EDITORIAL
Sem palavras
Speechless
Sin palabras
O mar de lama varreu a comunidade local e parte do centro administrativo e do refeitório (…) [A] sirene de alerta não tocou. O presidente da Vale diz que (…) não tocou (…) porque foi “engolfada” pela lama. [Mas] existe tecnologia para que alertas sonoros de emergência sejam acionados em qualquer circunstância 1. [Constatou-se depois que] ao menos duas sirenes (…) estão intactas 2.
Eram 12h28 3. [As] vítimas estava[m] no refeitório e na sede administrativa da mina 4, onde estima-se que morreu a maior parte [delas] 5. [Até o momento há] 165 mortes confirmadas, 160 corpos identificados; 155 desaparecidos 6.
[A] mineradora estava ciente de riscos na barragem 7. As barragens de mineração a montante (…) são consideradas mais frágeis, pois usam como barreira o próprio rejeito e não uma estrutura externa de concreto 8. [O método] é o mais simples e considerado o menos seguro (…) É o método mais barato 1. A inspeção apontou problemas (…), mas laudo de segurança foi emitido mesmo assim 8. O laudo de estabilidade de barragem (…) cita erosão e problemas de drenagem 5. [Apesar disso], a Vale sustenta que não houve sinais de risco de rompimento na barragem (…), argumento que não foi considerado crível pela Justiça de Minas Gerais 8.
O Brasil não avançou em fiscalização de barragens, dizem especialistas. [O] monitoramento não teve melhora significativa após tragédia de Mariana. (…) Especialistas dizem que a lei federal sobre a Política Nacional de Segurança de Barragens, de 2010, ainda precisa ser implementada 9: falta[m] fiscalização e indenização efetiva de obras e empreendimentos de grande porte e risco, onde muitas vezes interesses específicos prevalecem acima da lei. Esses projetos de grande risco precisam, muito além do licenciamento, [de] um monitoramento diferenciado das áreas passíveis de serem afetadas, instruindo possíveis e/ou necessárias medidas, ações e obras de prevenção 10.
[Para piorar o quadro, a Agência Nacional de Mineração] não tem capacidade para fiscalizar as 740 barragens de mineração do país 11, [que] tem apenas 35 fiscais 12. [E] o risco é potencialmente mais alto se não houver fiscalização 12. [Além disso, segundo o Tribunal de Contas da União], o órgão federal de controle é o 2º mais exposto a fraudes e corrupção 13.
[Como se não bastasse], deputados receberam doações de empresas, mas negam defender o setor, (…) [e a] bancada da lama barra ações para melhorar segurança em barragens. (…) Uma pequena tropa de deputados eleita para a legislatura passada com doações de mineradoras é bem atuante nos assuntos do setor: propõe mudanças em textos que já resultaram em retirada de fiscalização, ocupa cargos chave em comissões e influencia o que passa na Câmara 14.
A sucessão de tragédias evitáveis que golpeou o Brasil nas últimas semanas criou um coro de cidadãos a exigir mais fiscalização. Não há dúvida de que a fiscalização é importante, fundamental em algumas áreas. Mas perdeu o juízo quem acha que basta pôr mais agentes nas ruas exigindo a obediência às normas técnicas para resolver nosso déficit de segurança. (…) Para uma sociedade dar certo, é preciso que as pessoas se convençam de que devemos agir respeitando padrões de segurança não porque corremos o risco de ser multados — “de acordo com o dever”, se é lícito empregar o vocabulário kantiano —, mas “pelo sentido do dever”, isto é, porque essa é a posição racional a seguir, aquela que atende a nossos reais interesses 15.
Esse é o princípio para agir de maneira ética. A regra de ouro da bioética para promover a ética aplicada à vida cotidiana. É essa reflexão que a Revista Bioética busca estimular em seus leitores, colaborando para a educação cidadã.
Dora Porto – Doutora – doraporto@gmail.com