Cinco anos de narrativas ficcionais para pesquisa em Educação Ambiental: Um balanço dessa experiência

Cinco años de narraciones ficcionales para la investigación en Educación Ambiental: Un balance de esa experiência

Ivan Fortunato 1
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo Campus de Itapetininga, Brasil

Cinco anos de narrativas ficcionais para pesquisa em Educação Ambiental: Um balanço dessa experiência

Educere, vol. 21, núm. 68, pp. 57-63, 2017

Universidad de los Andes

Recepção: 16/11/16

Publicado: 09/01/17

Resumo: O objetivo mais importante que se espera alcançar com este texto é o de compartilhar uma (dentre tantas possíveis) forma de se fazer pesquisa ambiental, que foi aprendida, replicada e renovada por mais de um lustro de militância nesta área: trata-se do uso de Narrativas Ficcionais, conforme concebidas por Marcos Reigota. Como forma de ilustrar o que e como se aprende com essas Narrativas, foram reunidas e analisadas as ideias mais reiteradas pelos narradores ao longo desses anos, por isso, um balanço. Ao final, espera-se que essa análise sirva de motivação para novas pesquisas, seja porque parece coerente ou vazia. Somente assim o conhecimento avança.

Palavras-chave: meio-ambiente, reciclagem, conscientização.

Resumen: El objetivo más importante que se espera alcanzar con este texto es el de compartir una forma (entre tantas posibles) de hacer investigación ambiental, que fue aprendida, repetida y renovada durante más de un lustro de militancia en esa área: se trata del uso de Narraciones Ficcionales, según fueron concebidas por Marcos Reigota. Como una forma de ilustrar qué y cómo se aprende con esas Narraciones, se reunieron y analizaron las ideas más reiteradas de los narradores a lo largo de esos años y, por eso, hablamos de un balance. Finalmente, se espera que este análisis sirva de motivación a nuevas investigaciones, bien sea porque parecen coherentes, o bien sea porque son vacías. Solamente así avanza el conocimiento.

Palabras clave: Medio Ambiente, Reciclaje, Concientización.

Cinco anos de Narrativas Ficcionais...

O crescimento numérico das pesquisas em EA, no Brasil, não é mais novidade no cenário da produção científica do país. Trabalhos recentes, divulgados em eventos científicos e periódicos, em especial as áreas da educação e do ensino de ciências, têm apontado este crescimento. Mais do que o aumento qualitativo dessas pesquisas, há que se destacar a amplitude e a abrangência dessa área de investigação, observável na diversificação de temáticas, linhas de pesquisa, áreas do conhecimento, sujeitos envolvidos, abordagens teóricas e metodológicas e contextos educacionais que, cada vez mais, ampliam-se e ocupam novos espaços sociais e educacionais (Kawasaki & Carvalho, 2009, p. 143-144).

Vimos, no trecho reproduzido na epígrafe, que não apenas há uma expressiva produção acadêmica sobre Educação Ambiental (ora referida apenas como EA), como esta é bastante diversificada, seja epistemológica e/ou metodologicamente. Fato que foi facilmente comprovado: uma busca simples por “Educação Ambiental” no repositório brasileiro, virtual, de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES/BRASIL), revelou significativo número de pesquisas recentes, totalizando algo próximo de 1500 produtos escritos sobre o tema, entre o ano de 2010 e abril de 2015. Tal multiplicidade, por sua vez, não permite a identificação de uma Educação Ambiental, mas várias, cuja tentativa de mapeamento e categorização tem sido realizada e divulgada por diversos pesquisadores e grupos de pesquisa como visto, por exemplo, nos seguintes trabalhos: Reigota (2007), Loureiro (2004), Taglieber (2003) e Sato & Santos (2001).

Essa ideia a respeito de múltiplas concepções remete a uma expressão raramente utilizada, que é a de “Educações Ambientais”. Mas esta expressão não é nova, tendo sido apresentada de forma qualificada há cerca de uma década por Bertolucci, Machado & Santana (2005, p. 37), cuja pesquisa tinha por objetivo “desmascarar a interpretação errônea que muitos fazem de que o campo da EA é homogêneo e consensual e trazer para o debate a grande diversidade de nomenclaturas que brotam e ganham espaço cada vez mais dentro do campo educacional”. Partindo daí, os autores apresentaram os diversos adjetivos que, naquela época, já qualificavam as mais variadas e distintas formas de conceber e colocar em prática a Educação Ambiental, tais como conservacionista, transformadora, emancipatória, crítica etc.

Para Taglieber (2003, p. 107), a multiplicidade de concepções de EA que começava a se consolidar no início do século seria reflexo das diversas concepções possíveis de “ambientalismo”, ora ecológico, ora preservacionista, ora econômico e assim por diante. Para este autor, a Educação Ambiental deveria ser concebida socialmente e construída sob uma prática alinhada à formação da cidadania. Em essência, trata-se de uma visão de Educação Ambiental cuja base epistemológica não está centrada nos conteúdos curriculares, mas nas formas de se educar ambientalmente. Assim, Taglieber (2003, p. 116) considera que a busca de toda e qualquer pesquisa em Educação Ambiental deveria nortear-se pela “construção de um processo transformador: a consciência ambiental alerta e atuante”. Este, de certa maneira, tem sido meu próprio norte epistemológico adotado ao longo de vários anos dedicados ao estudo e a prática da EA, cuja essência também se aplica a este artigo (p. ex. Fortunato, 2015a; 2015b; 2014).

Isso posto, o objetivo mais importante que se espera alcançar com este texto é o de compartilhar uma (dentre tantas possíveis) forma de se fazer pesquisa ambiental, que foi aprendida, replicada e renovada durante praticamente todo o tempo de militância nesta área: trata-se do uso de Narrativas Ficcionais, conforme concebidas por Reigota (1999), tendo sido amplamente utilizadas por Reigota & Prado (2008, p. 18), com o propósito de mapear as “representações que circulam no cotidiano escolar e nas suas fronteiras e limites geográficos concretos e subjetivos”.

Nos últimos anos, seja como estudante de pós-graduação ou professor de licenciatura, especialização e cursos de formação para docência, as Narrativas Ficcionais têm sido utilizadas como mediadoras entre os sujeitos aprendizes e sua própria percepção sobre seu ambiente vivido, sejam elaboradas durante as aulas formais, em rodas de conversa, palestras, congressos ou cursos de curta duração. Como essas ações educativas não tem sido restritas a um único local, mas realizadas em diversas cidades e instituições de ensino, muitas vezes de forma reduzida a um único encontro pontual (uma tarde, uma semana, um semestre letivo etc.) tenho qualificado este trabalho como “andanças”, sendo que sua sistematização acontece, pela primeira vez, neste artigo.

Nesses últimos anos, tenho trabalhado para que a Educação Ambiental ultrapasse o seu sentido mais comezinho de práticas de adestramento ambiental (Brügger, 1999; Fortunato Neto & Fortunato, 2009). Com isso, tenho buscado informar as pessoas sobre a complexidade ambiental, a qual não pode, nem deve, ser restrita às questões mais superficiais, tais como “amar a natureza”, “ser consciente” e “reciclar”. Outros artigos explicam melhor os propósitos dessa busca (Fortunato 2015a; 2014). Aqui, o objetivo é compartilhar o uso das Narrativas Ficcionais para a pesquisa ambiental, e suas possíveis recorrências.

Foi somente no ano de 2010 que ouvi sobre Narrativas Ficcionais dentro do universo acadêmico. Minha experiência neste universo, ainda que modesta, contemplava cinco anos como estudante de graduação, três anos em cursos de especialização e MBA (Masters in Business Administration) e um ano e meio no curso de mestrado. Tal experiência havia sido bastante para consolidar a ideia de que a produção de conhecimento de excelência se fazia com métodos objetivos, obedecendo a certa neutralidade da ciência.

No entanto, certa terça-feira de agosto de 2010, sai de São Paulo, capital, em direção à cidade de Sorocaba para participar de um encontro do grupo de pesquisas sobre “meio-ambiente, cultura e cotidiano escolar”, coordenado pelo professor Marcos Reigota. Uma sala de aula e uma roda de conversas foram suficientes para entender a seguinte afirmação feita por Reigota (1999, p. 81): “toda expressão do ser humano é reflexo das suas representações sociais que exerce influência e é influenciado pelo contexto e época em que se vive”. Isso porque, para tratar de determinado conceito pertinente às discussões do grupo, Reigota contextualizava a criação deste conceito, antes de descrevê-lo. Para tanto, narrava sobre “quem” o havia utilizado pela primeira vez, conforme o sentido empregado nos trabalhos desenvolvidos pelo grupo. Para falar sobre quem, descrevia “onde” e “quando” havia sido realizado os estudos de pós-graduação, com o objetivo de caracterizar histórica, política e economicamente a manifestação daquele conceito introduzido no grupo. Dessa forma, os encontros de terça-feira eram sempre conduzidos por meio de narrativas e, com isso, a neutralidade da ciência tornava-se, ao menos para mim, suposta neutralidade, pois Reigota havia tornado evidente que o conhecimento científico era sempre produzido por “alguém”, em algum “lugar” e em determinada “época” sendo que, portanto, não poderia ser neutro.

Assim, no momento em que foi compreendido que a produção do conhecimento acadêmico não poderia, em essência, ser neutro, a ideia de Narrativa Ficcional pode ser inserida nas discussões do grupo, insurgindo como uma contundente possibilidade de e para a pesquisa ambiental. Reigota explicou a ideia do termo: (1.) Narrativa porque permite que alguém, criativamente, pense, organize e compartilhe uma situação vivida e/ou imaginada; (2.) Ficcional porque o conteúdo narrado se aproxima mais da ficção do que da própria realidade. Assim, uma narrativa é um relato –escrito ou falado– produzido por alguém a respeito de algo que viveu, gostaria de ou poderia ter vivido. Na pesquisa ambiental, o uso das Narrativas Ficcionais deve ser motivado por um contexto previamente estabelecido pelo condutor da atividade, para que cada participante-narrador consiga refletir sobre questões ambientais e, assim, elaborar uma forma coerente de compartilhar sua percepção sobre o próprio ambiente vivido. Ou, sobre ele, ficcionar.

Para Reigota (1999, p. 80), portanto, as Narrativas Ficcionais não operam sob a ótica do objetivismo científico, pois seu propósito é o de inserir o narrador nas teias de relações e significados complexos que envolvem o próprio ambiente. Nesse sentido, explica o professor, as histórias narradas tornam-se ilhas de significado, das quais podem emergir elementos para a identificação de si próprio e dos outros, além de situar o sujeito-narrador em suas relações no e com o ambiente vivido. Para Reigota & Prado (2008), o trabalho com Narrativas Ficcionais não deve ter caráter de questionário ou entrevista, pois é uma prática pedagógica política por excelência, que dá voz às pessoas, possibilitando-as aprender sobre seu próprio ambiente a partir da organização de seu pensamento e do compartilhamento de sua percepção. Por isso, as Narrativas Ficcionais podem ter grande valia para a pesquisa ambiental, principalmente porque permitem compreender os múltiplos sentidos dados ao próprio ambiente.

Na prática, a produção de uma Narrativa Ficcional deve ser sempre motivada por um propósito contextualizado: dentro de uma aula, de um congresso, de um encontro específico sobre meio-ambiente e assim por diante. Para a pesquisa ambiental, a narrativa escrita é a melhor opção, pois permite que o escrito seja revisitado e analisado diversas vezes. Ainda, obtêm-se ideias mais consubstanciadas quando se permite que as escritas sejam anônimas, ou seja, que seus autores não se identifiquem por escrito; com isso, as pessoas parecem mais “livres” para pensar e escrever. Pelo menos, esta tem sido minha forma de trabalho com Narrativas Ficcionais ao longo desses anos...

Em quase todas as “andanças”, a atividade principal tem sido a de motivar os participantes a produzirem Narrativas, individuais e/ou coletivas, a respeito do que entendem sobre meio-ambiente. Assim, os momentos de produzi-las foram vários, tendo acontecido ao longo dos anos, desde o momento em que participei, pela primeira vez do grupo de pesquisa de Reigota. Os locais também foram tantos, durante processos educativos formais e não formais articulados na capital e no interior paulista, mas sempre desenvolvidos em instituições de educação, básica ou superior; ou seja, espaços legítimos de diálogo e construção de conhecimento. Incontáveis também foram os autores das Narrativas Ficcionais analisadas aqui, parcialmente, como forma de ilustrar o que e como se aprende com esse trabalho de EA. Essa análise é um balanço de toda essa experiência. Praticamente em todas as andanças, os autores das narrativas foram/são incentivados a escrever livremente, em qualquer pedaço de papel, sem nenhum tipo de identificação como nome, data ou local. Isso, conforme já mencionado, tem favorecido a apresentação das ideias.

De certa forma, os motivadores principais para as Narrativas surgem da própria conversa inicial com os participantes. De imediato, ao mencionar meio-ambiente, o conteúdo tende a direcionar para uma generalizada forma de “crise ambiental”, provocada pelo ser humano “que não tem consciência”, pois lhe falta “educação”. Daí, essas ideias entre aspas são postas à mesa de discussão, e pede-se para que, anonimamente (se assim quiserem), sozinhos ou em conjunto, registrem as ideias que têm sobre esses assuntos ambientais.

Assim, quase todas as Narrativas Ficcionais conduzidas por mim foram produzidas dentro desse contexto: crise ambiental, consciência, educação, registro anônimo... Depois de escritas, compartilhadas. Depois de compartilhadas, novas discussões, sempre direcionadas ou redirecionadas para esses motivadores das Narrativas. Apesar da grande quantidade e variedade de Narrativas Ficcionais colhidas ao longo desses anos, foi possível constatar várias semelhanças. Boa parte dessas semelhanças acabou fortalecendo a ideia apresentada em outro artigo a respeito da distinção entre meio-ambiente e (meio-ambiente), ou seja, de que a sociedade ainda insiste na divisão cultura-natureza e que a visão mais recorrente sobre Educação Ambiental ainda é a de adestramento ambiental (cf. Fortunato, 2014).

Quando comecei, por estar atuando com a comunidade acadêmica (estudantes e professores universitários), imaginava que as Narrativas iriam sair dos bordões de lugar comum a respeito das questões ambientais. No entanto, ao longo das andanças, encontrava diversos libelos produzidos com frases prontas, encontradas em diversas publicidades ou folhetos “educativos”. Por isso, nas Narrativas, várias e várias vezes, li coisas como: “não jogar o lixo na rua”; “reciclar”; “usar biodegradáveis”; “economizar energia e água”; “evitar queimadas e desmatamento da natureza”. Com isso, emergiam as tentativas de transferir as responsabilidades ambientais para terceiros, como o governo ou, ainda de forma mais ampla, a sociedade.

No entanto, mais complicado do que as soluções lá fora, isto é, no governo e/ou na sociedade, são as “soluções mágicas apresentadas”. Uma das mais retumbantes tem sido a reciclagem, compreendida como a transformação de lixo não orgânico em novo produto, seja garrafa de plástico, latas de alumínio, papel, dentre outros. Alguns, por exemplo, veem a reciclagem como um imperativo absoluto. Contudo, a partir da leitura de Layrargues (2002), a respeito de um possível “cinismo da reciclagem”, passei a compreender esse processo como algo (possivelmente) incompleto para as questões ambientais. Isso porque não é raro observar que muitas pessoas entendem a reciclagem como o ato de separar o lixo seco do orgânico, ou de depositar o lixo no balde da cor adequada. Fazer isso é bastante importante. No entanto, reciclar não é o mesmo que separar o lixo. É preciso estar atento a outros aspectos desse processo, tais como: para onde vai o lixo descartado? Quem é o trabalhador que transporta esse lixo? Seria um “carroceiro” sem vínculo formal de emprego e todos os benefícios que lhe deveriam ser garantidos por lei? Como é o processo industrial de reciclagem? Poderia este processo ser mais danoso ao ambiente do que a produção de um novo artefato, por conta de seus resíduos, sólidos ou líquidos? E estas são apenas algumas questões que permitem colocar em xeque a reciclagem como solução mágica para a “crise ambiental”.

Nas Narrativas, percebe-se que a reciclagem está diretamente relacionada à conscientização. Parece que se “o ser humano” tiver “consciência”, não haverá mais poluição, desmatamento, escravidão, tráfico de humanos e animais etc. Junto, aparecem ideias de que é preciso amar a natureza, por isso, as pessoas devem ser conscientizadas desde cedo, na escola de educação infantil. Para mim, tais afirmações têm gerado questionamentos ainda não solucionados. Primeiro, interessa saber o que se pretende com essa conscientização: quem deveria conscientizar quem? E conscientizar sobre o quê? Segundo, que tipo de conscientização se pretende na educação infantil, quando, por exemplo, as crianças são levadas às margens de rios poluídos, ou são colocadas diante de vídeos sobre essa poluição?

São perguntas importantes, pois parecem que suas respostas são óbvias. Mas não são. Consciência ambiental não pode equivaler a “jogar o lixo no lixo”, “economizar água no banho” ou “reciclar”. Isso porque todas essas ações não fazem parte de um círculo vicioso, encerrando em si mesmas, ou seja, “jogar o lixo no lixo” não é “ter consciência”, pois, como vimos, essa ação têm diversos desdobramentos. Aliás, todas essas ações desencadeiam longos e complexos processos. Por isso, a “conscientização” deve envolver o conhecimento do destino do lixo seco descartado e a forma de participação dos envolvidos, deve-se compreender que há um “ciclo de vida” em cada produto industrial, consumindo insumos e liberando resíduos, que a água do banho é água tratada, que a energia elétrica é fornecida por meio de uma matriz energética que envolve hidrelétricas, termoelétricas etc., e assim por diante.

Quanto à exibição de impactos negativos à biosfera feitos para as crianças, o que se espera disso? Que as crianças compreendam que o mundo está sujo e que cabe a elas torná-lo limpo? Como se espera que uma criança faça isso, sendo que é o próprio modelo industrial no qual vivemos o principal (senão o único) causador dessa poluição. Quanto aos rios, há, ainda, a questão do esgoto. Chocar as crianças sobre as mazelas ambientais não parece ser o melhor caminho. Educar, no sentido estrito de ensinar sobre lixo, reciclagem e uso parcimonioso dos recursos, talvez. Entretanto, há que lembrar que as tentativas de se combater os efeitos negativos ao ambiente natural tem sido feitas de forma sistemática desde os anos 1970, intensificando-se nas duas últimas décadas. Isso quer dizer que muitas pessoas com menos de 55 anos de idade, com algum acesso à informação e ou escolarização, em algum momento de suas vidas tiveram contato com propostas de “conscientização” ambiental. Mas, os rios continuam poluídos. Isso quer dizer que essa parte (grande parte?) da população não ama a natureza? Não deve se responsabilizar pela poluição das águas? Precisamos, portanto, conscientizar as crianças? Mostrar um rio poluído e dizer “não faça isso”, “ame o rio”, seria a melhor educação exequível? Como é possível não poluir o rio?

Por fim, mas não menos importante, chegamos à última solução mágica que foi possível catalogar durante as andanças: a falta de educação do povo. Primeiro, é preciso compreender que educação e escolarização são coisas distintas; isso implica afirmar que é possível graduar-se, em qualquer nível e modalidade de ensino, sem qualquer envolvimento político e/ou de forma crítica com o aprendizado e sua relação com a cidadania. Muitas vezes, basta decorar conceitos ou fórmulas, entregar trabalhos elaborados a partir de modelos já estabelecidos, e se formar sem, necessariamente, educar-se.

Entretanto, quando o assunto recai sobre as questões ambientais, há alguns padrões que se formam nas Narrativas, tais como: precisamos educar as crianças a respeitarem a natureza (meio-ambiente?), pois elas aprendem mais rápido e melhor que os adultos; se existe uma crise ambiental é porque falta educação para o povo, e não há interesse em se educar o povo; é preciso mais educação porque somente assim o planeta irá melhorar.

Noções que apontam certo encantamento alegórico sobre a “educação”. Não obstante, a ideia de EA acaba sempre voltando às boas práticas de “fechar a torneira”, “apagar as luzes” e “respeitar a Mãe-Natureza”... e os complexos desdobramentos de cada uma dessas ações jamais são mencionados.

Ao fim e ao cabo, às vezes sinto que estou agindo como Dom Quixote de La Mancha, o famoso cavaleiro do romance de Miguel de Cervantes (2002), batalhando contra moinhos de vento. Isso porque há muito tempo tenho me deparado com a “reciclagem”, a “conscientização” e a “educação” como formas de melhorar o meio-ambiente e, mesmo assim, tenho insistido em vencê-las. Talvez, quando falo ou escrevo sobre, parece que sou hostil diante essas soluções. Ao contrário. O que venho buscando, por meio de Narrativas Ficcionais ou outras maneiras de se fazer Educação Ambiental, é substituir “o mais do mesmo”, repetido há décadas, por uma conscientização mais ampla e mais complexa, seja sobre a reciclagem ou a sobre a suposta economia de água. No entanto, talvez eu esteja me iludindo, vendo gigantes perversos onde, na verdade, existem apenas moinhos de vento... E, portanto, a EA ambiental efetivamente se faz com reciclagem, conscientização e ensinando crianças a amar a natureza.

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Autor notes

1 Pós-doutorado em Ciências Humanas e Sociais pela Universidade Federal do ABC. Doutor em Geografia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Rio Claro. Líder do Núcleo de Estudos Transdisciplinares em Ensino, Ciência, Cultura e Ambiente (NuTECCA) e do Grupo de Pesquisas Formação de Professores para o Ensino básico, técnico, tecnológico e superior (FoPeTec). Pesquisador do Laboratório de Estudos do Lazer (LEL). Editor da revista Hipótese e coeditor da Revista Internacional de Formação de Professores e da Revista Brasileira de Iniciação Científica. Ocupante da cadeira 37 do Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Itapetininga (IHGGI). Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP), câmpus de Itapetininga.
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