Resumo: A hiperplasia prostática benigna é uma patologia cuja incidência vem crescendo muito nos últimos anos, em todo o Brasil. A doença está correlacionada a fatores hormonais, e o tratamento farmacológico pode gerar efeitos adversos nos pacientes. O objetivo deste estudo é avaliar fatores socioeconômicos e socioculturais que interferem na cura ou reduzem a qualidade de vida. Analisamos dados de plataformas do Governo Federal entre janeiro de 2009 a setembro de 2019, observando fatores como etnia, nível de escolaridade e situação econômica dos pacientes. Em todas as regiões do Brasil esses fatores se mostraram importantes, pois podem afetar diretamente a incidência da doença e a adesão e continuidade do tratamento.
Palavras chave: Vulnerabilidade socialVulnerabilidade social,Hiperplasia prostática benignaHiperplasia prostática benigna,DutasteridaDutasterida,FinasteridaFinasterida.
Summary: Benign prostatic hyperplasia is a pathology whose incidence has been increasing in recent years throughout Brazil. The disease is correlated with hormonal factors, and pharmacological treatment can have adverse effects on patients. This study assesses the socioeconomic and socio-cultural factors that interfere with healing or reduce quality of life. We analyzed data from Federal Government platforms between January 2009 and September 2019, looking at factors such as ethnicity, education level and economic status of patients. In all regions of Brazil, these factors proved to be important, as they can directly affect the incidence of the disease and adherence and continuity of treatment.
Keywords: Benign Prostatic Hyperplasia, Dutasteride, Finasteride, Social Vulnerability.
Resumen: La hiperplasia prostática benigna es una patología cuya incidencia ha ido creciendo mucho en los últimos años, en todo Brasil. La enfermedad se correlaciona con factores hormonales, y el tratamiento farmacológico puede generar efectos adversos en los pacientes. El objetivo de este estudio es evaluar factores socioeconómicos y socioculturales que interfieren con la curación o reducen la calidad de vida. Analizamos datos de plataformas del Gobierno Federal entre enero de 2009 y septiembre de 2019, observando factores como el origen étnico, el nivel educativo y la situación económica de los pacientes. En todas las regiones de Brasil, estos factores demostraron ser importantes, ya que pueden afectar directamente la incidencia de la enfermedad y la adherencia y continuidad del tratamiento.
Palabras clave: Vulnerabilidad social, Hiperplasia prostática, Dutasterida, Finasterida.
PESQUISA
Vulnerabilidade de pacientes com hiperplasia prostática tratados com dutasterida e finasterida
Vulnerability of patients with prostatic hyperplasia treated with dutasteride and finasteride
Vulnerabilidad de pacientes con hiperplasia prostática tratados con dutasterida y finasterida
Recepção: 19 Junho 2020
Revised document received: 28 Abril 2021
Aprovação: 7 Maio 2021
A vulnerabilidade social é descrita como fragilidade, desfavorecimento, desamparo ou abandono. O conceito é bastante amplo e pode englobar diversas formas de exclusão ou isolamento social, de pequenos ou grandes grupos. Geralmente, a vulnerabilidade dificulta ou impede a relação com avanços, descobertas ou benefícios proporcionados pelo desenvolvimento tecnológico. No contexto da ética em pesquisa, a vulnerabilidade social é compreendida por circunstâncias capazes de afetar a qualidade de vida de um indivíduo ou grupo no que se refere à inclusão ou exclusão na sociedade 1- 3.
No Brasil, entre 2000 e 2010, políticas sociais reduziram a pobreza, valorizaram o salário-mínimo e formalizaram o trabalho, dentre outras ações. No entanto, nos últimos anos, a vulnerabilidade social e a miséria vêm aumentando no país 4- 5. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), aproximadamente 104 milhões de brasileiros ganham menos de R$ 413,00 por mês, dentre os quais 15,3 milhões vivem com menos de R$ 140,00 por mês, em um quadro de miséria 6.
Além disso, aproximadamente 73% dos pobres no Brasil são pretos ou pardos, grupos étnicos mais vulneráveis a patologias como hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus tipo 2, vírus da imunodeficiência humana, doenças endócrinas e hiperplasia prostática benigna (HPB), entre outras 7- 8. Muitas dessas patologias estão correlacionadas a fatores ambientais e sociais e, dentre elas, a HPB vem crescendo exponencialmente nos últimos anos.
A HPB é uma doença não maligna caracterizada pelo aumento dos tecidos epiteliais e estromais e pela redução do fluxo urinário, causando distúrbios conhecidos como “sintomas do trato urinário inferior”. Evidências recentes têm mostrado os mecanismos que geram ou governam a HPB. Além disso, sabemos que o envelhecimento está correlacionado à doença, que atualmente afeta aproximadamente 50% dos homens acima de 50 anos de idade e 90% dos homens na oitava década de vida 9- 12.
Uma das principais linhas de tratamento farmacológico indicada pela Associação Americana de Urologia e a Associação Europeia de Urologia é a prescrição de inibidores da enzima 5-alfa-redutase (5-ARI) 13- 14. Os 5-ARI impedem a conversão da testosterona e 5-alfa-adrostenediona em dihidrotestosterona, que é a forma ativa da testosterona, responsável pelo desenvolvimento e progressão da HPB 11, 15, 16. O tratamento com esses medicamentos diminui a proliferação de elementos epiteliais e estromáticos, reduzindo o volume da próstata de 20% a 30%, melhorando a qualidade de vida dos pacientes após 12 meses de tratamento 17.
Atualmente, no Brasil, os 5-ARI cuja comercialização é autorizada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) são a dutasterida e a finasterida. A dutasterida apresenta maiores efeitos farmacocinéticos e farmacodinâmicos que a finasterida, pois inibe as duas isoformas da enzima 5-alfa-redutase (I e II), enquanto a finasterida só inibe a isoforma do tipo II 18.
Estudos recentes têm demostrado que o tratamento farmacológico com 5-ARI para a HPB pode ter efeitos adversos, como disfunção erétil e alterações na morfologia renal 15, 16, 19- 21. Entretanto, apesar de todos os efeitos adversos relatados na literatura, a prescrição desses medicamentos ainda é considerada a melhor opção para o tratamento da HPB.
Ainda não há publicações que discutam a vulnerabilidade de homens brasileiros ao tratamento farmacológico para a HPB. Assim, o objetivo deste estudo é fazer uma análise comparativa dos seguintes dados: número de homens acima de 50 anos, cirurgias de ressecção endoscópica de próstata realizadas, biópsias de próstata, valores gastos com esse procedimento, população não alfabetizada acima de 50 anos, preços dos medicamentos-referência para o tratamento da HPB e renda per capita por etnia em todas as regiões do Brasil.
Analisamos o perfil social segundo parâmetros da teoria principialista e a concepção de vulnerabilidade social. Além disso, comparamos a vulnerabilidade social com o possível uso de 5-ARI como abordagem terapêutica para o tratamento da HPB. Foram coletados dados dos últimos 10 anos nas seguintes plataformas de dados do Governo Federal: Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus), Informações de Saúde (Tabnet), Sistema de Gerenciamento de Tabela de Procedimentos, Medicamentos, Órteses, Próteses e Materiais Específicos do SUS (Sigtap) e IBGE.
Os seguintes dados foram comparados: número de homens acima de 50 anos, cirurgias de ressecção endoscópica de próstata realizadas, biópsias de próstata, valores gastos com esse procedimento, população não alfabetizada acima de 50 anos, preços dos medicamentos-referência para o tratamento da HPB e renda per capita por etnia em todas as regiões do Brasil. O levantamento considerou um período de 10 anos (2009-2019), e os dados foram separados pelas cinco regiões do país (Norte, Nordeste, Sul, Sudeste e Centro-Oeste). A análise e a interpretação ocorreram entre outubro de 2019 e janeiro de 2020.
Além disso, buscamos dados em fontes secundárias: PubMed, Periódicos Capes e Scientific Electronic Library Online (SciELO). Os descritores utilizados foram: “ética baseada em princípios”, “vulnerabilidade social”, “bioética”, “hiperplasia prostática benigna”, “dutasterida”, “finasterida” e suas respectivas traduções na língua inglesa. Os artigos selecionados foram incluídos na pesquisa de acordo com a pertinência em relação ao assunto estudado.
Segundo o último censo do IBGE, o Brasil tem aproximadamente 17.893.451 milhões de homens com mais de 50 anos de idade. A região do país com maior concentração desse grupo populacional é o Sudeste, com aproximadamente 8.205.826 milhões de homens nessa faixa etária, e a menor concentração está na região Norte 22, 23( Tabela 1).

Estudos recentes descrevem que 50% dos homens acima de 50 anos de idade possivelmente desenvolverão HPB 10, 11. A biópsia de próstata é uma das ferramentas de prevenção e auxílio no diagnóstico de HPB e câncer de próstata, contudo, o número de procedimentos desse tipo realizados no Brasil ainda é inferior a quantidade de possíveis pacientes com HPB. De acordo com dados obtidos nas plataformas governamentais, foram realizadas aproximadamente 435.154 biópsias de próstata de janeiro de 2009 a setembro de 2019. Nos últimos 10 anos, o Sistema Único de Saúde (SUS) deveria ter feito aproximadamente 8.919.725 milhões de biópsias de próstata, número ideal para prevenção tanto da HPB como do câncer de próstata de acordo com a demanda apresentada 23( Tabela 1).
Após o diagnóstico de HPB, os pacientes podem passar por dois tipos de intervenção: cirúrgica (ressecção endoscópica de próstata) ou farmacológica. No SUS, o valor referente ao serviço hospitalar para ressecção endoscópica de próstata é de aproximadamente R$266,14, e o valor gasto com profissionais é de R$328,54, totalizando um gasto de cerca de R$594,68 por paciente. Anualmente, o Ministério da Saúde investe em torno de 7 bilhões de reais com cirurgias desse tipo, no entanto os valores não são reajustados desde 2009. O mesmo ocorre com o número de cirurgias aprovadas pelo SUS, que aparentemente estabeleceu um teto de aproximadamente 12 mil ressecções endoscópicas de próstata por ano, distribuídas ao longo do território nacional de forma desproporcional 23. Dados de 2018 demonstram que, das 12.119 cirurgias aprovadas, 615 foram realizadas no Norte, 2.739 no Nordeste, 6.330 no Sudeste, 1.843 no Sul, e 592 no Centro-Oeste. Assim, os dados demonstram grande concentração de procedimentos na região Sudeste 23.
Devido à quantidade insuficiente de biópsias de próstata, que leva a diagnósticos tardios, muitas vezes a patologia progride até que apareçam sintomas do trato urinário inferior. Nesses casos, o corpo clínico, considerando fatores como a idade do paciente, pode optar pelo tratamento farmacológico, visando maior segurança.
O preço dos 5-ARI varia nas cinco regiões do Brasil: a dutasterida custa entre R$90,22 e R$385,56, e a finasterida entre R$166,00 a R$280,39 24. Ao compararmos o custo dos medicamentos com a renda por etnia no Brasil, segundo dados do IBGE, observamos que entre os negros o salário médio varia de R$368,78 a R$680,06 por mês, entre brancos de R$679,31 a R$1.267,25 por mês, entre amarelos de R$461,22 a R$1.450,82 por mês, e entre pardos de R$414,98 a R$696,85 por mês 22, 23( Tabela 1).
Fica claro que a disparidade de renda entre brancos e negros pode inviabilizar o início, a aderência e a conclusão do tratamento. Embora estejam em maior número na região Sudeste, onde, teoricamente, há maior aporte tecnológico e hospitalar, indivíduos negros contam com os menores salários entre as diferentes etnias. O problema é ainda mais grave quando se considera que homens negros têm maior predisposição genética para HPB, apresentando a maior incidência da doença entre toda a população – o que mostra a vulnerabilidade a que os brasileiros estão submetidos.
Há ainda fatores socioculturais que podem influenciar direta ou indiretamente o tratamento com os 5-ARI, como o analfabetismo e o desemprego. Segundo o IBGE, atualmente o Brasil tem 11,3 milhões de analfabetos, número que corresponde a aproximadamente 6,8% da população 25( Tabela 1). Dados publicados em 2019 sobre o desemprego apontavam 12,3% de taxa de desocupação, o equivalente a cerca de 13 milhões de brasileiros 26.
O custo dos medicamentos é incompatível com a média salarial da maior parte da população brasileira. Além disso, pacientes que realizam tratamento com os 5-ARI estão propícios a patologias secundárias: redução da libido, infertilidade, disfunção erétil e insuficiência renal. Sobre esse ponto, vale ressaltar que não fornecer ao paciente orientações sobre o tratamento farmacológico e seus possíveis efeitos adversos é um fator de risco que pode afetar diretamente a qualidade de vida do indivíduo.
Em 2014, a indústria farmacêutica alcançou no Brasil um lucro recorde de US$29,4 bilhões (cerca de R$123,2 bilhões), e a expectativa é que em 2020 esse faturamento chegue a US$47,9 bilhões por ano (cerca de R$200,7 bilhões). O Brasil está entre os seis maiores mercados farmacêuticos do mundo, e o crescimento é constante e exponencial 27- 29. Os dados revelam o grande poder comercial das farmacêuticas no país, que se estende à pesquisa científica, já que essa indústria patrocina estudos acadêmicos e tem grande influência sobre pesquisadores, médicos e formadores de opinião. Assim, tudo que é divulgado pelo mercado farmacêutico rapidamente passa a ser reivindicado por pacientes em consultórios e hospitais, levando, inclusive, à judicialização da saúde 1.
Com diversos efeitos adversos relatados na literatura, alguns protocolos de tratamento farmacológico começaram a ser desenvolvidos. Um deles associa os 5-ARI com inibidores da enzima fosfodiesterase-5 30, 31. Essa combinação provavelmente evita alterações no corpo cavernoso provocadas pelo uso isolado de 5-ARI. Entretanto, estudos indicam que, após o tratamento, há uma redução drástica da síntese de oxido nítrico, fundamental para o relaxamento do corpo cavernoso, gerando quadros de disfunção erétil 21. Além desses dados, sabe-se que a associação de 5-ARI com inibidores da enzima fosfodiesterase-5 causa mais alterações no pênis do que o tratamento isolado 16.
Em 2010, a Anvisa autorizou a comercialização de outro medicamento, que combina 5-ARI com antagonistas alfa-1-adrenérgicos 32. Esse novo protocolo teoricamente melhoraria os sintomas do trato urinário inferior, reduziria o volume da próstata e evitaria a disfunção erétil nos pacientes 30, 33- 35. Contudo, o tratamento com antagonistas alfa-1-adrenérgicos tem efeitos adversos como depressão, ejaculação retrógrada e hipotensão arterial, entre outros 36, 37.
Muitos estudos já relataram alterações provocadas no sistema urogenital pelos 5-ARI, mas pouco tem se falado sobre outros efeitos adversos, como alterações na morfologia renal provocadas pelo tratamento farmacológico de redução do fator de crescimento endotelial nos glomérulos, aumento da fibrose na medula renal e cápsula de Bowman, além de uma perda considerável de néfrons 19, 20, 38, 39. Além disso, não se deve perder de vista que o tratamento pode afetar a qualidade de vida do paciente a médio e longo prazo.
Apesar dos efeitos colaterais, o tratamento com os 5-ARI ainda é o mais recomendado, e não deve ser abandonado pelos pacientes até que seja desenvolvido um novo fármaco com menos efeitos adversos. Nota-se, porém, dificuldade de acesso ao tratamento no país, dada a vulnerabilidade dos homens brasileiros, relativa a fatores sociais, econômicos (custo do tratamento) e éticos. É importante ressaltar, entretanto, que a Constituição Federal de 1988 define a saúde como direito de todos e dever do Estado, que é obrigado a oferecer um serviço de saúde gratuito e de qualidade para todo cidadão brasileiro. Mas, na prática, nos últimos quatro governos federais, os investimentos no SUS para diagnóstico e tratamento da HPB foram insuficientes 40. A vulnerabilidade social dos homens brasileiros durante ou após o tratamento com 5-ARI também pode influenciar no aparecimento de patologias secundárias.
Alguns estudos vêm demonstrando que o tratamento com inibidores da enzima 5-alfa-redutase pode causar alterações morfofisiológicas. O tratamento, no entanto, continua sendo o mais recomendado para pacientes com HPB. No Brasil, os recursos financeiros do SUS para diagnosticar e tratar essa doença não são reajustados há mais de 10 anos. O orçamento tem se mostrado insuficiente ante a grande demanda, tanto para intervenção cirúrgica como para tratamento farmacológico. Nesse cenário adverso, assiste-se ao crescente desenvolvimento de patologias secundárias entre indivíduos em situação de vulnerabilidade.
Jady Assis de Souza – Graduanda – jadyasouza@hotmail.com
Participação dos autores
Correspondência Marcello Henrique Araujo da Silva – Universidade do Estado do Rio de Janeiro Unidade de Pesquisa Urogenital. Av. 28 de Setembro, 87, Fundos, Vila Isabel CEP 20551-030. Rio de Janeiro/RJ, Brasil.
