Resumo: A inserção da bioética na educação básica e a bioética ambiental são duas vertentes em ascensão. Na confluência dessas duas áreas, desponta ação promovida pela Organização das Nações Unidas denominada “Objetivos do desenvolvimento sustentável”, cuja agenda propõe 17 objetivos a serem cumpridos até 2030 para o equilíbrio das dimensões econômica, social e ambiental do desenvolvimento. Neste escopo foi realizada a atividade “Caminho do diálogo II”, que apresentou estudantes de ensino médio à reflexão sobre bioética e aos objetivos do desenvolvimento sustentável. Este artigo relata a experiência dessa intervenção e discute a bioética no contexto da educação, sem a intenção de trabalhar formalmente conceitos de bioética, mas de introduzir a perspectiva bioética pelo diálogo interdisciplinar de forma a identificar vulnerabilidades e debater soluções em meio ambiente, desenvolvimento e sustentabilidade. Aprovação CEP-PUCPR 2.672.382
Palavras-chave: Indicadores de desenvolvimento sustentável, Educação em saúde ambiental, Ensino fundamental e médio, Educação, Bioética.
Resumen
Camino del diálogo II: la ampliación de la experiencia bioética para la enseñanza secundaria La inclusión de la bioética en la educación básica y la bioética ambiental son dos vertientes en ascenso. En la confluencia de estas dos áreas, surge una acción promovida por la Organización de las Naciones Unidas denominada “Objetivos del desarrollo sostenible”, cuya agenda propone 17 objetivos que se deben cumplir hasta el 2030, buscando el equilibrio de las dimensiones económica, social y ambiental del desarrollo. En este ámbito, se realizó la actividad “Camino del diálogo II”, que presentó a estudiantes de enseñanza secundaria la reflexión sobre bioética y los objetivos del desarrollo sostenible. Este artículo relata la experiencia de dicha intervención y discute la bioética en el contexto de la educación, no con la intención de trabajar formalmente conceptos de bioética, sino de introducir la perspectiva bioética por el diálogo interdisciplinar para identificar vulnerabilidades y discutir soluciones en medio ambiente, desarrollo y sostenibilidad.
Palabras clave: Indicadores de desarrollo sostenible, Educación en salud ambiental, Educación primaria y secundaria, Educación, Comunicación, Bioética.
Abstract
Path of dialogue II: expanding the bioethics experience for high school The insertion of bioethics in basic education and the environmental bioethics are two growing aspects of bioethics. At the confluence of these two areas, the action promoted by the United Nations Organization called “Sustainable Development Goals” emerges. Its agenda proposes 17 goals to be fulfilled by 2030, aiming at the balance between the economic, social and environmental dimensions of development. In this scope, the activity “Path of dialogue II” was conducted, which presented high school students with reflections on bioethics and the sustainable development goals. This article reports the experience of this intervention and discusses bioethics from the perspective of education, without the intention of formally teaching concepts of bioethics, but of inserting the perspective of bioethics through interdisciplinary discussions so as to identify vulnerabilities and discuss solutions for the environment, development and sustainability.
Keywords: Sustainable development indicators, Environmental health education, Education, primary and secondary, Education, Bioethics.
PESQUISA
Caminho do diálogo II: ampliando a experiência bioética para o ensino médio
Recepção: 5 Abril 2019
Revised document received: 25 Junho 2019
Aprovação: 26 Junho 2019
A inserção da bioética no ensino e a consolidação da bioética ambiental, embora inerentes a esse campo de atuação e condição sine qua non para a sobrevivência planetária, como ressalta Potter 1,2, despontam no cenário brasileiro com identidade, metodologia e perspectivas próprias, sendo tema de pesquisas e intervenções. Em âmbito nacional foram veiculados nos últimos três anos quatro obras que congregam pesquisadores com essas abordagens inovadoras.
No segmento da educação em bioética, Renk 3 organizou coletânea apresentando diferentes visões sobre a bioética no ensino, campo ainda proeminentemente estudado no nível superior, no contexto de formação profissional e educação em saúde. Embora no ensino básico não sejam analisados documentos oficiais, legislações e diretrizes educacionais, alguns autores 4-7 identificaram claramente espaço para trabalhá-la nesse contexto, tendo em vista a formação de cidadãos críticos, protagonistas que prezem o autocuidado, combatam a violência, as desigualdades e preservem o meio ambiente.
Esses pesquisadores são igualmente a favor da ideia de transpor o espaço formal e enfatizar os aspectos mais característicos da bioética: o diálogo, o viver comunitário e as decisões conjuntas baseadas no desenvolvimento de habilidades sociais e amadurecimento moral, que podem ser propiciados pelos métodos, vivências e espaços próprios do ambiente escolar. Além disso, vale lembrar que o estudante também utiliza diversos meios digitais para interpretar as informações que recebe 5,6.
Rauli e colaboradoras 8 inovaram ao propor metodologias ativas no ensino da bioética, balizadas na ideia de educação como processo social e na concepção de que devem primar por autonomia, senso crítico e protagonismo. A pesquisa desses autores aborda predominantemente ensino superior e comunitário voltados para formação do profissional de saúde por meio de seminários, debates, júri simulado, situações-problema, sala de aula invertida, jogos de tabuleiro, cinema, teatro, música, tecnologias digitais e alternativas artesanais e tecnológicas para o uso de animais. Além disso, discute questões como bioética narrativa e transnarrativa e as fragilidades no acesso à informação. Para o ensino básico, Good, Cunha e Dubiaski-Silva 9 trazem a proposta inovadora do role playing game (RPG) que aumenta dinamicidade, motivação e envolvimento dos alunos em questões éticas próprias das sociedades contemporâneas.
Quanto à bioética ambiental no contexto brasileiro, Fischer e Molinari 10 fundamentam a retomada do cunho ecológico desse campo do conhecimento por meio de análise quantitativa dos trabalhos apresentados em eventos científicos, apontando aumento do viés ambiental na bioética, graças às expressivas contribuições de grupos de pesquisa. Considerando quatro eventos da área, os autores atestaram para palestras e trabalhos apresentados as seguintes frequências e total correspondente: 1) 2000: 6,5 e 12,8% de 77 e 47; 2) 2013: 3,3 e 4,6% de 548 e 213; 3) 2014: 3,1 e 6,5% de 139 e 32; 4) 2015: 5,7 e 24,2% de 124 e 87).
Sobre a inserção da bioética na educação nesses mesmos eventos, as frequências obtidas foram: 1) 2000: 1,2 e 1,5%; 2) 2013: 0 e 15,1%; 3) 2014: 3 e 6,4%; 4) 2015: 0 e 21,7%. Ressalva-se que trabalhos e palestras referentes a bioética no ensino básico corresponderam a 22% de toda amostra considerando os quatro eventos. Naves e Reis 11 fundamentam a bioética ambiental como espaço transdisciplinar de diálogo, congregando ética, bioética e direito. Na coletânea de Sganzerla, Rauli e Renk 12 foram reunidas pesquisas da temática que abarcam desde questões de fundamentação filosófica até a inserção prática da bioética na Agenda 2030, em cidadania, direitos humanos, educação e saúde ambiental, economia, uso da água, agricultura, segurança alimentar e tecnologia.
Os argumentos de Potter 1,2 reforçam a ideia de que o esgotamento dos recursos naturais e a contaminação ambiental colocam em risco a manutenção da vida na Terra. Tendo em vista esses problemas globais e, consequentemente, a responsabilidade de todos os países, a Organização das Nações Unidas (ONU) instituiu metas internacionais de equiparação entre países ricos e pobres para superar limitantes básicos para uma vida digna 13.
Apoiados pela Agenda 21, os objetivos de desenvolvimento do milênio passaram também a abarcar questões ambientais, uma vez que nos últimos 15 anos foram poucos os avanços nessa área 14-16. Foram instituídos objetivos de sustentabilidade, com prazo de alcance em 2030, que incluíram novas metas para erradicar a pobreza, diminuir as desigualdades e promover o meio ambiente visando o bem-estar de todos 13,17.
Os 17 objetivos e 169 metas são considerados ambiciosos, já que pretendem equilibrar as dimensões econômica, social e ambiental 17. A agenda depende do compromisso de cada país em mobilizar recursos materiais e humanos, associando setor privado e terceiro setor, para acompanhar e avaliar os progressos alcançados em nível regional, nacional e global 13.
Entre os pontos assumidos pelos países signatários está a educação 17, uma vez que é preciso desenvolver o senso crítico e a capacidade técnica e criativa dos cidadãos para levá-los a soluções que mitiguem impactos negativos do desenvolvimento tecnológico. Pessini e Sganzerla 17 ressaltam a ideia de educação como bem público, direito humano fundamental, garantia de efetivação de outros direitos e da justiça social, essencial para tolerância, paz, realização humana e desenvolvimento sustentável.
Levando em conta todos esses aspectos e os princípios da bioética ambiental e da inserção desse campo na educação, o Programa de Pós-Graduação em Bioética (PPGB) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) deu continuidade em 2018 ao Caminho do Diálogo 18 no II Congresso Internacional Íbero-Americano de Bioética, sendo esta segunda versão do projeto voltada à educação em bioética dos estudantes do ensino médio e aos objetivos do desenvolvimento sustentável (ODS).
Assim, relata-se aqui a experiência dessa intervenção. A educação em bioética desse público é a ponte que pode unir atores envolvidos em questão ética que demanda valores e interesses comuns para soluções justas e sustentáveis.
Estudantes de graduação e pós-graduação da PUCPR foram convidados a participar da ação, que reuniu 20 graduandos de diferentes cursos da instituição, 25 mestrandos e mestres em bioética, totalizando 45 realizadores da ação. Foram feitas duas reuniões de trabalho para dividir os participantes em seis times que tinham ao menos um doutor, um mestre, um mestrando e um graduando.
Os 17 ODS foram agrupados conforme afinidade e distribuídos entre os grupos (Quadro 1). Durante quatro meses foram realizadas pesquisas sobre o assunto, considerando dados estatísticos, os avanços, as novas propostas, para elaboração de material teórico e interativo (livro paradidático).

Partindo da concepção de que bioética é a ética prática e de que era necessário ajustar a linguagem para o universo adolescente, procurou-se apresentar os ODS em situações reais. A proposta foi utilizar recursos alternativos como imagens, encenação, vídeos ou aplicativos de linguagem dinâmica e envolvente.
Os 68 alunos do ensino médio convidados para a ação, no dia 26 de junho de 2018, eram do Centro Estadual de Educação Profissional de Curitiba e do Colégio Estadual São Paulo Apóstolo. Depois de um bate-papo sobre ODS e bioética, eles foram divididos em dois grupos – metade para o lado direito e outra para o lado esquerdo, repetindo a distribuição, estrutura e conceito da primeira versão da ação 18. Cada equipe passou pelas três estações, terminando com um lanche e a construção da cápsula do tempo. Os estudantes receberam também uma agenda e canetas personalizadas para anotar seus compromissos com as questões debatidas, no período entre 2018 e 2030.
O conceito de árvores da vida na primeira versão do Caminho do Diálogo 18 foi transformado em estações de ODS e estas, visando atender às recomendações da primeira versão, foram reduzidas para que o estudante ficasse mais tempo em cada uma delas.
A estação da fome utilizou como base questões sobre erradicação dessa mazela, segurança alimentar, melhoria nutricional e agricultura sustentável 13. Partiu-se da premissa da dificuldade de refletir sobre a fome com pessoas que não passaram por essa situação – se, por um lado, a pobreza assola milhares de pessoas no mundo, ao mesmo tempo o consumismo desenfreado tem causado obesidade e desnutrição.
A perspectiva da bioética entende que, apesar de não terem passado fome, esses indivíduos podem assumir o papel de agentes morais na questão do desperdício. A equipe trabalhou o tema considerando os impactos da distribuição desigual e perdas no processo de produção e transporte, e na imoralidade atrelada ao desperdício diante de tantas pessoas sofrendo com a fome 19.
A questão foi abordada por jogos criativos e dinâmicos. O primeiro deles representava uma geladeira, e os estudantes deveriam colar post it com seus compromissos em relação a esses ODS. Na segunda atividade o estudante era a peça de um jogo de tabuleiro que, guiada por um dado, deveria se posicionar em cada parada diante de informações sobre o tema. A equipe também preparou e distribuiu deliciosos alimentos feito com sobras que normalmente são descartadas, com destaque para o brigadeiro de casca de banana.
A estação “Qualidade de vida: quantos likes vale sua vida?” discutiu vida saudável, sociedades pacíficas, justiça para todos, cidades e assentamentos inclusivos, sustentáveis e seguros 13. Sua construção partiu da reflexão sobre o valor que o jovem dá para a própria vida.
O bullying é outro ponto preocupante, uma vez que compromete a qualidade de vida de muitos jovens, causando sofrimento e levando a desfechos trágicos 20. A bioética tem se voltado também ao cuidado e acolhimento da pessoa que sofre por não se sentir amada e aceita, uma vez que a diversidade é princípio da natureza e não pode ser motivo de segregação e ódio. Portanto, há muito a discutir sobre esse tópico, não sendo responsabilidade apenas do Estado instituir leis contra bullying, mas todo cidadão deveria se conscientizar desse problema.
A dinâmica da vida ocorreu em um agradável jardim, entre árvores e flores, onde os jovens viram estampados símbolos de agressão. Em seguida, eram estimulados o contato físico, a troca de olhares, o acolhimento às vivências e reflexão coletiva sobre as experiências já vividas e sobre o que o outro sente em situação de opressão.
A estação “Educação: sua escola sua casa… onde você quer viver?” discutiu essa questão muito séria para a bioética e abordou os ODS de educação inclusiva e igualdade de gênero 13. A inclusão econômica, física e intelectual nas escolas remete ao início das civilizações, quando a educação era restrita aos privilegiados que podiam contar com tutores, como Alexandre III da Macedônia, instruído por Aristóteles.
O resto da população contava com educação informal cotidiana, voltada principalmente às atividades relacionadas à sobrevivência e ao trabalho. Atualmente, embora a educação corresponda à sinergia dos aprendizados promovidos pela família, sociedade e escola, a instituição deve propiciar autonomia crítica para escolhas conscientes, incentivando o protagonismo e transformando o indivíduo em cidadão 21.
A dinâmica proposta ocorreu em uma sala adaptada para bate-papo, com arquibancadas acarpetadas, almofadas e pufes que permitiam visão panorâmica e interação entre todos. A dinâmica envolveu simulação na qual uma jovem monitora – que se confundia com os adolescentes – encenava ser aluna atrasada que era impedida de entrar na conversa. Os alunos foram expostos a desafio difícil de ser decifrado, cuja solução seria mais fácil se simplesmente incluíssem a estudante. Ao final, a reflexão conjunta levou à compreensão das injustiças da exclusão.
“Consumo consciente: tudo o que você consome se torna você… Quem você é? Quem você quer ser?” abordou as consequências do consumo inconsciente e os impactos no ambiente, nas alterações climáticas e na conservação da natureza. A estação foi planejada e construída com diversos elementos, iniciando-se em um mundo sombrio, escuro, com odores e ruídos perturbadores para representar o excesso de poluição do ar e da água, sonora, visual e de ondas eletromagnéticas. A instalação também simulava o caótico centro urbano – imagens de poluição, problemas ambientais e distúrbios eram projetadas, e o lixo do dia a dia se espalhava no chão.
Logo após refletir sobre as consequências do consumo desenfreado, os alunos seguiram para a segunda instalação: um jardim com sons da natureza, animais taxidermizados distribuídos pela exuberante vegetação, cuja interação era por códigos de resposta rápida (QR codes) que levavam a sites com informações sobre as espécies. Ao final, receberam mudas do chá da sabedoria (hortelã) que deveria ser cultivado e consumido, símbolo do desenvolvimento da consciência ambiental e do consumo consciente, visando um futuro viável.
“Sustentabilidade: tudo o que você faz um dia volta para você!” partiu da definição de sustentabilidade como ações e atividades para suprir as necessidades atuais sem comprometer as gerações futuras 22, com erradicação da pobreza, desenvolvimento econômico sustentável e industrialização inclusiva 13. O nome da estação (que remete a “bumerangue”) representava a ideia das consequências dos nossos atos no futuro, sendo as dinâmicas relacionadas com a consciência de que o conforto e a comodidade decorrentes do desenvolvimento tecnológico podem resultar em situações irreversíveis. O cenário dessa estação era decorado por imagens chocantes e perturbadoras do cotidiano – descaso com a água, a terra e o ar. O circuito também tinha monitores representando riqueza/pobreza, pureza/poluição e um brinquedo “vai e vem”. Por fim, os estudantes demonstraram suas emoções com emoticons e debateram os temas com os monitores.
A ação aconteceu bem ao lado do Belém, rio limpo com biodiversidade na nascente, mas que sofre os impactos da urbanização não planejada; ao entrar na cidade já não consegue manter a vida, passando a disseminar doenças, mal-estar e perdas econômicas causadas pelas enchentes frequentes.
A estação “Energia e água – a internet da natureza: a conexão atemporal, interespecífica e internacional” teve como tema central a água como bem vital associada a saneamento e energia. Neste caso, o símbolo da ação foi a molécula de água. Considerando que ela é essencial para sobrevivência de qualquer ser vivo nesse planeta, a bioética há tempos vem se debruçando sobre o tema e apontando a necessidade de mitigar vulnerabilidades das populações geradas por más decisões 23.
Essa ação procurou mostrar o quanto água e energia estão intrinsecamente relacionadas a tudo que compõe a vida das pessoas. De forma didática, foram apresentados um pedaço de carne dentro de uma caixa d’água de 500 litros e um barril de pilhas para ilustrar conceitos como água virtual, pegada hídrica, energia cinza e, principalmente, para reforçar que são gastos 15,5 mil litros de água e 31,5 kWh de energia para produzir 1 kg de carne 24. A equipe usou um quiz (jogo interativo) sobre água, saneamento, energia e ODS, cujas respostas deveriam ser dadas com a movimentação dos estudantes de forma dialogada. Os alunos aproveitaram o rio Belém 18 poluído que passava ao lado da estação.
O símbolo da ação foi uma molécula de água que veio do futuro presenciar o que o ser humano do presente está fazendo por ela. Considerou-se que a quantidade atual de água no planeta é a mesma desde a sua formação, e que a mesma água perpassou o tempo, os limites geográficos e os corpos de todos os seres que habitaram a Terra, permitindo a vida e ajudando o ser humano a ultrapassar os limites impostos a sua sobrevivência 22.
A água é mais do que um recurso natural, mais do que um alimento; é a vida, o que nos mantém vivos, sendo impossível atribuir a ela significado ou valor único. Essa substância vai fazer parte do desfecho de nossa civilização, e por isso foi escolhida como símbolo da ação para esses adolescentes que vão construir um futuro longínquo, o qual não irão presenciar. A molécula de água da atividade em questão percorreu o circuito junto com os estudantes, presenciou a interação – as dinâmicas duravam cerca de 30 minutos em cada estação. Depois de os estudantes e tutores receberem explicações sobre a intervenção e a intenção de relatá-la para comunidade científica, assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE).
A intervenção foi avaliada por questionário eletrônico veiculado pelo aplicativo Quatrics, também utilizado na primeira versão do projeto 18, sendo respondido pelos monitores (graduandos, mestrandos, mestres e doutores). Também foram analisados os recados deixados pelos estudantes para o jovem do futuro. As respostas foram categorizadas conforme a técnica de análise de conteúdo semântico de Bardin 25, e os resultados apresentados por estatística descritiva.
Responderam ao questionário 23 alunos da graduação (11 de biologia, 3 de teologia, 1 de ciências sociais, 1 de educação física, 6 de nutrição e 1 de psicologia), 12 mestrandos (8 de bioética, 1 de teologia, 2 de odontologia e 1 de direito), 5 mestres do PPGB e 4 docentes da PUCPR, que atribuíram valores superiores a 8 para todos os itens de avaliação (Figura 1), superando aqueles com menor valor na primeira fase da intervenção (avaliação da organização, participação e contribuição dos estudantes), assim como os valores conferidos a seus próprios conhecimentos antes e após a intervenção 18.

O ponto positivo mais citado espontaneamente pelos respondentes foi a integração entre os cursos e escolas da instituição, entre estudantes, graduandos, mestrandos e docentes, e entre academia/comunidade, como pode ser atestado em alguns exemplos (Tabela 1). Esses resultados corroboram os obtidos na intervenção anterior 18, cujos participantes demonstraram satisfação em trabalhar em projeto comunitário, construção conjunta em prol de valores comuns, no caso, o outro, o planeta e o futuro.

Embora 25,6% dos participantes da pesquisa não tenham identificado pontos negativos, os principais mencionados foram o tempo da intervenção e os poucos estudantes beneficiados (Tabela 1). Na primeira versão do projeto, foram criticados a organização dos grupos, o tempo e o deslocamento dos estudantes 18. As sugestões para atingir mais pessoas, expandir o projeto para outros períodos e levá-lo a mais grupos vulneráveis (como idosos, crianças com necessidades especiais e pessoas com doenças incuráveis) revelam as consequências positivas da ação.
Em relação aos estudantes de ensino médio não foram constatadas diferenças tão evidentes entre os grupos, principalmente porque os temas dos ODS já são trabalhados na escola, mesmo que de forma indireta, e também considerando a própria maturidade dos estudantes. Resultado bem diferente do observado em pesquisa anterior, realizada com estudantes de ensino fundamental 18. Mesmo assim, foi indicado que a participação em ambas as turmas teve características bem diferentes, condicionadas pelo fato de alguns participantes já terem passado por estação anteriormente, e estudantes e monitores se sentirem mais confiantes e “soltos” na interação. Contudo, notou-se que a primeira turma estava mais animada pela novidade, e a última já demonstrava cansaço.
Vale também destacar as descrições emotivas dos estudantes e os sentimentos positivos atrelados à ação (Tabela 1). Assim como atestado na versão anterior do projeto 18, os resultados desta superaram a ideia inicial de inserir o tema a partir da perspectiva bioética na vida do estudante. Os resultados positivos mútuos retroalimentam o desejo de atuar por uma causa que é o bem maior. Dessa forma, os participantes associam a bioética ao meio ambiente, compreendendo que a saúde e dignidade do indivíduo vão além dos limites físicos do corpo biológico.
O assunto envolve conexão entre corpo, mente e espírito, indivíduo e natureza, ações locais e consequências globais, para a promoção da saúde de todos os seres vivos que compartilham hoje a existência nesse planeta, tendo em vista um futuro viável para todos 26. Para alcançar esse objetivo é indispensável fomentar a educação, como apontado pelos participantes, a ponte de comunicação promulgada pela bioética para refinar a busca de valores comuns 5.
Os participantes entenderam como ideia principal da ação a formação de cidadãos consumidores mais conscientes, partindo da concepção de que o consumismo é o principal desencadeador dos excessos cometidos ao ambiente. Além disso, a percepção de que esse processo deve ser intermediado pela bioética foi igualmente identificada (Tabela 1). Por fim, entenderam também que precisam mudar de atitude e multiplicar esses conhecimentos, correspondendo ao compromisso assumido com os ODS 13.
A atitude e participação dos estudantes foram registradas em cada estação, e nos relatos fica claro o impacto dos recursos didáticos utilizados, como as imagens e o lixo disperso, e o encantamento dos alunos por estarem na universidade participando dessa experiência nova. Eles se mostraram ativos e até mesmo os grupos mais tímidos estavam atentos, interessados e fazendo perguntas, demonstrando contato prévio com a temática.
Os discentes reagiram aos ambientes perturbadores, sentindo-se incomodados com o lixo no chão e desconcertados quando convidados a recolher os resíduos em um local que não tinha lixeira compatível. Da mesma forma, surpreenderam-se ao encontrar, em vez de água, um pequeno pedaço de carne na caixa d’água. Muitos tinham dificuldade para falar do futuro, característica apontada nas pesquisas de Fischer e colaboradores 5, segundo as quais essa dificuldade de lidar com questões ambientais está relacionada a conflitos pessoais, transformações físicas e emocionais próprias dessa fase da vida. Fica claro a atenção que deve ser dada a temas como inclusão e bullying diante da reação dos alunos a situações em que fica exposta a vulnerabilidade de um jovem excluído por impulso automático, como vivenciado na estação da educação ou na formação de pares na estação da vida.
Foram analisados os recados deixados para o jovem do futuro (Tabela 2), com destaque para o meio ambiente e ações consideradas politicamente corretas, associadas às temáticas discutidas, como água, lixo, plástico, inclusão e alimentação. Contudo, foram incorporadas também questões de solidariedade, preocupação com o ser humano e respeito (Tabela 2). Fischer e colaboradores 5 alertam para a importância das vivências para o amadurecimento moral dos jovens, influenciado por outros indivíduos da mesma idade ligeiramente mais desenvolvidos moralmente.

Segundo Silva e Krasilchik 27, esse processo é fundamental, uma vez que os estudantes do ensino médio tendem a julgar questões éticas pautados em interesses pessoais ou conjunturais. Este argumento justifica essa ação educativa, cuja validade é atestada na fala dos participantes, caracterizadas principalmente por conselhos e colocações criativas e intrigantes. Muitos estudantes incluíram mensagens adicionais com desenhos (coração e emoticons) indicando afetividade, assim como elementos relacionados à identidade de grupo (Tabela 2). Esses resultados corroboram os de Messias, Anjos e Rosito 28 quando propõem a bioética na educação integral para a formação de futuros cidadãos.
Seguindo a sugestão de ampliar o Caminho do Diálogo, esta nova ação valida mais uma vez esse método dinâmico de inserir a bioética na educação, mesmo sem a intenção de trabalhar formalmente os conceitos de bioética nesse contexto, mas estimulando a reflexão interdisciplinar para identificar vulnerabilidades e discutir soluções na vida social. Com poucos recursos materiais, o projeto contou principalmente com a criatividade e motivação de agentes transformadores, provando ser necessário mais investimentos na formação interdisciplinar e continuada dos professores da educação básica do que nas tecnologias em si.
O principal resultado foi o engajamento de todos os envolvidos, sendo a integração apontada como o maior valor. As questões trabalhadas nos ODS têm grande apelo bioético, uma vez que são permeadas por vulnerabilidades decorrentes das desigualdades e demandam esforço conjunto para serem superadas. É nesse contexto que entram as pautas da bioética ambiental.
Educar é libertar o cidadão, torná-lo consciente de seus direitos e deveres, em busca do bem comum. Embora sabendo que a capacidade de agir e a disposição de cada pessoa dependem de diversas variáveis sociais e pessoais, consideramos que este tipo de experiência pode ajudar o amadurecimento cognitivo, emocional e moral dos participantes. Além disso, colocar graduandos em trabalho conjunto com mestrandos, que se espelham em seus professores, estimula a noção social do objetivo maior da formação.
Além de ser compromisso de todos os povos, firmado no âmbito da ONU, a reflexão e discussão da questão ambiental é necessidade urgente do ser humano. Compreender o planeta e os outros seres como um só sistema faz com que cada pessoa seja protagonista na promoção da saúde global. Nesse sentido, a intervenção aqui apresentada elucida como é possível trabalhar tema de interesse global, de forma dinâmica, descontraída e motivadora, envolvendo diferentes atores sociais.
Também atesta que o conhecimento teórico por si só não é suficiente para grandes mudanças: é preciso compartilhar, ouvir, construir com o outro, com o diferente, para que haja crescimento. Entretanto, para que esse exercício de despertar consciências não se resuma a ação diletante, destinada a poucos privilegiados, é indispensável buscar meios de torná-lo permanente e estendê-lo a públicos mais amplos.
Agradecemos a todos os graduandos, mestrandos, mestres e professores que se entregaram de corpo e alma a esse propósito e possibilitaram a concretização de um ideal. À aliança educativa da PUCPR por apoiar as ideias e operacionalizar a ação de forma tão cuidadosa e íntegra. Especialmente aos estudantes do ensino médio, que trouxeram a esperança de que nossos próximos cidadãos, empresários e governantes sejam mais conscientes que o mundo é plural. Todos temos um valor em comum: a vida.
Thiago Rocha da Cunha – Doutor – rocha.thiago@pucpr.br
Thierry Betazzi Lummertz – Mestrando – thierryl.bio@gmail.com
Gerson Zafalon Martins – Doutor – gerson@portalmedico.org.br
Todos os autores conceberam e executaram o projeto. Marta Luciane Fischer redigiu o artigo e, junto com Thierry Betazzi Lummertz, analisou os dados. Thiago Rocha da Cunha revisou o manuscrito.
Correspondência: Marta Luciane Fischer – Rua Imaculada Conceição, 1.155, Prado Velho CEP 80215-901. Curitiba/PR, Brasil.



