Resumo: A incidência de síndrome de burnout ou síndrome do esgotamento profissional é significativa entre trabalhadores da saúde, com impacto negativo no âmbito pessoal, institucional, governamental e no cuidado com os pacientes. Com o objetivo de investigar o campo de pesquisas brasileiras sobre o tema, foi realizada revisão integrativa da literatura selecionando 35 artigos publicados entre 2014 e 2019. Identificou-se alto índice de síndrome de burnout em profissionais da saúde, assim como alto risco de desenvolver essa síndrome e incidência de outros transtornos mentais. A maior parte das pesquisas envolve profissionais de medicina e enfermagem, apresenta a maioria dos profissionais de saúde como do sexo feminino e é desenvolvida em hospitais e unidades básicas de saúde. Ressalta-se a necessidade de desenvolver mais pesquisas na área, principalmente envolvendo outras categorias profissionais e abrangendo outros ambientes de trabalho, analisando ainda o impacto da predominância de profissionais mulheres na saúde.
Palavras chave: Esgotamento profissionalEsgotamento profissional,Pessoal de saúdePessoal de saúde,Saúde do trabalhadorSaúde do trabalhador.
Abstract: The incidence of burnout syndrome or professional exhaustion is significant among healthcare professionals, with negative impact on the personal, institutional, governmental, and patient care spheres. Aiming to investigate Brazilian research on the topic, we conducted an integrative literature review and selected 35 articles published from 2014 to 2019. We identified a high rate of burnout syndrome in healthcare professionals, a high risk of developing this condition and other mental disorders. Most studies were conducted in hospitals and public health centers, involved health professionals and had a greater number of female professionals. We emphasize the need to conduct further studies in the field, especially regarding other professional categories and other work environments, also analyzing the impact of the predominance of female healthcare professionals.
Keywords: Burnout, Professional, Health personnel, Occupational health.
Resumen: La incidencia del síndrome de burnout, o síndrome de desgaste profesional, es significativa entre los trabajadores de la salud, con un impacto negativo en el ámbito personal, institucional, gubernamental y en la atención al paciente. Para investigar los estudios brasileños sobre el tema, se realizó una revisión integradora de la literatura, con 35 artículos publicados entre 2014 y 2019. Se pudo identificar una alta tasa de síndrome de burnout en los profesionales de la salud, así como un alto riesgo de desarrollar este síndrome y la presencia de otros trastornos mentales. La mayor parte de las investigaciones involucran a profesionales médicos y de enfermería, presentan la mayoría de los profesionales de la salud como mujeres y se llevan a cabo en hospitales y unidades básicas de salud. Se destaca la necesidad de más investigaciones en el área, con otras categorías profesionales y otros entornos laborales, analizando también el impacto del predominio de las mujeres entre los profesionales en salud.
Palabras clave: Agotamiento profesional, Personal de salud, Salud laboral.
Pesquisa
Síndrome de burnout em profissionais da saúde: revisão integrativa
Burnout syndrome in healthcare professionals: an integrative review
Síndrome de burnout en profesionales sanitarios: revisión integradora
Recepção: 18 Outubro 2019
Revised document received: 8 Dezembro 2020
Aprovação: 6 Janeiro 2021
Transtornos mentais são caracterizados por sintomas de ansiedade, dificuldade de memória e concentração, fadiga, irritabilidade, insônia e queixas somáticas 1. Seu desenvolvimento está relacionado a sofrimento psíquico, e costumam ser diagnosticados como ansiedade e depressão 1,2. O índice de incidência desses quadros é significativo, sendo de 28,8% ao longo da vida para transtornos de ansiedade 3 e de 15 a 18% ao longo da vida em casos de depressão maior 4. Pesquisas indicam correlação entre sintomas psíquicos e sofrimento relacionado ao trabalho, existindo três principais modelos conceituais: o modelo estresse-adaptação, o modelo demanda-controle e o burnout5.
Define-se “estresse” como a resposta do indivíduo a agente estressor que aciona a reação luta e fuga na tentativa de retornar ao estado de equilíbrio. Agentes estressores interferem no equilíbrio homeostático do organismo e podem ser físicos (originários do ambiente externo), cognitivos (avaliados como ameaças à integridade do indivíduo) ou emocionais (sentimentos ou acontecimentos com predominância do componente afetivo). As consequências desse acionamento são físicas e psicológicas, como aceleração do pensamento, aumento da função cardiorrespiratória e do tônus muscular e alteração da atenção 6. O conceito de estresse é usado em medicina para nomear o conjunto de reações a situação que exige esforço adaptativo 5.
O modelo estresse-adaptação indica que atualmente o estresse e a resposta adaptativa dos indivíduos são bem maiores que anteriormente, pois há cada vez mais pressões externas no trabalho – rápidas mudanças tecnológicas, competitividade, pressão por resultados, recessão, medo de desemprego etc. 5 O modelo demanda-controle, por sua vez, associa a demanda psicológica de trabalho com o grau de autonomia e controle sobre a atividade laboral 7, em que atividades com maior demanda psicológica e menor autonomia teriam maior potencial de causar doenças. Já o modelo do burnout é definido como resposta aos estressores interpessoais ocorridos na situação de trabalho8, sendo a síndrome de burnout a cronificação do estresse ocupacional.
O estresse ocupacional, diferente do estresse comum, tem o trabalho como fator essencial para seu desenvolvimento, ocorrendo quando não é possível para o trabalhador agir sobre os agentes causadores de estresse. Assim, o mecanismo de adaptação é rompido, persistem os sintomas de estresse e o organismo é deteriorado ou esgotado.
Comumente se descreve que a síndrome de burnout afeta profissionais que desempenham atividades com muito contato com outras pessoas, embora essa particularidade seja controversa 5. Essa definição, contudo, gera diferentes termos para essa síndrome, como “estresse laboral”, “profissional”, “assistencial” ou “ocupacional”, com termos ligados a percepções de adoecimento induzido pelo atendimento direto ao público. “Neurose profissional” ou “de excelência”, “síndrome do esgotamento profissional” e “de queimar-se pelo trabalho” também são nomes utilizados. Essa variedade de nomenclaturas dificulta o levantamento bibliográfico na área 9,10.
Os primeiros estudos sobre a síndrome surgiram na década de 1960, tornando-se mais numerosos e reconhecidos no Brasil – onde é identificada como doença relacionada ao trabalho 11 – na década de 1970 8. De acordo com Fabichak, Silva-Junior e Morrone 12, estudos internacionais apresentam incidência de 50 a 74% da síndrome de burnout em professores médicos, enfermeiros e residentes. No Brasil, os mesmos autores apontam que essa enfermidade acomete 78,4% dos residentes médicos de várias especialidades 12.
O Maslach Burnout Inventory (MBI) é o instrumento mais utilizado para medir burnout13 e visa detectar a síndrome ou seu risco pela identificação de suas consequências. Consiste em 15 questões subdivididas em três subgrupos: exaustão emocional, tida como defasagem de energia e sentimento de esgotamento emocional; descrença ou despersonalização, indicada como falta de sensibilidade e rudeza ao tratar o público atendido; e eficácia profissional, definida como autoavaliação negativa do trabalhador ou redução dos sentimentos de competência no que se refere aos ganhos pessoais conquistados no trabalho 14. As respostas variam de “nunca” a “todos os dias”, e sua frequência é quantificada. Média de resultados elevada para exaustão emocional e descrença ou despersonalização e baixa para eficácia profissional indicaria síndrome de burnout.
Não há dados precisos sobre a incidência de síndrome de burnout, mas estima-se que varie de aproximadamente 4 a 85,7%, a depender da população estudada 15. No Brasil não há ainda muitas publicações sobre o tema 15, o que aponta a importância da presente pesquisa, tendo em vista o impacto do adoecimento de profissionais da saúde sobre o bem-estar das pessoas atendidas, trazendo consequências sociais, pessoais e institucionais. Com isso, este estudo realizou revisão integrativa sobre a produção brasileira acerca do sofrimento psíquico na síndrome de burnout em profissionais da saúde entre 2014 e 2019.
Trata-se de revisão integrativa da literatura estruturada nas seguintes etapas: definição da questão norteadora; busca em bancos de dados; coleta de informações; categorização e análise crítica dos estudos incluídos; discussão; e conclusão 16. Elaborou-se a seguinte questão: qual foi o conhecimento produzido na literatura brasileira entre 2014 e 2019 sobre síndrome de burnout e trabalhadores da saúde?
Foram consultadas duas bases de dados. A pesquisa no PubMed envolveu os descritores “burnout” e “health personnel”, extraídos do Medical Subject Headings. Na Biblioteca Virtual em Saúde foram utilizadas as palavras-chave “burnout” e “pessoal de saúde”, extraídas dos Descritores em Ciências da Saúde. Em ambos os casos os descritores foram usados em associação com o operador booleano “and”.
Os critérios de inclusão abrangeram artigos originais, dissertações e revisões de literatura publicados em português ou inglês (versões traduzidas de artigos brasileiros) entre 2014 e 2019, que delimitassem o Brasil como cenário de estudo e cuja amostra envolvesse trabalhadores da saúde. Foram excluídas as publicações que não atendessem aos critérios de inclusão, assim como duplicatas e trabalhos em outros formatos (Figura 1).

Os dados foram coletados de forma independente pelas duas autoras e os resultados foram comparados para obter maior fidedignidade. Não foi utilizada ferramenta para selecionar e extrair dados. Após essa etapa, o corpus foi classificado de acordo com tipo de estudo, instrumentos utilizados, tamanho da amostra, local de pesquisa e formação dos autores (Tabela 1).

Segundo os resultados, muitos estudos não utilizaram instrumentos que medem a síndrome de burnout, preferindo dispositivos voltados a outros aspectos da saúde do trabalhador 17-19,22-24,27,31-33,37-39,44,45,51. Esses trabalhos foram, contudo, considerados nesta pesquisa porque se referem a sofrimento psíquico de trabalhadores da saúde, relacionando-o a burnout em seu conteúdo. Observa-se ainda que a maioria das pesquisas apontou predominância de profissionais de saúde do sexo feminino 18,19-22,25,27-29,31,32,34,36,39,42,43,45-47,50,51, principalmente em enfermagem 18,20-22,25,28,29,39,45,47,51.
Dos 35 artigos incluídos, 27 (77%) empregaram abordagem quantitativa, 2 (6%), qualitativa, 5 (14%) eram revisão da literatura e 1 (3%) era editorial. Dentre as pesquisas quantitativas, 18 (67% deste subgrupo) aplicaram o instrumento MBI 14, indicando ser este o mais utilizado para medir síndrome de burnout, o que corrobora as afirmações de Tamayo e Troccoli 13. Argumenta-se que, por um lado, a ampla utilização do MBI é interessante para comparar resultados, mas, por outro, limita o entendimento da síndrome ao que é perguntado no instrumento 13.
Dentre as pesquisas qualitativas e quantitativas, 18 (62% deste subgrupo) foram realizadas em hospital ou tratavam desse ambiente, e 11 (38%) focavam ou foram executadas no âmbito da atenção básica. Os resultados refletem a tradição de abordar o bem-estar do trabalhador da saúde, principalmente de enfermagem e medicina, majoritariamente em ambientes hospitalares, considerados os locais com maior risco ocupacional de provocar doenças mentais nessa população 17.
O número significativo de pesquisas desenvolvidas na atenção básica provavelmente se deve ao protagonismo deste setor, cujos profissionais estão frequentemente sobrecarregados, desempenhando papéis que vão além das tarefas delimitadas pelo cargo, com destaque para a enfermagem 52. É necessário investigar a síndrome de burnout em outros locais de trabalho, dado que ambulatórios, unidades de pronto atendimento, Centros de Atenção Psicossocial e outras unidades do Sistema Único de Saúde não foram abrangidos nos artigos encontrados nesta pesquisa.
A maioria dos autores da amostra era formada em enfermagem – também a principal profissão pesquisada –, com 24 (69%) artigos 17,18,20-25,27-29,31-33,36,37,39,41,45-48,50,51 contendo ao menos um pesquisador da categoria. Dez (29%) trabalhos 19,26,28,38,42-44,46,49,50 contemplavam ao menos um pesquisador médico, e apenas 13 (37%) pesquisas 18,19,27,30,31,33-35,38,40,41,46,51 incluíam autores de outras categorias profissionais. Isso provavelmente se deve à tradição de pesquisas em ambiente hospitalar 17 e ao fato de os profissionais que ali trabalham serem em sua maioria enfermeiros e médicos, que por sua profissão estão expostos a fatores de estresse adicionais 52. Na área da saúde, o trabalho do médico é tradicionalmente o mais estudado do ponto de vista do impacto psicológico 5, mas pesquisas relatam especial risco de profissionais de enfermagem desenvolverem distúrbios decorrentes do estresse vivido no trabalho 53.
Por sua definição, a síndrome de burnout é adoecimento relacionado ao trabalho 54. Sendo assim, a maioria das pesquisas incluídas neste estudo aponta a importância de os gestores promoverem ações interventivas e de prevenção. Concluem também que é preciso diagnosticar a síndrome precocemente, que muitos profissionais apresentam risco elevado de desenvolvê-la, associado a alto risco de depressão, e que dificuldade nas relações hierárquicas e recursos físicos e humanos insuficientes são fatores estressantes, relacionando ainda fatores psicossociais e idade jovem. Recomendam também que sejam realizados mais estudos na área.
Dentre os 35 artigos da amostra, 29 (83%) concluíram que as condições laborais estão relacionadas ao burnout e, dentre esses, 13 (45%) sugerem diretamente a necessidade de a gestão intervir no ambiente de trabalho como medida de saúde. A literatura aponta que o tratamento de burnout deve considerar a origem da síndrome, abrangendo aspectos pessoais, laborais e de organização do trabalho 55. Tratar apenas um de seus sintomas, como depressão ou ansiedade, seria paliativo, já que se trata de fenômeno coletivo e organizacional. Por isso é importante estudar a síndrome para melhor tratá-la 6.
É possível relacionar a falta de autonomia no trabalho com burnout ou outro tipo de adoecimento mental, sendo associado à organização das tarefas. A autonomia, entendida como a possibilidade de manifestar desejo e subjetividade no trabalho 56, permitiria ao trabalhador interferir naquilo que lhe causa sofrimento. Nesta situação, o adoecimento ocorre quando o trabalhador é forçado a ir sistematicamente além de seu limite subjetivo 57. A alta demanda de trabalho relacionada a baixa autonomia trazem maior risco de burnout 58. O sujeito não pode expressar os sentimentos mobilizados pelo sofrimento no trabalho, devendo suprimi-los, o que gera o processo que Seligmann-Silva 59 nomeou de “desgaste”. Isso indica que as estratégias de intervenção podem incluir o aumento da autonomia dos profissionais 25.
Por fim, conforme apresentado, a maioria dos estudos 18,20-22,25,28,29,39,45,47,51 revelou predomínio do sexo feminino no exercício da enfermagem. Contudo, este dado não foi analisado em nenhuma das pesquisas selecionadas, evidenciando que o impacto do sexo no adoecimento e na dinâmica do trabalho tem sido negligenciado pelos pesquisadores. A associação entre a predominância do sexo feminino na enfermagem e o cuidado é histórica 60 e carrega marcas culturais, impactando também as escolhas dos pesquisadores. Também já foi descrito na literatura o quanto a dupla jornada de trabalho das mulheres, a tendência cultural a não valorizar o trabalho feminino e a hegemonia do discurso médico impactam a saúde mental das profissionais de saúde 5, sendo fatores de estresse além do desgaste profissional.
A literatura sobre síndrome de burnout em profissionais da saúde ainda é escassa, possivelmente pelo fato de a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, tanto em sua versão 10 61 quanto 11 54, trazer o burnout não como condição de saúde, mas fenômeno ocupacional, o que pode resultar em subdiagnóstico. Apesar de os números serem incertos, dada a carência de pesquisas sobre o tema e a prevalência de amostras pequenas com baixo poder de generalização, as conclusões de muitos dos artigos encontrados nesta pesquisa apontam para índice significativo de síndrome de burnout em profissionais da saúde.
A queda na qualidade do trabalho, o aumento do absenteísmo, da rotatividade e do número de acidentes de trabalho prejudicam as empresas em termos financeiros e de imagem. Além disso, provocam prejuízo social pela diminuição do número de adultos em idade produtiva devido ao adoecimento e gastos com saúde. Os impactos como um todo são abrangentes: de ordem pessoal, social, empresarial, governamental e sobre o público atendido.
São necessárias pesquisas que considerem a prevalência do sexo feminino e seu impacto, bem como estudos que abranjam outras profissões além de enfermagem e medicina, uma vez que é preciso saber se de fato essas áreas são as mais atingidas por síndrome de burnout ou se seus índices parecem maiores por serem as mais pesquisadas. Também é necessário investigar ambientes além do hospital e da atenção básica. Com isso, os dados serão mais consistentes e instruirão intervenções mais eficazes nas instituições de saúde para combater e prevenir a síndrome de burnout.
Samantha Mucci – Doutora – sammucci@gmail.com
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