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Validação de inventário de problemas éticos para a saúde bucal
Revista Bioética, vol. 28, núm. 4, pp. 730-739, 2020
Conselho Federal de Medicina

Pesquisa


Recepção: 28 Agosto 2019

Revised document received: 25 Maio 2020

Aprovação: 26 Junho 2020

DOI: https://doi.org/10.1590/1983-80422020284437

Resumo: Trata-se de pesquisa metodológica para validar o Inventário de Problemas Éticos na Atenção Primária à Saúde para a Saúde Bucal por meio da técnica Delphi, buscando consenso entre 23 cirurgiões-dentistas. Solicitou-se análise comparativa entre os itens do inventário de referência e do inventário para saúde bucal, questionando sua compatibilidade e adequação, incluindo problemas éticos específicos da área pesquisada. Os especialistas propuseram reescrever e alterar diversos itens. Houve segunda rodada para buscar consenso nas questões não esgotadas na etapa anterior. A técnica Delphi mostrou-se essencial para obter enunciados mais compreensíveis e adequados, potencializando o emprego do inventário pelos trabalhadores e gestores da saúde bucal, a reflexão ético-política sobre os problemas vividos e a construção de processos coletivos de deliberação.

Palavras-chave: Ética, Bioética, Atenção primária à saúde, Saúde bucal, Estudo de validação.

De acordo com Rovere 1, desde a Declaração de Alma-Ata a atenção primária à saúde (APS) tornou-se pilar da garantia da saúde como direito humano fundamental, pautada em valores como qualidade de vida, solidariedade, equidade, democracia, cidadania e participação. Seguindo esses princípios, a criação do Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro, no auge da redemocratização do país, buscou modificar o padrão biomédico hospitalocêntrico, almejando construir modelo de acesso universal e atenção integral.

Entretanto, diferentemente de outros sistemas universais do pós-guerra, o brasileiro é criado quando o welfare state já está em crise. As políticas neoliberais de austeridade dificultam sua consolidação, devido ao subfinanciamento e à fragmentação gerada por interesses privatistas-mercantilistas. Ao final dos anos 1990, o Programa Saúde da Família, transformado posteriormente em Estratégia Saúde da Família (ESF), volta-se ao fortalecimento da APS, reorganizando processos de trabalho, investindo em tecnologias não materiais, humanizando o cuidado para qualificar a atenção e propondo clínica ampliada, para além do tratamento curativo individualizado 2,3.

A nascente bioética social converge com o movimento sanitário e da saúde coletiva para edificar seu referencial epistemológico e prático, registrando importantes avanços na construção de um conhecimento bioético brasileiro. No campo da bioética clínica, o desafio é consolidar os comitês clínicos de bioética 4. Na APS, a tarefa é desvelar e resolver problemas éticos “naturalizados” por seu imbricamento com questões organizacionais e estruturais.

Nesse contexto, buscou-se desenvolver o Inventário de Problemas Éticos na APS (IPE-APS), voltado a identificar conflitos cotidianos das práticas de saúde. Esse processo colaborou para o surgimento da bioética clínica amplificada 5, referencial que destaca o fato de que, diferentemente da atenção terciária, os problemas éticos na APS não estão ligados a situações emergenciais e tecnologias biomédicas, mas a situações invisibilizadas na práxis da saúde. A abordagem aponta, portanto, para a falta de percepção e de deliberação ética sobre esses problemas, embora a estrutura dos serviços seja importante fator causal 6,7.

No Brasil, a deliberação ética 8,9 para a tomada de decisão diante de conflitos morais tem sido pouco empregada na assistência de alta complexidade devido ao baixo número de comitês de bioética. Já na APS, a deliberação costuma acontecer junto ao controle social, em espaços participativos como os conselhos de saúde, em forma de discussões atravessadas por componentes políticos e distanciadas da perspectiva ética.

O debate na cogestão de equipes que utilizam o método da roda e da problematização baseada na pedagogia freiriana depende do comprometimento dos trabalhadores e gestores. Mas a dimensão ética dos problemas da saúde está inserida nesse contexto participativo? Ela está presente nos espaços de discussão sobre a APS? O método deliberativo poderia ser incorporado aos métodos de gestão já utilizados? Seria necessário construir outros espaços de deliberação ética ou bastaria dar suporte adequado aos trabalhadores?

Diante dessas questões, um instrumento que considerasse diferentes contextos da APS seria ferramenta importante para delimitar problemas éticos e qualificar as práticas em saúde. A saúde bucal, por se limitar à boca – com todos os sentidos epistemológicos e práticos que essa delimitação pode suscitar –, pode ser campo singular para identificar tais problemas e por isso foi escolhida neste estudo. Por meio de levantamento de problemas éticos junto a profissionais da saúde bucal de região metropolitana do Sul do Brasil 10, seguido de etapa de equivalência de itens, de semântica e de conteúdo desses problemas específicos com o IPE-APS por comitê de juízes, deu-se origem a um inventário voltado à saúde bucal (IPE-APS-SB) 10,11. Este artigo apresenta a validação desse novo inventário, que visa promover a reflexão e a deliberação sobre problemas ético-políticos.

Método

A validação busca avaliar a fidedignidade das observações, interpretações e generalizações desenvolvidas ao longo da pesquisa, incluindo as etapas de validação de face, de conteúdo e psicométrica do constructo. A validação de face consiste em aplicar o instrumento adaptado a uma amostra de modo concomitante ao instrumento já existente e validado, considerado padrão-ouro. O processo, que pode ser realizado por comitê de especialistas, justifica-se quando há necessidade de nova escala, embora outras já existam. Já a validação interna ou de conteúdo refere-se ao julgamento sobre o instrumento por diferentes peritos, que analisam o teor e a relevância dos objetivos a se medir 12,13.

Neste trabalho, as análises da equivalência de face e de conteúdo foram desenvolvidas por meio do método Delphi modificado 14, que examina e discute a avaliação de especialistas sobre tópico específico para obter consenso e chegar à versão final. Espelhada no mítico oráculo de Delfos, a técnica é estruturada para coletar sistematicamente juízos sobre determinados problemas, processar informações e construir um acordo geral. Seus princípios básicos são: 1) interatividade, por meio de rodadas sucessivas de consultas para que os participantes revisem suas opiniões; 2) retroalimentação, em que especialistas recebem valorações de todos os participantes antes das rodadas para contrastá-las com seus próprios critérios e oferecer novamente seu juízo; 3) anonimato das respostas individuais; e 4) construção de consenso – acordo geral do grupo a partir do processamento estatístico das diferenças e coincidências entre as apreciações individuais e suas modificações 15.

Para a seleção dos participantes, recomenda-se trabalhar com 10 a 15 especialistas, pois número maior traz poucos benefícios em comparação com o aumento de complexidade 15. No entanto, a amostra por conveniência deste trabalho contou com 23 especialistas, selecionados nos municípios incluídos na pesquisa (Florianópolis, Palhoça, São José e Biguaçu, todos do estado de Santa Catarina). Como a qualidade da validação depende principalmente dos especialistas escolhidos, buscou-se incluir cirurgiões-dentistas com experiência de trabalho na APS e pós-graduação em áreas afins – residência em saúde da família (4); especialização seguida ou não de residência (8); mestrado (4); doutorado (6); ou apenas graduação, mas vasta experiência na APS (1). Considerou-se que esses profissionais detinham saberes e experiências relevantes, além de motivação para participar 14.

Como a etapa de construção do inventário atingiu a quantidade expressiva de 36 itens, na validação foi preciso subdividi-los em dois grupos, com seus respectivos questionários estruturados, a fim de não sobrecarregar os especialistas. O Grupo 1, composto por 12 especialistas, ficou responsável por comparar os 21 itens do IPE-APS de referência com os itens equivalentes do IPE-APS-SB, testando se o item do novo inventário foi elaborado de acordo com o instrumento original, se era compatível com a realidade dos problemas éticos da saúde bucal e se tinha linguagem clara e terminologia correta. O Grupo 2, com 11 especialistas, avaliou 15 problemas éticos específicos da saúde bucal, sem equivalentes no IPE-APS de referência, testando se o item era compatível com a realidade dos problemas éticos da saúde bucal, com linguagem clara e terminologia correta. Em caso de discordância, foi solicitado que reescrevessem o problema a fim de melhorar sua compreensão, tecendo comentários ou explicações.

Os especialistas foram convidados por telefone ou pessoalmente a participar da pesquisa e, depois do aceite, foram distribuídos aleatoriamente nos dois grupos e receberam o questionário entre julho de 2018 e abril de 2019, de modo eletrônico e individual. Na primeira rodada, o instrumento foi acompanhado de nota explicativa que incluiu os objetivos da técnica e do estudo, orientações para as respostas e termo de consentimento livre esclarecido. Na sequência, as respostas foram recebidas e analisadas. Com base nas modificações propostas, vários itens foram reelaborados. As respostas que não atingiram consenso mínimo de 51% 6,7,15 foram levadas para a segunda rodada.

Resultados

A aplicação do método Delphi resultou em duas rodadas de validação, nas quais a redação dos itens foi modificada seguindo as sugestões dos especialistas. Os itens que apresentaram menos de 51% de desacordo 7 foram desconsiderados para a segunda rodada e, como nenhum deles superou 51% de discordância na segunda rodada, não foi necessária uma terceira.

Na primeira rodada do método Delphi, o Grupo 1 de especialistas comparou os itens do IPE-APS de referência com os itens equivalentes do IPE-APS-SB proposto. No quesito “o item está compatível com a realidade dos problemas éticos em saúde bucal, sim ou não?”, apenas três itens (8, 27 e 38) não obtiveram consenso, sendo enviados para segunda rodada. O Grupo 2 analisou os outros itens do IPE-APS-SB proposto. No mesmo quesito, em apenas cinco itens (7, 10, 12, 23 e 27) não se chegou a consenso, sendo estes enviados para segunda rodada. Os Quadros 1 e 2 apresentam a validação feita pelos Grupos 1 e 2, respectivamente. A versão finalizada do IPE-APS-SB pode ser conferida no Anexo.

Quadro 1
Itens do Inventário de Problemas Éticos na Atenção Primária à Saúde para a Saúde Bucal validados pelo método Delphi

APS: atenção primária à saúde; EqSF: equipe de saúde da família; ESB: equipe de saúde bucal; ESF: Estratégia Saúde da Família; IPE-APS: Inventário de Problemas Éticos na Atenção Primária à Saúde; IPE-APS-SB: Inventário de Problemas Éticos na Atenção Primária à Saúde para a Saúde Bucal; PSF: Programa Saúde da Família; SUS: Sistema Único de Saúde; TSB: técnico de saúde bucal; UBS: unidade básica de saúde; USF: unidade de saúde da família
Quadro 2
Itens específicos do Inventário de Problemas Éticos na Atenção Primária à Saúde para a Saúde Bucal validados pelo método Delphi

APS: atenção primária à saúde; ASB: auxiliar de saúde bucal; CEO: centro de especialidades odontológicas; ESB: equipe de saúde bucal; ESF: Estratégia Saúde da Família; TSB: técnico de saúde bucal; UPA: unidade de pronto atendimento

Discussão

Como os especialistas não tiveram acesso a todos os problemas éticos elencados devido à necessidade de subdividi-los em grupos, houve sugestões de “novos” problemas éticos na realidade já contemplados. Na primeira rodada, mesmo os especialistas que concordaram com as formulações propostas teceram considerações ou propuseram melhorias na redação. Muitas vezes, os participantes não compreenderam o problema ético proposto, apontando não ter vivenciado tal conflito e modificando-o substancialmente. Diante das discordâncias ou negações dos problemas enunciados, perceberam-se diferenças nas experiências de cada profissional, dadas as diversas realidades de trabalho de cada município. Entretanto, todos os apontamentos foram considerados.

Tendo em vista que o IPE-APS-SB está sendo proposto para aplicação em diferentes realidades, com distintos modelos de organização e processos de trabalho, procurou-se restringir o problema ético ao seu núcleo de sentido, sem qualificações relacionadas à estrutura da APS, detalhamentos ou justificativas. Assim, seguindo o IPE-APS de referência, buscou-se descrever o problema de forma sucinta.

O principal desafio foi a identificação dos problemas éticos na APS pelos profissionais, tendo em vista a concepção hegemônica de ética, restrita ao âmbito deontológico 16. Trata-se de percepção restrita, que dificulta o entendimento de dimensões ético-políticas que abrangem realidade contextual mais complexa. Tal complexidade parece exigir, em associação com o método de deliberação ética, uma hermenêutica crítica, capaz de pensar o contexto e a configuração dos problemas éticos.

Como a clínica ampliada 5 questiona as relações de poder, tanto entre profissionais e usuários quanto na dimensão social das políticas públicas, os problemas éticos ultrapassam as paredes dos centros de saúde e chegam à vida das pessoas e das famílias, a suas casas e ao território, à comunidade e ao trabalho. Eles envolvem a organização e o funcionamento do sistema de saúde, além de processos macroestruturais socioeconômicos e culturais, transversais à assistência. A teia complexa de relações e ações que permeiam os processos de trabalho em saúde, associada à busca por soluções para os problemas cotidianos, torna a dimensão ética indissociável da política. Essa complexidade dificulta a identificação de conflitos éticos como tais e, por conseguinte, a subsequente reflexão e deliberação.

A clínica ampliada, ao deslocar a centralidade do ato clínico para as necessidades/interesses sociais, agrega uma realidade política que remete a valores específicos, de dimensão pública, coletiva e participativa, que consideram os profissionais e usuários da saúde como sujeitos e as relações como singulares, em tipo de compromisso ético-político que busca a integralidade 3,5. Nesse contexto, a ética voltada aos deveres formalmente prescritos pelos códigos profissionais limita o debate da moralidade às relações contratuais entre profissional e paciente, na esteira do modelo biomédico, normativo e liberal. Essa ética deontológica incorpora princípios da ética paternalista, na qual boas intenções e exemplos parecem suficientes para assegurar a eticidade de ações e comportamentos. Essa visão, carregada de preceitos legais e corporativistas, perde a capacidade de gerar e fortalecer redes de busca pela excelência profissional na conduta social, bem como de concretizar valores morais solidaristas 8.

Os problemas éticos devem ser percebidos como desafios que exigem deliberação coletiva, ultrapassando soluções particulares para buscar respostas contextualizadas e criativas, de longo alcance, a partir do comprometimento dos profissionais 4,6. Além disso, é preciso enfrentar uma subcidadania 17 socialmente introjetada nos usuários do SUS, que lhes nega direitos e qualidade de atenção por seu (não) poder de compra. Essa subcidadania dificulta a reflexão sobre processos que englobam determinantes socioeconômicos e culturais, conduzindo ao sofrimento moral e à vulneração programática dos profissionais 9.

A ética relacionada ao planejamento, à implementação e à avaliação de políticas sanitárias tem dimensão pública e de proteção. Ela ganha forma no corpo profissional que constrói e coloca em prática as políticas públicas, considerando resultados, consequências e amplitude social, isto é, capacidade de englobar indivíduos ou grupos vulneráveis. Nesse sentido, o constructo validado neste trabalho, além de servir de fonte de informação, pode abrir debates que amplifiquem a reflexão ética e a deliberação coletiva 4.

É necessário unir as experiências de deliberação dos comitês de bioética com a deliberação política dos espaços de participação democrática em saúde. No mesmo sentido, deve-se incorporar métodos de gestão coparticipativa para a problematização coletiva. Fazendo frente à crítica sobre a democracia deliberativa como concepção formal, excludente e impraticável em contextos de desigualdade, incorporar a deliberação ética às práticas participativas já existentes no SUS permitiria ultrapassar o discurso despolitizado sobre os conflitos morais, reforçando a participação em processos de desenvolvimento moral e humanização. Como para deliberar é preciso compreender e interpretar, o método dialético deve dar vazão a uma interdisciplinaridade convertida em intercâmbio de ideias, capaz de entender o problema em seu contexto 18.

O caminho para a deliberação coletiva e uma nova educação para cidadania é emperrado pela ideologia neoliberal, por estruturas precarizadas e gestões ultrapassadas, que não fazem avançar a democracia participativa. No mesmo sentido, os sistemas educacionais não formam os alunos para que eles problematizem a realidade; ao contrário, educam para a competitividade, de forma autoritária e baseada em suposta meritocracia, não dando voz nem desenvolvendo a capacidade de ouvir o outro. Trata-se de educação que anula o sujeito e impede o desenvolvimento de competências comunicativas. Essa postura centralizadora, hierárquica e corporativa trata cidadãos como subcidadãos e profissionais como subprofissionais. Segundo Gracia 18, o controle do próprio inconsciente e do narcisismo, acompanhado de capacidade reflexiva, precisa ser cultivado, em prol da capacidade de reflexão necessária à deliberação ética. Por isso é fundamental exercitar a autocrítica dos próprios valores e crenças, enfrentando as próprias debilidades argumentativas.

Além disso, no contexto do SUS e de uma bioética de resistência 19, amplia-se a necessidade de engajamento ético-político dos profissionais da saúde nas diversas instâncias de poder. Nessa perspectiva, o IPE-APS-SB pode auxiliar a cultivar valores como solidariedade crítica, participação política e empreendedorismo social 4. A construção de um ethos pautado no fazer moral cotidiano cumpre papel educador de nova civilidade. Ademais, a práxis coletiva potencializa a cooperação, demonstrando a capacidade humana de transcender e superar interesses particulares.

Buscar soluções para os problemas pautando-se na vontade comum, em uma práxis que se responsabiliza pelas consequências das decisões, reposiciona o profissional como agente de mudança e contradiz a tese de que a motivação moral se reduz ao cálculo estreito de vantagens e benefícios pessoais 20. O ideal de participação coletiva baseia-se em: 1) uma ética perpassada pelo político (sociedade civil, comunidades, qualidade de vida e determinantes sociais do processo saúde-doença); e 2) compromisso intelectual assumido como responsabilidade coletiva, com confiança no poder das ideias e nos valores que elas carregam 21. Trata-se, portanto, de uma ética que se transforma em participação política pautada na justiça social, nos direitos humanos, na proteção aos vulnerados e nas necessidades/interesses do paciente.

Na APS, destaca-se a indissociabilidade entre assistência e gestão, pois a deliberação clínica exige condições e meios para ser concretizada, que passam pela integração entre atividades de atendimento e planejamento estratégico. Tendo em vista as condições coletivas sanitárias e intersetoriais e o acesso aos diversos pontos da rede de atenção à saúde, o planejamento pode potencializar a participação por meio da ação comunicativa. Assim, a deliberação depende de ações estratégicas. O mais importante não é o produto, mas o caminho de produção, que deve considerar os participantes como sujeitos, estabelecer contratos e compromissos e definir prioridades 22.

Considerações finais

Após validação de face e de conteúdo pelo método Delphi, a versão final do IPE-APS-SB abrangeu 36 problemas ético-políticos ( Anexo). O processo permitiu facilitar a compreensão dos enunciados, qualificando substancialmente o instrumento.

Como limitação metodológica, destaca-se a participação somente de cirurgiões-dentistas, uma vez que o grupo de especialistas poderia contar também com auxiliares e técnicos que integram as equipes de saúde bucal. Ainda assim, foi possível ver os problemas analisados a partir de diversos ângulos de análise, em especial as relações entre equipe e usuário/comunidade. Como forma de ultrapassar essa limitação, já que o constructo tem por objetivo ser utilizado por toda a equipe, buscou-se descrever os problemas de forma sucinta, restringindo-os a seu núcleo de sentido.

O IPE-APS-SB está disponível para ser empregado por trabalhadores, equipes e gestores. Seu objetivo é qualificar os serviços e estimular a reflexão ética, abrindo novos espaços de deliberação coletiva, sintonizados com o planejamento estratégico situacional. Sugere-se apenas mais uma validação do constructo, a partir de estudo de abordagem psicométrica.

Referências

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Anexo




APS: atenção primária à saúde; ASB: auxiliar de saúde bucal; CEO: centro de especialidades odontológicas; EqSF: equipe de saúde da família; ESB: equipe de saúde bucal; ESF: Estratégia Saúde da Família; TSB: técnico de saúde bucal; UBS: unidade básica de saúde; UPA: unidade de pronto atendimento

Notas

Aprovação CEP-UFSC CAAE 60739716.1.0000.0121

Autor notes

Participação das autoras

Doris Gomes e Mirelle Finkler conceberam e planejaram o estudo. Doris Gomes coletou e analisou os dados e redigiu o manuscrito. Todas as autoras interpretaram os dados. Elma Zoboli e Mirelle Finkler realizaram a revisão crítica do artigo.

Doris Gomes – Doutora – dorisgomesodonto@gmail.com

Elma Zoboli – Livre-docente – elma@usp.br

Mirelle Finkler – Doutora – mirelle.finkler@ufsc.br

Correspondência Doris Gomes – Rua Rafael da Rocha Pires, 3.913, Sambaqui CEP. Florianópolis/SC, Brasil.

Declaração de interesses

Declaram não haver conflito de interesse.


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