construção e formação da urbe, e a exemplo de outras cidades planejadas, o problema habitacional de Brasília está presente antes mesmo de sua inauguração, quando trabalhadores migrantes se estabeleceram em áreas informais. As reações do poder público em relação a esses assentamentos correspondem, em parte, àquelas adotadas em outras cidades brasileiras desde finais do século XIX: invisibilização, expulsão, provisão privada de lotes e moradias em áreas desprovidas de serviços públicos e, finalmente, o reconhecimento do direito à moradia (ALFONSIN, 2003).
Por outro lado, em Brasília houve a adoção sucessiva de políticas clientelistas de doação de lotes, sem, contudo, contemplar a oferta de serviços complementares à moradia (CARVALHO & MEDEIROS, 2014). O foco no lote restringe a noção do direito à moradia e do direito à cidade, desconsiderando o necessário sentido mais amplo de direito à vida urbana, defendido por Lefebvre (2001).
No que concerne ao reconhecimento do direito à moradia, o destaque dado aqui refere-se, para além dos processos de legitimação das ocupações informais, à inserção, na agenda da política habitacional, da necessidade do planejamento e da delimitação de áreas voltadas à habitação de interesse social e atividades e serviços correlatos. No aspecto, Brasília possui uma considerável vantagem em relação às demais cidades: a existência de grandes áreas públicas bem localizadas.
SEGREGAÇÃO SOCIOESPACIAL
O espaço urbano é, a um tempo, causa e efeito da sociedade a ele vinculada. O processo de crescimento populacional das cidades brasileiras a partir de meados do século XX contribuiu para evidenciar, especialmente nas grandes cidades, conflitos inerentes ao meio urbano, que também passou a abrigar a maior parte da população brasileira. Os mais pobres, sem recursos para morar em áreas adequadas, passaram a ocupar regiões ambientalmente sensíveis, com precariedade ou até mesmo ausência de infraestrutura urbana de drenagem, abastecimento de água e coleta de esgoto, de serviços públicos de saúde, educação, cultura, lazer e transporte.
A segregação social foi se materializando, de forma rápida, no espaço urbano brasileiro. Alguns lugares passaram a ter características que podem ser relacionadas à ocupação por determinadas classes sociais. Significa dizer que a renda familiar pode, em alguns casos, ser apreendida pelos locais de moradia. Faz parte da identidade de lugares e de pessoas. Os problemas urbanos refletem e reforçam problemas sociais.
Na discussão sobre segregação urbana, Villaça (1998, p.148) afirma que se trata de “um processo dialético, em que a segregação de uns provoca ao mesmo tempo e pelo mesmo processo, a segregação de outros”. Enquanto processo, entende-se aqui que a segregação é causa e efeito do preço da terra urbana - diferentemente de Villaça, que destaca que o mais provável é que “os preços do solo é que são fruto da segregação” (VILLAÇA, 1998, p.150).
Em Brasília, a exemplo de outras cidades brasileiras, a segregação é evidente, agravada pela dimensão do espraiamento urbano, comentada anteriormente: a distância média até o Plano Piloto para famílias com renda mais baixa é de 26,6 km, enquanto as famílias de maior poder aquisitivo percorrem em média 5,1 km (HOLANDA, 2016). A distribuição de oferta de emprego torna a realidade ainda mais perversa: dados da Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios do Distrito Federal (PDAD/DF) de 2015 indicam que 41,53% dos postos de trabalho estão no Plano Piloto (BRASÍLIA, 2016).
Em que pese os inúmeros vazios que separam os núcleos urbanos de Brasília, encarecendo a infraestrutura de saneamento e transporte, o déficit habitacional urbano em 2015 era de 129 mil e 630 unidades (FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO, 2017), correspondente a 13,2% do total de domicílios permanentes (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2016).
A política de reserva de áreas para oferta de habitação em Brasília é, portanto, muito bem-vinda, e a expressiva quantidade de terrenos públicos vazios é um potencial e um diferencial significativo em relação a outros municípios brasileiros.
ÁREAS PARA OFERTA HABITACIONAL EM BRASÍLIA
Seguindo a exigência contida no artigo 182 da Constituição Federal3 , o Plano Diretor de Ordenamento Territorial de Brasília (PDOT) foi instituído pelo art. 316 da Lei Orgânica do Distrito Federal como instrumento básico das políticas de ordenamento territorial e de expansão e desenvolvimento urbanos.
A versão vigente do PDOT foi estabelecida pela Lei Complementar nº 803/2009, atualizada em 2012, na qual foram delimitados três zoneamentos destinados exclusivamente à habitação: Áreas de Regularização de Interesse Social (Aris), Áreas de Regularização de Interesse Específico (Arine) e áreas gravadas como Estratégia de Oferta de Áreas Habitacionais (BRASÍLIA, 2009, online, Art. 117).
As áreas gravadas no PDOT como Aris e como Arine integram a estratégia de regularização fundiária urbana do DF, a se realizar por meio de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais, visando “à adequação de assentamentos informais consolidados, por meio de ações prioritárias […] de modo a garantir o direito à moradia, o pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado” (BRASÍLIA, 2009, online, Art. 117).
Para a oferta de áreas habitacionais, a legislação prevê que sua efetivação seja “mediante a urbanização de novos núcleos ou mediante a otimização de localidades urbanas com infraestrutura subutilizada, com vazios residuais ou com áreas obsoletas” (BRASÍLIA, 2009, online, Art. 134).
No PDOT são classificados como Zeis os terrenos pertencentes às Aris (aqui denominadas Zeis de áreas ocupadas) e alguns pertencentes à Estratégia de Oferta de Áreas Habitacionais (aqui denominadas Zeis de vazios), conforme mapa da Figura 14 .
O mapa da Figura 1 mostra a inexistência de oferta de áreas habitacionais na Unidade de Planejamento I, a mais central e que inclui o Plano Piloto. As áreas mais próximas ao núcleo central de Brasília demarcadas como Zeis de vazios são a Cana do Reino - Área 2 (16 km), o Mangueiral (17 km), a Área do DER (19 km), o Nacional (20 km), a Cana do Reino - Área 1 e a Expansão do Paranoá (ambos com 21 km)5 .

O Plano Distrital de Habitação de Interesse Social (PlanDHIS), finalizado em 2012, menciona as áreas a serem ofertadas previstas no PDOT e no Programa Morar Bem do Governo do Distrito Federal (GDF). Em grande parte, as áreas do Morar Bem coincidem com as do Plano Diretor (Figura 2).

O Programa Morar Bem foi lançado em 2011 com o objetivo de prover novas Unidades Habitacionais (UH) para famílias com renda de até 12 salários mínimos. A proposta de vinculação ao Programa “Minha Casa, Minha Vida” foi um avanço no sentido da integração de políticas e programas dos entes da federação. Quando da elaboração do PlanDHIS, oito áreas previstas para novas unidades encontravam-se em processo de licitação. Outras já tinham empresa definida para a execução da obra, como o Paranoá Parque e o Riacho Fundo II, que somadas abrigariam 12 mil e 204 UH (6 mil e 300 no Paranoá Parque e 5 mil e 904 no Riacho Fundo II).
A delimitação de Zeis de vazios no DF tem mostrado, em certa medida, resultado eficaz no que se refere à implantação de edifícios residenciais voltados à população de menor renda. Exemplos disso são justamente os conjuntos Paranoá Parque, voltado à faixa 1 do “Programa Minha Casa, Minha Vida”, e “Riacho Fundo II”, destinado à faixa 2.
A análise da localização dessas Zeis mostra, entretanto, que o potencial representado pelo estoque de terras públicas não tem sido utilizado no sentido de minimizar a segregação socioespacial histórica da cidade.
Permitem essa constatação duas análises: a da localização das Zeis de vazios em relação às vias mais integradas do mapa axial de Brasília (análise da integração global) e a da localização das Zeis de vazios em relação à renda média da população.
A primeira delas refere-se a técnicas oriundas da Teoria da Sintaxe Espacial que permitem a compreensão dos potenciais movimentos e fluxos de pessoas. O objetivo da utilização neste estudo foi compreender se as Zeis de vazios e demais áreas destinadas à habitação no Programa Morar Bem encontram-se em eixos mais ou menos integrados da capital - isto é, mais ou menos acessíveis, em média, de todos os pontos da cidade.
A construção do mapa axial deve ser feita considerando-se a menor quantidade possível de linhas retas nas vias de circulação. A interseção entre as vias permite a análise de algumas variáveis, tais como a integração (global ou local), inteligibilidade, conectividade, controlabilidade, entre outros6 .
Em função da escala, a utilização do mapa axial em estudos urbanos é geralmente realizada com base nas vias veiculares, e, portanto, a compreensão da circulação de pessoas se restringe às possibilidades de movimentação e acessibilidade em veículos.
Para este estudo, optou-se por analisar apenas a variável da integração global, que considera o sistema como um todo (restrito aos limites administrativos do Distrito Federal) e permite identificar a gradação das vias mais acessíveis de Brasília, daquelas de maior valor de integração (mais acessíveis, ou “rasas”), às mais segregadas, de menor valor de integração (menos acessíveis, ou “profundas”).
O valor de integração refere-se “à distância relativa de uma linha (ou de um conjunto de linhas, tomada a média das medidas das linhas) em face das demais do sistema” (HOLANDA, 2002, p.102), e resulta de quatro características: quantidade de cruzamentos que existem na via, posição da via em relação à malha da cidade, configuração das vias como um todo e características geográficas locais (CARVALHO, 2015). O mapa da Figura 3 traz a localização das Zeis de vazios e das áreas de oferta habitacional previstas no Programa Morar Bem e o resultado da análise de integração global das vias de Brasília. Observa-se que a maior parte das Zeis de vazios delimitadas encontram-se em vias menos integradas, embora sejam notadas algumas que tangenciam vias de maior integração global.

Quando tais áreas são sobrepostas à renda média dos responsáveis (Figura 4), reforça-se a compreensão de que a política habitacional tem servido à realimentação do processo de segregação por regiões da cidade7 , intensificando as condições de “dominação social, econômica e política por meio do espaço” (VILLAÇA, 1998, p.150): as Zeis previstas estão situadas em áreas cuja média de renda era, em 2010, de 0 a 3 ou de 3 a 5 salários mínimos (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2011).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Brasília teve sua configuração formada historicamente por núcleos urbanos apartados por grandes extensões de vazios, característica que encarece a instalação e a manutenção da infraestrutura urbana e social, agrava as consequências da segregação socioespacial e revela uma realidade perversa, na qual os mais pobres gastam mais tempo e dinheiro para se movimentar pela cidade para as atividades básicas do dia a dia, como o trabalho e o estudo.
Considerando que a política urbana deve ser capaz de guiar o desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, o planejamento definido no PDOT relativo à política habitacional avança no sentido de delimitar áreas para regularização de interesse social e áreas para a provisão de novas moradias, inclusive destinadas à população de renda mais baixa.
Entretanto, e apesar do potencial oferecido pela quantidade de terrenos públicos disponíveis na capital, não é possível identificar, na estratégia de delimitação das Zeis de vazios, uma dimensão voltada à minimização da segregação socioespacial, já tão agravada pela dispersão urbana. Ao contrário, esse instrumento tem sido utilizado de forma a reforçar a segregação e a consolidar as áreas voltadas à moradia dos pobres distantes do núcleo urbano que concentra a maior parte das ofertas de trabalho: o Plano Piloto.
Os avanços nas políticas urbana e habitacional seguem órfãos de uma ação do Estado que enfrente interesses hegemônicos e se volte às necessidades básicas da população e da cidade, visando maior diversidade e maior integração - entre setores da cidade e entre pessoas.
Vale mencionar a grande quantidade de áreas disponíveis no entorno imediato do Plano Piloto que poderiam ser utilizadas com a finalidade de prover habitação de interesse social e ofertar áreas para atividades e serviços complementares ao uso residencial. É o caso dos terrenos próximos à estação rodoferroviária de Brasília, que tangenciam as margens oeste da Estrada Parque Indústria e Abastecimento (EPIA), a via de maior integração global do DF. Essas ações iriam ao encontro da concepção contida no PDOT para a oferta de áreas habitacionais, que deveria se concretizar também por meio da otimização de infraestrutura subutilizada em regiões urbanas.
Os ganhos sociais e urbanísticos para Brasília certamente seriam significativos se os grandes vazios urbanos situados em áreas mais centrais fossem planejados para receber usos e ocupações heterogêneas, propiciando a instalação e a manutenção de maior diversidade de usos e de pessoas de classes sociais distintas.
As Zeis de vazios, embora tradicionalmente voltadas à habitação de interesse social, poderiam ser um dos instrumentos de viabilização dessas propostas: a flexibilização de parâmetros urbanísticos intrínseca a esse zoneamento permite possibilidades múltiplas para as pessoas e para os planejadores e gestores urbanos
REFERÊNCIAS
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NOTAS
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