Resumo: Os adolescentes são considerados grupo vulnerável e exposto a diferentes ameaças à saúde, tornando-se necessária a discussão sobre aspectos éticos relacionados a sua participação em pesquisa e prática clínica. Por meio de revisão integrativa de literatura foram selecionados estudos que abordaram aspectos bioéticos relacionados à vulnerabilidade de adolescentes nos últimos quinze anos. Nove artigos atenderam aos critérios pré-estabelecidos para o estudo e foram agrupados em três categorias: 1) trabalhos que pontuaram a compreensão psicológica e cognitiva do adolescente ao participar de pesquisa científica; 2) estudos que enfatizaram aspectos relacionados a decisões médicas; e 3) estudos que abordaram a temática da sexualidade na adolescência. Após análise dos estudos selecionados, verificou-se que não é possível chegar a consenso válido para todas as situações que envolvem adolescentes em pesquisa e prática clínica.
Palavras chave: VulnerabilidadeVulnerabilidade,AdolescênciaAdolescência,BioéticaBioética.
Pesquisa
Vulnerabilidade de adolescentes em pesquisa e prática clínica
Recepção: 13 Janeiro 2016
Revised document received: 3 Fevereiro 2017
Aprovação: 10 Fevereiro 2017
No processo de desenvolvimento da ciência, na produção de conhecimentos que contribuem para melhorar a qualidade de vida das pessoas, a participação de seres humanos em pesquisas gera diferentes conflitos éticos. Entre eles estão os relacionados à proteção contra a vulnerabilidade dos participantes de estudos e à responsabilidade dos profissionais de saúde envolvidos na investigação 1,2. Segundo o Conselho de Organizações Internacionais de Ciências Médicas, citado no “European textbook on ethics in research”, vulneráveis são aqueles que são relativamente (ou absolutamente) incapazes de proteger seus próprios interesses3. Ou seja, refere-se a capacidade limitada ou liberdade diminuída de decidir sobre atos da vida civil, incluindo consentir e participar de pesquisa ou aderir a tratamento. Discussões acerca dessa temática, portanto, constituem preocupação da bioética, de modo que sujeitos e grupos vulneráveis não estejam suscetíveis a exploração 4.
Vulnerabilidade envolve três considerações principais relativas ao indivíduo: falta de competência para proteger os próprios interesses; comprometimento da voluntariedade do consentimento; e fragilidade da condição física e psicológica devido a idade, doença ou incapacidade 5. Dessa forma, um indivíduo pode ser vulnerável por mais de uma razão, e categorizá-lo como vulnerável simplesmente porque pertence a determinada subpopulação pode ser um equívoco. Isso acontece em várias situações com adolescentes, que são frequentemente excluídos de ocasiões que envolvem a tomada de decisões 6-11. Sendo assim, este trabalho tem como objetivo identificar, na literatura nacional e internacional, aspectos éticos relacionados à vulnerabilidade de adolescentes em pesquisa e prática clínica.
Para realizar este estudo optou-se pelo método de revisão integrativa de literatura, sendo seguidas algumas etapas. A primeira delas objetivou identificar o tema e selecionar a hipótese ou questão de pesquisa, estabelecer critérios para incluir e excluir estudos, definir amostragem, delinear o tipo de informações a serem extraídas dos estudos selecionados e categorizá-los. A segunda envolveu avaliação dos estudos incluídos na revisão integrativa, e na terceira etapa os resultados foram interpretados. Por fim, a revisão/síntese do conhecimento adquirido foi apresentada 12. Para delinear o estudo procurou-se respostas para as seguintes questões norteadoras: “Como se configura a produção científica sobre o tema ‘aspectos da bioética relacionados à vulnerabilidade dos adolescentes’?”; “Qual o enfoque dado à temática pelas publicações atuais?”.
O levantamento bibliográfico foi realizado no mês de julho de 2015. As buscas foram realizadas nas bases de dados online Scientific Eletronic Library Online (SciELO), Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (Lilacs), Literatura Internacional em Ciências da Saúde (Medline), Science Direct, Web of Science e Highwire Press. A bibliografia baseou-se na integração dos seguintes descritores encontrados no DeCS: “Bioética” (bioethics); “adolescente” (adolescent); e “vulnerabilidade em saúde” (health vulnerability). Os critérios de elegibilidade para inclusão na amostra contemplavam estudos que abordassem o tema proposto; tivessem sido publicados no período de janeiro de 2000 a julho de 2015; estivessem disponíveis na íntegra e nos idiomas português ou inglês.
A busca resultou em cinco artigos no Lilacs, dois no Medline, 294 referências na Science Direct, uma referência na Web of Science, oito artigos na Highwire Press e três na SciELO. Após a leitura, nove artigos contemplaram os critérios de elegibilidade e foram selecionados. Utilizou-se instrumento para sistematizar dados, contendo título, ano e natureza da publicação, discriminando objetivos, metodologia, resultados, discussão, nível de evidência e considerações finais dos trabalhos 13. Não se pode deixar de esclarecer, entretanto, que uma das limitações identificadas na análise deste estudo pode ser atribuída à seleção e combinação dos termos utilizados no levantamento dos trabalhos, visto que restringiram consideravelmente o conjunto de artigos publicados nas bases de dados pesquisadas.
Soma-se a essa distorção relacionada à quantidade e diversidade de trabalhos produzidos na literatura científica sobre o tema outro ponto que precisa ser destacado, acerca do nível de aprofundamento dos artigos analisados, uma vez que expuseram aspectos éticos de forma superficial. Apesar das limitações, não se pode desconsiderar a importância desta revisão da literatura, visto que levanta diversos aspectos éticos relacionados ao acesso à saúde por adolescentes, seja quanto à prática clínica ou no que diz respeito à pesquisa, indicando a necessidade de mais discussões a respeito da temática.
Os artigos selecionados foram, na maioria (67%), escritos por autores norte-americanos, principalmente dos Estados Unidos. Sobre o ano de publicação, 22% foram publicados em 2004, sendo que a maioria (78%) foi publicada nos últimos cinco anos. Dos artigos selecionados, três (33%) se originaram de revistas específicas de ética médica, cinco (56%) de revistas médicas e um (11%) de revista de enfermagem. Em relação às questões bioéticas, verifica-se que três (33%) abordaram a vulnerabilidade de adolescentes em participação em pesquisas, três (33%) relacionaram aspectos da vulnerabilidade de adolescentes quanto a decisões médicas, e três (33%) dissertaram sobre a tomada de decisão de adolescentes referente a sexo, reprodução e gênero.
Dessa forma, as publicações foram agrupadas nas categorias I, II e III, respectivamente (Tabela 1). Os artigos que compõem a categoria I pontuam a compreensão psicocognitiva do adolescente ao participar de pesquisa, destacando que se trata de período de transição que não deve ser caracterizado simplesmente como processo contínuo e uniforme, necessitando enfoque multidisciplinar. Além disso, foi levantado o posicionamento dos pais e responsáveis no contexto da pesquisa com adolescentes. Assim, foram listados assuntos como consentimento informado, autonomia de adolescentes para participar de estudos científicos e vulnerabilidade 13-16.
Nesse mesmo contexto, mas com ênfase em aspectos relacionados a decisões médicas, alguns dos autores dos trabalhos selecionados na categoria II pontuaram que a autonomia dos adolescentes, mesmo relativa, não é levada em consideração em várias situações. Isso ocorre mesmo em casos em que o adolescente é considerado competente e capaz de tomar decisões relacionadas às rotinas em família e em situações de saúde. Somando-se a isso, em determinadas situações éticas que envolvem adolescentes não é possível chegar a uma decisão seguindo procedimentos ou princípios rígidos. Para responder efetivamente a muitos dilemas éticos é necessário adotar abordagem deliberativa e individualizada 17-19. Outro aspecto, abordado nos trabalhos analisados na categoria III, considera que, entre as mudanças ligadas à adolescência, a sexualidade tem grande impacto, principalmente por ser fase do ciclo vital em que se consolida a individualidade e as escolhas sexuais 20-22.
Em bioética, crianças e adolescentes são considerados grupo vulnerável porque, geralmente, não são capazes de tomar decisões maduras ou estão sujeitos à autoridade de outros. Além disso, diferenças entre crianças ou adolescentes e seus pais podem mascarar divergência subjacente, fazendo que seus direitos e interesses sejam socialmente desvalorizados. Podem igualmente apresentar condições médicas agudas que exigem decisões imediatas não consistentes com o consentimento informado ou condições médicas sérias que não podem ser tratadas de forma eficaz 23. No entanto, quando falamos em vulnerabilidade e adolescência, pouco é encontrado e discutido na literatura, considerando-se sua magnitude e relevância. O levantamento de publicações realizado para esta revisão pode corroborar essa afirmação, notando-se a escassez de trabalhos que abordassem esse tema, principalmente quando se tratava de estudos brasileiros 24.
O assentimento da criança e do adolescente para fins de pesquisa, diagnóstico ou tratamento é tema complexo e sem consenso na literatura. As controvérsias incluem a definição do que vem a ser consentimento, a idade a partir da qual investigadores deveriam obtê-lo e quem deveria estar envolvido no processo da obtenção. Abarcam igualmente maneiras de resolver disputas entre crianças ou adolescentes e seus pais, a quantidade e qualidade das informações que devem ser fornecidas para crianças ou adolescentes e seus familiares, e o que constitui modelo de tomada de decisões efetivo, prático e realista 25.
O artigo 5º da Convenção sobre os Direitos da Criança26, elaborada pela Organização das Nações Unidas, coloca que as responsabilidades, direitos e deveres dos pais devem ser respeitados de maneira consistente com as capacidades em desenvolvimento da criança. Além disso, no artigo 12 do mesmo documento está estabelecido que as opiniões da criança devem ser consideradas de acordo com sua idade e maturidade. De acordo com as Diretrizes para Pesquisa em Saúde do Adolescente 8, aqueles com idade igual ou superior a 14 anos podem compreender a investigação e apresentam capacidade cognitiva semelhante à de adultos para tomar decisões sobre a participação em pesquisa.
Revisão de literatura feita por Hunfeld e Passchier 14 concluiu que crianças e adolescentes compreendiam razoavelmente o propósito e os riscos do estudo médico do qual participaram, e que sua compreensão aumentou com a idade. Nesse sentido, alguns pesquisadores defendem que, antes de solicitar o assentimento de criança ou adolescente, é crucial que o investigador entenda seu nível de compreensão. Além disso, um segundo aspecto relevante a ser considerado é o que a criança ou o adolescente desejaria saber, ponto nem sempre levado em conta nas pesquisas envolvendo esse público 14,27. Vale destacar que em questões relacionadas a vulnerabilidade o potencial para benefício e danos reais e potenciais é marcadamente diferente quando os adolescentes estão doentes ou hospitalizados. Ademais, a doença tem sido descrita como tipo distinto e adicional de vulnerabilidade 24.
Ott, Rosenberger e Fortenberry 15 realizaram estudo que avaliou as razões que levaram os pais a autorizar a participação de suas filhas em pesquisa sobre sexualidade e doenças sexualmente transmissíveis. Verificaram que a maioria dos pais que consideraram benéfica a participação de suas filhas coincide com a quantidade daqueles que as consideravam vulneráveis à situação abordada. Por outro lado, a autorização dos pais pode ser importante fonte de viés se esses adolescentes em situação de risco estão sendo excluídos sistematicamente porque seus pais negam sua participação 28.
Chartier e colaboradores 29 objetivaram examinar a participação de adolescentes em programa de diagnóstico de depressão em meio escolar mediante dois procedimentos diferentes para a obtenção da autorização parental. Descobriram que proporção significativamente menor de estudantes participou quando o consentimento informado dos pais foi requerido. Os autores deduzem que provavelmente ocorreu nesse trabalho viés de seleção, pois adolescentes do sexo feminino e estudantes de escolas públicas tiveram mais requisições de consentimento assinado por terceiros o que, consequentemente, atribuiu a elas maior representatividade no referido estudo 30.
Pensando nisso, Ruiz-Canela e colaboradores 16 defendem que a dispensa da autorização ativa dos pais poderia ser aceitável quando o risco de dano é mínimo; as questões de investigação estão relacionadas a atividades para as quais adolescentes não são legalmente considerados crianças; o risco de dano ou desconforto pode aumentar se a autorização dos pais é exigida; e quando o risco de desconforto é baixo porque o questionário não é potencialmente ofensivo para alguns adolescentes e/ou pais. Portanto, pode ser o momento para propor novo olhar sobre essa importante questão e desenvolver diretrizes sob as quais o consentimento dos pais possa ser dispensado. Do mesmo modo, a participação voluntária de adolescentes em estudos de intervenção deve ser objeto de debate mais amplo entre pesquisadores da área da saúde.
Muitas vezes, os adolescentes não são acompanhados por seus familiares ou responsáveis legais no momento das decisões médicas, o que torna o atendimento complexo 31. Rotineiramente, em serviços ambulatoriais, adolescentes são orientados por profissionais de saúde a vir acompanhados por um adulto. O Ministério da Saúde 32 não exige a presença de responsável com o adolescente em serviços de saúde, justificando que essa presença pode inibir o adolescente e impedir o pleno exercício de suas escolhas, considerando seu direito fundamental à saúde e à liberdade. Embora a ausência de responsável seja permitida em serviços de saúde, o profissional tem que estar ciente dos fatores que podem agravar a vulnerabilidade desse adolescente. Por exemplo, em situações em que há comunicação insuficiente e má compreensão pelo adolescente, há risco de o paciente se sentir isolado, desconfiado e ansioso 33.
O artigo 103 do Código de Ética Médica (CEM) especifica que os adolescentes podem decidir sozinhos pela realização de consultas e exames, desde que o profissional avalie que são capazes de entender o seu ato e conduzir-se por seu próprio meio, considerando o princípio da autonomia 34. Dessa forma, os profissionais devem estar cientes das normas que asseguram os direitos de seus pacientes, visando seu melhor interesse 35. Para Dickens e Cook 36, se o adolescente demonstra maturidade para decidir sobre a problemática de sua saúde-doença assim como os adultos, pode desfrutar de confidencialidade e direito a tratamento de acordo com seus desejos. Na prática assistencial, o médico deve respeitar a individualidade de cada adolescente, mantendo postura de acolhimento, centrada em valores de saúde e bem-estar do jovem e também respeitando o princípio da autonomia 37.
Se normalmente o direito legal de consentimento para tratamento e decisões médicas compete aos pais ou responsável legal do adolescente, a literatura registra que também há muitos casos em que adolescentes podem fornecer seu próprio consentimento 35,38. Em caso de violência sexual, suspeita ou confirmação de maus-tratos contra crianças ou adolescentes, o registro da violência é obrigatório, exigindo ação conjunta com o Conselho Tutelar 32. As leis também tratam de assuntos relacionados, como deveres de proteger o sigilo médico 39, pois a confidencialidade com adolescentes pode ser ética e profissionalmente desafiadora 31,40. Para Michaud e colaboradores 17, não é possível tomar decisões seguindo procedimentos ou princípios rígidos, mas a ponderação e o bom senso devem estar sempre presentes. Assim, evidencia-se, na prática clínica direcionada ao público em questão, a necessidade de se considerar aspectos éticos e particularidades de cada situação.
Destaca-se nesta categoria a questão do transtorno de identidade de gênero, ou transexualidade 21,22, caracterizado como distúrbio psíquico em que o sujeito apresenta divergência de sua identidade sexual e de gênero em relação a seu sexo biológico, sendo diagnosticado em qualquer fase de vida 41.
Alguns autores abordaram a necessidade de se aconselhar e acompanhar os adolescentes nessa circunstância. Destaca-se, igualmente, que tratamento definitivo, como cirurgia de redesignação sexual, deve ser adiado até a idade adulta (a partir de 18 anos), pois inclui ações que afetam os direitos futuros do menor e suas escolhas de vida. Indica-se a realização de intervenções parcialmente irreversíveis, como tratamento de feminização (implante de próteses mamárias) ou masculinização (mastectomia e histerectomia), a partir dos 16 anos com o consentimento dos pais 21.
Estudo com objetivo de explorar a questão da capacidade do adolescente de consentir com cuidados de saúde relacionados a transexualidade foi aplicado na Colômbia e nos Estados Unidos. O primeiro país se destacou por ter aprovado lei que restringe a abrangência dos pais na tomada de decisões médicas nessas circunstâncias, sendo o adolescente considerado sujeito ativo do processo. Isso ocorre por meio da obtenção do consentimento qualificado, que considera os seguintes parâmetros: exigência e urgência do procedimento; risco e o quanto o procedimento é invasivo; idade e grau de autonomia da criança/adolescente 22.
No Brasil, essa questão foi recentemente abordada em portarias do Ministério da Saúde. Iniciou-se com a Portaria MS 1.707/2008 42, que descrevia medidas mínimas para o acompanhamento e tratamento humanitário do transexual, assim como reconhecia a necessidade de regulamentar procedimentos de transgenitalização pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A Portaria MS 859/2013 43, que ampliava o acesso a atendimento a transexuais, permitindo o início da hormonioterapia aos 16 anos com autorização dos pais e após acompanhamento multidisciplinar, foi suspensa. Atualmente, está em vigor a Portaria MS 2.803/2013 44, que regulamenta o início da hormonioterapia a partir dos 18 anos, e procedimentos cirúrgicos podem ser iniciados aos 21 anos, desde que haja indicação específica e acompanhamento prévio por dois anos em serviço especializado. Enfoca também a questão de procedimentos de transgenitalização em caráter experimental pelo SUS.
O Conselho Federal de Medicina, mediante Resolução CFM 1.955/2010 45, também discorre sobre o assunto e estabelece condições mínimas para a realização do procedimento. Respondendo a dúvida da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, o Parecer 8/2013 do referido órgão 46 manifesta-se favorável ao tratamento hormonal de adolescentes de 16 anos, além de apoiar a assistência em centro especializado com recursos necessários para diagnóstico correto e integralidade da atenção.
Assim, observa-se que no Brasil as discussões e leis sobre a temática são recentes e identifica-se a necessidade de aprofundar o debate, visto que é assunto complexo que envolve diferentes pontos de vista. A discussão revela-se especialmente intrincada porque aborda dois tópicos delicados: transexualidade e adolescentes, ou seja, sujeitos vulneráveis pela condição psíquica e idade. Somado a isso existe o fato de que, cada vez mais, os profissionais da saúde deparam com situações como essa, e necessitam de orientação clara e pautada em leis específicas e consistentes.
Outro item que ficou evidente nos artigos que englobam a categoria aqui discutida foi saúde sexual e reprodutiva, especificamente tratamento confidencial de doenças sexualmente transmissíveis (DST), aborto e contracepção 21,22. Segundo as normas internacionais de direitos humanos, os adolescentes têm direito à confidencialidade e acesso a serviços de saúde sexual e reprodutiva, podendo consentir ou não aos cuidados, particularmente em casos de DST e gravidez. Porém, muitas vezes a legislação julga os adolescentes incapazes de tomar decisões de maneira autônoma, considerando apropriada a participação dos pais e/ou representantes legais no processo. Percebe-se assim violação de direitos a privacidade e autodeterminação 22.
Para Romero e Reingold 22 e Beh e Pietsch 21, existem várias discussões visando equilíbrio entre direitos dos adolescentes para tomar decisões autônomas e confidenciais relacionadas à sua saúde e direitos dos pais. Esses autores afirmam também que, de acordo com experiências clínicas, os jovens têm capacidade de tomar decisões igual à de adultos. Porém, advertem que as leis continuam a limitar sua capacidade em muitas situações relacionadas aos cuidados de saúde. Portanto, identifica-se dicotomia em relação aos adolescentes, dado que se espera que sejam pessoas responsáveis pelos seus atos e sua vida, mas não há legitimação dos seus direitos.
Ultimamente, observa-se esforço por parte do governo brasileiro em formular políticas que os considerem sujeitos de direitos, cidadãos capazes de tomar decisões responsáveis nesse campo. Porém, também se identifica inconsistência na legislação 47. Segundo o Código Civil Brasileiro, o adolescente atinge a maioridade aos 18 anos, limite etário que se contrapõe à permissão de votar a partir dos 16 anos 48. As diretrizes nacionais de Atenção Integral à Saúde de Adolescentes e Jovens fundamentam-se nos direitos humanos, sendo crianças e adolescentes reconhecidos nesses documentos como sujeitos sociais, portadores de direitos e garantias próprias, independentes de seus pais e/ou familiares49.
Em relação à sexualidade também existe controvérsia. O Estatuto da Criança e do Adolescente 10 preconiza que os direitos básicos de saúde e liberdade predominam sobre qualquer outro que possa prejudicá-los. É permitido ao médico definir com o adolescente métodos de anticoncepção, incluindo contracepção de emergência, se não há evidências de abuso sexual. Isso também está fundamentado no CEM, quando refere que é direito do paciente (…) decidir livremente sobre método contraceptivo50. Segundo o Código Penal Brasileiro 51, manter relações sexuais com menor de 14 anos configura crime de estupro, estando a violência relacionada à idade e, especialmente, a vulnerabilidade da vítima. Entretanto, isso se contrapõe à realidade social atual, uma vez que grande parte dos adolescentes inicia a atividade sexual antes dessa idade 47.
Percebe-se, portanto, que há divergências entre pressupostos legais e práticas sociais. Diante dessa disparidade é fundamental que questões relativas à sexualidade adolescente sejam equacionadas e solucionadas considerando os princípios da bioética (beneficência e não maleficência), visando a sexualidade prazerosa e segura, respeito e confidencialidade, desde que não cause danos. Por fim, outro tema complexo e específico abordado nesta categoria foi a implantação de ovócitos e coleta de tecido ovariano, com vistas à restauração da fertilidade de adolescentes com câncer e submetidas a diversos tratamentos que, muitas vezes, culminam em infertilidade.
Algumas considerações éticas pontuadas concerniam à segurança do procedimento. Medicações utilizadas para estimular ovócitos podem aumentar a gravidade do tumor e adiar a quimioterapia, e o armazenamento de ovócitos traz risco de anomalias cromossômicas. Em contrapartida, os riscos são justificados pelos benefícios do efeito psicológico positivo à adolescente que vê ressurgir, com essa técnica, a possibilidade da fertilidade. É evidente a necessidade de mais pesquisas e de se criar políticas que abordem os direitos futuros do paciente, em relação à disponibilidade dos gametas e ações relacionadas a isso, como a forma de proceder em caso de morte 20. Questões técnicas, como a viabilidade de procedimentos de preservação da fertilidade, são abordadas na literatura 52,53 em detrimento das questões éticas. Isso pode ser justificado pela incipiência do tema, estando muitas das técnicas relacionadas a ele ainda em fase de teste. Entretanto, ao trazer à tona aspectos éticos relacionados à temática, este estudo busca contribuir com o estado da arte e indicar a necessidade de intensificar discussões a respeito.
Este estudo identificou, por meio de análise da literatura científica, três categorias sobre aspectos da bioética relacionados à vulnerabilidade dos adolescentes: em relação à participação em pesquisas, às decisões médicas e à tomada de decisão referente a sexo, reprodução e gênero. Na primeira categoria, evidenciou-se a necessidade de considerar a compreensão psicocognitiva do adolescente e sua autonomia para participar de pesquisas. Na segunda, a maioria dos estudos discutiu que adolescentes, mesmo sendo considerados competentes e capazes de tomar decisões relacionadas às rotinas em família e em situações de saúde, não possuem autonomia quando se trata de situações relacionadas às decisões médicas. Por fim, na categoria relativa à tomada de decisão referente a sexo, reprodução e gênero, identificaram-se questões relativas a transtorno de identidade de gênero ou transexualidade; discrepâncias entre pressupostos legais e práticas sociais referentes a sexualidade; e aspectos relativos à tomada de decisão sobre diversos procedimentos visando a manutenção da fertilidade em adolescentes com câncer.
Percebe-se, por fim, falta de consenso e leis definitivas que estabeleçam critérios exatos sobre a participação de adolescentes em pesquisa e prática clínica. Cada indivíduo e cada situação são diferentes e necessitam de abordagem contextualizada. Por conseguinte, os profissionais da área da saúde, além de gestores do direito, professores, pedagogos e sociedade em geral, devem estimular a discussão sobre os vários aspectos relacionados à ponderação entre o respeito à autonomia e a proteção contra a vulnerabilidade dos adolescentes, buscando, assim, assegurar seus direitos e fortalecer sua cidadania.

Todos os autores conceberam e planejaram o trabalho conjuntamente. Sistematizaram e analisaram resultados e redigiram e revisaram o texto.
Correspondência. Leonardo Roever – Av. Pará, 1.720, Umuarama, Caixa Postal 592 CEP 38400-902. Uberlândia/MG, Brasil.


