Resumo: A mortalidade infantil é problema de saúde pública e importante indicador, considerando-se que parte dessas mortes ocorre por causas evitáveis. O objetivo deste estudo foi identificar aglomerados espaciais de óbitos de crianças entre 0 e 4 anos, causas evitáveis e variáveis epidemiológicas em Minas Gerais, entre 2011 e 2015, o que possibilitaria melhorar o planejamento dos serviços de saúde do estado. Em ordem decrescente, as intervenções que mais contribuíram para reduzir a incidência desses óbitos foram atenção à mulher na gestação e no parto, atenção ao recém-nascido e ações de diagnóstico e tratamento, de promoção à saúde e de imunoprevenção. Além disso, constatou-se que 46,85% das mortes por causas evitáveis ocorreram no período neonatal, sendo 43,19% das crianças pardas e 55,27% meninos. Quanto à análise espacial, essa mortalidade concentra-se principalmente nas mesorregiões Norte, Vale do Mucuri e Jequitinhonha.
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PESQUISA
Mortalidade infantil evitável em Minas Gerais: perfil epidemiológico e espacial
Recepção: 8 Março 2019
Revised document received: 27 Janeiro 2020
Aprovação: 28 Janeiro 2020
A mortalidade infantil é importante indicador de saúde relacionado a determinantes biossocioculturais e assistenciais, sendo sua redução dependente de políticas públicas e melhoria das condições de vida da população 1 . Esse índice diz respeito a mortes precoces, muitas vezes evitáveis, cuja prevenção requer ações e compromisso da saúde pública para identificar problemas e estratégias 1 .
Segundo Malta e colaboradores 2 , as causas de morte evitáveis podem ser prevenidas, total ou parcialmente, por ações de serviços de saúde acessíveis em determinado local e época. No Brasil, a lista dessas causas foi elaborada por especialistas de diversas áreas sob coordenação do Ministério da Saúde, a partir de ampla revisão da literatura sobre o tema 3 . Os dados se dividem em duas listas, concernentes a menores de 5 anos e a pessoas entre 5 e 74 anos, tendo como referência a 10ª revisão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10) 3 .
As causas de óbito evitáveis por intervenções do sistema de saúde na população menor de 5 anos foram classificadas em subgrupos: reduzíveis por ações de imunoprevenção [;] (…) por adequada atenção à mulher na gestação e parto e ao recém-nascido [;] (…) por ações adequadas de diagnóstico e tratamento [; e] (…) por ações adequadas de promoção à saúde, vinculadas a ações adequadas de atenção à saúde4 .
A mortalidade infantil tem diminuído em todo o mundo ao longo dos últimos anos. No entanto, essa redução não tem sido homogênea no Brasil ou sequer nas regiões de um mesmo estado 5 . Contudo, o desenvolvimento de tecnologias de mapeamento digital abriu novos caminhos para investigações epidemiológicas sobre a distribuição de eventos relacionados à saúde 6 .
A análise espacial e o geoprocessamento são importantes ferramentas para compreender melhor a transmissão e distribuição de doenças e agravos. Estas técnicas permitem identificar características que determinam fatores de risco, levando à otimização de ações voltadas ao contexto 7 .
Informações sanitárias baseadas na distribuição geográfica dos eventos podem influenciar a gestão do sistema de saúde e contribuir para aprimorar o modelo de atenção. O estudo descritivo dos dados disponíveis e das respectivas correlações espaciais amplia a compreensão dos determinantes dos óbitos e pode ser usado na criação de políticas públicas de saúde 7 .
Trata-se de estudo epidemiológico de caráter descritivo. Os dados sobre estatísticas vitais foram coletados no site do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde 8 em abril de 2018 e analisados de acordo com as variáveis disponíveis para tabulação, sendo selecionadas faixa etária, cor, sexo e, por fim, causa do óbito segundo a CID-10. Os dados foram classificados de acordo com as cidades do estado de Minas Gerais e correspondiam ao período de 2011 a 2015.
Posteriormente foram verificadas, no software GeoDa, a autocorrelação espacial entre os municípios mineiros e incidência de óbitos de crianças entre 0 a 4 anos por causas evitáveis, determinadas pelo Índice de Moran global e pelo Índice Local de Associação Espacial (Lisa). Assim, a análise espacial permitiu identificar regiões com maior necessidade de intervenção, agrupamentos ou “ clusters ” de óbitos, e onde o fator geográfico é determinante.
Depois de identificar os padrões de distribuição espacial da mortalidade infantil, a pesquisa analisou a autocorrelação espacial para identificar variável possivelmente relacionada a esta ocorrência. Assim, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) também foi considerado espacialmente. Como o estudo utilizou dados secundários, não houve necessidade de submetê-lo a comitê de ética em pesquisa.
Inicialmente, a estatística descritiva foi utilizada para pesquisar dados a partir das estatísticas vitais disponíveis no Sistema de Informação de Agravos de Notificação 9 . Em relação às causas evitáveis, observa-se que as seguintes ações contribuíram para reduzir a incidência de óbitos: atenção à mulher na gestação e no parto; atenção ao recém-nascido; diagnóstico e tratamento adequados; promoção à saúde e imunoprevenção.
Cerca de 46,85% dos óbitos por causas evitáveis em menores de 5 anos ocorreram no período neonatal (entre 0 e 6 dias de vida), sendo importante salientar que tal dado reflete a assistência de saúde prestada à gestante durante o pré-natal e o parto, como também ao recém-nascido. A maior incidência de óbitos foi de crianças pardas (43,19%), seguida por brancas (39,64%), pretas (3,53%), indígenas (0,42%) e amarelas (0,21%); no restante das notificações (13,01%) a etnia não foi informada. Além disso, os óbitos infantis por causas evitáveis entre 2011 e 2015 foram em maior porcentagem do sexo masculino (55,27%).
Após a análise epidemiológica, partiu-se para a análise espacial. Foram utilizados os softwares TabWin e GeoDa para determinar o Índice de Moran global e Lisa, bem como para obter os valores do diagrama de Moran. Esses índices revelaram autocorrelação espacial entre diversos municípios do estado de Minas Gerais e a incidência de óbitos por causa evitáveis de crianças entre 0 e 4 anos no período de 2011 a 2015.
A partir da incidência desses óbitos por 100 mil habitantes de Minas Gerais no período analisado, o mapa temático da distribuição espacial estratificada foi dividido em quatro classes, pelo método de quantis. Observou-se aglomeração dos óbitos por causas evitáveis em menores de 5 anos na extensão Norte do estado mineiro ( Figura 1 ).
O método descrito permitiu identificar aglomerados de mortalidade por causas evitáveis entre menores de 5 anos principalmente nas mesorregiões Norte, Jequitinhonha e Vale do Mucuri 10 , representadas na Figura 1 em cor vermelha. Esses aglomerados, identificados como alto-alto ( high-high ), indicam os municípios com altos índices de mortalidade infantil que são rodeados por outros municípios também com alta incidência, caracterizando assim o cluster (Lisa). Por outro lado, os aglomerados azuis indicam os munícipios de baixa incidência de mortalidade infantil por causas evitáveis entre menores de 5 anos, cujos vizinhos também se caracterizam por essa baixa incidência.
O IDH, classificado pela Organização das Nações Unidas, foi considerado como fator associado nesta pesquisa por medir o desenvolvimento humano com base em renda, educação e expectativa de vida 11 . Nesse sentido, a mortalidade infantil tem relação direta com o desenvolvimento de determinada região, uma vez que está ligada a aspectos socioeconômicos e é sensível às suas variações.
Os mapas da Figura 2 mostram a mortalidade infantil por causas evitáveis (evento em estudo) e o IDH (fator relacionado) de acordo com a distribuição espacial. A partir da representação do IDH no eixo horizontal e do índice de mortalidade no eixo vertical, observa-se que os municípios com altos índices de mortalidade infantil são os que têm menor IDH.
A localização espacial de eventos sanitários tem papel importante e vem se destacando na literatura da área de saúde pública. Nesse contexto, analisar a distribuição geográfica de óbitos por causas evitáveis de menores de 5 anos pode direcionar ações de melhoria do serviço de saúde visando diminuir essa taxa.
Este estudo identificou áreas de Minas Gerais em que a mortalidade por causas evitáveis na faixa etária estudada é maior, sobretudo nas regiões Norte, Vale do Mucuri e Jequitinhonha, destacando-se também o baixo IDH como fator diretamente relacionado à composição desse indicador de saúde.
De modo geral, a mortalidade infantil por causas evitáveis abrange desenvolvimento socioeconômico, infraestrutura ambiental e outras questões que condicionam problemas de saúde em certa região. Além disso, o acesso e a qualidade dos recursos destinados à saúde materno-infantil são também determinantes para os índices de morte de crianças por causas evitáveis. Assim, os dados discutidos aqui podem subsidiar o planejamento e a gestão de políticas públicas relacionadas à saúde voltadas para o adequado pré-natal, parto e para a proteção da saúde na infância.
De acordo com os resultados deste estudo, crianças de 0 a 6 dias merecem atenção especial, já que estão em faixa etária com alto índice de mortalidade. Nesse contexto, sugerem-se ações voltadas para melhorar a assistência pré-natal, a saúde perinatal – focadas no parto adequado – e o pós-parto, envolvendo, por exemplo, aumento da quantidade de leitos em unidade de terapia intensiva neonatal.
Por outro lado, as ações de imunoprevenção representam a menor porcentagem em relação às causas evitáveis de mortes infantis. Infere-se que a expansão da Estratégia Saúde da Família em conjunto com o Programa Nacional de Imunizações é fundamental para proteger as crianças desde o nascimento contra enfermidades evitáveis, permitindo que deixem de ser – definitivamente – causa de óbito infantil.
Além disso, os dados epidemiológicos obtidos mostram a necessidade de investigações profundas sobre fatores determinantes ou influenciadores dos óbitos por causas evitáveis entre crianças de 0 a 4 anos, indo além de características e fatores espaciais, levando em conta que o IDH é parâmetro importante para mobilizar recursos e instituir políticas públicas voltadas às áreas mais vulneráveis.
Nesse contexto, a abordagem da evitabilidade deste estudo permite refletir acerca dos esforços necessários para melhorar a disponibilidade, utilização e eficácia dos cuidados de saúde, principalmente da atenção ao pré-natal, ao parto, ao recém-nascido e à população infantil de modo geral. Conhecer tal perfil de mortalidade por causas evitáveis em menores de 5 anos suscita intervenções no âmbito da saúde pública para sua redução, considerando as regiões mais críticas e tendo como premissa a plena saúde materno-infantil para atingir bons indicadores tanto sociais quanto sanitários.
O índice de mortalidade infantil é importante para a elaboração de políticas públicas. Nesse sentido, os dados consolidados neste estudo apontam a necessidade e relevância de investigações constantes sobre falhas do sistema de saúde que contribuem para mortes evitáveis na faixa etária de 0 a 4 anos. Uma vez que os óbitos por essas causas estão relacionados à qualidade da atenção à saúde prestada, tanto as autoridades sanitárias quanto a população devem ser conscientizadas sobre o tema, de forma a aprofundar a discussão e influenciar estratégias de saúde pública.
Além disso, a relação entre o IDH e a mortalidade infantil evitável permite inferir que há variáveis para além do provimento dos serviços de saúde do estado. É essencial combater desigualdades regionais e iniquidades sociais, a fim de reduzir homogeneamente a mortalidade infantil, considerando políticas públicas coerentes com a realidade das regiões. Nesse sentido, desenvolvimento econômico, escolaridade e distribuição de renda são aspectos determinantes dos índices de mortalidade de crianças entre 0 e 4 anos, e sua melhoria está associada ao desenvolvimento humano, à qualidade e à expectativa de vida da população.
Torna-se evidente que os condicionantes da mortalidade infantil evitável envolvem não apenas o acesso aos serviços de saúde e a qualidade da assistência, mas também a dimensão socioeconômica da população, e as intervenções conjuntas em ambas as áreas podem mudar o cenário em estudo. Cabe ressaltar também que esses esforços para reduzir a mortalidade infantil refletem o princípio da dignidade da pessoa humana, uma vez que visam o respeito absoluto aos direitos fundamentais e inalienáveis do homem 12 , atuando como instrumentos para transformar a própria realidade e cumprir preceitos bioéticos na perspectiva de saúde pública.
Ambos os autores elaboraram e revisaram o manuscrito.
José de Paula Silva – Doutor – josepaula@gmail.com
Correspondência Ana Flávia da Silva – Rua Doutor Carvalho, 625, apt. 105 CEP 37900-100. Passos/MG, Brasil.