Iatrogenias em idosos hospitalizados: estudo exploratório-descritivo

Iatrogenias en ancianos hospitalizados: un estudio exploratorio-descriptivo

Iatrogenesis in hospitalized elderly: an exploratory-descriptive study

Niele Duarte Ripardo nieleduarte@hotmail.com.

Faculdade Padre Dourado, Brasil

Maria da Conceição Coelho Brito marycey@hotmail.com.

Universidade Estadual do Ceará, Brasil

Trata-se de estudo exploratório-descritivo, do tipo documental e retrospectivo, com abordagem quantitativa, realizado com prontuários de idosos internados em hospital de ensino no estado do Ceará nos seis meses imediatamente anteriores ao início da coleta de dados, em dezembro de 2015. Após pesquisa no sistema de informação do hospital, filtrando-se os resultados para considerar apenas indivíduos com mais de 60 anos de idade, foram identificados 1.423 prontuários. A intenção inicial era analisar todos eles, mas, por restrição institucional relacionada à grande quantidade encontrada e recursos humanos limitados para localizá-los, foi solicitado pelo Serviço de Arquivo Médico e Estatística da instituição que se selecionassem aleatoriamente 100 prontuários.

A amostra selecionada foi submetida à análise documental entre dezembro de 2015 e janeiro de 2016. Essa etapa foi realizada por três pesquisadores, previamente treinados, que utilizaram roteiro elaborado pelas autoras com base em evidências encontradas em estudo que se propôs a identificar as principais iatrogenias de enfermagem em idosos internados em hospital universitário de Campinas, cidade no interior do estado de São Paulo ⁹. O instrumento de análise contemplava as seguintes informações: idade, sexo, unidade, período e motivo de internação, e registro de iatrogenia, identificado pela leitura aprofundada das anotações de enfermagem.

Durante a análise dos prontuários foi possível identificar condições e fatores que não se caracterizavam como iatrogenia, mas como riscos. Esses fatores foram qualificados utilizando informações registradas nos prontuários sobre procedimentos e cuidados de enfermagem realizados e empregando cálculo simples do tempo de internação para verificar o potencial iatrogênico.

Os dados coletados foram organizados em tabelas e analisados com base na estatística descritiva. Os achados foram representados com porcentagens e números absolutos. As inferências foram examinadas à luz da literatura sobre o assunto. Ademais, respeitaram-se aspectos éticos previstos na Resolução CNS 466/2012 ¹⁰ no que se refere a pesquisas envolvendo seres humanos.

Dos 100 prontuários incluídos na amostra, 56% diziam respeito a pacientes do sexo masculino e 44% do feminino, sendo 54% dos idosos com idade entre 60 e 70 anos, 30% entre 71 e 80 anos, 13% entre 81 e 90 anos e, finalmente, 3% com 91 anos ou mais. A Tabela 1 apresenta os sistemas do corpo humano afetados que motivaram a hospitalização, relacionados à faixa etária e ao sexo dos pacientes.

Tabela 1
Sistemas do corpo humano afetados, responsáveis pela hospitalização, por faixa etária e sexo

São vários os motivos que levam idosos a buscar atendimento hospitalar. Sendo assim, a Tabela 1 informa as causas de internamento da amostra selecionada. Observou-se prevalência de problemas relacionados aos sistemas cardiovascular e reprodutor, totalizando 37 internações. Destas, predominaram internações de sujeitos do sexo masculino (62%).

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) ¹¹ listam acidente vascular cerebral, insuficiência cardíaca e pneumonia como algumas das principais causas de internação hospitalar na população idosa do sexo masculino. Falta de informação e preconceito contra exames de prevenção podem explicar a grande quantidade de diagnósticos relacionados aos sistemas cardiovascular e reprodutor neste grupo ¹². Quanto aos indivíduos do sexo feminino (38%), chamam atenção as neoplasias, especialmente de mama e colo uterino, pois dados do “Atlas on-line de mortalidade” do Instituto Nacional do Câncer ainda apontam para estes diagnósticos como uma das principais causas de morte de mulheres ¹³. Classificada a amostra deste estudo, os prontuários foram examinados quanto a indícios de atos iatrogênicos, sendo possível identificar 11 ocorrências. A Tabela 2 mostra a distribuição por faixa etária e sexo.

Tabela 2
Ocorrências iatrogênicas segundo faixa etária e sexo

A predominância de iatrogenias em pacientes do sexo masculino, conforme observado, leva a refletir sobre o comportamento desse grupo, ainda comum, de somente buscar serviços de saúde quando já não é mais possível ignorar a afecção ¹⁴. Isso normalmente leva à intensificação do problema, aumentando o período de hospitalização e expondo o paciente por mais tempo às ações dos profissionais de saúde. Com isto em mente, foi possível relacionar a ocorrência de iatrogenias ao tempo de internação e ao setor hospitalar onde aconteceram, conforme exposto na Tabela 3.

Tabela 3
Ocorrências iatrogênicas segundo tempo de internação e setor de internamento

Dos 11 registros de casos de iatrogenia, 82% aconteceram em idosos com tempo de internação entre 7 e 39 dias. Apenas dois (18%) referiam-se a idosos que estiveram internados por período inferior a uma semana. Os setores que registraram atos iatrogênicos foram: emergência, com cinco ocorrências (45%); clínica médica e unidade de infectologia, com duas ocorrências cada uma (18%); e unidades de oncologia e hemodiálise, com uma ocorrência cada (9%). O tempo médio de internação foi estimado em 16,4 dias, variando de 39 dias na infectologia a dois dias na emergência.

Esses dados permitem relacionar iatrogenias e tempo de internação, inferindo-se que a permanência em ambiente hospitalar e a submissão a ações contínuas por parte de toda a equipe profissional responsável pelo cuidado aumentam a vulnerabilidade do idoso. Assim, quanto maior o período de tratamento, maior a probabilidade de iatrogenia ¹⁵.

Buscou-se também verificar a conduta dos profissionais quanto ao reconhecimento da ocorrência (Tabela 4). Pode-se verificar que a equipe de enfermagem foi responsável por identificar e registrar todas as iatrogenias: do total, o profissional enfermeiro identificou quatro ocorrências, e técnico de enfermagem apontou sete. Observa-se que a maioria das ocorrências iatrogênicas está ligada a atos de responsabilidade da equipe enfermagem, levando assim a refletir sobre esta relação.

Tabela 4
Iatrogenias identificadas por categorial profissional e conduta

A enfermagem é a classe profissional que permanece durante todo o tempo com o paciente, e tal proximidade, acrescida de sobrecarga de trabalho, compromete a acuidade da equipe, tornando-a mais suscetível a erros ¹⁶. Assim, verifica-se a necessidade de dimensionar a equipe periodicamente para evitar ou ao menos minimizar a sobrecarga de cada profissional.

Pôde-se observar neste estudo que iatrogenias relacionadas ao acesso venoso periférico (AVP) e à administração de medicamentos estão entre as mais frequentes. Para que os objetivos terapêuticos propostos sejam atingidos é importante que exista boa manutenção do AVP do paciente, uma das muitas atribuições da equipe de enfermagem. O mesmo ocorre com o preparo e a aplicação de medicamentos, uma vez que eventos adversos ocorridos neste processo, incluindo reação alérgica medicamentosa, configuram iatrogenia do cuidado de enfermagem ⁷. Assim, atenção à prescrição médica e boa comunicação entre a equipe de enfermagem e com o próprio paciente, que pode informar restrições medicamentosas pré-existentes, são essenciais para reduzir a ocorrência deste tipo de falha.

As iatrogenias identificadas após análise dos registros de enfermagem correspondem a 10% do total de prontuários analisados, pois embora tenham sido encontradas 11 ocorrências, duas delas foram verificadas no mesmo prontuário. Isso permite teorizar sobre sua possível subnotificação, provavelmente devido ao medo de punição pelo erro ou até mesmo pelo desconhecimento da importância do registro, essencial também para o respaldo legal ⁸. Após identificar o erro, o profissional de enfermagem pode agir conforme sua competência e, quando não for o caso, comunicar o fato aos demais membros da equipe aptos a corrigi-lo.

Como mostra a Tabela 4, a iatrogenia de reação alérgica medicamentosa, por exemplo, que ocorreu três vezes nos casos examinados, foi identificada pela equipe de enfermagem. Porém, como não é sua atribuição prescrever medicamentos ou suspendê-los, a equipe se limitou a comunicar o profissional responsável, assim como ocorreu no caso da obstrução de cateter para hemodiálise, em que a troca do cateter não compete ao enfermeiro.

Identificaram-se nos 100 prontuários analisados total de 42 fatores de risco de iatrogenia em 31 idosos. Destes, nove (29%), de acordo com a interpretação das evoluções de enfermagem nos prontuários, apresentaram dois ou mais fatores. Os principais riscos percebidos são o de queda e lesão por pressão, que correspondem a 40% e 33% dos fatores de risco identificados, respectivamente. Na Tabela 5 são descritos todos os casos de risco identificados nesta pesquisa.

Tabela 5
Riscos de iatrogenias relacionados a sexo, faixa etária e tempo médio de internação

Idosos são acometidos por processos comuns à idade avançada que podem debilitá-los e limitar sua autonomia ¹⁷, como doenças nas articulações e ossos – osteoporose, artrite e artrose, por exemplo. Esses indivíduos podem ter dificuldades de andar e até mesmo de permanecer restritos ao leito, o que explica, na maioria dos casos, a prevalência dos riscos de queda e lesão por pressão. É parte do cuidado de enfermagem atentar a estes possíveis diagnósticos a fim de preveni-los, embasando suas práticas em referências cientificamente comprovadas, uma vez que isso contribui para consolidar a enfermagem como ciência do cuidar ¹⁸.

Ao buscar atendimento em instituição hospitalar, o idoso almeja solucionar seu problema de saúde. Além de lidar com diversas comorbidades comuns a esta fase da vida, pessoas nessa faixa etária encontram-se em estado de maior vulnerabilidade, o que pode torná-las vítimas de iatrogenias. Portanto, buscar e implementar estratégias para reduzir seu tempo de permanência no hospital é essencial, considerando que, como evidenciado neste artigo, o tempo de internação influencia a ocorrência de ato iatrogênico, como razão direta do maior período sob cuidados dos profissionais de saúde.

Embora nenhum profissional nesse ambiente esteja livre do risco de causar iatrogenia, destaca-se, pelo maior contato que tem com o paciente, a classe da enfermagem tanto no que diz respeito a cometer erros quanto a identificá-los. A relação entre unidade de internamento e possível sobrecarga de trabalho também influi na ocorrência de iatrogenias, como observado na unidade de atendimento de emergência do hospital selecionado para este estudo, onde verificaram-se cinco ocorrências. Uma das estratégias para diminuir esta relação seria considerar o dimensionamento de recursos humanos – se não para todas as unidades, ao menos para aquelas em que se observa maior demanda. Com a delimitação apropriada, alivia-se a carga de trabalho dos profissionais, o que vai permitir cuidado de maior qualidade e com menos riscos.

Os potenciais fatores de iatrogenia constatados neste estudo puseram em questão até que ponto estes dados expressam a realidade. Isso porque poucos são os profissionais que registram suas intervenções de maneira correta, apresentando o que e como foi realmente feito e quais intercorrências resultaram desse processo. Ressalta-se ainda que os registros de iatrogenias apontados neste estudo relatavam apenas a atitude tomada após sua ocorrência, sem evidências de notificação formal.

Porém, entende-se que esse registro formal é responsabilidade ética de qualquer profissional que lida com vidas, especialmente de seres humanos, uma vez que sua ausência, do ponto de vista ético-legal, configura negligência. A subnotificação pode estar associada à pouca discussão entre a equipe de saúde acerca da temática, ou pode ser creditada à tentativa de autopreservação como indício do receio de comunicar formalmente alguma imperícia cometida, tornando-se passível de punições.

Divulgar o conceito de iatrogenia, especialmente relacionada a pacientes idosos, assim como a importância de sua prevenção e notificação, aumenta o conhecimento técnico do profissional acerca dos procedimentos específicos de sua área, podendo diminuir a ocorrência de erros. Neste mesmo discurso, reflete-se sobre atos imprudentes, quando ações são precipitadas e sem a devida precaução, pois procedimentos de enfermagem com esta característica contribuem para atos iatrogênicos. Assim, sugere-se que termos éticos de negligência, imperícia e imprudência também sejam divulgados por sua ligação com todo o processo iatrogênico.

Dessa forma, este estudo pretende impulsionar novas pesquisas sobre o tema de modo a verificar estratégias que minimizem iatrogenias, diminuindo a ocorrência de sequelas e morte de pacientes. Além disso, como os recursos destinados à saúde são sempre escassos, propõe-se refletir sobre o custo da internação hospitalar, principalmente considerando complicações decorrentes da permanência prolongada do paciente na instituição.