Resumo: Animais utilizados em experimentos dispõem de reduzidos meios de bem-estar, estando vulneráveis a dor e sofrimento. Considerando que a técnica de enriquecimento ambiental aumenta a qualidade de vida de animais cativos, objetivou-se avaliar sua aplicação científica no âmbito da promoção de bem-estar por meio do reconhecimento da vulnerabilidade de modelos biológicos. Para tanto, conduziram-se análises documentais e ensaios experimentais, atestando que apesar de a técnica de enriquecimento ambiental ter sido aplicada principalmente em estudos de neurociência, endossando sua viabilidade, e da melhora no aprendizado, a justificativa para sua utilização tem se limitado ao bom desenvolvimento da pesquisa, e não em reconhecimento da vulnerabilidade e necessidade de bem-estar e qualidade de vida do animal. Em contraponto, foi proposta a aplicação do enriquecimento ambiental em animais de laboratório, num âmbito de contratualismo científico e responsabilidade do pesquisador, como norma a ser adotada para benefício mútuo do desenvolvimento científico e qualidade de vida animal.
Palavras-chave: BioéticaBioética,Bioética-Meio ambienteBioética-Meio ambiente,Experimentação animalExperimentação animal,Má conduta científicaMá conduta científica,Psicologia experimentalPsicologia experimental.
Artigo de Pesquisa
Enriquecimento ambiental como princípio ético nas pesquisas com animais
Recepção: 07 Dezembro 2015
Revised document received: 20 Junho 2016
Aprovação: 23 Junho 2016
O conhecimento a respeito de animais não humanos tem aumentado significativamente ao longo da história, acentuando-se nas últimas décadas em decorrência do desenvolvimento da tecnologia associada à área das neurociências. Esse processo qualificou a compreensão das demandas biopsicossociais dos animais, do valor moral de suas vidas e da necessidade ética e legal de atendê-las, principalmente no que se refere a animais cativos para interferências que não possuam justificativas validadas e para as quais ainda não se tenham alternativas, tais como na pesquisa e na educação 1.
A definição de bem-estar animal (BEA) envolve o estado momentâneo de harmonia entre o organismo e o ambiente que o rodeia, no qual o animal procura atender a suas necessidades fisiológicas mediante adaptação, propiciada por bom estado de saúde e oportunidades ambientais 2,3. Com o intuito de desenvolver tecnologias que promovam tanto o diagnóstico das condições de BEA quanto alternativas para mitigar o efeito do cativeiro, desenvolveu-se a ciência do BEA, que apoia a utilização adequada de animais, reconhecendo as orientações inerentes ao princípio dos 3R: redução, substituição e refinamento (no original, reduction, replacement e refinement) 4.
Embora essa conduta seja amplamente incentivada nos sistemas de produção, é endossada principalmente no meio científico pela justificativa de que, quanto maior for o BEA, mais fidedignos serão os resultados de pesquisa envolvendo animais não humanos. Estudos recentes revelam que um recinto enriquecido com brinquedos, túneis e atividade física 5 estimula significativamente a neurogênese 6 de roedores. Isso aprimora a capacidade de desempenhar tarefas cognitivas 5, em decorrência do aumento da atividade exploratória e das novas experiências sensoriais, ensejando, consequentemente, o aumento do BEA. A área de pesquisa laboratorial com roedores, direcionados principalmente para experimentos que visam o desenvolvimento biotecnológico, ainda tem se mostrado conservadora na aplicação de técnicas de enriquecimento ambiental (EA).
As normatizações de biossegurança e técnicas zootécnicas primam para que o material introduzido no sistema de criação seja viável para manipulação e limpeza, e que não coloque os animais em risco 7. A maioria das doenças que acometem animais em cativeiro é proveniente, ou maximizada, pelo ócio 8, e o EA visa atuar no aumento da qualidade de vida 9. Assim, a aplicação do EA em ratos atua na melhora dos resultados de pesquisas científicas tanto da área da saúde quanto em experimentos de aprendizado 10, uma vez que essa hipótese é fundamentada no fato de que os animais irão exibir aspectos fisiológicos e comportamentais mais próximos do que seria natural 11.
Os exercícios de laboratório com ratos reproduzem efeitos de variáveis ambientais, influenciando nas relações funcionais estabelecidas pelo comportamento animal 12,13. Uma maneira de impor variáveis ambientais naturais seria utilizar a psicologia experimental buscando trabalhar com resultados da manipulação de variáveis importantes, em condições controladas 12. Dessa forma, é dever do pesquisador o cuidado com a alimentação e o oferecimento de ambiente higienicamente adequado, além de evitar o desconforto dos animais 12. Ressalta-se que toda pesquisa com animais deve adotar princípios éticos, considerando que devem ser adquiridos legalmente e que sua retenção precisa estar de acordo com as leis e regulamentações locais 14.
Para Weinberg 15, um cientista pode ser brilhante, imaginativo e inteligente, mas não será muito além de mero cientista a menos que seja responsável. Logo, a responsabilidade é o princípio que garante autonomia e liberdade ao pesquisador. Essa responsabilidade é social, pois deve assegurar a qualidade da pesquisa, e é também ética para com os animais, pois está manipulando seres vulneráveis no processo de investigação 16.
Deve-se levar em consideração que não somente a vulnerabilidade é intrínseca à vida, mas também que indivíduos podem ser afetados diretamente por circunstâncias desfavoráveis. Nesse sentido, ser ou estar em situação de vulnerabilidade refere-se a uma gama de sentidos que se estendem de situação latente à situação manifesta, ou seja, da possibilidade para a probabilidade de o ser vulnerável estar vulnerável 17. Não propiciar bem-estar ao animal não humano é deixá-lo em situação manifesta de vulnerabilidade, comprometendo assim sua qualidade de vida e, por decorrência, o resultado das pesquisas.
Este estudo justifica-se em dados bibliográficos 17,18 que evidenciam que o EA é efetivo na promoção do BEA. Contudo, questiona-se por quais motivos sua utilização ainda é pouco promovida. A hipótese testada teoriza que o pesquisador, embora tenha conhecimento da legislação vigente 19 e da melhora na qualidade de vida dos animais proporcionada pelo BEA – e consequentemente do aumento na confiabilidade dos dados –, não considera a condição de vulnerabilidade do animal ao tomar suas decisões. Portanto, objetivou-se avaliar a aplicabilidade do EA mediante dados documentais e experimentais, tendo em vista a atribuição da responsabilidade do pesquisador quanto à promoção de BEA diante das evidências da efetividade do EA, bem como à veiculação dos resultados de suas pesquisas.
Este artigo é composto por duas abordagens metodológicas: uma consiste de análise documental sistemática sobre o uso do EA na pesquisa científica; a outra é a avaliação experimental do efeito do enriquecimento ambiental e social no aprendizado dos animais avaliados a fim de subsidiar a discussão acerca da vulnerabilidade do animal e a responsabilidade ética do pesquisador diante de evidências da efetividade do EA.
A análise documental se deu em artigos científicos recuperados no portal Capes Periódicos, ferramenta que congrega indexadores como Pubmed, Scopus, ASFA, SciELO, OneFile, Medline, SpringelLink, BioOne e JSTOR. O termo de busca “environmental enrichment” foi aplicado, condicionado à presença do termo “rats”. A primeira etapa foi realizada no período entre setembro e outubro de 2014, analisando o total de registros por ano e, em seguida, categorizando-os em temas específicos. Então, foram resgatados os 100 primeiros artigos veiculados entre os anos de 2013 e 2014, com o objetivo de verificar se a utilização do termo “EA” em pesquisas tem visado à obtenção de bem-estar e reconhecido a vulnerabilidade dos ratos de laboratório. Artigos de revisão se enquadravam nos fatores de exclusão, assim como artigos que não puderam ser acessados, restando 80 artigos.
A pesquisa foi realizada no Laboratório de Análise Comportamental da Escola de Saúde e Biociências da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), campus de Curitiba. O padrão comportamental de 40 ratos machos da espécie Rattus norvegicus, com idade aproximada de 30 dias, foi analisado. Os animais foram fornecidos pelo biotério da PUCPR e alojados em caixas padronizadas, dispostas em prateleiras. A manutenção ocorreu com suporte diário de água e alimento, e troca de cepilho duas vezes por semana.
O roedor R. norvegicus foi utilizado como modelo experimental devido a sua maior homogeneidade genética e por ser comumente utilizado em estudos experimentais e análise experimental do comportamento. Contribuiu ainda para a escolha o fato de serem animais gregários com alta atividade exploratória e locomotora11.
O desenho experimental visou avaliar o efeito do EA e do enriquecimento social (ES) comparando o desempenho de aprendizagem entre indivíduos mantidos em recintos com e sem EA e ES. Dessa forma, os animais foram separados em quatro grupos, com dez animais em cada – Grupo 1: ratos isolados com EA; Grupo 2: ratos isolados sem EA; Grupo 3: ratos em duplas com EA; e Grupo 4: ratos em duplas sem EA.
O enriquecimento ambiental, tanto para os animais isolados quanto em duplas, consistiu do acréscimo de túnel de PVC com ângulo de 180° e 7,5 cm de diâmetro. O túnel foi disposto em posição lateral e sobre o cepilho, em caixa de 20 cm de altura por 30 cm de largura.
O ES consistiu na manutenção de animais em dupla. Marca na cauda dos animais feita com caneta para retroprojetor e reforçada semanalmente foi utilizada para reconhecê-los. Para que não houvesse influência dessa variável, todos os animais foram marcados, mesmo aqueles mantidos isolados. Mediante análise do comportamento, foram determinados o subordinado e o dominante.
Para avaliar o aprendizado dos animais em diferentes condições, testes foram conduzidos pelo procedimento clássico da análise experimental do comportamento 12, com uso da caixa de Skinner. A caixa de condicionamento operante constitui um dos principais elementos característicos da metodologia analítico-comportamental 20.
Na presente metodologia, a avaliação do aprendizado ocorreu por condicionamento mediante reforço positivo, por meio do bebedouro. Ressalva-se que, para a água funcionar como reforço efetivo nos experimentos de aprendizagem, é necessário que o animal seja privado de água 24 horas antes do exercício previsto 12. O primeiro passo foi a determinação do nível operante do animal (NO), antes da modelagem do comportamento (M). Esse procedimento permite avaliar o efeito do reforço positivo (água) ao comparar com a fre quência de resposta antes e depois da introdução da recompensa 12. O exercício teve duração média de 30 minutos, e os comportamentos foram registrados em intervalos de um minuto.
Após a determinação do nível operante, o animal passou pelo exercício de condicionamento em treino ao bebedouro. Nesse processo ocorre a adaptação de possíveis respostas emocionais do sujeito ao ouvir o ruído do bebedouro. O experimento teve duração média de 15 minutos.
O próximo teste realizado foi de resposta de pressão à barra (CRF) após reforço contínuo, que consistiu no treino de modelagem de resposta. A modelagem é a liberação de estímulo, contendo água, após resposta previamente definida. O exercício teve duração de 10 minutos 12. Outra característica avaliada foi o nível de saciação (S), verificando quanto tempo e quantas gotas de água foram necessárias para o animal se saciar. O experimento teve duração média de 60 minutos.
Após o animal estar condicionado ao estímulo de pressão à barra, exercício de extinção da resposta de pressão à barra (E) foi realizado. Esse teste tem como objetivo observar o efeito sobre a frequência do comportamento de pressionar a barra sem a presença do reforço. O processo foi encerrado depois de já ter ocorrido o mínimo de cinquenta respostas e o animal permanecer 10 minutos sem pressionar a barra 12.
Com o objetivo de estimular novamente no rato o comportamento de pressionar a barra para receber o reforço, foi realizado o recondicionamento da resposta de pressão à barra. Esse teste teve duração média de uma hora, e o animal contou com intervalo de 5 minutos para pressionar a barra. No caso de isso não ocorrer, realizou-se novamente o processo de modelagem de resposta, continuando assim até o momento em que o sujeito recebesse dez estímulos em CRF.
Para esta pesquisa considerou-se ainda a extinção do reforço intermitente (EI), experimento para obter comparativo da taxa de resposta de pressão à barra com o processo de extinção do reforço contínuo. O experimento começou com sessão de dez estímulos. Após a fase inicial, a chave de controle foi trocada para a posição manual. Dessa maneira, o sujeito pressionou a barra e não conseguiu mais a recompensa 12. O teste teve duração média de 1h30min.
Os resultados dos testes foram comparados entre os grupos de acordo com o enriquecimento social e ambiental. O teste de Kolmogorov-Smirnov foi utilizado para verificar a normalidade da distribuição das variáveis. Comparações entre médias foram realizadas pelos testes não paramétricos Kruskal-Wallis e Mann-Whitney devido à ausência de normalidade da amostra. Para comparação entre valores de frequência de padrões motores exibidos pelos animais foi utilizado o teste do qui-quadrado. Em todos os testes considerou-se significância de 95%.
Todos os procedimentos, assim como o biotério de origem dos animais, estiveram de acordo com a legislação brasileira. A seleção do modelo animal se deu em decorrência da sua prevalência em protocolos experimentais da instituição, bem como por ser tradicionalmente utilizado pela psicologia experimental 1. O desenho experimental buscou a utilização do mínimo de animais para realização de testes estatísticos.
Enriquecimento ambiental como refinamento não foi provido para todos os animais, pois sua ausência foi uma das variáveis estudadas. A privação de água por 24 horas também constituiu variável procedimental para modelagem do comportamento. Porém, para amenizar o procedimento no BEA, procurou-se espaçar os testes de modo a haver no mínimo uma semana entre eles. Procedeu-se a habituação antes dos testes, a fim de que os animais se acostumassem à presença do pesquisador, bem como para monitorar suas reações durante a pesquisa, despendendo o mínimo de manipulação e permanência no laboratório.
Os textos científicos revisados indicaram crescimento que localiza o primeiro texto à década de 1950, e o pico de produção, em 2014. Estudos que utilizam especificamente enriquecimento ambiental e associação da técnica com as neurociências começam a surgir no cenário científico a partir dos anos 2000, acompanhando nos anos sequentes o aumento da produção científica observada para o total (Figura 1).
Nos 80 artigos recuperados, a maioria dos testes aplicados foram procedimentos cognitivos ou neuroanatomopatológicos. A preocupação demonstrada nos estudos era atender às necessidades da pesquisa em prol do benefício objetivado pelo estudo, buscando resultados homogêneos e não o bem-estar animal em si. O reconhecimento do animal como sujeito vulnerável no ambiente laboratorial não foi mencionado ou discutido em nenhum artigo.
As pesquisas se referiam a estudos de neurologia, sendo 50% de neurofisiologia e os demais, em neuroanatomia, neurofarmacologia e neuroendocrinologia. A maioria dos estudos (75%) teve como objetivo verificar o efeito do EA. Os estudos demonstram em sua maioria (96%) que o EA teve efeito positivo nos resultados das pesquisas, e somente 3,1% deles obtiveram conclusões neutras. 91% dos estudos eram neurológicos, seguidos de estudos de cognição (6%), drogas (2%) e fenótipo (1%). Os testes foram em sua maioria de cognição (37%). A combinação de EA físico e social (29%) foi a mais utilizada, seguida de físico, cognitivo e social (18,5%).
O grupo 1, com os animais mantidos isolados e expostos ao ambiente enriquecido, apresentou melhor desempenho no padrão de aprendizagem (t = -3,027; p = 0,007) quando avaliada a evolução do nível operante (NO) para o de CRF após reforço contínuo. O grupo com ausência do EA apresentou diferença média no número de respostas (pressão à barra) mais heterogênea, com o dobro de imprecisão na resposta, conforme pode ser observado na Figura 2. O mesmo padrão de resposta, com ampla variação e maior média, foi observado no nível de saciação no grupo 2 (p = 0,005) (Figura 3). Não houve diferença significativa nos padrões de resposta entre os grupos 1 e 2 para os outros testes cognitivos. Quando comparados os desempenhos nos testes entre indivíduos em duplas (grupos 3 e 4), com e sem enriquecimento, a diferença não foi significativa.
Não houve diferença no desempenho do processo de aprendizagem entre indivíduos dominantes e subordinados em nenhum dos testes aplicados, mesmo considerando o estímulo dos ambientes com e sem EA. Sendo assim, foi possível comparar duplas, como um todo, com indivíduos isolados. Verificou-se diferença do desempenho de aprendizagem entre duplas e isolados no teste de extinção de reforço intermitente (p = 0,043), sem influência do EA. Os indivíduos isolados obtiveram melhor desempenho e maior homogeneidade na resposta de pressão à barra no teste (Figura 3). Não houve diferença significativa entre duplas e isolados para os demais testes realizados.
A análise documental e os experimentos realizados evidenciam que o uso do EA em pesquisas que envolvem avaliação comportamental e neurológica já está consolidado e, de fato, demonstra que sua utilização logra resultados melhores. Contudo, a priorização de testes neuroanatomopatológicos para mensurar os efeitos do EA ressalta que as avaliações visavam qualidade de pesquisa, e não qualidade de vida animal.
Os dados experimentais desta pesquisa indicam que o EA favoreceu o aprendizado de ratos, atestados nos testes de modelagem. Esses testes avaliaram a resposta de pressão à barra como determinantes de aprendizado e revelaram aprimoramento significativo no desempenho dos animais mantidos em ambiente enriquecido. Esses resultados corroboram outros estudos que evidenciaram a influência do EA na cognição de ratos 17,18, camundongos 21,22, coelhos 23 e porcos 24. Schaeffer 6 ressalta que ambientes enriquecidos proporcionam aumento da proliferação de células-tronco neurais, sobrevivência de novos neurônios 25 e aumento do peso do cérebro 23,26,27, promovendo, consequentemente, melhor desempenho de tarefas cognitivas, dado que o aumento das variáveis em um ambiente é fator estimulante.
Muitos pesquisadores têm colocado como questão-chave na adoção ou não do EA a possibilidade de comprometimento dos resultados experimentais, principalmente pelo aumento da sua variabilidade 27,28. No entanto, este estudo constatou que o EA contribuiu para a capacidade cognitiva de resposta aos testes iniciais, assim como para o nível de saciação dos ratos de forma mais homogênea do que para os indivíduos sem EA. Em vez da complexidade do ambiente enriquecido levar ao aumento da variação de resposta entre os indivíduos, pelo número de estímulos 29 o que parece acontecer é que a inserção de apenas um tubo de PVC propicia melhora do ambiente, tornando os indivíduos mais capazes de lidar com novos desafios propostos nos testes, gerando assim respostas uniformes, conforme observado também em outros estudos 30-32. Animais não humanos em condições de EA têm apresentado maior estabilidade fisiológica e psicológica, podendo assim gerar melhores resultados científicos 33.
Nesta pesquisa, o EA consistiu em oferta de objeto para que os animais pudessem se proteger da luz e de agressões, o que é reconhecido como fator de aumento de BEA 34. No caso dos roedores, que são animais de convívio social gregário 35, é necessário considerar ainda que o isolamento social pode estimular distúrbios comportamentais 36. Quanto ao ES, os resultados deste estudo apontaram diferença apenas numa fase mais complexa dos testes de aprendizado, tendo os indivíduos isolados apresentado vantagem na reelaboração de respostas ao estímulo positivo. Tal resultado pode ser reflexo de leve instabilidade social gerada entre as duplas nas gaiolas, pois, na literatura, indica-se três indivíduos por ambiente devido à diminuição de comportamentos agressivos e melhor estabilidade social 37. A não observação de diferença no desempenho de aprendizagem nos demais testes entre duplas e isolados reforça as recomendações de Van Loo e Baumans 38 de que, havendo necessidade de manter animais em isolamento social, seria adequado utilizar ninhos, visando descanso e sensação de segurança, assim como condições adequadas de controle térmico.
Salienta-se que a preocupação levantada pela aplicação do EA, relativa à variabilidade dos resultados quando consideradas as condições ambientais, remete realmente à importância de ampla discussão no âmbito científico. A partir da proposta do EA, vários estudos vêm sendo conduzidos visando identificar as variáveis que afetam experimentos laboratoriais. Os resultados apontam para uma série de parâmetros importantes, como condições básicas de habitação 28, sexo, espécie, idade do animal, condições de iluminação da gaiola 39 e temperatura 40.
É evidente que fatores que influenciam os resultados de experimentos com animais não humanos estão interligados diretamente com a estrutura em que o indivíduo se encontra. Dessa constatação destacam-se dois aspectos importantes, sendo o primeiro deles a responsabilidade social do pesquisador com a qualidade de seus experimentos, garantindo resultados confiáveis. O segundo aspecto é o dever de respeito à vida dos animais expostos a situação experimental, na qual sua vulnerabilidade existencial é aumentada 16 em decorrência de dor, desconforto e sofrimento.
De acordo com Jonas 41, o ser humano, por dispor de capacidades de entendimento, experimenta a responsabilidade como ato de liberdade, sendo essa responsabilidade essencialmente ética. Todo pesquisador tem responsabilidade social para com a comunidade em geral 42, e a responsabilidade social primária é evitar distorção de dados na pesquisa, zelando dessa forma pela integridade dos dados. A revisão de literatura 43 explicitou que condições básicas, como a luminosidade do ambiente em que os animais se encontram, já são capazes de interferir na resposta dos indivíduos. Assim, a não padronização de condições ambientais adequadas para os animais, além de falta ética, configura má conduta científica no que se refere a dados de pesquisa 43.
A partir do princípio de responsabilidade ética e social vinculada a pesquisa, propõe-se o EA como uma das orientações e normas de conduta ética na pesquisa com animais não humanos. Giorgini et al.44 apontaram que o papel do código de ética na conduta dos pesquisadores nas práticas laboratoriais tem sido moderado. Segundo Habermas 45, em uma sociedade plural não há um ethos tradicional ou um consenso substancial de normas, valores ou princípios que fundamentem as respostas às questões práticas. Porém, na ausência desse consenso, existe uma forma de “consentimento racional” por parte de indivíduos autônomos, livres e iguais que identificam por meio de práticas deliberativas de comunicação uma justificação racional para adotar determinada norma. Dessa forma define-se o contratualismo moderno, que se justifica racionalmente a partir de procedimentos dialógicos fundados na racionalidade comunicativa 46.
Nesse sentido, o melhor argumento racional entre a comunidade científica é o estabelecimento de estratégias de promoção de BEA, sendo possível assim estabelecer o EA no contrato científico como norma a ser adotada para benefício mútuo do desenvolvimento científico e qualidade de vida animal.
Outro ponto importante é o da vulnerabilidade do animal em condição experimental. Para Hossne 16, todos os seres vivos estão sujeitos a vulnerabilidade, que é resultante da incapacidade de proteção de interesses próprios. O vulnerável que sofre de necessidades não atendidas torna-se mais propenso a ser facilmente atingido e vitimado 47. Animais utilizados em experimentos laboratoriais têm redução na gama de possibilidades disponíveis para atingir graus mais elevados de BEA, mesmo diante da necessidade de não sofrer e zelar pela sobrevivência, assim como são incapazes de reivindicar seus próprios interesses, estando, dessa forma, vulneráveis. Logo, volta-se ao princípio da responsabilidade social e ética do pesquisador, que ao manipular uma vida vulnerada incorre no risco de comprometer os resultados da pesquisa. E, acima disso, a responsabilidade ética para com a vida dos animais de laboratório em prover condições essenciais de BEA e qualidade de vida.
Diante de tais circunstâncias, é preciso atentar para o fato de pesquisas já atestarem os benefícios do BEA, o que leva a questionar se a omissão diante dessa variável na análise e veiculação dos resultados poderia ser considerada tipo de fraude 48. Contudo, cabe considerar também a vulnerabilidade do próprio pesquisador diante da pressão acadêmica para publicar, do incentivo e premiação de resultados positivos em periódicos de alto impacto 49 e da necessidade do cumprimento de prazos, além da ambição por pesquisas que não são devidamente justificadas pelos resultados. Esses fatores podem levar o profissional a considerar apenas a utilidade imediata do animal, em vez da efetividade da pesquisa e eticidade de suas condutas.
Entretanto, mesmo considerando a pressão que pode se abater sobre o pesquisador, cabe avaliar que a confiabilidade nas pesquisas pode ser medida pela interpretação dos resultados. Portanto, isso torna necessário melhorar a qualidade dos experimentos com animais, tendo em vista ainda que práticas irresponsáveis incluem maus-tratos aos animais de laboratório. As pesquisas devem ter protocolo experimental que atenda às justificativas, com desenho estatístico adequado e metodologia detalhada, conforme orienta a norma do Concea 50. Essa resolução também enfatiza a preocupação em minimizar dor e distresse dos animais para que sejam evitadas alterações fisiológicas e comportamentais, de modo que não leve a interpretação incorreta dos dados 50.
Identificar o limiar entre o ser e o estar vulnerável é questão bioética que não se esperava estar sendo discutida ou abordada diretamente numa busca de artigos científicos que envolviam EA; esperava-se, sim, analisar o reconhecimento e a avaliação do EA como aliado da qualidade de vida e BEA. O fato de o EA estar sendo testado para melhor resultado da pesquisa constitui ponto positivo para melhoria das condições dos animais de cativeiro. Mas o destaque é que, para que o EA possa efetivamente proteger vulnerados, do ponto de vista ético, ele só pode ser considerado adequado no contexto de avaliação sistemática da vulnerabilidade.
Nesse sentido, a preocupação com padrões neuroanatômicos ou de respostas cognitivas nos testes restringe o foco da pesquisa e torna o EA mais um procedimento ético que deve ser associado a protocolos padronizados. Promover o BEA, conforme corroboram os resultados experimentais deste estudo, além de propiciar condições ambientais adequadas para os animais, levará o pesquisador a obter resultados confiáveis e reprodutíveis. No entanto, para isso se faz necessário compreender as demandas biológicas e comportamentais do animal e o EA de forma ampla e integrada. Essa é responsabilidade ética e social vinculada a pesquisa e a todos os envolvidos, envolvendo criação, manutenção, manipulação e transporte dos animais.
Em síntese, propõe-se o EA como uma das orientações e normas de conduta ética na pesquisa com animais num âmbito de contratualismo científico. Nesse contexto, o pesquisador adota a norma por questão de responsabilidade social, tanto para benefício do desenvolvimento científico quanto para a qualidade de vida do animal não humano, que nos contextos experimentais encontra-se em situação específica de vulnerabilidade.
Marta Luciane Fischer planejou e orientou a condução da pesquisa, análise dos dados e redação. Windy Pacheco Aguero planejou a pesquisa e realizou experimentos comportamentais. Gabriela Santos Rodrigues levantou dados documentais e participou da redação do texto. Daiane Priscila Simão-Silva interpretou resultados e participou da redação do texto. Ana Maria Moser planejou a pesquisa e interpretou resultados.
Correspondência Marta Luciane Fischer – Rua Imaculada Conceição, 155 CEP 80215-901. Curitiba/PR, Brasil.