Resumo: Trata-se de estudo descritivo-interpretativo de abordagem qualitativa, realizado em universidade pública de Mato Grosso, que teve como objetivo conhecer os conflitos nas relações de trabalho entre professores universitários. O estudo ocorreu entre janeiro e abril de 2017, por meio de entrevista semiestruturada guiada por roteiro pré-testado, elaborado pelos próprios pesquisadores. Os dados foram examinados com base na análise de conteúdo. Foi observada no ambiente universitário a presença constante de conflitos, desonestidade, exclusão, exigências/(auto)cobranças excessivas e indiferença ao trabalho coletivo, o que prejudica o pleno desenvolvimento das atividades docentes. Conclui-se que promover relações laborais mais harmoniosas, pautadas no diálogo, no respeito ao outro e a seu trabalho e na mediação dos conflitos pode ajudar a superar esse cenário.
Palavras chave: BioéticaBioética,DocentesDocentes,Relações interpessoaisRelações interpessoais.
PESQUISA
Conflitos nas relações de trabalho entre professores universitários
Recepção: 6 Março 2018
Revised document received: 24 Julho 2019
Aprovação: 26 Julho 2019
Nas últimas décadas, o trabalho docente vem passando por transformações significativas, baseadas na lógica do neoliberalismo. Nas universidades públicas, esse direcionamento trouxe algumas consequências, como a intensificação do controle e avaliação da produtividade docente, relações desiguais de poder e precarização das condições de trabalho, colocando em risco a integridade dos profissionais no ambiente universitário 1. Essas circunstâncias também ameaçam o princípio da dignidade humana, pois impedem que o professor se desenvolva por meio de sua atividade profissional, subjugando-o a uma lógica econômica e produtiva que impossibilita uma práxis pedagógica na qual pode exercer autonomia e liberdade para conceber suas práticas 2.
As relações de poder na universidade, predominantemente heterogêneas, são percebidas por muitos professores como injustas e desrespeitosas, gerando revolta, insatisfação, irritabilidade e comportamentos sociais incompatíveis com boas relações de trabalho. O problema pode ainda ser agravado pela idealização, por parte dos professores, do sentido e do significado da docência a partir da ideia de vocação e sacrifício, abandono e renúncia de si, o que recrudesce a sensação de perda da dignidade 3.
Diante desse contexto, a ética da vida – “bioética” – é chamada a campo para promover o respeito aos direitos e à dignidade humana, cooperando com a conquista da autonomia e da responsabilidade 4 que respaldam seus conceitos, princípios e valores. A bioética no ambiente universitário não está focada somente na relação professor-aluno, tão forte e representativa nas pesquisas, mas se expande para a dinâmica do corpo docente, em que cenários de individualismo e interferência nas relações de trabalho acentuam vulnerabilidades e conflitos prejudiciais a todo o coletivo 5.
Além disso, o importante papel das universidades públicas brasileiras, principalmente no direcionamento dos avanços técnicos, científicos, sociais e culturais, reforça a necessidade de estudos permanentes voltados à operacionalização do trabalho, a fim de alavancar melhorias ou identificar conflitos que comprometam o desenvolvimento dos profissionais e, consequentemente, da universidade 6. Assim, o estudo objetivou conhecer alguns conflitos deste contexto.
Este estudo, de caráter descritivo-interpretativo e qualitativo, foi desenvolvido em instituição pública de ensino superior em Mato Grosso, Brasil, escolhida por ser considerada referência na região e estar sediada em um dos maiores polos educacionais do estado. Além disso, a escolha foi motivada pela sinalização, por parte da reitoria da universidade, de que não havia pesquisas com essa temática feitas in loco , e que um estudo como este, sobre saúde e bem-estar dos servidores, ajudaria a traçar novas estratégias de gestão e desenvolvimento.
Participaram do estudo professores que atenderam aos critérios de inclusão: mínimo de sete anos de docência na instituição, em áreas de ciências humanas (educação, geografia, filosofia e sociologia), exatas (física e matemática), engenharia (engenharia civil) ou biológicas e saúde (enfermagem, farmácia e biomedicina). O período de sete anos foi definido em virtude de a literatura revelar que profissionais nessa fase ocupacional tendem a adoecer mais e, consequentemente, a se afastar mais por indicação médica 7. Foram excluídos professores de educação física, artes/educação artística, música, informática e línguas estrangeiras, uma vez que a prática docente dessas áreas se distingue em diversos aspectos das disciplinas tradicionais 8.
A amostragem foi não probabilística, e seu limite foi definido com base na exaustividade das informações de interesse e na saturação dos dados 9. As entrevistas com os participantes ocorreram entre janeiro e abril de 2017. Inicialmente, contatou-se o reitor da universidade para que tomasse ciência e autorizasse o estudo. Posteriormente, a fim de apresentar a pesquisa ao corpo docente e à gestão universitária, foi encaminhado para os departamentos, por e-mail , um documento com informações sobre o estudo, objetivos, finalidades, riscos e benefícios da participação. Antes da coleta de dados, o roteiro de entrevista foi testado com professores do mesmo ambiente dos participantes, escolhidos de forma aleatória, mas respeitando-se também os critérios de inclusão.
Após essa etapa, os pesquisadores iniciaram a abordagem aos professores no campus da universidade, durante as aulas, nos intervalos ou ao término do turno de trabalho. Com o primeiro docente disposto a participar, agendou-se encontro em local e horário de preferência do entrevistado, visando seu conforto, anonimato e sigilo. Elaborado por um dos pesquisadores, o roteiro da entrevista continha questões fechadas (dados sociodemográficos e profissionais) e abertas (percepções sobre o ambiente universitário e a relação entre os pares). A duração média das entrevistas foi de 20 minutos.
Depois de coletadas, as entrevistas foram transcritas na íntegra e examinadas pelo método de análise de conteúdo descrito por Bardin 10, percorrendo as etapas de pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados. Para manter o anonimato, as narrativas foram identificadas pela letra “P”, de “participante”, seguida do número referente à ordem das entrevistas.
O estudo foi originalmente tese de doutorado defendida no programa de pós-graduação em Bioética do Centro Universitário São Camilo (Cusc). Foram respeitados todos os aspectos éticos, conforme a Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), e a pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos (CEP/Cusc).
Dos 108 professores aptos a participar do estudo, no primeiro momento foram abordados 21 (pré-teste), cujas entrevistas serviram somente para aprimorar o roteiro de coleta de dados e não foram incluídas nos resultados. Depois abordaram-se outros 58 professores; destes, 27 recusaram-se a integrar o estudo (sem justificativa, apenas com breve negativa e agradecimento pelo contato), totalizando ao final amostra com 31 participantes. Estes professores pertenciam às áreas de ciências humanas (n=6), exatas (n=3), engenharia (n=5), biológicas e saúde (n=17). Predominantemente do sexo masculino, e com faixa etária entre 28 e 60 anos, a maioria dos participantes declarou-se branca, casada e sem filhos, possuindo alguma religião.
Sobre o perfil profissional, a maioria tem título de doutor e estava trabalhando entre sete e dez anos na instituição, em regime de dedicação exclusiva, com 12 horas de ensino. Quanto ao relacionamento com os pares, os participantes relataram não conhecer todos os professores de seu departamento, não participando de votações/decisões do curso, nem de confraternizações promovidas pelos colegas. A maior parte afirmou que havia conflitos entre professores do departamento, os quais já estiveram no centro em algum momento de suas atividades didático-pedagógicas.
Algumas políticas educacionais adotadas pela universidade em estudo não foram discutidas e/ou suficientemente compreendidas por todos os docentes, o que acabou por contrariar convicções ético-morais,
“ Porque somos muito cobrados em relação às avaliações do MEC [Ministério da Educação] , em que somos obrigados a mentir, correndo o risco de perder o emprego ” (P3);
“ Para atingir metas da instituição, a direção fazia uso de ameaça ” (P4);
“ Durante a implantação do Reuni [Reestruturação e Expansão das Universidades Federais] , vivi momentos conflituosos, pois a composição do programa trazia a necessidade de aprovar 90% dos alunos para ter acesso ao financiamento ” (P11).
Esse perfil profissional, incompatível com o reconhecimento do lugar ocupado, pode levar a uma dinâmica de trabalho que gera sofrimento ao professor universitário, que entende não ter o mesmo envolvimento dos demais colegas, acarretando sensação de desvantagem ou desconsideração:
“ Me sinto isolado e excluído dos colegiados e nas decisões do curso. (…) Acho que tenho autonomia, mas parece que não tenho o mesmo valor e reconhecimento de outros, ou [tenho a] sensação que não tenho os mesmos direitos ” (P17).
A falta de oportunidades para participar e contribuir com o curso e a universidade interfere na produtividade e afeta a saúde dos docentes:
“ Sofri mais quando estava na faculdade privada, mas aqui também me via numa ‘sinuca de bico’, sofrendo pressão para trabalhar em ritmo diferente do meu. Isso me fazia sentir mal e adoeci nessa época ” (P3);
“ Em função da sobrecarga de trabalho, as prioridades de carreira foram alteradas, levando ao comprometimento da pós-graduação. Tive crises de pânico e ansiedade ” (P4);
“[Houve] situações de pressão, atribuições de disciplinas com carga horária alta e coações em aceitar tudo calado, o que aumenta o estresse e favorece o adoecimento físico e mental ” (P9);
“ A universidade exige muito hora-aula, tirando o professor do laboratório. O professor que faz pesquisa, que são muito poucos, é prejudicado porque trabalha com pesquisa e também tem que dar a mesma quantidade de hora-aula em comparação àquele que não faz. O professor, no final do semestre, está exausto, sobrecarregado, o que faz reduzir sua produtividade ” (P10);
“ Em alguns momentos nem me via mais útil, era muito estresse. Nossa, nem gosto de lembrar. Tomo remédio agora ” (P11);
“ Eu fiz um esforço danado para não adoecer, mas na universidade, feliz ou infelizmente, o trabalho do docente é muito solitário e às vezes pouco solidário ” (P15).
O comportamento dos colegas, individualmente ou em grupo (colegiado do curso), interfere no bem-estar e nas relações interpessoais. Alguns docentes se sentem desrespeitados, isolados, sem apoio e reconhecimento, o que acaba por trazer diferentes formas de desmotivação:
“ Já deixei de fazer muitas coisas nesse curso por estar desmotivada, pelo fato de pouquíssimos se empenharem por um curso melhor. Quando entrei na universidade, após compreender como seria meu trabalho, sempre rodeada de pessoas egoístas e individualistas, que nunca cooperavam por um trabalho em equipe, tive crises de choro, desespero, isolamento, pois não era o que eu esperava. Foi muito difícil, mas superei isso ” (P5);
“ Sim, principalmente quando recebi negativa pelos meus colegas de trabalho [colegiado de curso] quanto a minha liberação para capacitação, sendo que não havia outros colegas afastados e minha saída estava legalmente correta. E isso desmotiva, (…) como se eu fosse um péssimo profissional, uma falta de ética total ” (P6);
“ No meu caso, me sinto desestimulada, muitas vezes porque eu me cobro para fazer as coisas corretamente e, quando não há o menor reconhecimento, você perde o tesão ” (P8);
“ Nem sempre é fácil trabalhar muito e observar colegas não fazendo o mesmo, pelo mesmo salário. É cansativo querer alterar o status quo . No entanto, cada indivíduo tem suas expectativas e todos devem ser respeitados, partindo da premissa que cada um faz seu melhor. (…) Mas é muito conflituoso o ambiente, difícil não adoecer ” (P12).
Como observado nas narrativas, os docentes relatam circunstâncias em que são alienados ou desconsiderados nas tomadas de decisão, tendo suas convicções éticas confrontadas pela autoridade de lideranças cujo poder é incompatível com aquilo que consideram correto para a integridade institucional e a comunidade acadêmica. A falta de lisura na condução das atividades acadêmicas por parte da gestão universitária e a impossibilidade de cumprir o compromisso ético do professor na educação superior geram desconfortos de diversas ordens. Nesse cenário, em que faltam mediações, as atividades acadêmicas perdem sua efetividade, assumindo caráter automático que, segundo Freire 11, anula a possibilidade de iniciativas didático-pedagógicas e afeta o protagonismo tanto de docentes como de estudantes.
Essas consequências se dão tanto em nível individual quanto institucional. No primeiro, aparece o sofrimento pela submissão em situações de conflito, com o desenvolvimento de burnout , absenteísmo e abandono da profissão; já no segundo, aparecem altos índices de rotatividade e dificuldade institucional em manter o padrão de qualidade, o que parece estar associado à constante falta de prevenção e acolhimento às demandas do corpo docente 12 , 13. Na incapacidade da instituição em abordar e atuar diante desses prejuízos, os profissionais tornam-se mais vulneráveis, lutando com culpa, vergonha, confusão moral e ausência de significado; problemas que podem persistir por longos períodos e criar obstáculos para mudanças positivas 13.
Todavia, a filosofia das instituições também pode produzir prazer no trabalho. Para tanto, a gestão deve ser democrática, com liderança visível, mas ponderada, capaz de estabelecer regras e normas com participação dos trabalhadores, gerindo necessidades individuais e organizacionais. Quando isso não acontece, o resultado é desordem e adoecimento 14, com inibição do pensamento crítico e da proatividade dos docentes 7.
Neste contexto, a bioética latino-americana propõe um diálogo mais plural, que inclui questões sociais, envolvendo indivíduos comumente em situação de opressão e privados de exercer sua autonomia. Essa perspectiva bioética avalia a desigualdade social também por critérios subjetivos, indicando a correlação entre a percepção da pessoa e a realidade 15. Assim, a identificação de sensações de dor e prazer na experiência corpórea do professor, em sua relação com os outros e o ambiente tende a sinalizar intervenções a serem implementadas.
Na presente pesquisa, a influência desses aspectos parece evidente, ainda que, por ora, o problema não tenha recebido atenção da gestão acadêmica, que poderia reconhecer estas questões para reorganizar as práticas de gerenciamento do trabalho, bem como mitigar conflitos. Entretanto, toda tomada de decisão requer um processo reflexivo, mas o imediatismo e vícios em julgamentos, normalmente predominantes nesses espaços, atrapalham e interferem essa condução.
A bioética propicia essas reflexões e permite desvelar o universo das dimensões humanas, sociais, culturais e de saúde. No âmbito acadêmico, para além de esforços e medidas que buscam intervenções e proteção ao professor, um novo fundamento teórico é concebido, o Bioeticare , entendido como um cuidado bioético, voltado à consolidação do princípio da justiça, na integração e interação da diversidade dos grupos, como recurso emancipatório para garantir direitos e possibilidade de participação social no espaço de trabalho.
Esse cuidado bioético favorecido pelo despertar de uma consciência crítica zela pelo cuidado com o ambiente e torna-se fermento de transformação dentro da instituição. E como o cuidado exige uma prática, um empenho de si para o outro, esse cuidado é um pensar constante no outro, na valorização do ser humano em todas as suas singularidades, levantando os riscos e evidências que determinarão ação efetiva. Dessa forma, o Bioeticare conduz ao entendimento de uma prática que previne, interrompe ou minimiza os impactos adversos que experimentam os profissionais, um processo de preservação da vida nos diferentes ambientes.
Estudo realizado em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil, indica que, quanto mais conflitos nas relações de trabalho entre professores e sem ações efetivas para preveni-los ou mitigá-los, maiores são a indiferença e o distanciamento 16. Um dos motivadores desse comportamento excludente é a atitude centralizadora de alguns profissionais da gestão universitária, fortemente associada a ideias de adaptação e flexibilidade do trabalho e do trabalhador e à crença de que a transformação de práticas e da cultura profissional depende apenas de um poder central forte, que seja o locus da inovação institucional e de soluções a serem aplicadas pelos níveis hierárquicos inferiores. Deste modo, simplificam-se ao extremo os contextos específicos e as particularidades dos profissionais, em que toda a complexidade do mundo social se manifesta 17.
O papel do profissional não se restringe a apoiar administrativamente as atividades acadêmicas; seu envolvimento técnico, científico, didático-pedagógico e humano deve ser valorizado, com a prerrogativa de não somente ser avaliado, mas também contribuir na análise e edificação dos saberes aplicados à práxis. Esse fazer profissional, que carrega a singular função de promover a cidadania, justifica a construção e ressignificação de novos caminhos, com vistas a diminuir diferenças sociais do coletivo docente 18.
De acordo com os participantes do presente estudo, os direitos garantidos pela função exercida não asseguram igualdade de participação, sendo necessária nova cidadania, em que o sujeito seja autor – inerente ou empoderado – da transformação social. Para Freire 11, no trabalho docente, essa transformação ocorre pela educação emancipatória, que para ser efetivada precisa da participação concreta de todos os indivíduos implicados nesse universo, a partir de práticas intencionais que sinalizem direções para as transformações, tendo a liberdade e a autonomia como constituintes do ideal da cidadania, de modo a aproximar o docente da dimensão de conhecimentos e de valores éticos de sua profissão 19.
Sujeitos indiferentes a outros no espaço de trabalho são caracterizados por valores conservadores e atitudes prejudiciais. Por outro lado, a responsabilidade social, uma moralidade inclusiva e relação mais crítica e construtiva com a autoridade contrastam essa indiferença no grupo e facilitam intervenções 20.
Soma-se à indiferença a pressão sobre os docentes, em especial pelo aumento da demanda de trabalho dentro da carga horária estabelecida – comumente em dedicação exclusiva, o que intensifica a ideia de que o professor pode produzir mais, para corresponder às determinações do mercado didático e científico. Em consequência, as relações entre os pares começam a se exaurir e tornam-se cada vez mais distantes, ou autoritárias e desmedidas, a depender da universidade 21.
A exigência de que o professor assuma responsabilidades além das previstas para desempenhar sua atividade laboral precípua precisa ser compensada, no mínimo, pelo reconhecimento da ação docente. Se isso não ocorre, a responsabilidade pelo processo pedagógico passa a ser percebida como sobrecarga e gera intenso mal-estar. Dessa maneira, o professor perde o sentido de sua práxis, ou seja, o sentido de ensinar, e consequentemente seu trabalho perde valor. A práxis humana é mediada socialmente; portanto, o trabalho não se limita à mera execução de determinada atividade – trabalhar é transformar-se a si mesmo e aos outros 22.
Pesquisadores conceituam o excesso de carga de trabalho – junto com construções similares, por exemplo, a de responsabilidade – como estressor que dificulta a promoção de relações menos conflituosas 23 , 24. O que hoje se encontra nas universidades são profissionais insatisfeitos, trabalhando em condições que levam à frustração e à alienação. A tríade ensino, pesquisa e extensão não tem sido integrada 17, e esse desencontro, somado ao comportamento indiferente de professores à prática cooperativa, também causa conflitos, pois enfrentar colegas e gestão para justificar ou cobrar condutas éticas produz a sensação de trabalho isolado e infrutífero.
Na Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos , a cooperação está associada à solidariedade que, segundo Garrafa 25, requer relação bilateral e recíproca entre pessoas, grupos ou setores inseridos em situações histórico-sociais diferentes. A cooperação entre professores tende a suavizar conflitos, dadas as possibilidades de intervenção didática, pedagógica ou cultural que se abrem. Dessa interação entre os pares nascem as “comunidades de aprendizagem”, participantes de todo o processo de ensino-aprendizagem, espaços para compartilhar experiências, dificuldades e modos de superá-las, para se situar no mundo e receber apoio do coletivo 26.
No entanto, quando percebem desigualdade ou indiferença, os professores tendem a ser autodestrutivos em relação à atividade docente, o que reflete diretamente na qualidade da dinâmica de trabalho 27. Como os estudantes se espelham nos comportamentos e relações interpessoais de seus docentes 28, o conflito, que inicialmente parecia estar restrito aos professores, pode atingir toda a comunidade acadêmica e afetar a formação profissional e ética.
Sabe-se que o trabalho cooperativo e a união do grupo são fontes de satisfação e meios para minimizar conflitos 29, os quais, ao permanecerem invisíveis e sem intervenção, se agudizam a ponto de produzir doenças. Fragilizam-se então os laços de solidariedade e ética, imperando o individualismo e a competitividade, contra os quais Freire propõe um projeto pedagógico educativo e libertador, voltado para a construção de um ambiente favorável a uma práxis democrática e participativa, que tenha como pressuposto fundamental o desenvolvimento da autonomia dos educandos 30.
Com o estudo foi possível verificar conflitos nas relações de trabalho entre professores universitários, destacando-se entre os problemas a desonestidade, exclusão, exigências/(auto)cobranças excessivas e indiferença à prática coletiva, revelando espaço deletério e com explícita desigualdade entre os pares. Essas características afetam o trabalho e o desempenho dos profissionais, interferindo no desenvolvimento da instituição.
Há colegas ou grupos que, valendo-se de relações de poder desiguais, condicionam o outro de acordo com seus próprios interesses ou predileções particulares. Essas atitudes geram prejuízos didático-pedagógicos, empobrecem as práticas docentes e diminuem as possibilidades de interação e cooperação com o coletivo. A defesa da ética que valorize o diálogo entre os pares e o respeito às especificidades do indivíduo como potencialidade do grupo confronta-se com a competividade nas interações entre colegas, levando à sensação de injustiça e vulnerabilidade diante da dinâmica de trabalho imposta pela chefia. Os professores veem-se então desprotegidos, sem apoio da gestão para minimizar conflitos e seus impactos. Esta, pelo contrário, não prestigia o trabalhador enquanto ser humano e integrante da equipe, criando sentimento de frustração e desmotivação.
A partir desse cenário, observa-se que na universidade estudada os conflitos são constantes, o que prejudica o pleno exercício das atividades docentes, com reflexos para toda a comunidade acadêmica. Assim, promover relações laborais mais harmoniosas, pautadas no diálogo, no respeito ao outro e ao seu trabalho e na mediação dos conflitos, é caminho favorável para superar esses problemas. As ações podem se fundamentar na bioética, que opera em ambientes acadêmicos como promotora da dignidade humana entre docentes e busca soluções oportunas e concretas para conflitos que se manifestam no cotidiano.
As universidades podem adotar comportamentos e políticas que identifiquem as condições laborais e pessoais desses profissionais, com estratégias que fomentem o cuidado bioético, melhorando a dinâmica de trabalho e a qualidade de vida de todos. Para isso, ainda são necessários novos estudos que elucidem recursos individuais e institucionais, na busca de bem-estar e crescimento de todos os que vivenciam o ambiente acadêmico.
Vagner Ferreira do Nascimento redigiu o manuscrito e, com Ana Maria Lombardi Daibem, realizou a revisão crítica e aprovou a versão final. Todos os autores conceberam o projeto.
Vagner Ferreira do Nascimento – Doutor – vagnerschon@hotmail.com
Ana Maria Lombardi Daibem – Doutora – amldaibem@gmail.com
Márcio Fabri dos Anjos – Doutor – pesrel@terra.com.br
Correspondência: Vagner Ferreira do Nascimento – Rua Moreira Cabral, 475, Campinas CEP 78600-000. Barra do Garças/MT, Brasil.