Resumo: O crédito e a responsabilidade pela autoria científica são assuntos discutidos na literatura nacional e internacional. Em 1978 foi criado o International Committee of Medical Journal Editors, que estabeleceu regras gerais para determinar a autoria em publicações científicas. Ao discutir aspectos éticos da produção científica, este artigo busca apresentar essas diretrizes, bem como o percentual de revistas nacionais de psicologia que as adotam. A partir do sistema da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, foram avaliadas publicações nacionais de psicologia com Qualis A1, A2, B1 e B2. Identificou-se que as políticas editoriais das 292 revistas encontradas, estão em consonância com os critérios de autoria do comitê, sugerindo que publicações nacionais de psicologia evidenciam qualidade e credibilidade por cumprirem regras de responsabilidade pela autoria.
Palavras chave: ÉticaÉtica,AutoriaAutoria,PsicologiaPsicologia.
Abstract: Credit and responsibility for scientific authorship are issues discussed in Brazilian and international literature. In 1978, the International Committee of Medical Journal Editors was created, which established general rules for determining authorship in scientific publications. By discussing ethical aspects of scientific production, this article seeks to present these guidelines, as well as the percentage of national psychology journals that adopt them. From the Coordination for the Improvement of Higher Education Personnel system, Brazilian psychology publications with Qualis A1, A2, B1 and B2 scores were evaluated. The editorial policies of 292 journals were found to be in line with the committee’s authorship criteria, suggesting that national psychology publications show quality and credibility for complying with rules of responsibility for authorship.
Keywords: Ethics, Authorship, Psychology.
Resumen: El crédito y la responsabilidad de la autoría científica son cuestiones discutidas en la literatura nacional e internacional. En 1978, se creó el International Committee of Medical Journal Editors, que estableció reglas generales para determinar la autoría en publicaciones científicas. Al discutir aspectos éticos de la producción científica, este artículo trata de presentar esas directrices, así como el porcentaje de revistas nacionales en el área de psicología que las adoptan. Con base en el sistema de la Coordinación de Perfeccionamiento de Personal de Nivel Superior, se evaluaron las publicaciones nacionales de psicología con Qualis A1, A2, B1 y B2. Se constató que las políticas editoriales de las 292 revistas encontradas se ajustan a los criterios de autoría del comité, lo que sugiere que las publicaciones nacionales en el campo de la psicología evidencian calidad y credibilidad por cumplir con las normas de responsabilidad por la autoría.
Palabras clave: Ética, Autoría, Psicología.
Pesquisa
Ética e autoria nas revistas brasileiras de psicologia
Ethics and authorship in Brazilian psychology journals
Ética y autoría en las revistas brasileñas de psicología
Recepção: 14 Outubro 2019
Revised document received: 3 Agosto 2021
Aprovação: 4 Agosto 2021
Publicar tornou-se, há algumas décadas, uma necessidade da comunidade científica, além de uma conquista acadêmica importante para os pesquisadores, pois a autoria de um artigo tem implicações acadêmicas, sociais e financeiras. Por exemplo, a produção científica serve de parâmetro para que agências de fomento concedam recursos para financiar as pesquisas. Em contrapartida, a cultura do publish or perish é uma realidade do produtivismo acadêmico, que tende a valorizar excessivamente a quantidade de publicações, por vezes em detrimento de sua qualidade 1 - 3 .
No Brasil, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) avalia programas de pós-graduação e revistas científicas por meio do sistema Qualis Capes, que analisa a qualidade e classifica artigos e pesquisas. Atualmente, esse sistema indica a necessidade de publicações que atinjam graus mais elevados de excelência, como os estratos A e B, cujos critérios ainda diferem em relação às áreas de conhecimento, a depender de programas de pós-graduação e câmaras técnicas, dentre outros aspectos. Em vista disso, neste artigo busca-se discutir aspectos éticos dos créditos de autoria envolvidos na produção científica, bem como verificar a proporção de revistas nacionais de psicologia que utilizam os critérios estabelecidos, validados e reconhecidos internacionalmente pela comunidade científica.
Ao longo dos últimos 50 anos o número de coautores se ampliou, principalmente em publicações médicas, crescimento que pode ser explicado por uma série de fatores, como o aumento dos colaboradores vinculados ao pesquisador principal e a crescente complexidade das pesquisas em ciências da saúde, que exigem parcerias interdisciplinares. A esses motivos acrescenta-se a autoria honorária ( gift authorship ), situação em que o pesquisador não preenche adequadamente os créditos como autor, mas que é impulsionada pela pressão por financiamento e promoção, além da crença de que incluir autores seniores aumentaria a chance de publicação 4 , 5 .
Embora os editores de revistas se esforcem para que sejam cumpridos critérios dos créditos de autoria, condutas inadequadas são frequentes nas pesquisas. Exemplo disso é a autoria fantasma ( ghost authorship ), que ocorre quando se deixa de indicar o nome de alguém que contribuiu substancialmente na pesquisa ou redação de um artigo e, portanto, preencheria os critérios. Tal omissão pode prejudicar a credibilidade pessoal dos pesquisadores envolvidos, visto que infringe preceitos éticos consolidados 4 , 6 .
O plágio é outro desvio da norma científica, problema crucial que frequentemente pode ser detectado antes da publicação por meio de softwares que identificam e revelam essa conduta inadequada. É caracterizado pela reprodução do trabalho de outro pesquisador ou de material já publicado sem a devida atribuição dos créditos e envolve a falsificação ou mistura de dados, podendo ser intencional ou incidental. Por sua vez, o autoplágio é a reutilização do próprio texto, o que fornece a falsa impressão de que as ideias e palavras são originais, caracterizando violação da integridade intelectual 7 , 8 .
Assim como o plágio, a fabricação e a falsificação são duas outras más condutas científicas descritas pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) 9 em seu Código de Boas Práticas Científicas, e, embora tenham definições diferentes, são bastante similares 10 . A falsificação é a apresentação de dados ou resultados de pesquisa modificados, imprecisos ou incompletos que interferem nas conclusões do estudo, enquanto a fabricação consiste em afirmar que determinadas informações foram obtidas, quando realmente não o foram.
Condutas indevidas em pesquisas científicas se tornaram evidentes no início dos anos 1980, quando John Darsee, pesquisador vinculado à Harvard Medical School e à Emory University, quebrou a confiança de seus coautores e de leitores ao falsificar dados de diversos estudos. Em maio de 1981 Darsee admitiu a fraude em um de seus artigos, mas investigações posteriores descobriram que ele também apresentara dados forjados em outras publicações. Dentre esses estudos, muitos elencavam coautores que aceitaram voluntariamente os créditos, mas que se isentaram das fraudes quando elas vieram a público 2 , 11 .
O caso de Darsee mostra que, embora muitos autores estejam dispostos a reivindicar créditos, poucos são propensos a compartilhar as responsabilidades inerentes ao papel de autor ou coautor 11 . Assim, foram desenvolvidas políticas para fundamentar os critérios de autoria, visando garantir condutas éticas na elaboração de manuscritos científicos. Criado em 1978 e com amplo reconhecimento internacional, o International Committee of Medical Journal Editors (ICMJE) 12 estabeleceu normas para creditar os autores, diretrizes que foram adotadas pelo Committee on Publication Ethics (Cope) 13 , que prescreve para os editores científicos um código de conduta cujos critérios devem ser integralmente atendidos. São eles:
Em vista disso, autor é aquele que faz contribuições intelectuais significativas para o estudo publicado 12 , sem as quais aspectos como financiamento, coleta de dados ou supervisão geral do grupo de pesquisa não justificam a autoria. Por exemplo, chefiar o local de trabalho onde será realizada a pesquisa e participar de seus procedimentos é algo a ser valorizado, mas sem contribuição intelectual isso se configura apenas como exercício técnico de uma função.
Nesse sentido, várias pesquisas dependem da colaboração de profissionais que podem auxiliar em sua realização ao desempenharem funções rotineiras, como médicos, enfermeiros, técnicos de laboratório e secretários, dentre outros. Porém, se sua participação se limita a executar sua rotina de trabalho, não há mérito que legitime a autoria. A coleta de dados, por mais relevante, extensa e demorada que possa ser, não envolve contribuição intelectual específica para a pesquisa e, portanto, não fundamenta autoria ou coautoria, devendo ser mencionada, assim como outros auxílios, na seção de agradecimentos 1 . No caso da psicologia, a American Psychological Association (APA), na seção 8.12 de seus princípios éticos e código de conduta, apresenta as seguintes diretrizes para determinar a autoria:
Os psicólogos assumem responsabilidade e crédito, incluindo crédito de autoria, apenas pelo trabalho que efetivamente realizaram ou para o qual contribuíram substancialmente.
A autoria principal e outros créditos de publicação refletem com precisão as contribuições científicas ou profissionais relativas dos indivíduos envolvidos. A simples posse de uma posição institucional, como a cadeira em um departamento, não justifica o crédito da autoria. Contribuições menores para a pesquisa ou para a redação para publicação são adequadamente reconhecidas nas notas de rodapé ou em uma declaração introdutória.
Exceto em circunstâncias excepcionais, um aluno é listado como autor principal em qualquer artigo de autoria múltipla que seja substancialmente baseado em sua tese de doutorado. Os conselheiros de professores discutem o crédito de publicação com alunos o mais cedo possível e durante todo o processo de pesquisa e publicação, conforme apropriado 15 .
Assim, em conformidade com as diretrizes do ICMJE, a APA 16 preconiza que o crédito de autoria deve refletir contribuição intelectual de qualquer pessoa envolvida com o projeto inicial de pesquisa, coleta e análise de dados, elaboração de manuscritos e aprovação final. Financiar, orientar ou realizar pesquisa contributiva sem efetivamente ter parte na publicação não caracteriza autoria. Além disso, o autor principal é responsável pela publicação, devendo se certificar de que os dados são precisos e de que todos os autores meritórios foram creditados, além de terem aprovado a versão final do manuscrito 16 .
Trata-se de pesquisa realizada em 2018 no Qualis Periódicos da Plataforma Sucupira com revistas nacionais de psicologia dos estratos A1, A2, B1 e B2, de modo a verificar o uso dos critérios de autoria estabelecidos pelo ICMJE. Todas as revistas de psicologia cadastradas na Plataforma Sucupira e classificadas nos estratos mencionados tiveram suas políticas editoriais consultadas, por meio das seções “diretrizes aos autores” e “políticas de seção”. Considerou-se que as revistas haviam adotado as recomendações do ICMJE mesmo que não as mencionassem especificamente, desde que estivessem em conformidade com as diretrizes do Cope, da APA, de órgãos científicos e de fontes de indexação que seguem as regras preconizadas pelo ICMJE.
As 292 revistas pesquisadas estavam em consonância com os critérios de autoria do ICMJE. Após análise, constatou-se a seguinte divisão por estrato: 6 (A1), 42 (A2), 103 (B1) e 141 (B2), conforme dados da Figura 1 :
Os dados sugerem que a literatura nacional de psicologia é pouco suscetível a problemas com crédito e responsabilidade pela autoria, uma vez que todas as revistas pesquisadas seguem os critérios estabelecidos pelo ICMJE. A aderência às recomendações do comitê torna as revistas nacionais menos vulneráveis a condutas de risco éticas e metodológicas. Nesse sentido, seriam menos prováveis práticas indevidas, tais como autoria honorária, autoria “fantasma”, autoria por contribuições que não sejam intelectuais, plágio, autoplágio, fabricação e falsificação, dentre outros problemas.
A autoria pressupõe a capacidade de assumir responsabilidades sociais, éticas e profissionais decorrentes do conteúdo do trabalho. Além disso, a transparência na condução de pesquisas é atualmente uma das principais exigências éticas de periódicos científicos 17 . Editores podem evitar a autoria inapropriada ao seguirem as recomendações do ICMJE 12 , exigindo que as contribuições individuais de todos os participantes da pesquisa sejam especificadas em relatório 18 .
O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) criou suas diretrizes em 2011, fundamentando-as nos critérios do ICMJE. Assim, recomenda que o crédito de autoria seja concedido apenas àqueles que prestaram contribuição significativa à pesquisa, como realizar experimentos, participar do planejamento experimental, analisar resultados ou compor o conteúdo do manuscrito. Dessa forma, autores de um artigo científico devem ser responsáveis por sua veracidade e idoneidade, e toda pesquisa deve manter padrões éticos ao ser executada, seja com animais, seja com seres humanos 19 .
As diretrizes do ICMJE são adotadas por revistas científicas mundialmente renomadas, tais como: The Lancet, Journal of the Medical Association, Nature, Journal of Medical Ethics, The New England Journal of Medicine, British Journal of Pharmacology, European Association for Chemical and Molecular Sciences, Annals of InternaI Medicin e, dentre outras 20 - 26 . Segundo artigo publicado no site da Elsevier, maior editora de literatura médica e científica do mundo, os critérios de autoria do ICMJE são os mais utilizados, conhecidos como regras da Vancouver 27 . Além disso, a Austrian Agency for Research Integrity (OeAWI) 28 também endossa os princípios do ICMJE em suas diretrizes para boas práticas científicas.
Tendo em vista que os critérios do ICMJE são mundialmente aceitos e bem definidos 29 , as demais áreas científicas nacionais deveriam adotá-los em suas políticas editoriais, de modo a prevenir condutas indevidas e garantir maior transparência aos resultados. Fundamentos morais e princípios éticos como confiabilidade, objetividade, integridade, imparcialidade e abertura precedem a pesquisa científica, motivo pelo qual pesquisadores têm a responsabilidade e compromisso de tornar públicos dados precisos e fidedignos relacionados aos resultados de seus estudos 30 , 31 .
Considerando as recomendações do ICMJE, apresentaram-se os critérios validados pela comunidade científica internacional para atribuir crédito e responsabilidade pela autoria científica, diretrizes que foram analisadas nas publicações nacionais de psicologia com maior fator de impacto, permitindo verificar que todas as revistas dos estratos Qualis A1, A2, B1 e B2 estão em consonância com os critérios do comitê. Em vista disso, sugere-se que, caso ainda não seja um padrão, as demais revistas nacionais adotem as normas do ICMJE, independentemente da área de produção científica, pois se trata de importante ferramenta para prevenir eventuais condutas indevidas. Ademais, os princípios norteadores debatidos estão de acordo com as metas de abertura e transparência nas publicações, respeitando todos os aspectos éticos e metodológicos da pesquisa científica.
Alessandra Ghinato Mainieri – Doutora – lecagm73@gmail.com
Cláudia Helena Cerqueira Mármora – Doutora – claudia.marmora@ufjf.edu.br
Caio Mendes de Freitas idealizou o estudo, coletou os dados e redigiu o artigo. Alessandra Ghinato Mainieri e Cláudia Helena Cerqueira Mármora orientaram a pesquisa e contribuíram igualmente na revisão final do artigo para publicação.
Correspondência: Cláudia Helena Cerqueira Mármora – Faculdade de Fisioterapia. Av. Eugênio do Nascimento, s/n CEP 36038-330. Juiz de Fora/MG, Brasil.