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Olhares para o Retorno do Pêndulo: reflexões a partir de Bauman e Dessal
Sirlei Tedesco; Geraldo Antônio da Rosa
Sirlei Tedesco; Geraldo Antônio da Rosa
Olhares para o Retorno do Pêndulo: reflexões a partir de Bauman e Dessal
Roteiro, vol. 44, núm. 2, e20143, 2019
Universidade do Oeste de Santa Catarina
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RESENHA

Olhares para o Retorno do Pêndulo: reflexões a partir de Bauman e Dessal

Sirlei Tedesco1
Universidade de Caxias do Sul, Brazil
Geraldo Antônio da Rosa2
Universidade de Caxias do Sul, Brazil
Roteiro, vol. 44, núm. 2, e20143, 2019
Universidade do Oeste de Santa Catarina

Segurança contrapondo-se à ausência de liberdade, aflição do homem no mundo líquido e sua busca por identidade, fragilidade das relações humanas, neocapitalismo e seus efeitos perversos são temas que acompanham a humanidade desde a contemporaneidade. Diante desse contexto, é indispensável a provocação para um diálogo sobre o conceito de "liquidez". Proposto por Bauman como paradigma do novo século, além de ferramenta para pensar o hoje, faz grande aproximação com algumas considerações atestadas pelo psicanalista Sigmund Freud, no século passado, ademais de possibilitar frutíferas relações com a globalização e a metamorfose das relações de poder entre o Estado e o capital.

Sociólogo, pensador, professor e escritor polonês, Zygmunt Bauman destaca-se por ser uma das vozes mais críticas da sociedade contemporânea. É considerado expoente da chamada “sociologia humanística”, contribuindo com seu vasto trabalho acadêmico e inúmeros estudos publicados. É analista de temas contemporâneos, como política, amor, comunidade, trabalho, consumo, identidade, tempo, entre outros. Com sua obra para a compreensão das relações por meio do conceito de liquidez, tornou-se um dos teóricos proeminentes da pós-modernidade.

Gustavo Dessal é psicanalista e escritor, membro da Associação Mundial de Psicanálise e docente do Instituto do Campo Freudiano na Espanha. É autor de numerosas publicações.

Com a preocupação de fazer um esforço de síntese e eludir as simplificações, apresentamos a obra O Retorno do Pêndulo: sobre a Psicanálise e o Futuro do Mundo Líquido. Seus autores, Bauman e Dessal, constroem nesse escrito um discurso com aproximações e divergências entre a sociologia e a psicanálise, tomando como pontos de partida o conceito de liquidez e o pensamento de Sigmund Freud, especialmente as teses desenvolvidas na obra O Mal-Estar na Civilização, de 1929, como disparadoras da discussão.

O título original da obra, El retorno del péndulo (Sobre psicoanálisis y el futuro del mundo líquido), teve sua tradução autorizada em espanhol e publicada em 2014 pelo Fundo de Cultura Econômica, de Madri, Espanha. A primeira tradução para o português foi realizada por Joana Angélica d’Avila Melo e publicada pela editora Zahar em 2017.

A obra inclui quatro artigos de Zygmunt Bauman, intercalados por comentários de Gustavo Dessal. Tal corpus inter-relaciona dois ramos do saber - Sociologia e Psicologia - propondo reflexões primordiais do mundo contemporâneo, conjecturando um movimento pendular que oscila entre o desejo de se conquistar mais liberdade e o anseio por dispor de segurança, um deslocamento seminal a que Bauman chamou de "fase líquida da modernidade".

No primeiro artigo, intitulado Liberdade e segurança: um caso de Hassliebe (relação de amor e ódio), Bauman, ao destacar da tese de Freud (1929, p. 15) que “é muito menos difícil experimentarmos a infelicidade” contribui trazendo três causas das quais tememos que advenha o sofrimento: a supremacia da natureza, a fragilidade do nosso corpo e a insuficiência das normas que regulam os vínculos recíprocos entre os seres humanos.

Na sequência, com o comentário sobre Liberdade e segurança: um caso de Hassliebe, Dessal responde, fundamentado em Ulrich Beck, esclarecendo que o indivíduo pós-moderno é aquele que se vê obrigado a buscar soluções biográficas para problemas sistêmicos. Reforça que o mais temível é aquele que nos espreita de dentro de nós mesmos, a que Freud denomina “pulsão de morte”.

No artigo A civilização freudiana revisitada, ou O que se supõe ter acontecido com o princípio de realidade?, Bauman retoma os escritos de Freud, cerca de 80 anos depois, e recorda-nos que eles já ressaltavam que o domínio da massa por uma minoria continuará imprescindível, bem como a imposição coercitiva do trabalho cultural. Assim, a passagem de uma sociedade de produtores - trabalhadores e soldados - para uma sociedade de consumidores decretou indivíduos viciados em adaptação. De certa forma, entende-se que as identidades devem ser descartáveis. Uma identidade insatisfatória ou, ainda, uma identidade que denote idade avançada ao ser comparada com as identidades “novas e melhoradas”, disponíveis no presente, deve ser fácil de abandonar. Além disso, a vida da geração jovem é vivida em um estado de emergência perpétua.

No comentário sobre A civilização freudiana revisitada, ou O que se supõe ter acontecido com o princípio de realidade?, Gustavo Dessal ressalta que a Sociologia, na melhor e mais nobre tradição de Durkheim, permite-nos compreender a sociedade como organismo vivo e não como conceito abstrato - uma sociedade na qual a lógica coletiva não pode deixar de lado tudo aquilo que Freud nos revelou acerca do sujeito.

O painel de Freud (resposta ao painel) é um artigo no qual Bauman se coloca como crítico e beneficiário devoto do pensamento de Freud, pois esclarece os usos sociais, políticos e econômicos do cambiante equilíbrio entre o princípio do prazer e o princípio de realidade.

Para o pensador, existe a perpetuidade do deslocamento segurança-liberdade como um sintoma de otimismo excessivo e injustificado. A história da humanidade está salpicada de falsas alvoradas. Por consequência, está também replena de falsas esperanças, vezada a vislumbrar, a cada nova oportunidade, o anúncio de que os problemas ou mal-estares atuais ficarão para trás. Essa inclinação se institucionalizou na era moderna, mediante a associação entre a ideia de progresso e o culto à ciência e à tecnologia, motor da sociedade de consumo.

Com relação a esse aspecto, Bauman enfatiza que as inovações tecnológicas podem desacelerar ou tornar mais errática a oscilação do pêndulo, mas é sumamente improvável que a detenham e mais ainda que a tornem perpétua.

Com sua proverbial modéstia, discorre que perto do fim de uma vida de estudos, chega à conclusão de que a liberdade e a segurança, duas forças titânicas em cujo épico duelo Freud detectou a origem da “civilização”, constituem valores igualmente indispensáveis para uma vida satisfatória, porém excessivamente difíceis de reconciliar. Sua relação dialética constitui um traço antropológico do animal social conhecido como Homo Sapiens.

A liberdade e a segurança não podem sobreviver uma sem a outra, tampouco podem conviver em paz. É muito improvável que um dia seja encontrado “o ponto médio”, isto é, o equilíbrio, mas ainda assim sua busca jamais cessará. O movimento pendular é o resultado dessa aporia.

Ao finalizar o artigo, faz a provocação de que o pensamento utópico é um companheiro inseparável da vida moderna. “Utopias iconoclastas” são a possibilidade de uma realidade alternativa, uma sociedade superior composta por neo-humanos.

Em seguida, no comentário sobre O painel de Freud, Dessal enfatiza em seu discurso breves esclarecimentos acerca do conceito do prazer. Para o autor, a ideia de que a vida psíquica é regida pelo princípio do prazer foi uma das hipóteses de Freud, com escritos apoiados em considerações teóricas que parodiavam a literatura científica da época. No célebre texto Projeto para uma psicologia científica (1895), em um esforço para empregar uma linguagem neurológica, Freud insinua a escolha decisiva que o encaminhou para a descoberta do inconsciente - usou a linguagem poética para dizer que se decidiu pelas palavras em vez de neurônios, com o propósito de fazer da psicanálise uma ciência. O princípio de realidade é o prolongamento do princípio do prazer, que, por sua vez, tem o papel fundamental de assegurar que os desejos sigam uma rota mais afastada da via alucinatória. A ideia de que a realidade superaria o princípio do prazer era para Freud algo inconcebível.

Dessal entende a realidade como um âmbito de significações impossíveis de universalizar, embora exista uma compreensão comum de identificação de certas circunstâncias que compartilhamos como algo semelhante a uma objetivação do mundo.

Com relação ao tema da pulsão de morte, faz um comentário à obra de Bauman Modernidade e Holocausto, na qual o pensador polonês percebeu, com toda a clareza, que a catástrofe não é um acidente no programa da racionalidade técnico-científica, senão que lhe é intrínseca.

Concluindo, Dessal enfatiza sua decepção ao dizer que não nos podemos furtar à evidência de que Auschwitz foi a festa da inauguração de um novo paradigma histórico, no qual a ideologia do progresso desencerrou seu sentido mortal.

No artigo Procurando na Atenas moderna uma resposta à antiga pergunta de Jerusalém, Bauman inicia trazendo as narrativas do Livro de Jó com sua teoria política para o judaísmo e, por meio dele, para o cristianismo, quanto à onipotência de Deus.

Em um texto profundamente provocador, constrói aproximações com grandes pensadores. Inicialmente toma por base o Livro de Jó para discutir as ideias de Carl Schmitt sobre soberania do governante, no qual o jurista alemão teria inculcado uma visão pré-formada da ordem divina no campo da ordem legislativa do Estado. Posteriormente observa a “inclinação totalitária” por meio do pensamento de Hannah Arendt, discute a natureza da soberania, a partir do discurso de Jean-Jacques Rousseau, e evoca a sabedoria de que tudo é natural, tomando o exemplo do desastre de Lisboa e de suas consequências catastróficas, que foram fatos relacionados aos seres humanos, não à natureza, tratando-se, pois, de culpa e não pecado.

Bauman prossegue suas aproximações com uma pluralidade de autores. Em Max Weber, busca a descrição de Entzauberung, ou “desencanto” da natureza, despindo-a de seu disfarce divino. Para o autor polonês, no entanto, embora agora os seres humanos estejam no comando, a incerteza e os medos cósmicos não se desvaneceram. Então, a natureza é concebida como uma perturbação temporária e a perspectiva de controle dela era apenas questão de tempo. Concorda com Immanuel Kant que, ao empregarmos a razão, podemos elevar a avaliação moral e o tipo de comportamento que desejamos universalmente, seguindo a categoria de lei natural. Assim esperava-se que os humanos, no início da era moderna, desenvolvessem-se luminarmente. Porém, o que se constata é que os desastres provocados por ações imorais humanas parecem ser cada vez menos administráveis.

Ainda, contribui refletindo sobre potenciais terroristas e suas bombas “assustadoramente fáceis de montar” (quando se trata do emprego dos medos difusos para fertilizar as vinhas da ira, a lógica é irrelevante). Sob a égide da condução a uma guerra ao terrorismo, descreve um mapa rodoviário para o totalitarismo (tortura, vigilância, perseguição). Ao trazer Henry A. Giroux, assinala novas geografias da exclusão e novas paisagens abastadas em uma ordem mundial. Bauman também busca fundamentação em Giorgio Agamben na sinalização de que o estado de exceção tende cada vez mais a parecer o paradigma predominante do governo na política contemporânea. Ao finalizar com a ideia de Stálin, emprega o conceito de “medo oficial” a serviço do poder do Estado.

Para finalizar a etapa da obra constituída por artigos e comentários, no seu comentário sobre Procurando na Atenas moderna uma resposta à antiga pergunta de Jerusalém, Gustavo Dessal aponta em Freud a descoberta de que a satisfação no ser humano não é malograda por motivos externos, que podem intervir como fatores contingentes. É preciso incluir o fato de que a necessidade primária, ao atravessar o labirinto da linguagem, faz surgir a dimensão do Outro.

Na segunda parte da obra, encontram-se correspondências entre Zygmunt Bauman e Gustavo Dessal, do período entre julho e agosto de 2012, constituídas de potência e imersão entre os discursos da Psicologia e da Sociologia, visando a um pensar sobre os problemas do mundo contemporâneo.

Certamente, O Retorno do Pêndulo: sobre a Psicanálise e o Futuro do Mundo Líquido pode ser considerado um livro inesgotável, que comove a cada página lida, levando o leitor à necessária e inesgotável reflexão sobre sua condição de humano. Hoje, é possível que estejamos vivendo uma nova inversão pendular. O que essa guinada pode nos trazer no futuro? Entre tantos temas tão caros ao sociólogo polonês, Bauman e a contribuição de Dessal nos possibilitam um horizonte memorável sobre o pensamento de Freud na perspectiva de liquidez contemporânea. O grande diferencial desse livro é, sem dúvida, o fato de ser constituído por artigos e respectivos comentários, além de cartas constituídas por reflexões consistentes, que servem para nos dizer dos caminhos que, enquanto humanidade, temos trilhado pela conquista e manutenção da liberdade em tempos tão liquefeitos.

Material suplementar
DESSAL, Gustavo; BAUMAN, Zygmunt. O Retorno do Pêndulo: sobre a Psicanálise e o Futuro do Mundo Líquido. Tradução: Joana Angélica D’Ávila Melo. Rio de Janeiro: Zahar, 2017.
Notas
Notas
1 Mestre em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul; Doutoranda em Educação pela Universidade de Caxias do Sul; https://orcid.org/0000-0001-7408-4962; http://lattes.cnpq.br/3077309397102537.
2 Doutor em Teologia pelas Faculdades EST, RS; Pós-Doutor em Humanidades pela Universidade Carlos III, Madri, Espanha; https://orcid.org/0000-0002-1193-7910; http://lattes.cnpq.br/4290166533847099.
Autor notes

Endereços para correspondência: Rua Eduardo Reginato, 48/302, Bairro Valverde, 95330-000, Veranópolis, Rio Grande do Sul, Brasil; sirtedesco@gmail.com

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