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Revista Bioética: 25 anos influenciando o pensamento ético e bioético no Brasil
Revista Bioética, vol. 25, núm. 2, pp. 215-217, 2017
Conselho Federal de Medicina

A Revista Bioética está comemorando 25 anos de existência. Editada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) desde 1993 1, essa publicação oferece a oportunidade de discussão sobre diversos aspectos da ética médica e da bioética, o que tem contribuído para o desenvolvimento dessas áreas de conhecimento, da medicina, da sociedade e dos que trabalham com a saúde, direta ou indiretamente, no Brasil e no mundo. Durante esse período foram publicados 56 números, 55 editoriais, 14 apresentações e 873 artigos, sendo o único periódico brasileiro especializado em bioética indexado em bases de dados internacionais.

A Revista Bioética mobiliza mais de três centenas de colaboradores brasileiros e duas dezenas de estrangeiros para, a cada edição, possibilitar aos leitores reflexões sobre a alma da medicina e seus aspectos simples e complexos, harmônicos e contraditórios, tristes e alegres, humanos e solidários. Ela serve como combustível para a busca do melhor caminho a percorrer, para que se possa oferecer primorosa atuação na aplicação dessa ciência e arte. Estende as discussões de seus números aos determinantes sociais do processo saúde-doença em consonância com as determinações da Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos2.

É bem possível que a ética tenha sido a primeira preocupação dentre todas as que motivaram reflexões desde os primórdios da cultura ocidental, pondera Franklin Leopoldo e Silva 3, no primeiro artigo do primeiro número da Revista Bioética, “Breve panorama histórico da ética”. Podemos afirmar, sem receio, que a bioética evoluiu mundialmente, em especial no Brasil, ganhando em importância e credibilidade, aumentando o rol dos temas discutidos, crescendo em interesse, em número de especialistas, pós-graduados, pesquisadores, cursos e publicações. Nas universidades também se observa interesse crescente, envolvendo, cada vez mais, alunos, professores e pesquisadores. Comissões são criadas em hospitais e conselhos de medicina, com apoio e estímulo do CFM.

Contamos, ainda, com a Sociedade Brasileira de Bioética, fundada em 1995, que vem contribuindo desde então para a difusão da bioética no Brasil, organizando congressos, produzindo e divulgando artigos e livros, apoiando profissionais e instituições nas diversas atividades relacionadas 4. Constata-se frequentemente que os três poderes usam a experiência e os conhecimentos adquiridos pelos que estudam e discutem, cotidianamente, a bioética para a criação de leis, de programas de governo, de regulamentação de normas, como por exemplo na reprodução assistida 5.

O primeiro número da revista se pautava em questões que nos eram trazidas pela aids. Caminhávamos, à época, sobre terreno ainda pouco conhecido e amolgado. Hoje, apesar de todo o avanço alcançado, a sociedade ainda convive com certo preconceito decorrente do desconhecimento em relação à doença, mas, do ponto de vista bioético, já temos mais concordâncias do que discordâncias sobre o tema. Seja no que tange à pesquisa ou ao acesso ao tratamento, a posição da bioética brasileira é firme e consensual em defesa dos vulneráveis.

O meio ambiente e o risco iminente de morte da Terra eram, já naquele tempo, razões de preocupação de parte da sociedade brasileira. Conforme expressam lideranças e entidades nacionais e internacionais, cientistas e estudiosos desse fenômeno, muitos males que assolam o planeta são irreversíveis, sendo que a recuperação do que é possível levaria séculos. Esse descaso com a saúde e a vida é fruto da ignorância e do incentivo desmedido ao consumo, apontado em todo mundo como único e primordial fator para a conquista da felicidade individual e social. O estímulo ao lucro decorrente dessa ânsia se alimenta das precárias informações à sociedade e do tempo perdido por todos, inclusive pela ciência, assim como da omissão e negligência, como a discreta e insuficiente mobilização de muitos governos, culminando com o absurdo e irresponsável abandono dos Estados Unidos 6 do Acordo de Paris7.

Estudos sobre o clima que levaram à elaboração das recomendações desse acordo mostram que, se não mudarmos radicalmente nosso comportamento, em poucas décadas teremos perdido irremediavelmente a Terra, nossa morada, o substrato de nossa vida, que nos dá segurança, conforto, energia e nutrientes indispensáveis. A Terra não desaparecerá como planeta em sua órbita solar, mas não mais nos manterá vivos e saudáveis. Nossa insanidade tem afetado também outras formas de vida, extinguindo vegetais e animais, criando desertos, consolidando o cenário de devastação.

Lovelock não culpa totalmente a ciência por ter sido, até certo ponto, lerda no apoio à bravura pioneira dos alertadores, pois ela própria teria sido prejudicada, nos últimos dois séculos, por sua divisão em muitas disciplinas diferentes, cada qual limitada a ver apenas uma faceta minúscula do planeta, sem uma visão coesa da Terra 8. Só reconheceram a Terra como entidade autorreguladora em 2001, afirma.

A medicina moderna, dividida em especialidades, tem fragmentado o estudo e o cuidado do corpo humano, esquadrinhando-o como partes isoladas, não como um todo autorregulado. Temos, hoje, carência de médicos que assistam seus pacientes como seres inteiros, física e mentalmente, integrados à família, ao meio ambiente em que vivem, ao mundo do trabalho e implicados em dilemas e dificuldades. Estamos, então, em um momento crucial com relação ao que é preciso e possível fazer com o ambiente natural, social e com nossas vidas. Com o que cada um de nós deve fazer, com sua vida, para atuar de forma consciente e responsável para o bem de todos.

Não é diferente do que está acontecendo com o sistema de saúde do país. Incompetência, corrupção, desinteresse, interesses escusos (pessoais, políticos e empresariais), tomadas de decisão equivocadas, excesso de escolas médicas com ensino de má qualidade, mudanças culturais e outras evoluções, pressões da indústria e de empresários da intermediação da saúde, empobrecimento da população, entre outros problemas: tudo isso nos levou a essa situação. O sistema de saúde se mostra em tempo de gravidade extrema e, à semelhança da questão ambiental, estamos frente a uma emergência. Se não houver decisão adequada rápida e universal, o quadro será irreversível e morreremos todos, precocemente, de uma forma ou de outra, figurada ou real, acompanhando nossos irmãos, que aos milhares são obrigados a entregar sua saúde e suas vidas a esse sistema corrompido, malcuidado, mal-entendido e negligenciado.

Não é somente um problema do usuário, do governo, do gestor, do médico ou enfermeira; da assistente social ou dos serviços gerais; do estudante, dos seus pais ou do reitor; do fornecedor ou da polícia. É um problema social que diz respeito a todos: à criança e ao adulto, ao operário e ao empresário, ao fã e ao artista, à mulher e ao homem, ao ateu e ao crente, ao doente e ao são. É de todos, sem exceção. Como o é o problema ambiental.

Então é impossível deixar de constatar que estamos diante de questões maiores do que cada um de nós. Dilemas que nos impelem a olhar em torno e procurar agir em consonância com os demais visando o bem coletivo, para a vida e o planeta. Frente a um grave problema, não adiantam vários grupos motivados, mas sem ideal ou com ideais diferentes, nem mesmo um grande grupo único, sem ideal ou motivação 9. Vivemos uma crise ética e bioética sem precedentes, em todos os setores e em todos os níveis. Dilemas se sucedem, contrapõem e superpõem. Mas não é o fim. Ao contrário, parece ser o início de uma nova era que nos trará, se sobrevivermos, novos conceitos e paradigmas.

Nunca se discutiu e publicou tanto nessa área do conhecimento. Em todos os setores, frentes se abrem e dão lugar à conscientização e ao entendimento de que é preciso perceber o que acontece, para que se possa organizar estratégias de enfrentamento que incluam estudo sistemático, colaboração, pesquisa, discussão e consenso sempre que possível. A divulgação por todas as mídias, aproveitando todas as oportunidades que se apresentem para promover debate e aprendizado também tem papel fundamental neste momento. O desafio é a transformação.

Vivemos um momento triste, eivado de riscos e dúvidas, mas que nos oferece oportunidade ímpar de formulação de uma nova ciência, contemporânea e indispensável, analítica, mas formuladora, complexa, como é desde sua origem, mas acessível e imprescindível, reconhecida e respeitada. Acreditamos na recuperação da Terra, na preservação da saúde e da vida dos nossos irmãos e no nascimento de um novo tempo, científico, de análise global e não aos pedaços, filosófico, tecnológico, solidário, humano e misericordioso.

Os editores

Referências

1. Bioética. [Internet]. 1993 [acesso 13 jun 2017]. 1(1). Disponível: http://bit.ly/2tpzqnO

2. Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e a Cultura. Declaração universal sobre bioética e direitos humanos. [Internet]. Paris; 2015 [acesso 14 jun 2017]. Disponível: http://bit.ly/1TRJFa9

3. Leopoldo e Silva F. Breve panorama histórico da ética. Bioética. 1993;1(1):7-11.

4. Ortoga C. Nosso histórico. Sociedade Brasileira de Bioética [Internet]. 2016 [acesso 6 jun 2017]. Disponível: http://bit.ly/2sxIg2P

5. Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM nº 2.121, de 16 de junho de 2015. Adota as normas éticas para a utilização das técnicas de reprodução assistida – sempre em defesa do aperfeiçoamento das práticas e da observância aos princípios éticos e bioéticos que ajudarão a trazer maior segurança e eficácia a tratamentos e procedimentos médicos – tornando-se o dispositivo deontológico a ser seguido pelos médicos brasileiros e revogando a Resolução CFM nº 2.013/13. [Internet]. Diário Oficial da União. Brasília; p. 117, 24 set 2015 [acesso 5 jun 2017]. Seção 1. Disponível: http://bit.ly/2sQfLR6

6. Batista HG. Donald Trump retira EUA do acordo de Paris sobre o clima: presidente diz que vai começar novas negociações que sejam mais justas para o país. O Globo. [Internet]. 1º jun 2016 [acesso 14 jun 2017]. Disponível: https://glo.bo/2sxlAQe

7. Naciones Unidas. Acuerdo de París. Paris: ONU; 2015 [acesso 14 jun 2017]. Disponível: http://bit.ly/299LLa4

8. Lovelock J. A vingança de Gaia. Rio de Janeiro: Intrínseca; 2006.

9. Boff L. Ética e moral: a busca dos fundamentos. 9ª ed. Petrópolis: Vozes; 2014.



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