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Limitação terapêutica para crianças portadoras de malformações cerebrais graves
Dario Palhares; Íris Almeida dos Santos; Antônio Carlos Rodrigues da Cunha
Dario Palhares; Íris Almeida dos Santos; Antônio Carlos Rodrigues da Cunha
Limitação terapêutica para crianças portadoras de malformações cerebrais graves
Revista Bioética, vol. 24, núm. 3, pp. 567-578, 2016
Conselho Federal de Medicina
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Resumo: As malformações cerebrais congênitas podem se apresentar de forma leve ou grave, podendo ser letais mesmo poucas horas após o nascimento. A partir de levantamento bibliográfico sistemático, verificou-se que, embora em tese sejam eticamente semelhantes suspender e renunciar a tratamento, tal equivalência não é percebida na prática por médicos e enfermeiros assistentes, nem pela população em geral, que tende a aceitar mais confortavelmente a renúncia que a suspensão de tratamentos. O diálogo com os pais é o procedimento que legitima a iniciativa médica de propor limitação terapêutica. Em conclusão, as malformações cerebrais graves resultam em contexto de terminalidade de vida, em que limitação ao suporte respiratório é o principal conflito enfrentado e ao qual se aplicam princípios bioéticos dos cuidados paliativos.

Palavras-chave: HidrocefaliaHidrocefalia,MicrocefaliaMicrocefalia,Futilidade médicaFutilidade médica,Corpo calosoCorpo caloso,Cromossomos-PatologiaCromossomos-Patologia.

Carátula del artículo

Artigo de Pesquisa

Limitação terapêutica para crianças portadoras de malformações cerebrais graves

Dario Palhares
Universidade de Brasília, Brasil
Secretaria de Educação do Distrito Federal, Brasil
UnB, Brasil
Íris Almeida dos Santos
Universidade de Brasília, Brasil
Secretaria de Educação do Distrito Federal, Brasil
UnB, Brasil
Antônio Carlos Rodrigues da Cunha
Universidade de Brasília, Brasil
Secretaria de Educação do Distrito Federal, Brasil
UnB, Brasil
Revista Bioética, vol. 24, núm. 3, pp. 567-578, 2016
Conselho Federal de Medicina

Recepção: 06 Junho 2016

Revised document received: 12 Outubro 2016

Aprovação: 17 Outubro 2016

O histórico da boa morte ou “morte feliz” foi provavelmente originado na obra “A vida dos dozes Césares”, de Suetônio, no século II d.C., com a descrição da morte suave do imperador Augusto, consumada prontamente e sem sofrimento1. Trata-se de termo acatado na medicina, que busca minimizar o sofrimento no contexto de fim de vida. O direito à vida é assegurado pela dignidade humana, mas em situação de terminalidade, verifica-se a tensão inerente ao próprio conceito, que reflete a necessidade do contínuo aprimoramento ético e técnico para alcançar a melhor gestão médica da morte2,3.

Responsabilidade médica é princípio de suma importância na análise bioética e na tomada de decisão por evidenciar elementos que ressaltam a assimetria entre médico e paciente e a consequente tutela dessa relação pelo Poder Judiciário. Existem acidentes imprevisíveis e males incontroláveis, provenientes de situações de curso inexorável, independentemente dos esforços dos médicos e equipes, e que estão relacionados à mortalidade intrínseca a todo ser vivo4. O cuidado a pacientes em estado terminal aumenta a responsabilidade do profissional de saúde, que se vê fragilizado ao prover tais cuidados devido à inevitável associação entre responsabilidade, risco e culpa, especialmente no que se refere ao possível descumprimento das obrigações éticas e legais5.

A complexidade de eventos envolvidos na terminalidade da vida representa desafio para os profissionais da saúde6. Trata-se de paradoxo, que em todos os sentidos fragmenta a compreensão dos princípios bioéticos em espaço fronteiriço que articula diferentes discursos, como ético e moral, bioético e deontológico, regulamentar, jurídico e administrativo.

A situação de terminalidade de vida envolve fardo ainda maior quando se trata de crianças portadoras de doenças crônicas incuráveis que não as permitirão viver por muito tempo, ou seja, quando, no ciclo vital, nascimento e morte tornam-se cronologicamente próximos. As malformações congênitas são exemplos dessas condições clínicas e, no geral, podem ser expressas em diversos graus de severidade, desde formas leves, que não irão reduzir substancialmente a expectativa de vida, até formas graves, que serão letais poucas horas após o nascimento.

Crianças portadoras de malformações cerebrais que evoluem para a condição clínica de cuidados de fim de vida evocam dilemas morais e, portanto, bioéticos, que se encontram na interseção de fundamentos da neuroética, da ética dos cuidados paliativos e da ética dos cuidados pediátricos. Essas crianças são comumente submetidas a tratamentos nitidamente obstinados, mas há também situações em que a obstinação não é tão óbvia.

Na grande maioria dos países, os cuidados pediátricos são caracterizados pela heteronomia da criança, sua incapacidade legal de decidir por si mesma, sendo representada por adulto responsável, geralmente os pais ou outro representante legalmente constituído. No entanto, há questões bioéticas acerca dos limites dessa tutela e da margem de decisão parental diante de condições clínicas potencialmente letais, sobretudo quando há conflitos de posicionamento entre os pais e a equipe médica.

O tratamento de pacientes terminais requer a aplicação de cuidados que têm por paradigma o paciente sem possibilidade de cura7. A dignidade da vida humana que se esvai deve ser respeitada, e por isso a tomada de decisão por tratamentos adequados para a manutenção da vida e mitigação do desconforto sem que haja aumento da dor e do sofrimento são questões éticas relevantes no atendimento de crianças com malformações cerebrais graves. Em cada situação, para cada paciente, podem ocorrer circunstâncias nas quais fica claro o que é obstinação terapêutica, mas também sempre haverá zonas de limites imprecisos, nas quais não se evidencia o melhor caminho a tomar8,9.

Existem marcadas diferenças geopolíticas entre países onde os cuidados paliativos e a limitação terapêutica já são rotina legalmente instituída e eticamente reconhecida na prática médica e aqueles onde os cuidados de fim de vida tendem a ser mais obstinados, com uso maciço de tecnologias intensivas10. O Brasil é considerado em fase intermediária, pois, embora a obstinação terapêutica não tenha sido positivada no ordenamento legal, já existem normativas éticas exaradas pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) acerca da limitação terapêutica diante de pacientes em cuidados de fim de vida.

Considerando o exposto, e baseado em levantamento bibliográfico, este trabalho tem por objetivos: 1) analisar as peculiaridades na abordagem dos cuidados paliativos e da limitação terapêutica na assistência à saúde de crianças portadoras de malformações cerebrais; 2) identificar as principais intervenções terapêuticas invasivas na assistência à saúde dessas crianças; 3) delimitar a diferença ética e conceitual entre “cuidados obrigatórios” e “obstinação terapêutica” na assistência à saúde de crianças portadoras de malformações cerebrais; e 4) analisar os limites bioéticos das decisões dos responsáveis diante da heteronomia dessas crianças.

Método

Foi feita revisão sistemática de artigos em periódicos, a qual, segundo Marconi e Lakatos11, pode ser compreendida com a seguinte subdivisão de etapas: identificação das fontes, localização, compilação e fichamento. Para a identificação das fontes utilizaram-se os catálogos de indexação ISI Web of Science, Biblioteca do Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde (BIREME), Scientific Electronic Library Online (SciELO) e Google Scholar. Inicialmente, a busca foi feita mediante cruzamento das palavras-chave “ethics”, “palliative care” e “child”, com retorno no total de mais de 20 mil possíveis referências, impondo-se limite temporal para artigos publicados até 2015.

Diante desse resultado, buscou-se refinar a busca acrescentando “and not cancer”, uma vez que o foco do trabalho são justamente casos não oncológicos. Com isso, a busca atingiu o objetivo de concentrar-se na problemática das malformações/lesões cerebrais. Realizou-se cruzamento das referências levantadas em cada base, que foram listadas e buscadas nas fontes de acesso aberto Periódicos Capes e Research Gate, além de busca direta pela ferramenta Google. Fichamentos de cada fonte extraíram dados sobre: a doença que motivou cuidado paliativo da criança; tratamentos e procedimentos considerados obstinação terapêutica; conflitos de responsabilidade profissional levantados; limites bioéticos do exercício da heteronomia pelo adulto responsável; consequências e limites éticos e jurídicos da indicação de cuidados paliativos. Os dados foram mutuamente confrontados, de modo a revelar consensos e antagonismos entre pensamento, fundamentos, conceitos e paradigmas dos autores. O processo de análise dos dados seguiu o modelo feedforward, ou seja, as análises já realizadas orientavam as análises subsequentes, e, com isso, alguns artigos que versavam sobre doenças não cerebrais foram mantidos na amostra por trazerem aspectos bioéticos relevantes à temática.

Resultados e discussão
Bibliometria

O levantamento bibliográfico sistemático mostrou 119 artigos, dos quais 67 foram obtidos na íntegra1278. Os casos clínicos estudados foram relacionados a diferentes desordens, mas houve preponderância de problemas neurológicos, mostrando como a questão neuroética é tema acirrado no âmbito dos cuidados paliativos pediátricos. As doenças levantadas foram: paralisia cerebral grave12; insuficiência cardíaca grave por cardiopatia inoperável16; atrofia muscular espinhal27,52; distrofia muscular de Duchenne31,50; coma persistente por lesão acidental em paciente já portador de neoplasia cerebral incurável32; insuficiência respiratória por hemossiderose pulmonar36; Síndrome de Down associada à encefalopatia degenerativa42; transplante renal e coma persistente por lesão acidental44; trissomia 18 com defeito cardíaco operável45; fibrose cística terminal45; erro inato de metabolismo com coma persistente47; síndrome de Proteus69.

Os artigos sistematicamente levantados permitiram análise de panorama concreto e cotidiano dos conflitos bioéticos concernentes aos cuidados paliativos que se tornam tratamento padrão, ou seja, associados a limitação terapêutica. A limitação terapêutica é, portanto, o extremo dos cuidados paliativos e a situação na qual conflitos bioéticos se tornam mais evidentes. Essencialmente, a base ético-jurídica para a problemática, segundo Lago e colaboradores42, reside no fato de que cuidados médicos de final de vida tornaram-se questão de saúde pública.

Panorama geral dos cuidados paliativos pediátricos

Os trabalhos concordavam que o dilema ético acerca da limitação terapêutica surge concomitantemente ao grande progresso da tecnologia biomédica. A situação de inércia para o médico e para o arcabouço jurídico termina sendo o uso indiscriminado de toda a tecnologia existente, a despeito dos efeitos deletérios inerentes às tecnologias de suporte vital, principalmente as mais invasivas. Nesse ponto, Sayeed64 afirma que leis mal redigidas e em dissonância com a realidade da prática clínica terminam por engessar a solução de problemas sérios e piorar a condição de tratamento do grupo mais vulnerável – no caso, pacientes em cuidados de fim de vida.

Mercurio e colaboradores48 classificam os países em cores: verde, onde a legislação é explícita em reconhecer a necessidade de limitação terapêutica; amarela, onde a situação é indefinida, mas com tendência à aceitação de limites; e vermelha, onde qualquer discussão a esse respeito é rechaçada. Durall e colaboradores21 exemplificam, informando que na Rússia não se admite qualquer tipo de discussão ou abordagem sobre limitação terapêutica. Portanto, a maior parte das discussões bioéticas levantadas provém de autores de países em que a limitação terapêutica já encontra corpo jurídico mais consolidado, de modo que os conflitos se mostram em patamar elevado de complexidade.

Em tese, conforme Pelant e colaboradores53, bons serviços de cuidados paliativos evitariam internação hospitalar, isolamento e procedimentos invasivos desnecessários em cuidados médicos de final de vida. Mas Lago e colaboradores42 alertam que, na faixa etária pediátrica, cuidados de final de vida têm sido mais frequentemente realizados em unidades de terapia intensiva (UTI). Isso gera evidentes conflitos éticos, pois UTI são estruturadas para cuidados intensivos, enquanto pacientes terminais necessitam de cuidados paliativos e limitação terapêutica.

Nesse ponto, Ramnarayan e colaboradores59 mostram que adultos com previsão de fim de vida próximo tendem a escolher a morte em casa, mas a criança em situação de terminalidade tende a morrer em âmbito hospitalar e, principalmente, em UTI, portanto em condição de obstinação terapêutica. Justamente, Rezzónico62 proclama que cuidados de final de vida se baseiam na recusa a obstinação terapêutica, ou seja, na recusa ao emprego maciço de tecnologia mesmo diante do resultado previsível e esperado de óbito do paciente. Em descrição genérica, tratamentos que sejam dolorosos e ineficazes são renunciados ou suspensos12,78, mas jamais o paciente é abandonado sem cuidados: deixa-se de empregar tecnologias avançadas, mas administram-se medicamentos que aliviem sintomas e mantêm-se cuidados básicos com os pacientes. Ou seja, não se justifica internação em UTI de paciente terminal sob cuidados paliativos. Existem outros ambientes no próprio hospital – enfermaria, quarto, leito-dia – que se mostram mais apropriados para cuidados de pacientes terminais.

Morgan49 compara a recomendação para a limitação terapêutica em adultos – que por convenção difusa considera seis meses como a temporalidade estatisticamente previsível de óbito, tomada como condição inicial para renúncia a tratamentos ou sua suspensão – com os procedimentos adotados para a faixa etária pediátrica, cujo tempo previsível do óbito ainda não foi estabelecido pela comunidade médica.

Leeuwenburgh-Pronk e colaboradores43 ressaltam que a heteronomia da criança se reveste do caráter de tutela, considerando que a infância deve ser protegida, inclusive da imaturidade e da irresponsabilidade inerentes a esse período da vida. Quando esse valor essencial se defronta com caso de criança que sofre de doença crônica e com curta expectativa de vida, os conflitos éticos e jurídicos acerca da limitação terapêutica refletem choque de valores entre sacralidade da vida e qualidade de vida. Ambas são expressões de valores gerais e difusos e somente apresentam efeitos práticos diante de caso concreto. Geller e colaboradores32 reafirmam essa perspectiva, pois o conflito se torna ainda mais acirrado quando se trata de crianças.

Nesses casos, a dúvida sobre qual valor prevalece se intensifica: deve-se considerar um dia a mais na vida da criança, que é algo inestimável; ou até que ponto a falta de qualidade de vida deve ser considerada na decisão. Como exemplo, Klein41 mostra o caso de bebê portador de holoprosencefalia com intercorrência respiratória grave e ida prolongada a UTI, situação na qual a limitação terapêutica seria indicada. No entanto, de modo inesperado, esse bebê apresentou boa recuperação pós-alta, e se desenvolveu até pelo menos a idade pré-escolar sem ter apresentado novas intercorrências graves.

Casos como esses levantam a questão acerca da expectativa de temporalidade para a limitação terapêutica: deveria ser proposta na perspectiva de morte em seis meses, tal como a prática para adultos tem sedimentado? Ou devem-se levar em conta outros fatores, como a probabilidade de sobrevivência – até dez anos, adolescência ou idade adulta? A literatura mostra que a questão permanece aberta.

Suspender versus renunciar a tratamentos

A maioria dos artigos levantados retoma a discussão ético-jurídica acerca da diferença entre suspensão e renúncia a tratamento. A conclusão teórica dos autores diz que suspender ou renunciar a determinado tratamento são eticamente equivalentes, mas, na prática, médicos, enfermeiros e a população em geral consideram mais aceitável renunciar do que suspender tratamentos.

Tsai71 afirma que já foi possível avaliar efeitos benéficos e deletérios ao suspender tratamento. Assim, a suspensão de suporte avançado traz a estimativa previsível do óbito, e essa percepção de previsibilidade aproximaria a suspensão do tratamento da prática de eutanásia. Nesse aspecto, juridicamente, o termo “eutanásia” é aplicado quando há pedido explícito de morte por parte do paciente, enquanto a suspensão de tratamentos fúteis e obstinados é medida de cuidados paliativos. Na prática, a renúncia a tratamentos avançados implica a substituição de tratamento mais invasivo e agressivo por outros que, ainda que menos eficazes, resultem na percepção de que o final da vida está seguindo seu caminho “natural”71.

Bela resposta a esse conflito de valores pode ser encontrada no trabalho estatístico de Tan e colaboradores67, que conseguem concretizar em termos matemáticos que tanto a percepção do senso comum como a reflexão ética estão corretas. Os autores apresentam uma curva de Kaplan-Meier de sobrevida de grupos compostos por pacientes submetidos a “renúncia” e “suspensão” de tratamento: na fase inicial, ambos os grupos apresentam a mesma mortalidade, mas, após essa fase inicial, o grupo “renúncia” apresenta, surpreendentemente, sobrevida maior que o grupo “suspensão”. Ou seja, quando se suspende ou se indica a renúncia a determinado tratamento invasivo, o óbito será previsivelmente imediato no caso dos pacientes mais graves. No entanto, proporção significativa de pacientes pode sobreviver por mais tempo, em perío do indefinido – de poucos dias a várias semanas –, se em vez de procedimentos intensivos e invasivos receberem cuidados paliativos adequados.

De todo modo, Klein41 frisa que, quando o tratamento é suspenso e o óbito demora a ocorrer, os pais tendem a se questionar se o diagnóstico de terminalidade da vida estava realmente correto. Com isso, frequentemente reconsideram decisões de limitação terapêutica, acirrando conflitos bioéticos ao gerar quebra de confiança da relação médico-paciente, o que é perfeitamente compreensível, dada a grande dimensão subjetiva da angústia e da responsabilidade que recaem sobre os pais diante da morte da criança. Essa quebra de confiança evidencia o profundo desejo dos pais de curar ou ao menos proteger a criança do sofrimento, ainda que em seus momentos finais.

Procedimentos éticos na tomada de decisão de limitação terapêutica

Quarenta e seis artigos mencionaram a questão do procedimento decisório acerca da limitação terapêutica. A questão da dependência da criança e de sua incapacidade de plena expressão foi sempre aventada não como barreira à limitação terapêutica, mas como fator gerador de conflitos éticos singulares. Para fins comparativos, Siegel e colaboradores66 descrevem que a eutanásia infantil, legalizada na Holanda e na Bélgica79, é procedimento altamente judicializado, no qual a promotoria analisa o processo decisório quanto ao exercício dos quesitos legais. Não se trata de análise de mérito, mas de constar que as etapas formais foram todas cumpridas.

Diante disso, Morrison e Kang51 constataram que a decisão de limitação terapêutica em UTI, embora seja algo penoso, já se tornou rotineira, de modo que seu procedimento decisório cabe à equipe médica assistente, que é quem conhece e vivencia detalhes do caso. Ou seja, os autores defendem que comitês institucionais de ética são essenciais, mas seu papel é agir como instância revisora para a intermediação de conflitos, quando houver.

Em todos os textos obtidos, é nítido o valor do diálogo com os pais como procedimento que legitima a limitação terapêutica. Também em consenso, a iniciativa pela limitação terapêutica provém da equipe médica, advindo dos pais em poucos casos. Em síntese, os textos mostram que deve haver maneiras e condições adequadas de comunicação e tomada de decisão. Primeiramente, a equipe assistente – médicos, enfermeiros, fisioterapeutas – devem, nas visitas diárias, concordar entre si que a limitação terapêutica é o melhor a ser feito para o paciente. Então, os pais da criança são convidados para reuniões com a equipe, que deve ser realizada em sala apropriada.

Na primeira reunião, o tema é abordado e dá-se tempo para os pais refletirem sobre a questão; em segundo momento, a decisão de limitação terapêutica é tomada. Em alguns casos, os pais se sentem inseguros, de modo que podem ser necessárias mais reuniões. Estudiosos14,75 descrevem técnicas de comunicação aberta e honesta com os pais do paciente. Essa questão de comunicação vem sendo debatida desde pelo menos 1969, quando Philip Evans e Cicely Saunders22 confrontaram a cultura da época diante do óbito infantil. Evans descreveu que o médico apresentava reação emocional forte, improvisada, chegando a chorar junto com os pais que perdiam sua criança, enquanto Saunders enfatizava a necessidade de empatia, mas com distanciamento emocional, até mesmo para que o adequado suporte aos familiares fosse possível. Mesmo atualmente, não apenas o médico, mas o profissional de enfermagem necessita saber lidar emocionalmente com a terminalidade de vida no contexto pediátrico49, o que reforça a necessidade de as visitas clínicas em UTI contarem com as categorias profissionais que assistem os pacientes.

A limitação terapêutica não é medida intempestiva nem de urgência, mas decisão tomada em etapas diante de situação crônica de base. Ou seja, o médico, em situação crítica, tem o dever e a ampla liberdade de indicar e iniciar tratamentos, mas, quando se trata de limitação terapêutica, o fato deve ser compartilhado e comunicado aos pais ou responsáveis pela criança. A limitação terapêutica é, sobretudo, posição institucional da equipe assistente, e não posição pessoal do chefe de equipe ou plantonista.

Os trabalhos consultados mostram que há duas posturas jurídicas para a legitimação da limitação terapêutica. Nos Estados Unidos, é legalizada, mas profundamente arraigada no contrato feito com os pais: a ordem de não reanimação, por exemplo, é documento assinado pelos responsáveis. Em outros países, como França e Japão, segue-se o paradigma da não objeção, ou seja, a equipe médica propõe limitação terapêutica, que é implementada caso não haja objeção por parte dos pais. Para alguns estudiosos17,42, diante da fragilidade emocional vivenciada pelas famílias, o paradigma de não objeção é a forma de aliviar o peso da decisão para os pais, transferindo-o para a equipe de saúde, de modo que os pais não sintam, futuramente, que foram eles que tomaram a decisão da morte da criança.

Quanto mais diretrizes esclarecidas houver acerca do curso clínico natural das doenças e indícios clínicos que apontem para condição clínica de terminalidade instalada, mais segura e precisa será a iniciativa médica de propor a limitação terapêutica15. Feudtner e Nathanson25 assinalam que dados estatísticos consolidados podem guiar protocolos e diretrizes, mas que, na prática, não é possível prever como será a evolução daquele paciente específico, ou seja, o exercício de prognóstico é essencialmente intuitivo. Portanto, pelo princípio da incerteza, não se pode deixar de travar amplo e franco diálogo com os responsáveis pelo paciente. Cuidados paliativos são tópico de pesquisa de ponta, e Cadell e colaboradores16 ressaltam a importância inclusive de pesquisas multicêntricas em cuidados paliativos. Diante da delicadeza da situação, investigações desse tipo têm enfatizado que mesmo comitês de ética em pesquisa mostram posições muito distintas acerca dos protocolos existentes.

Por exemplo, até recentemente havia muita discussão ética sobre sedação profunda nas fases terminais de câncer, sob a hipótese de que o paciente sedado teria seu tempo de vida reduzido. Porém, em outros trabalhos examinando a literatura67,51, percebeu-se que, embora teoricamente altas doses de analgésicos e sedativos possam inibir o centro respiratório, o grupo de pacientes que receberam doses mais altas sobreviveu por mais tempo que aquele a quem não foram administradas. Para esses autores, a pesquisa em cuidados paliativos propiciou o surgimento de diretrizes de sedação e analgesia que escalonam a dose, ou seja, inicia-se com doses mais baixas e aumenta-se aos poucos, conforme a necessidade do paciente. Com esse tipo de escalonamento, doses altas de medicamentos analgésicos e sedativos podem ser usados em pacientes que assim necessitarem, sem que paire algum tipo de desconfiança a respeito de eventual redução de sobrevida.

Apesar do processo dialógico entre a equipe médica e os responsáveis pela criança em fim de vida, restam conflitos éticos acerca de tomada de decisão. Ham34 discute o caso de pais de criança inglesa que desejam novos tratamentos, ainda que contra a indicação médica. Os pais queriam tentar um segundo transplante de medula, a que os médicos objetavam, e nas cortes judiciais inglesas foi dada razão ao protocolo médico, que considerava tal medida como futilidade e obstinação.

Feltman e colaboradores23 descrevem caso peculiar de comorbidades graves: prematuridade extrema com onfalocele. Os pais pediam insistentemente que o bebê fosse submetido a procedimento cirúrgico e eventualmente a manobras de reanimação cardiorrespiratória, mas a equipe médica previa que isso não seria factível. Esses casos revelaram que existe tendência ética e jurídica a favorecer a decisão da equipe assistente de não iniciar tratamento em situações em que não há indicação médica ou condições clínicas. Ou seja: em suma, renunciar a tratamentos é mais aceitável que suspendê-los.

Outro tipo de conflito se apresenta quando médicos indicam suspensão ou redução de tratamentos e os pais desejam a manutenção dos cuidados. Como consenso, esse conflito não deve ser considerado logo nas primeiras reuniões da equipe médica com pais ou responsáveis, mas quando essa objeção surge de forma sistemática. Construir a proposta de limitação terapêutica paulatinamente durante o planejamento de médio prazo – conforme haja sinais de deterioração clínica progressiva e irreversível –, e não apenas no último momento, segundo a proposta dos cuidados paliativos, é maneira de minimizar ou evitar esse tipo de situação.

De todo modo, vários estudos13,21,27,49 consideram que, nessas circunstâncias, uma instância ética revisora (como comitês institucionais de ética) pode ser acionada e, em casos extremos, pode ser enviada solicitação ao judiciário. Não obstante, Powell56 ainda defende que, embora a limitação terapêutica não seja formalmente aceita, a equipe médica não é eticamente obrigada a indicar procedimentos invasivos de cuidados intensivos, como coletas seriadas de amostra sanguínea, monitoração por eletrodos (que requer certo imobilismo do paciente), balanço hídrico por sondagem vesical etc.

Nesse quesito, o pensamento jurídico varia nos diversos países do mundo. Estudiosos52,63 descrevem a tendência nos EUA de obrigar médicos a realizar procedimentos de cuidados intensivos usuais caso o paciente não concorde expressamente com a limitação terapêutica. Apenas situações específicas, muito bem referendadas por protocolos já existentes, como neoplasia terminal ou prematuridade extrema69, são exceção a essa tendência. Já no Reino Unido34,77, a tendência geral é respeitar decisões e protocolos dos médicos caso as equipes de diversos serviços mostrem consenso sobre a futilidade terapêutica.

Gunn e colaboradores33 mostraram situação-limite de paciente portadora de tumor cerebral, o que reduziria sua expectativa de vida, mas que por intercorrência respiratória resultou em estado vegetativo prolongado. Segundo os autores, a postura ético-jurídica prevalente no âmbito estadunidense teria sido mais contundente que a de outros países em suspender os tratamentos mesmo à revelia dos familiares. Como exemplo, para Singapura, Japão, Alemanha e Rússia, o momento do luto parental e os cuidados avançados seriam mantidos até que os pais se conformassem com a situação. Segundo Schildmann e colaboradores65, na Alemanha encontra-se resistência às práticas de limitação terapêutica, que foram usadas de forma abusiva durante o nazismo, de modo que há maior facilidade em não progredir com tratamentos do que propriamente suspender algum tipo de suporte.

Tratamentos atuais a serem suspensos/renunciados

No que tange à limitação terapêutica, a primeira decisão é a ordem de não reanimação cardiopulmonar7, cuja eficácia global é de cerca de 30%; em casos de pacientes terminais, pode até ocorrer sobrevida após manobra de reanimação, mas dificilmente o paciente terá alta hospitalar. Ou seja, a aceitação dessa limitação terapêutica é fortemente simbólica: a ordem de não reanimar significa que paciente e familiares reconhecem o diagnóstico médico de terminalidade da situação clínica, que eventual sobrevida a manobras de reanimação será breve e que não há soluções para o controle da doença.

Embora Feltman e colaboradores23 digam que qualquer tratamento pode ser discutido quanto à suspensão ou renúncia, conflitos mais drásticos de decisão ética recaem sobre suporte respiratório/ventilação mecânica e nutrição enteral por sonda, e cada um deles apresenta aspectos éticos peculiares. O suporte avançado por ventilação mecânica via intubação orotraqueal é tratamento muito invasivo e doloroso, e frequentemente necessita de sedação e analgesia potente para ser introduzido ou mantido. Não obstante, a suspensão de ventilação mecânica usualmente leva ao óbito em pouco tempo, trazendo, portanto, o questionamento sobre qual seria a fronteira entre limitação terapêutica e eutanásia.

Diante dos limites implicados nesse questionamento, estudiosos51,60 alertam que, como o conceito de limitação terapêutica é algo novo, é preciso, inclusive, que se crie vocabulário que consiga descrever, abstratamente, as nuances das situações clínicas vivenciadas; ou seja, palavras e práticas que façam a devida distinção entre negligência, limitação terapêutica e eutanásia.

Geller e colaboradores32 afirmam que suporte respiratório apresenta possibilidades menos drásticas e invasivas que ventilação mecânica: é possível aplicar suporte não invasivo, ou mesmo suporte ventilatório via traqueostomia em vez de intubação orotraqueal, por exemplo. Esses autores listam possibilidades de limitação terapêutica de suporte respiratório: 1) não iniciar qualquer medida nesse sentido; 2) não realizar intubação orotraqueal; 3) restringir-se a suporte via traqueostomia, se o paciente já tiver sido submetido a uma; 4) restringir-se a suportes não invasivos; ou 5) iniciar ventilação mecânica por período pré-determinado, findo o qual o paciente será extubado independentemente de haver se recuperado ou não.

Pesquisadores30,32,45 reconhecem que há nítida futilidade clínica quando o órgão tratado está falindo a despeito da tecnologia empregada. No caso da ventilação mecânica no contexto de cuidados de fim de vida, se os parâmetros ventilatórios se mostram prolongadamente elevados e ainda assim os parâmetros clínicos são de insuficiência respiratória, não há eutanásia na suspensão da ventilação mecânica. Ao contrário, há claramente obstinação terapêutica em manter a vida do paciente por um fio que previsivelmente se romperá, considerando o indispensável tratamento invasivo e doloroso.

Vose e Nelson75 consideram que essa é situação de futilidade fisiológica, mas que a futilidade terapêutica pode se referir também ao conjunto do quadro clínico do paciente, quando cada suporte avançado é feito em parâmetros habituais, mas a condição do paciente é de nítida deterioração progressiva, como no caso de doenças neurodegenerativas. Frader e Michelson27 adicionam que, em contexto de cuidados de fim de vida, se a sedação tiver de ser profunda, por conta da ventilação mecânica, e não pela condição clínica de base do paciente, isso também é critério indicador de obstinação terapêutica.

O suporte respiratório apresenta nuances em que não fica claro se houve apenas limitação terapêutica ou determinação da morte do paciente naquele momento. Estudos23,69,75 descrevem o interdito ético da aplicação de bloqueadores neuromusculares à extubação do paciente porque, obviamente, com o diafragma paralisado, a morte é causada pelo fármaco, e não pela doença de base. Nesse ponto, Morrison e Berkowitz50, respondendo à necessidade de distinção de práticas, definem que o termo “eutanásia” pode ser utilizado somente quando medicações letais são administradas nos períodos intercríticos do paciente. Ou seja, a eutanásia seria prática realizada em momentos de estabilidade clínica (isto é, sem sinais ou sintomas de agravamento da doença), e ainda assim apenas sob expressa manifestação do paciente. Por outro lado, em contextos de urgência e emergência, a terminologia mais bem aplicada seria “limitação terapêutica”.

Torres e colaboradores69 descrevem que a extubação no contexto de cuidados paliativos é precedida da suspensão de relaxantes musculares, do aumento da dose de sedativos, da redução dos parâmetros ventilatórios até a extubação e da substituição por outro suporte menos invasivo, como pronga nasal de oxigênio. No entanto, Penner e colaboradores54, estudando caso de distrofia muscular de Duchenne, mostram que não é claro se ventilação mecânica domicilar por traqueostomia é obstinação terapêutica ou se é apenas cuidado crônico diante dessa doença grave e previsivelmente fatal.

Nesse sentido, estudos23,77 constatam que cuidados menos invasivos – como traqueostomia ou gastrostomia – não são a priori obstinados, mas podem por si exigir cuidados e gerar novas complicações. E intercorrências associadas a esses procedimentos podem indicar situação de obstinação terapêutica. Igualmente, o caso do paciente descrito por Leeuwenburgh-Pronk e colaboradores43 mostra como pode ser tênue a distinção entre limitação terapêutica e eutanásia: o paciente se mantinha estável, embora em condição grave, com o mero uso de oxigênio nasal por cateter, ou seja, tratamento não invasivo, mas cuja retirada provocou óbito em poucas horas.

A questão neuroética é de particular importância no conflito decisório acerca da suspensão de suporte respiratório. Segundo vários autores1920,25,55, diante de pacientes com graves sequelas cognitivas (malformações cerebrais, coma persistente, paralisia cerebral etc.), médicos se sentiriam menos desconfortáveis em indicar suspensão e omissão de tratamentos do que diante de doenças terminais não oncológicas que não afetem o cognitivo, como doenças musculares neurodegenerativas28,54,67, fibrose cística46, insuficiência pulmonar por hemossiderose37 etc.

No entanto, com relação a cromossomopatias e/ou malformações cerebrais, outros estudos12,76 defendem que o diagnóstico por si só não é suficiente para indicar limitação terapêutica. Trata-se de doenças cuja expressão clínica pode apresentar intensidade variada, desde leves sintomas até graves problemas que geram situação de dependência de tecnologia. Com alguma frequência, portadores dessas doenças apresentam períodos de estabilidade clínica. Feudtner24 apresenta ilustração da condição clínica em perspectiva temporal desses pacientes, em que se pode observar que a terminalidade começa a se evidenciar: 1) após internação em UTI, quando o estado clínico geral não retorna ao nível anterior (alta estável, mas com sequelas); e 2) quando começa a haver intercorrências clínicas graves recorrentes.

Com relação à nutrição ou hidratação por sondagem nasogástrica ou gastrostomia, para alguns autores12,20,26, a nutrição somente é cuidado essencial caso o paciente apresente capacidade de deglutição ou perspectiva de retomá-la. Assim, em caso de estado vegetativo persistente, a visão inglesa e estadunidense é no sentido de deixar a definição a cargo dos responsáveis. Ou seja, médicos não indicam a suspensão desse cuidado, mas a nutrição por sondagem é suspensa – enquanto aumentam-se doses de sedativo e aguarda-se óbito por desidratação – caso responsáveis legais o solicitem.

Leeuwenburgh-Pronk e colaboradores43 informam que, geralmente, os pais pedem a suspensão da nutrição porque a condição clínica geral dos cuidados é muito penosa, embora o suporte nutricional em si não traga aparente desconforto ao paciente. Morrison e Kang51 mencionam que a nutrição pode ser suspensa caso traga danos ao paciente. Hidayat e colaboradores35 descrevem o caso de menina com câncer terminal que sentia muita fome e desejo de se alimentar, mas sofria com vômitos incoercíveis que a desidratavam sempre que o fazia. Embora seja evento corriqueiro nos EUA, segundo Wellesley e Jenkins76, pelo menos metade dos médicos estadunidenses não concorda que a retirada de nutrição artificial seja limitação terapêutica eticamente aceitável. E Devictor e Latour19 mostram que, nos países europeus, pode haver tendência a não iniciar nutrição artificial em casos específicos, se houver concordância dos responsáveis, mas a retirada da nutrição raramente é proposta.

Por fim, estudiosos26,75 asseveram, com relação a custos financeiros do atendimento a pacientes terminais, que não é possível afirmar que o dinheiro que não se gastou com determinado paciente irá necessariamente para outro que necessite de algum tratamento. O custo em saúde é global, de modo que casos particulares não geram impacto financeiro significativo no sistema.

Considerações finais

A decisão terapêutica de iniciar ou não tratamento com base em seu duplo efeito é discussão que mescla aspectos técnicos e questionamentos éticos, e deve agregar o valor da dignidade humana do paciente. Nenhum tratamento por si só é fútil; a futilidade é atributo de valor relativo, ligado à realidade do tratamento e ao contexto clínico geral, ou seja, caso haja expectativa de cura ou caso se trate principalmente de alívio6. Dessa forma, limitação terapêutica não é decisão a ser tomada isoladamente por médico assistente, mas pela equipe, da qual o chefe é apenas porta-voz, considerando-se que a responsabilidade jurídica é sobretudo institucional. Crianças portadoras de malformações cerebrais graves apresentam como mecanismo de terminalidade de vida mais comum intercorrências clínicas relacionadas ao aparelho respiratório, de modo que o debate bioético mais acirrado gira em torno da suspensão ou não indicação de ventilação mecânica.

Apesar de obstinação terapêutica ser considerada desvio ético, a atual legislação brasileira não positivou essa figura: existe legislação contrária à negligência, à imprudência e à eutanásia, mas não existe, formalmente, norma ou lei contrária aos excessos ou à hipermedicalização de paciente terminal7. Não obstante, a Resolução CFM 1.995/2012 80, sobre diretivas antecipadas de vida, tenta entrar em consonância com a cultura ético-jurídica estadunidense, embasada em contratos e decisões escritos. Isso soa relativamente estranho à cultura europeia e talvez também à prática brasileira, que tendem a adotar postura de não objeção em vez de propriamente privilegiar contrato explicitado pelo paciente.

Do ponto de vista ético-jurídico, atualmente no Brasil há apenas autorização para que equipe médica, em contexto de cuidados paliativos, restrinja procedimentos diagnósticos e terapêuticos. No entanto, ainda não se conhecem decisões judiciais que punam condutas de obstinação terapêutica. Pelo contrário, atos de obstinação terapêutica podem ser equivocadamente tratados como manutenção do direito à vida de um paciente, conforme contestação do Ministério Público81 à Resolução CFM 1.805/200682. Em conclusão, malformações cerebrais graves resultam em situação de terminalidade de vida, sendo indicados cuidados paliativos, que apresentam como principal dilema limitação ao suporte respiratório. A decisão de limitação de esforços deve ter aspecto institucional, de equipe, e o diálogo com os pais ou responsáveis é um dos principais pilares éticos. Certamente, o uso indiscriminado de tecnologia avançada para todo tipo de paciente já não é mais eticamente aceito; resta, agora, mediante confrontação da realidade, refinar a conduta médica para adequada limitação terapêutica de pacientes terminais.

Material suplementar
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Notas
Declaração de interesses
Declaram não haver conflito de interesse.
Autor notes
Participação dos autores

O trabalho é parte da tese de doutoramento de Dario Palhares, orientado por Antônio Carlos Rodrigues da Cunha. Íris Almeida dos Santos contribuiu no levantamento bibliográfico e na elaboração das discussões e considerações finais.

Correspondência Dario Palhares – SQS 416, bloco I, apt. 204, Asa Sul CEP 70299-090. Brasília/DF, Brasil.

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