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Bioética e a alocação de recursos na pandemia de covid-19
Bioethics and resource allocation in the COVID-19 pandemic
Bioética y asignación de recursos en la pandemia de covid-19
Revista Bioética, vol. 29, núm. 4, pp. 825-831, 2021
Conselho Federal de Medicina

Pesquisa


Recepção: 12 Abril 2021

Revised document received: 16 Setembro 2021

Aprovação: 28 Setembro 2021

DOI: https://doi.org/10.1590/1983-80422021294516

Resumo: Este trabalho avalia, sob a ótica da bioética, o impacto estrutural, institucional e emocional da alocação de recursos escassos durante a pandemia de covid-19, doença que emergiu no final de 2019 e se tornou um dos maiores desafios da sociedade. A análise dos artigos selecionados indica que, mesmo após ampliação de leitos em santas casas e hospitais filantrópicos, a demanda continuou maior que a oferta. Desse modo, é necessário reestruturar o atendimento com medidas de recomendação e protocolos que priorizem profissionais da saúde e melhores prognósticos, com maior tempo de vida pós-tratamento, e excluam qualquer prioridade por classe ou influência social não médica. A adoção dessas medidas e protocolos de atendimento otimiza o tratamento e maximiza os recursos, abrangendo um número maior de doentes e possibilitando a oferta de tratamento com medidas justas, éticas e resolutivas.

Palavras-chave: Alocação de recursos, Infecções por coronavírus, Bioética.

Abstract: This work evaluates, from the perspective of Bioethics, the structural, institutional and emotional impact of the allocation of scarce resources during the COVID-19 pandemic, a disease that emerged at the end of 2019 and has become one of the greatest challenges of society. The analysis of the selected articles indicates that, even after the expansion of beds in holy houses and philanthropic hospitals, demand remained higher than supply. Thus, it is necessary to restructure care with recommendation measures and protocols that prioritize health professionals and a better prognosis, with longer life after treatment, and exclude any priority by class or non-medical social influence. The adoption of these care measures and protocols optimizes treatment and maximizes resources, covering a greater number of patients and enabling the provision of treatment with fair, ethical and resolute measures.

Keywords: Confidentiality, Resource allocation, Coronavirus infections, Bioethics.

Resumen: Este trabajo evalúa, desde la perspectiva de la Bioética, el impacto estructural, institucional y emocional de la asignación de recursos escasos durante la pandemia de covid-19, una enfermedad que surgió a finales de 2019 y se ha convertido en uno de los mayores retos de la sociedad. El análisis de los artículos seleccionados indica que, incluso después de la expansión de camas en santas casas y hospitales filantrópicos, la demanda se mantuvo por encima de la oferta. Así, es necesario reestructurar el funcionamiento con medidas de recomendación y protocolos que prioricen a los profesionales de la salud y un mejor pronóstico, con una vida más larga después del tratamiento, y excluir cualquier prioridad por clase o influencia social no médica. La adopción de estas medidas y protocolos de atención optimiza el tratamiento y maximiza los recursos, cubriendo un mayor número de pacientes y permitiendo la prestación del tratamiento con medidas justas, éticas y resolutivas.

Palabras clave: Asignación de recursos, Infecciones por coronavirus, Bioética.

A covid-19 emergiu no final de 2019 e foi declarada pandemia em março de 2020, tornando-se um dos maiores desafios enfrentados pela sociedade atual. De acordo com a alta-comissária da Organização das Nações Unidas (ONU) para direitos humanos, Michelle Bachelet, a doença provocada pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2) é um teste não só para os sistemas de saúde mundiais, mas também para a capacidade das nações trabalharem em conjunto em prol de um objetivo em comum 1 . Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 14% dos pacientes desenvolvem a forma grave da doença, com necessidade de internação e oxigenioterapia, e 5% necessitam de cuidados intensivos.

Nesse contexto, o crescimento da demanda desafiou o planejamento nacional para crises em proporções nunca observadas, atingindo os sistemas de proteção à população, especialmente os mais vulneráveis. Isso expôs deficiências em diversas áreas, como saneamento, habitação e outros fatores que moldam os marcadores de saúde de uma nação 1 . Nos Estados Unidos, as máscaras para profissionais esgotaram-se rapidamente; na Itália, leitos de unidade de terapia intensiva (UTI) e ventiladores não foram suficientes, obrigando os profissionais a direcionar recursos; na Coreia do Sul, pessoas morreram em suas casas aguardando vaga em hospitais 2 .

Nesse cenário de calamidade pública, a visão da bioética levanta questões importantes a serem consideradas para que a distribuição dos recursos ocorra da maneira mais justa, equitativa e adequada possível diante das medidas extraordinárias adotadas para prevenir a propagação da doença e proteger a vida dos cidadãos 3 . Para tal, decisões e práticas de enfrentamento devem ser fundamentadas na ética e nos aspectos jurídicos de cada país, com base em evidências científicas e, principalmente, nos direitos humanos 2 - 4 .

O objetivo desta revisão bibliográfica é compreender e compilar os principais protocolos extraordinários baseados em critérios éticos, jurídicos e científicos – e, sobretudo, nos direitos humanos – estabelecidos para nortear a alocação de recursos durante os seis primeiros meses de pandemia no Brasil.

Método

Integraram esta pesquisa trabalhos realizados tanto no Brasil quanto em outros países, incluindo artigos de recomendação e manuais de prática clínica produzidos em virtude da pandemia, assim como artigos de revisão, consensos médicos e teses. Foram excluídos artigos que tratavam exclusivamente da alocação de recursos escassos ou da bioética.

Os trabalhos foram selecionados mediante busca ativa nas bases de dados Google Scholar e Biblioteca Virtual em Saúde, bem como pesquisa específica por autores e contato com pesquisadores. Por meio dos descritores “alocação de recursos” e “covid-19” e seus correspondentes em inglês, foram encontrados 476 estudos e, após refinamento com o descritor “bioética” (“ bioethics ”), restaram 38 trabalhos. Estes passaram por uma análise, baseada inicialmente nos títulos e posteriormente nos resumos, a qual selecionou três estudos que relacionavam a alocação de recursos escassos a questões bioéticas e à pandemia para serem examinados na íntegra, conforme os critérios estabelecidos.

Resultados e discussão

As diretrizes bioéticas voltadas à pandemia 3 preconizam que cabe ao Estado garantir acesso integral e equitativo à saúde, conforme previsto na Constituição Federal, sobretudo em períodos de crise. Estudos corroboram tal premissa e afirmam que deveria haver leitos de UTI, ventiladores, equipamento de proteção individual (EPI) e todo material necessário para atender a todos que necessitassem de cuidados em instituições públicas 1 , 2 , 4 , 5 . Entretanto, a situação real demonstra que a obrigatoriedade constitucional não se cumpriu, a exemplo do ocorrido no estado do Ceará, pois dados demonstram sinais de colapso antes mesmo da pandemia e indicam que os gastos autorizados pelo Ministério da Saúde (MS) entre 2002 e 2015 foram insuficientes 5 .

O sucateamento dos serviços públicos de saúde prejudica a capacidade do sistema em aspectos humanos e materiais, sendo um problema estrutural que a população enfrenta há décadas, sem receber atenção suficiente do corpo político. Durante a pandemia, tal déficit ficou ainda mais evidente, pois os gastos com saúde pública cresceram minimamente no Brasil em comparação com outros países, como Itália e Espanha, e a ampliação dos leitos foi insuficiente para a crescente demanda 5 . Além disso, as alterações de agilidade para adequação da estrutura e liberação de recursos 5 tiveram pouca relevância diante da gravidade da crise e da vulnerabilidade em que a população que depende da saúde pública se encontra.

Outrossim, a limitação dos recursos materiais e humanos e a falta de resiliência dos serviços de saúde para lidar com situações de crise conduzem a maiores desafios nos cuidados em saúde. Dessa forma, a enfermidade representa risco de saúde pública, demandando uma resposta coordenada das articulações entre saúde pública e bioética 1 . Conforme o artigo 5º da Constituição Federal brasileira, o direito à vida é inalienável, devendo ser respeitado independentemente de emergências de saúde pública 3 .

Assim, a fim de inibir qualquer possibilidade de escassez 2 , 4 , cabe ao Estado oferecer recursos, incluindo apoio financeiro, social e psicossocial, bem como atendimento das necessidades básicas, como alimentos, água e outros itens essenciais, com ênfase nas populações vulneráveis 5 . A atuação efetiva do Estado asseguraria a vida tanto de pacientes quanto de profissionais da saúde, pois maiores investimentos e a otimização do atendimento diminuiriam a disseminação da doença, o agravamento de casos e a sobrecarga dos trabalhadores 2 , 4 .

O Comitê de Direitos Humanos da ONU 1 afirma que a promoção do cuidado que prioriza o direito à vida demanda estrutura regulatória em hospitais e instituições de saúde, reforçando a importância de estabelecer condutas prévias e reorganizar o sistema e os setores que recebem investimentos. Vale ressaltar, ainda, que o direito à vida abrange o direito a um diagnóstico correto mediante testes e exames, à assistência adequada, ao acesso a serviços de emergência efetivos, a suporte ventilatório e a UTI, caso necessário 3 .

Nessas circunstâncias, a sistematização da triagem faz-se necessária devido à baixa disponibilidade de UTI em relação ao número de pacientes que precisam de cuidados de terapia intensiva. Portanto, é imprescindível definir regulamentos associados à formação e à capacitação de equipe de triagem, bem como elaborar protocolos claros, transparentes, cientificamente embasados 2 , 4 , 6 e alinhados ao arcabouço jurídico brasileiro 4 . Com isso, evitam-se julgamentos clínicos errôneos sobre a viabilidade ou pertinência de cuidados intensivos, de modo que o racionamento de recursos seja pautado por princípios bioéticos solidamente estruturados.

O protocolo da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (Amib) 4 sugere, para cada instituição de saúde ou região, a constituição de uma equipe especial para a triagem. Esse grupo, que deve ser formada por profissionais que não estejam participando da assistência a pacientes com covid-19, seria responsável pela alocação imparcial e tecnicamente embasada dos recursos escassos. Recomenda-se que seja formada por pelo menos três profissionais da saúde, sendo dois médicos e um membro da equipe multidisciplinar, e, se possível, um bioeticista e um membro da comunidade para reforçar as decisões e torná-las ainda mais transparentes à população 4 .

É imprescindível registrar detalhadamente o processo decisório da triagem em prontuário. Além disso, a comunicação com pacientes e familiares deve ser efetiva no sentido de otimizar a transparência de cada procedimento indicado 2 , 4 . Dessa forma o processo estaria de acordo com os princípios bioéticos e a legislação vigente no país, que garante ao paciente o direito de receber informações relevantes e confiáveis sobre sua doença e participar da tomada das decisões quanto a seu próprio tratamento 3 .

Medidas de racionamento

Em tempos de pandemia, o racionamento de recursos é eticamente justificável 2 , 4 . Diferentes estudos afirmam que os valores éticos que norteiam essa premissa são:

  • Maximizar o atendimento, salvando o maior número de vidas e de anos de vida possível;

  • Tratar de forma igualitária pacientes com prognósticos similares, por meio de seleção aleatória, tendo em vista que o atendimento “por ordem de chegada” não oferece equidade e não deve ser utilizado;

  • Promover e recompensar valores instrumentais, dando prioridade de atendimento àqueles que podem contribuir ou que já contribuíram no âmbito do cuidado, como forma de retribuição – para esse valor existe a abordagem retrospectiva, que prioriza aqueles que já contribuíram positivamente, e a prospectiva, acerca dos que ainda contribuirão de forma positiva); e

  • Priorizar os mais acometidos e os mais jovens 2 , 4 .

Critérios de admissão em unidade de terapia intensiva

Em maio de 2020, foi habilitada a ampliação da capacidade de leitos de UTI de santas casas e hospitais filantrópicos, priorizando – assim como a ampliação de atendimento na atenção básica – o suporte de atenção especializada 5 . Entretanto, levando em consideração a evolução dos casos de covid-19, o sistema ainda não é capaz de atender à demanda 5 . Dessa forma, são necessários critérios claros e bem definidos de admissão de pacientes em leitos de UTI.

Considerando a maximização de benefícios, entende-se que a admissão em UTI se baseia na necessidade do paciente, bem como em seu prognóstico e potencial benefício 2 , 4 . Assim, pacientes com alta probabilidade de recuperação e sem limitações de suporte terapêutico seriam elencados como os primeiros contemplados com os leitos 4 .

Em seguida, vêm os que necessitam de monitorização intensiva, mas não têm limitações quanto ao suporte, que seriam acompanhados preferencialmente em unidades semi-intensivas; os que precisam de intervenções, mas apresentam baixa probabilidade de recuperação ou limitação para suporte; e os que necessitam de monitorização intensiva e têm limitação de intervenção terapêutica, também em suporte semi-intensivo 4 . Por último, pacientes com doença em fase terminal sem possibilidade de recuperação seriam tratados preferencialmente nas unidades de cuidados paliativos 4 .

Portanto, considerando as estatísticas e a epidemiologia, admite-se que pacientes mais jovens e sem comorbidades responderão melhor ao tratamento e viverão mais tempo após a cura, sendo os maiores beneficiados nas condições de alocação desses recursos 2 - 4 , 6 . Deve-se, ainda, atender igualitariamente todos os pacientes, distribuindo os recursos independentemente de estarem infectados pelo coronavírus ou outra enfermidade 2 - 4 . Dessa forma, é necessário equilibrar o combate à covid-19 com a atenção a outros problemas de saúde, que podem ser negligenciados devido à carência de recursos.

Ademais, quando pacientes que necessitam do leito de UTI apresentam classificação semelhante segundo os protocolos preestabelecidos, deve-se priorizar a seleção aleatória 2 - 4 , também realizada pela equipe de triagem, de modo a não sobrecarregar a equipe clínica responsável pela assistência 4 . As únicas distinções seriam aplicadas a profissionais da saúde, em comparação com doentes que não atuam no combate ao vírus 2 - 4 , 6 e em relação a idosos e pessoas com deficiência 3 , 4 .

Recomendações quanto aos profissionais da saúde

Antes de tudo, enfatiza-se que profissionais da saúde devem ter acesso a EPI apropriados, testes, leitos de UTI, ventiladores, tratamentos e vacinas, para que tenham cuidado garantido caso adoeçam 2 , 4 , 6 . Como eles representam a maior parte da assistência à população diante do sucateamento de recursos, é necessário zelar por sua saúde, pensando não somente no direito – à vida, descrito na Constituição –, mas também no valor instrumental dessas pessoas 2 , 4 , 6 .

Tal priorização deve visar profissionais da saúde que trabalham na linha de frente e outros que cuidam de doentes e mantêm a operação dessa estrutura crítica, não o pertencimento a classes sociais com maior poder aquisitivo 2 , 3 , como ocorreu em alguns casos. Também não se pode esquecer que profissionais da saúde doentes não podem prestar serviços a pacientes com covid-19 nem com qualquer outra condição.

Além disso, a priorização do profissional deve ser integral, não apenas em casos de covid-19 2 - 4 , de modo que, caso ele precise de cuidados por qualquer doença e um cidadão que não atua na linha de frente seja acometido pelo SARS-CoV-2, o leito será direcionado ao profissional da saúde. De maneira geral, a adoção dessas recomendações auxiliará no manejo dos recursos e fornecerá suporte para decisões médicas durante a pandemia – principalmente em condutas éticas –, aliviando a carga emocional desses trabalhadores e ofertando serviço igualitário e de qualidade 2 , 4 - 6 .

Recomendações quanto a idosos e deficientes

Segundo Albuquerque e colaboradores 3 , as diretrizes de alocação dos recursos devem respeitar o direito à não discriminação, assegurado pela Constituição Federal a todos os cidadãos, enfatizando pessoas idosas e com deficiência, o que corrobora as recomendações da Amib 4 . Assim, o Estado deve adotar medidas que mitiguem desigualdades e vulnerabilidades para que a pandemia não tenha efeito desproporcional em pacientes de grupos vulneráveis 3 . Acerca da abordagem profilática, grupos de risco precisam ser priorizados imediatamente após os profissionais da saúde, seguindo o modelo epidemiológico da doença 4 .

A maior controvérsia encontrada neste trabalho está relacionada à alocação dos recursos para tratamento curativo. Sobre isso, um estudo recomenda considerar o prognóstico individual 2 , o que poderia significar priorização de pacientes jovens e com menos comorbidades em detrimento de idosos e pessoas com deficiência.

Por outro lado, a Amib preconiza que se aplique igualmente a todos o critério da chance de ser beneficiado, independentemente de avaliações subjetivas quanto à qualidade de vida, que poderiam prejudicar idosos, pessoas com deficiência e até pacientes psiquiátricos. Da mesma forma um critério único, como a idade, poderia ser inquinado de inconstitucional, devido ao viés discriminatório 4 .

Desse modo, sugeriu-se como solução o uso de escores de rastreamento do status de pacientes críticos, como o Sequential Organ Failure Assessment (Sofa) e o Acute Physiology and Chronic Health Evaluation (Apache), largamente utilizados em terapia intensiva 4 . Para avaliar comorbidade que prejudica a qualidade de vida, reduzindo a expectativa de vida a menos de um ano, foi empregado o instrumento Supportive and Palliative Care Indicators Tool (Spict) e, para determinar o status desses doentes, utilizou-se a escala Eastern Cooperative Oncology Group (Ecog) 4 . Em caso de empate, recomenda-se priorizar paciente com menor pontuação no Sofa e julgamento clínico da equipe de triagem responsável 4 .

Dessa maneira, o direito à não discriminação é assegurado e a equidade garantida durante o período de crise, vez que, em observância também aos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS), cada paciente deve ter suas especificidades respeitadas a fim de proteger quem se encontra em situação de maior vulnerabilidade.

Considerações sobre direito às diretivas antecipadas de vontade

As diretivas antecipadas de vontade (DAV) servem para assegurar, dentre outros, o direito de consentir com tratamentos e procedimentos ou recusá-los 3 , entretanto a maioria dos pacientes não tem acesso a esse documento no momento da internação. Por essa razão, os trabalhos foram unânimes em afirmar que é necessário orientar e questionar esses doentes, no momento oportuno, quanto à definição dos procedimentos que consideram ou não pertinentes em caso de terminalidade 2 , 4 , em consonância com a Resolução 1.995/2012, do Conselho Federal de medicina (CFM) 4 .

Direito à continuidade do cuidado paliativo

É importante salientar que pacientes a quem não for possível prestar cuidados intensivos não devem ser esquecidos ou colocados à margem dos cuidados em saúde. Nesse sentido, sob à luz da bioética e dos direitos humanos, todos têm direito à continuidade da assistência em caso de não eleição aos recursos escassos 2 - 4 .

Uma vez que a atenção primária e secundária está capacitada a oferecer os cuidados pertinentes, diminui-se o número de pacientes graves que precisam dos serviços terciários e quaternários. Além disso, pacientes que necessitem de cuidados paliativos devem ser direcionados a unidades de atendimento adequadas e, de preferência, especializadas nesse tipo de abordagem 2 - 4 . Com isso, a formalização legal das diretrizes contribuirá para a uniformidade e consistência na aplicação dos protocolos em quaisquer instituições de saúde.

Reavaliação periódica dos pacientes

Recomenda-se que os pacientes eleitos durante a alocação dos recursos sejam reavaliados periodicamente com o intuito de evitar distanásia. Para isso, não se deve considerar tão somente o prazo esperado de recuperação clínica, denominado “trial terapêutico”, mas evitar medidas obstinadas e realizar triagem reversa. Assim, busca-se facilitar as altas da UTI e contribuir com a disponibilização de leitos 4 , visando maximizar recursos e respeitar o direito de não ser submetido a tortura 3 .

Estudo de Emanuel e colaboradores 2 corrobora essa recomendação ao referir que retirar um paciente de leito de UTI para oferecer a outro é justificável em tempos de pandemia, entretanto ele precisa ser informado dessa possibilidade na admissão hospitalar. Caso isso ocorra, o paciente deve ter garantido seu direito de receber assistência integral e igualitária, com profissionais qualificados, fora do ambiente intensivo 3 .

Considerações finais

A pandemia da covid-19 tornou-se um sério desafio global, na medida em que promoveu um chamado para a revitalização dos valores universais contidos nas normas de direitos humanos. Nesse contexto, a ampliação dos leitos de UTI não foi suficiente para suprir a demanda. Dessa maneira, foi necessário estabelecer critérios de conduta extraordinários, traçando recomendações fundamentais, a fim de maximizar os recursos escassos, otimizar o tratamento e diminuir a carga emocional dos profissionais.

Para garantir a ética e a transparência durante a pandemia, é de fundamental importância formar equipes de triagem, alinhar um protocolo criterioso baseado em evidências e delimitar regras e premissas que respeitem as orientações jurídicas. Tais medidas também visam priorizar profissionais da saúde e salvar o maior número de vidas e de anos de vida possível mediante melhores prognósticos e contribuições para o combate à doença. Além disso, busca-se evitar qualquer viés discriminatório quanto a idade, classe social e grau de influência.

Salienta-se a importância de investir nos setores básicos e especializados, com o intuito de abranger todas as necessidades em saúde. Desse modo, é possível diminuir a desigualdade e a falta de acesso à saúde, bem como a fragilidade da manutenção do direito à vida no país.

Este estudo teve como limitações a escassez de literatura acerca do tema, visto que a pandemia é uma situação extraordinária e muito recente. Entretanto, foi possível elencar fatores extremamente relevantes para a implementação de medidas justas, éticas e resolutivas no enfrentamento do desafio que ora aflige a humanidade.

Referências

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Albuquerque A, Pacheco A, Teixeira ACB, Ribeiro AL, Alves AFC, Lobo BNL et al. Bioética e covid-19. Indaiatuba: Foco; 2020.

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Gonçalves L, Dias MC. Discussões bioéticas sobre a alocação de recursos durante a pandemia da covid-19 no Brazil. Diversitates [Internet]. 2020 [acesso 20 abr 2021];12(1):18-37. Disponível: https://bit.ly/2YZplSS

Autor notes

Giovanna Gonzalez Storto – Graduanda – giovannastorto45@gmail.com

Sany Tomomi de Almeida Rocha Arita – Graduanda – sanialmeida10@gmail.com

Mayara Suzano dos Santos – Especialista – may.suzano@gmail.com

João Roberto Oba – Mestre – joaooba@yahoo.com.br

Participação dos autores

Todos os autores ofereceram substanciais contribuições científicas e intelectuais ao estudo.

Correspondência: Giovanna Gonzalez Storto – Rua Cachoeira Utupanema, 310 CEP 08270-140. São Paulo/SP, Brasil.

Declaração de interesses

Declaram não haver conflito de interesse.


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