PESQUISA

Problemas éticos vivenciados por enfermeiros na Estratégia Saúde da Família

João Víctor Lira Dourado
Universidade Federal do Ceará, Brasil
Francisca Alanny Rocha Aguiar
Universidade de Fortaleza, Brasil
Roberlandia Evangelista Lopes
UFC, Brasil
Maria Adelane Monteiro da Silva
Universidade Estadual Vale do Acaraú, Brasil
Antonio Rodrigues Ferreira
Universidade Estadual do Ceará, Brasil

Problemas éticos vivenciados por enfermeiros na Estratégia Saúde da Família

Revista Bioética, vol. 28, núm. 2, pp. 356-364, 2020

Conselho Federal de Medicina

Recepção: 12 Fevereiro 2019

Revised document received: 3 Janeiro 2020

Aprovação: 23 Janeiro 2020

Resumo: O objetivo deste trabalho foi identificar problemas éticos vivenciados por enfermeiros na Estratégia Saúde da Família por meio de revisão integrativa realizada entre março e abril de 2018 em quatro bases de dados. Foram utilizados os seguintes descritores, combinados entre si: “ética”, “bioética”, “enfermagem” e “Estratégia Saúde da Família”. Após aplicados os critérios de inclusão e exclusão, restaram oito textos, de cuja análise emergiram quatro categorias: problemas éticos na relação com usuário; na relação com a equipe; na relação com a organização do serviço de saúde; e estratégias adotadas por enfermeiros no enfrentamento desses problemas. Conclui-se que é necessário implementar processos educativos emancipatórios que possibilitem aos profissionais da saúde construir saberes e desenvolver competências para identificar questões éticas e conduzir soluções.

Palavras chave: Enfermagem, Estratégia Saúde da Família, Atenção primária à saúde, Ética, Bioética, Ética em enfermagem.

Desde sua implementação em 1994, a Estratégia Saúde da Família (ESF) vem reorganizando a prática assistencial ao reforçar as características fundamentais da atenção básica. Considerada elemento de articulação do Sistema Único de Saúde (SUS) e porta de entrada preferencial, a ESF tem como foco o indivíduo, a família e a comunidade, com base no controle social e na intersetorialidade, na territorialização com adscrição da clientela e trabalho centrado na vigilância em saúde 1 .

As práticas da ESF são viabilizadas por suas equipes, compostas, no mínimo, por um médico e um enfermeiro – preferencialmente especializados em saúde da família e comunidade –, um auxiliar ou técnico de enfermagem e um agente comunitário. Podem integrar também a equipe um agente de combate a endemias e profissionais de saúde bucal, como cirurgião-dentista – também, de preferência, especializado em saúde da família – e auxiliar ou técnico em saúde bucal 2 .

O enfermeiro tem papel importante na mudança das práticas de atenção do SUS em direção à integralidade do cuidado 3 . No entanto, o cotidiano desse profissional na ESF é marcado por atividades que compõem a dinâmica de funcionamento do serviço de saúde e do trabalho preconizado pelo modelo de atenção, em contexto no qual predominam ideologias e estratégias de gestão que reforçam o paradigma hegemônico 4 .

Por estar diretamente envolvido com a organização do trabalho, com o paciente e sua família, o enfermeiro da ESF frequentemente enfrenta problemas éticos que implicam usuários e equipe de saúde 5 . Nesse contexto, o despreparo do profissional, junto a aspectos macropolíticos, como escassez de recursos financeiros, humanos e materiais, pode agravar conflitos e influenciar sua resolução 6 .

Todavia, são muitas as situações cotidianas que, apesar de envolverem questões éticas, não produzem maiores conflitos. Nesse caso, a falta de consciência dos problemas latentes pode comprometer a qualidade da atenção à saúde e a relação entre profissional e usuário. Ciente disso, o objetivo deste trabalho é identificar aspectos éticos da prática de enfermeiros da ESF.

Método

O trabalho utilizou o método de revisão integrativa da literatura, que permite aprofundar o entendimento sobre fenômeno específico por meio da síntese de múltiplos estudos 7 . Foram seguidas seis etapas: 1) identificação do tema e da questão de pesquisa; 2) estabelecimento de critérios de inclusão e exclusão; 3) seleção dos estudos; 4) categorização dos trabalhos selecionados; 5) análise e interpretação dos resultados obtidos; e 6) apresentação das informações/síntese do conhecimento 8 . O estudo foi orientado pela seguinte pergunta: “O que diz a literatura científica sobre problemas éticos vivenciados por enfermeiros na ESF?”

A pesquisa teve início com consulta aos Descritores em Ciências da Saúde para identificar a terminologia adequada à temática. Foram selecionados descritores controlados em português, inglês e espanhol, respectivamente: “ética”, “ ethics ”, “ ética ”; “bioética”, “ bioethics ”, “ bioética ”; “enfermagem”, “ nursing ”, “ enfermería ”; e “Estratégia Saúde da Família”, “ Family Health Strategy ”, “ Estrategia de Salud Familiar ”. Os descritores foram combinados entre si com o operador booleano “ and ”. Por fim, realizou-se também busca reversa a partir da lista de referências dos textos selecionados.

O levantamento foi feito entre março e abril de 2018 nas seguintes bases de dados: Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde, Medical Literature Analysis and Retrieval System Online/PubMed, Base de Dados em Enfermagem e Scientific Electronic Library Online.

Foram incluídos estudos disponíveis online em português, inglês ou espanhol, sem delimitação temporal. Foram excluídos artigos indisponíveis, relatos de experiência, monografias, dissertações, teses, editoriais, matérias jornalísticas, análises conjunturais, discussões teóricas de conceitos, artigos não originais (resenhas, comentários) e estudos secundários (revisão bibliométrica, bibliográfica, integrativa ou sistemática). Por fim, os artigos selecionados foram lidos na íntegra ( Figura 1 ).

Seleção dos estudos incluídos na revisão integrativa
Figura 1
Seleção dos estudos incluídos na revisão integrativa

Após leitura, os documentos foram classificados quanto a autoria, título, objetivos, local de pesquisa, ano de publicação, principais resultados, método utilizado, conclusões e periódico. Os dados foram armazenados em planilha Microsoft Excel e submetidos a análise visando identificar pontos de convergência e divergência entre os artigos, bem como relações entre achados e questões de pesquisa. Para apresentar os resultados desta revisão integrativa, os elementos mais relevantes foram sintetizados no Quadro 1 e no Anexo.

Quadro 1
Problemas éticos com usuários, equipe e organização do serviço
Problemas éticos com usuários, equipe e organização do serviço

Resultados

Os oito estudos selecionados 5 , 9 - 15 foram publicados entre 2004 e 2016 – cinco entre 2004 e 2011 e três em 2015 e 2016 – e metade deles foram desenvolvidos no estado de São Paulo. Os principais resultados referem-se a conflitos comuns no cotidiano e que frequentemente passam despercebidos, embora contradigam preceitos éticos e morais e recomendações do sistema, comprometendo a qualidade do atendimento.

Quanto ao delineamento metodológico das pesquisas, prevaleceu a abordagem qualitativa, presente em seis estudos. No que se refere às conclusões, os conflitos são apresentados como situações de risco à atenção, identificando-se a necessidade de ampliar o diálogo coletivo e desenvolver novas investigações. Por fim, em relação ao periódico, a maioria dos manuscritos foi publicada em revistas da área de enfermagem (Anexo).

Na análise da produção científica, emergiram quatro categorias: 1) problemas éticos na relação com usuários; 2) problemas éticos na relação com a equipe; 3) problemas éticos na relação com a organização do serviço de saúde; e 4) estratégias adotadas pelos enfermeiros no enfrentamento dos problemas éticos. As três primeiras categorias dividem-se em subcategorias, conforme Quadro 1 .

Problemas éticos na relação com usuários

Os problemas éticos vivenciados pelos enfermeiros na relação com os usuários se referem a comunicação, autonomia e respeito. Verificou-se violação constante de sigilo ao serem reveladas informações do paciente entre a equipe de saúde 5 , 11 , 13 e até para outros usuários 5 , 13 , 14 . Dilema ético comum foi o desafio de estabelecer limites na relação entre profissional, paciente e família 9 , 11 , 12 . Constatou-se também desrespeito do profissional de saúde para com o paciente 9 , 11 , 12 , geralmente motivado por preconceito, bem como problemas com transmissão de informações para tomada de decisão, subestimando a autonomia dos sujeitos 9 , 10 , 12 .

Evidenciou-se também desrespeito para com o enfermeiro por parte de usuários, que se recusam a seguir indicações 9 , 10 , 12 , 14 , realizar exames complementares 12 , receber informações sobre o tratamento 9 , 10 , 12 , 14 ou esperar pela consulta na unidade de saúde 13 . Situação que frequentemente gera conflitos éticos, sobretudo com a família do paciente 9 , 10 , é também a solicitação de procedimentos a menores de idade sem autorização ou conhecimento dos pais ou responsável legal 9 , 10 , 11 .

Outro desafio é a prescrição de medicamentos caros – principalmente quando há remédios mais acessíveis com eficácia semelhante –, o que acaba impossibilitando sua aquisição pelo paciente 9 , 11 , 12 . Em outros casos, constata-se omissão de informações pelo enfermeiro 5 , 9 , 11 , 12 sobre o estado de saúde 12 ou sobre violência patrimonial, física ou psicológica sofrida pelo paciente 5 . Esse problema se deve ao despreparo e desconhecimento do profissional quanto à atitude a ser tomada nessas situações 5 , 11 .

Problemas éticos na relação com a equipe

Os conflitos éticos entre a equipe dizem respeito a informação, relação interprofissional e formação acadêmica. Verificou-se que prescrições médicas foram questionadas por colegas 9 , 10 , 12 e o sigilo médico foi violado, com compartilhamento de informações de usuários e familiares 9 - 14 .

Situações relacionadas ao despreparo para trabalhar no serviço de saúde 9 , 10 , 12 , 14 e o desafio de delimitar as responsabilidades e especificidades de cada profissional se apresentam com bastante frequência, agravando os demais problemas 9 , 10 , 12 , 13 . Quanto à relação entre a equipe, o pouco companheirismo, a falta de respeito e deficiências na comunicação e colaboração 9 , 12 , 14 são compreendidos como fonte dos problemas éticos, dificultando a organização das atividades e dos espaços de atuação 9 , 12 , 13 , 15 .

Problemas éticos na relação com a organização do serviço de saúde

Os conflitos éticos com a gestão se relacionam à estrutura física e organizacional e aos recursos humanos. As reclamações mais frequentes são ausência de apoio para discutir e solucionar dilemas éticos, falta de transparência da gerência da ESF na resolução de problemas com funcionários e condições precárias 9 , 10 , 12 , 14 , 15 . Os enfermeiros relatam ainda dificuldades para preservar a privacidade dos pacientes por conta de deficiências estruturais das unidades de saúde 9 , 10 , 12 .

Entre outros problemas éticos vividos pelos enfermeiros estão: excesso de famílias adscritas para cada equipe 9 , 12 , o que implica sobrecarga de trabalho; pouco tempo para prestar cuidados aos usuários 14 ; dificuldade de acesso a exames laboratoriais 9 , 10 , 12 ; precárias condições da unidade de saúde para atendimentos de urgência; e falta de retaguarda de serviço de remoção 10 , 12 , 15 .

Estratégias adotadas no enfrentamento dos problemas éticos

Os enfermeiros discutem o caso dos pacientes em reuniões com a equipe, compartilhando informações e buscando soluções em conjunto 5 , 14 . Outros recursos utilizados são: estímulo do diálogo e da afetividade entre os envolvidos no conflito; participação da coordenação da equipe para encaminhar a resolução dos problemas 13 ; e auxílio de referências bibliográficas (artigos científicos, código de ética profissional e outros documentos) ou consultores 14 . Em algumas situações, constata-se apelo a redes sociais de apoio, como Conselho Tutelar, Ministério Público, Fundação de Ação Social, SOS Idoso, Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa Idosa 5 e Centro de Referência de Assistência Social 14 .

Discussão

Questões éticas têm sido objeto de investigações, discussões e debates, principalmente no que diz respeito aos serviços de saúde, em que se verificam constantes violações. Entre os problemas enfrentados pelos enfermeiros especificamente na ESF, destaca-se o compartilhamento de informações sigilosas de pacientes entre a equipe ou com outros pacientes. Esta situação viola preceitos éticos e constrange os envolvidos, prejudicando o vínculo estabelecido entre usuário e serviço de saúde.

O Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem, aprovado pela Resolução do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) 564/2017, estabelece no caput de seu artigo 52 que o trabalhador da área deve manter sigilo sobre fato de que tenha conhecimento em razão da atividade profissional, exceto nos casos previstos na legislação ou por determinação judicial, ou com o consentimento escrito da pessoa envolvida ou de seu representante ou responsável legal16 .

A ESF é considerada modelo de reorganização da atenção primária por desenvolver ações direcionadas a promoção e proteção da saúde, prevenção de doenças, diagnóstico, tratamento, recuperação e reabilitação com foco no indivíduo e sua família. Para cumprir seus objetivos, a boa relação entre todos os envolvidos é fundamental. Entretanto, na prática, evidencia-se desrespeito do profissional de saúde para com o paciente, desconsiderando sua autonomia e direito de decidir.

O desrespeito ameaça a relação de vínculo e corresponsabilização essencial ao cuidado 10 . A autonomia, por sua vez, refere-se à capacidade do indivíduo de decidir o que é bom para si e o que entende por bem-estar, de acordo com suas expectativas, valores, necessidades, prioridades e crenças. É ela que garante a liberdade do paciente, permitindo que este não fique vulnerável diante dos profissionais 17 .

Por manter contato estreito e dividir responsabilidades com o paciente, o enfermeiro é importante para assegurar a autonomia e o direito de decidir, garantindo o direito do usuário à autodeterminação e ao livre consentimento. Para tanto, ressalta-se a importância de comunicação efetiva entre as partes, respeito mútuo, consenso e sinergia, em vez da mera sobreposição de saberes.

Do outro lado da relação, identifica-se desrespeito para com o profissional por parte de pacientes que, por exemplo, se recusam a seguir prescrições do enfermeiro ou se negam a esperar pelo atendimento no serviço de saúde. Esse conflito advém de falhas na comunicação, especialmente pela ausência de informação e incompreensão do usuário. Assim, é importante estabelecer vínculos com o paciente e esclarecê-lo, a fim de reduzir a ocorrência de problemas éticos e melhorar a condução do processo terapêutico 6 .

Situação que costuma igualmente gerar conflitos na ESF é o atendimento a menores de idade sem consentimento do responsável legal. Todavia, com base no princípio da autonomia, adolescentes podem ser atendidos sozinhos, caso desejem, e garantir o direito à privacidade é indispensável para melhorar a qualidade da assistência, promover a saúde e prevenir agravos. O profissional deve respeitar a decisão e as escolhas do menor de idade sempre que este tiver capacidade para tal 18 .

Outro problema detectado foi a insensibilidade de alguns profissionais ao indicar remédios de alto custo havendo outros mais baratos e de eficácia semelhante. Quanto a esse ponto, cabe lembrar que o enfermeiro, no exercício de sua profissão na atenção básica, com respaldo do gestor municipal e orientado por protocolos assistenciais, pode prescrever medicamentos. Um dos estudos selecionados para a revisão, desenvolvido em São Paulo/SP com 17 enfermeiros de equipes de saúde da família, apresentou resultados divergentes do presente trabalho, observando preocupação dos profissionais quanto às condições sociais e econômicas dos usuários 11 . A pesquisa ainda destacou que essa preocupação parece indicar a superação da perspectiva biológica de atenção, permitindo diálogo sobre valores e concepções e corresponsabilização pela saúde do paciente 11 .

A omissão de informações aos usuários quanto a seu estado de saúde se revelou outro grande problema ético. Essa situação pode ser fruto de formação centrada no modelo biomédico, com visão fragmentada do processo saúde-doença 19 , que leva ao paradigma conservador e paternalista. Para superar esse obstáculo, é preciso valorizar novo perfil profissional que atenda às reais demandas da população 6 .

O despreparo para atuar na unidade de saúde e a dificuldade de delimitar responsabilidades entre a equipe também foram descritos como fontes permanentes de problemas. O relacionamento com profissionais sem qualificação adequada impede o enfermeiro de realizar seu trabalho em condições ideais, o que traz desconforto e sofrimento 20 . Por sua vez, a dificuldade de delimitar papéis e funções em parte decorre da incorporação de novos profissionais e de inovações nas propostas assistenciais. Nesse contexto, a educação permanente em saúde é a melhor alternativa para abordar e solucionar o problema 13 .

A dificuldade de comunicação e interação entre a equipe de saúde pode ser explicada pela fragmentação do trabalho – que gera intervenções isoladas e justapostas –, pela rotatividade dos profissionais em diferentes espaços, pela estrutura hierárquica do serviço e pela grande demanda de atendimentos. Esse quadro pode comprometer a qualidade da assistência mesmo em proposta como a da ESF, que busca ser interdisciplinar e manter o foco no cuidado humano 21 .

A ausência de estratégias e ferramentas para subsidiar os profissionais na resolução de problemas é outra questão recorrente. Para solucioná-la, é necessário capacitação sistemática, com foco em saberes, atitudes e práticas que fomentem a reflexão crítica sobre problemas éticos, de modo a tornar o profissional apto a detectar os conflitos presentes no cotidiano e, a partir dessa consciência, modificar sua prática assistencial. Esse processo de ensino requer grupos pequenos e conexão da teoria com a prática por meio do compartilhamento de experiências 22 .

A estrutura das unidades de saúde também é causa de conflitos, dada a dificuldade do pessoal de enfermagem em assegurar a privacidade dos pacientes, uma vez que o problema não se restringe à atitude dos profissionais, mas diz respeito também à arquitetura dos ambientes. Diante das condições das unidades, a preocupação dos profissionais em preservar a privacidade física e moral dos usuários e famílias torna-se fonte de estresse 10 . Constata-se, portanto, a necessidade de analisar periodicamente as instalações físicas das instituições e adequá-las ao perfil da população adscrita e ao tipo de procedimento a ser realizado 23 .

Os conflitos éticos com a gestão são causados por problemas como excesso de famílias atendidas por uma mesma equipe e condições precárias de trabalho. Essa falta de organização vem prejudicando o desempenho e impedindo a consolidação dos princípios do SUS e da ESF, que depende do foco no acesso e no cuidado e da participação de líderes, gestores, profissionais, técnicos, acadêmicos e políticos. Só com o engajamento de todos esses atores é possível construir e sedimentar um serviço estruturante, universal e ético 24 , que identifique as reais necessidades da população e viabilize ações para solucionar os problemas mais frequentes, assegurando a qualidade da atenção.

As reuniões com a equipe, o uso de documentos bibliográficos e a solicitação de apoio a outras instituições são algumas das estratégias utilizadas pelos profissionais para conduzir a reflexão e discutir os dilemas da unidade de saúde. Reconhecer essas estratégias é importante para enfrentar situações de conflito ético 25 , 26 .

Por fim, cabe apontar que esta pesquisa tem como limitação a quantidade reduzida de estudos empíricos sobre a temática desenvolvidos na atenção básica. Isso indica lacuna na produção científica e impossibilidade de generalizar os resultados desta revisão, estendendo-os a todos os cenários de cuidado da saúde, uma vez que a bibliografia analisada trata especificamente da ESF.

Considerações finais

Os resultados evidenciam diversos problemas éticos presentes na ESF, como quebra de confidencialidade e sigilo de informações, desrespeito entre profissionais e usuários, condições precárias de trabalho, despreparo e fragilidade do relacionamento entre a equipe. Esses problemas muitas vezes fazem parte do cotidiano, o que dificulta seu reconhecimento; todavia, a falha em percebê-los prejudica o cuidado e implica rompimento do vínculo com o paciente. Por isso, é necessário implementar processos emancipatórios de educação permanente e continuada que possibilitem aos profissionais construir saberes e desenvolver competências para identificar questões éticas e solucioná-las.

Espera-se que o conhecimento produzido por esta investigação estimule mudanças no fazer da enfermagem em direção a uma prática baseada em evidências que promova a cidadania e emancipe os indivíduos envolvidos no processo. Considerando que a revisão integrativa de literatura é apenas um de muitos métodos possíveis para investigar o fenômeno aqui abordado, recomenda-se realizar novos estudos a partir de outros referenciais teórico-metodológicos, em outros cenários de atenção à saúde – primária, secundária e terciária – e com outros informantes – usuários, familiares, profissionais.

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Anexo

Classificação dos estudos
Classificação dos estudos

Autor notes

Participação dos autores

João Víctor Lira Dourado concebeu e delineou o estudo, analisou e interpretou os dados e redigiu a versão a ser publicada. Francisca Alanny Rocha Aguiar, Roberlandia Evangelista Lopes e Maria Adelane Monteiro da Silva analisaram e interpretaram os dados e aprovaram a versão a ser publicada. Antonio Rodrigues Ferreira Júnior redigiu o manuscrito e aprovou a versão a ser publicada.

João Víctor Lira Dourado – Mestrando – jvdourado1996@gmail.com

Francisca Alanny Rocha Aguiar – Doutora – alannyrocha2009@hotmail.com

Roberlandia Evangelista Lopes – Doutora – roberlandialopes@hotmail.com

Maria Adelane Monteiro da Silva – PhD – adelanemonteiro@hotmail.com

Antonio Rodrigues Ferreira Júnior – PhD – arodrigues.junior@uece.br

Correspondência João Víctor Lira Dourado – Rua Professor Costa Mendes, 1.608, bloco Didático, 5º andar, Rodolfo Teófilo CEP 60430-140. Fortaleza/CE, Brasil.

Declaração de interesses

Declaram não haver conflito de interesse.
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