Resumo: Considerando que comunicar a morte de paciente a familiares é tarefa difícil para profissionais de saúde, o objetivo desta pesquisa foi identificar na literatura recomendações para reduzir os malefícios dessa situação. Trata-se de estudo qualitativo realizado por meio de revisão bibliográfica nas bases de dados do Portal Capes com a utilização dos termos “morte” e “comunicação”. Os resultados, obtidos em 18 artigos selecionados, foram divididos em três categorias: formação profissional, preparo familiar e prática profissional. Quanto à formação profissional, indicou-se, sobretudo, treinamento por role playing precedido de fundamentação teórica; para o preparo dos familiares, recomendou-se promover diálogo enquanto o paciente vive; em relação à prática profissional, aconselhou-se compartilhar informações entre colegas e adotar medidas para controle emocional. Constatou-se que práticas simuladas, troca de informações entre profissionais, controle emocional dos profissionais e diálogo com e entre familiares contribuem para reduzir o malefício da comunicação de morte.
Palavras chave: Morte, Atitude frente à morte, Morte parental, Sistemas de comunicação no hospital, Temas bioéticos.
Abstract: Considering that informing family members of a patient’s death is an arduous task for health professionals, the objective of this research was to identify in the literature recommendations to reduce the distress caused by this situation. This is a qualitative study carried out by means of a literature review on the Capes Portal database using the terms “death” and “communication.” The results, obtained from 18 selected articles, were divided into three categories: professional training, family preparation, and professional practice. Regarding professional training, it was indicated, above all, training by role playing preceded by theoretical foundations; for family members’ preparation, the recommendation was to engage in dialogue while the patient is alive; in relation to professional practice, the advice given was information sharing between colleagues and adoption of measures for emotional control. It was found that simulated practices, information sharing between professionals, emotional control of professionals and dialogue with and between family members contribute to reducing the distress when communicating death.
Keywords: Death, Attitude to death, Parental death, Hospital communication systems, Bioethical issues.
Resumen: Teniendo en cuenta que comunicar la muerte de un paciente a familiares es tarea difícil para los profesionales de la salud, el objetivo de esta investigación fue identificar en la literatura recomendaciones para reducir los daños de esa situación. Se trata de un estudio cualitativo realizado por medio de revisión bibliográfica en las bases de datos del portal Capes con la utilización de los Términos “muerte” y “comunicación”. Los resultados, obtenidos a partir de 18 artículos seleccionados, fueron divididos en tres categorías: formación profesional, preparación familiar y práctica profesional. En cuanto a la formación profesional, se indicó, sobre todo, entrenamiento por role playing precedido de fundamentación teórica; para la preparación de los familiares, se recomendó promover el diálogo mientras el paciente vive; en relación con la práctica profesional, se aconsejó compartir informaciones entre compañeros y adoptar medidas de control emocional. Se comprobó que prácticas simuladas, intercambio de informaciones entre profesionales, control emocional de los profesionales y diálogo con y entre familiares contribuyen a reducir el daño de la comunicación de muerte.
Palabras clave: Muerte, Actitud frente a la muerte, Muerte parental, Sistemas de comunicación en hospital, Discusiones bioéticas.
Pesquisa
Dificuldade de comunicar a morte do paciente aos familiares
Difficulty communicating the patient’s death to family members
Dificultad para comunicar la muerte del paciente a los familiares
Recepção: 16 Janeiro 2020
Revised document received: 20 Janeiro 2022
Aprovação: 24 Janeiro 2022
Embora a morte seja uma das poucas certezas da vida, sua aceitação é difícil, visto que é considerada inimiga a ser incessantemente combatida e, se possível, superada 1 . Diante disso, a comunicação do óbito de paciente a seus familiares é tarefa difícil e delicada que exige dos profissionais de saúde, sobretudo dos médicos, habilidades e competências especiais para diminuir o impacto, que costuma ser mais intenso quando o evento acontece de forma inesperada.
Entre as dificuldades, desponta a sensação de insegurança dos profissionais para revelar o desfecho inexorável do paciente ante o receio de que a família os considere culpados. Do mesmo modo, destaca-se o despreparo emocional e a carência de habilidades para esse tipo de comunicação. Assim, considerando que as reações são diferentes entre os personagens de cada evento, essa complexidade de cenários demanda formação profissional abrangente, de maneira que não há fala predefinida para facilitar o enfrentamento de cada situação que se apresenta 2 .
O médico, como principal responsável, precisa ter muito cuidado com a informação a ser oferecida, já que não basta comunicar o óbito, que constitui por si um malefício, mas expressar-se com palavras adequadas, de modo atencioso e cuidadoso, para trazer conforto às pessoas que geralmente não estão preparadas para receber a notícia. Entretanto, ressalve-se que mesmo médicos experientes manifestam incerteza e angústia durante a comunicação 2 .
O vínculo entre médico e paciente tende a ser mais profundo no caso de doentes crônicos, observando-se que, em caso de morte, a dor dos familiares é atenuada de forma inversamente proporcional à intensidade desse relacionamento. Por essa razão, recomenda-se que a comunicação da má notícia seja feita pelo profissional mais ligado ao paciente. Entretanto, há médicos, entre outros profissionais, considerados insensíveis e que, por falta de formação humanística, sequer falam com a família, enviando outro profissional em seu lugar 3 .
Algumas peculiaridades da comunicação exigem adequação da conduta profissional. Assim, quando é confirmado o óbito de paciente internado em unidade de terapia intensiva, por exemplo, a notícia não pode ser dada por telefone, sendo necessário informá-la pessoalmente.
Quanto mais a ciência avança, mais se teme e se nega a morte, e os profissionais da saúde precisam ter humildade e habilidade para lidar com a perda 4 . Contudo, há evidências de que os médicos não são suficientemente preparados para isso em sua formação, mesmo tendo contato com cadáveres já no início dos estudos, de modo que são obrigados a desenvolver essa habilidade durante o exercício profissional, muitas vezes sem suporte teórico 1 , 5 . Diante disso, embora adquiram no trabalho algum conhecimento prático sobre o assunto, estima-se que essa carência de fundamentação poderia ser superada ainda na formação profissional.
Normalmente a notícia da morte é dada pelo médico, mas outros profissionais de saúde também são envolvidos na revelação. Desse modo, a maioria dos conselhos profissionais incluiu em seus códigos de ética os princípios bioéticos da beneficência e da não maleficência como deveres fundamentais de seus membros na luta contra o sofrimento humano.
O Código de Ética Médica, em seu Princípio Fundamental II, orienta os médicos a agirem com o máximo zelo em benefício da saúde do ser humano e, nos Princípios IV, V, XII e XIII, a evitar a maleficência resultante de: sofrimento físico, falta de atualização científica dos profissionais e não adoção de medidas de prevenção em relação aos riscos laborais ou ambientais 6 .
O objetivo deste trabalho foi identificar na literatura as principais recomendações feitas aos profissionais de saúde, sobretudo aos médicos, para reduzir os malefícios da comunicação durante o cumprimento da difícil tarefa de informar à família a morte de ente querido.
Trata-se de estudo qualitativo desenvolvido por meio de revisão bibliográfica realizada na base de dados do Portal Capes entre junho e julho de 2019. Para a pesquisa, foram inseridas na busca avançada em português “comunicação and morte” e, na busca em inglês, os termos “ communication and death ”, somente no título. Devido à pequena disponibilidade de trabalhos em português, foram selecionados artigos e resumos dos últimos 15 anos; a busca em inglês, língua com maior disponibilidade, considerou publicações dos últimos 10 anos.
Foram incluídos artigos e resumos com alguma proposta de orientação a profissionais de saúde sobre comunicação de morte de paciente a familiares, com especial atenção a trabalhos com recomendações que podem ser colocadas em prática. Excluíram-se artigos que tratavam da comunicação de morte em casos específicos, como HIV, pacientes pediátricos e pessoas com deficiência, devido às peculiaridades dos personagens e contextos envolvidos.
Utilizou-se o método de análise de conteúdo de Bardin 7 para tratar os dados coletados. Na primeira etapa foi realizada pré-análise por meio de leitura flutuante, estabeleceu-se o objetivo e selecionaram-se os documentos a serem analisados. Em seguida, foram incluídos alguns resumos de congressos, pela relevância de suas proposições. Por fim, agregaram-se os itens selecionados pelos critérios sobretudo de pertinência e homogeneidade de proposições.
Na segunda etapa, quando o material foi explorado, examinou-se o critério de exclusividade e foram sintetizadas as proposições encontradas nos trabalhos em três categorias. Na terceira etapa, que consistiu no tratamento dos resultados, com base na significância, as proposições foram interpretadas e as mensagens inferidas e condensadas em núcleos de sentido.
Na busca em português foram encontrados 30 artigos, dos quais oito foram selecionados, por conterem proposições recomendadas aos profissionais de saúde, conforme objetivo do estudo. Na busca em inglês foram encontrados 119 artigos e dois resumos, dos quais 34 tratavam do tema da pesquisa, mas somente dez (oito artigos e os dois resumos) foram selecionados pelo mesmo motivo, porém um artigo foi excluído por não estar disponível.
Assim, foram incluídos no estudo 18 artigos, agrupados em três categorias – 1) formação profissional (cinco artigos); 2) preparo familiar (sete artigos); e 3) prática profissional (seis artigos) –, conforme Quadros 1 , 2 e 3 . Os resumos de Zhang e colaboradores 8 e Lamba e colaboradores 9 foram incluídos pela importância de suas informações para o tema da formação profissional.
Cinco trabalhos abordaram a importância da formação profissional na comunicação de morte aos familiares do paciente e apontaram proposições ( Quadro 1 ). As habilidades podem ser adquiridas em workshop seguido de prática simulada ( role playing ) em pequenos grupos, metodologia que teve boa avaliação entre os profissionais que participaram do evento 10 .
De forma similar, pesquisa apontou que o treinamento de médicos residentes por meio de curso teórico seguido de simulação ( role playing ) resulta em aumento do conhecimento sobre o assunto e em sensação de maior preparo para comunicar a morte encefálica de paciente a seus familiares 8 . Outra pesquisa com médicos residentes adotou a apresentação de vídeos didáticos seguida de prática simulada ( role playing ), incluindo ressuscitação cardiorrespiratória e revelação de más notícias, melhorando o controle emocional e aumentando o conhecimento dos participantes 9 .
Estudo brasileiro identificou falta de iniciativa por parte das instituições de ensino para oferecer aos alunos da graduação habilidades técnicas e emocionais para lidar com a morte, tal como descrevem os estudos internacionais 8 - 10 ( Quadro 1 ), apontando como solução a inclusão do tema no ensino de bioética 11 .
Uma última proposição indicou a análise, em grupo, de filmes do projeto denominado Falando de Morte, que compõem conjunto de películas preparadas para direcionar profissionais a desenvolver habilidades em comunicação sobre a morte 12 . As cinco proposições foram sintetizadas e condensadas em três, segundo o núcleo de sentido de suas mensagens ( Quadro 1 ).
Sete artigos propunham formas de preparar os familiares para a comunicação da morte de paciente ( Quadro 2 ). A promoção do encontro entre familiares e paciente quando a morte é iminente facilita sua aceitação e contribui para que haja menos depressão durante o luto, constituindo a primeira proposição 13 .
A conversa entre o paciente e seus entes queridos alivia o estresse e evita arrependimentos posteriores à morte, além de prepará-los para o evento, configurando a segunda proposição 14 . Esse encontro pode ser realizado com auxílio de um programa denominado Death over Dinner (ou Death Café), criado para estimular o diálogo sobre a morte durante reuniões, iniciativa que contribui para a aceitação da própria morte e a dos entes queridos, se enquadrando na terceira e quarta proposições 15 , 16 .
Quando não há conversa sobre o final da vida entre paciente casado e seu cônjuge nos três meses que antecedem a morte, esta provoca sentimento de culpa maior na pessoa que perdeu seu companheiro. Isso sugere, portanto, como quinta proposição, que se estimule o diálogo sobre terminalidade da vida em casais quando um cônjuge estiver enfermo, sobretudo em fase terminal 17 .
A sexta proposição consiste na formação humanística e filosófica dos profissionais, bem como na boa relação entre profissionais e a família do paciente, que favorecem a comunicação especialmente em casos mais difíceis, como morte de jovens e de pacientes agudos 4 . De forma mais ampla, a sétima proposição destaca que o apoio à família pode ser dado por meio do combate à vulnerabilidade social e de medidas para reduzir desigualdades sociais 18 .
As sete proposições foram condensadas em três, segundo o núcleo de sentido de suas mensagens, conforme Quadro 2 .
Seis artigos traziam proposições sobre a prática profissional para a comunicação de morte de paciente a familiares. A primeira indicava que o compartilhamento da verdade sobre o paciente em iminência de morte entre os profissionais da equipe, sem atitude de negação ou velamento, facilita o processo de comunicação aos familiares. Esta deve ser feita de preferência pelo médico que mais se relaciona com a família e que tenha o respectivo preparo ético e técnico para a função 19 .
A segunda proposição sugere o incremento da troca de experiências entre os profissionais de saúde da instituição, pois isso influencia a qualidade dos dados transmitidos internamente e melhora a informação passada aos familiares. Dessa forma, há menos atitudes de evitação e ocultação 20 .
Conforme a terceira proposição, o profissional de saúde precisa ter disposição para ouvir o paciente em fase terminal, com o objetivo de proporcionar mais qualidade ao restante de sua vida. Assim, recomenda-se que a tarefa de comunicação de morte ao paciente e à família seja exercida com dedicação e confiança, prestando informações claras, de forma serena e em local adequado 21 .
Como quarta proposição, considerando que o médico pode manifestar ansiedade em relação à própria morte e, com isso, afetar a comunicação e as decisões a serem tomadas, recomenda-se atenção para o aprimoramento de seu controle emocional 22 . Como quinta proposição, aconselha-se que o médico tenha vida dedicada à família, com prática religiosa e hobbies , e que lhe seja oferecido acompanhamento psicológico. Além disso, orienta-se tratar a pessoa e não somente sua doença, postura que contribui para diminuir efeitos psíquicos negativos da atividade médica 5 .
A última proposição recomenda o uso de eufemismos pelos médicos a fim de diminuir o impacto da comunicação, sendo os mais citados: “não tive êxito”, “já partiu”, “incompatível com a vida”, “ele faleceu”, “não respondeu a nenhuma de nossas tentativas”, “a doença foi muito mais forte do que ele”, “aconteceu o pior”, “as notícias não são boas”, “é melhor ir do que vegetar”, “ele estava sofrendo muito” 23 .
As seis proposições foram condensadas em quatro, segundo o núcleo de sentido de suas mensagens, conforme Quadro 3 .
Nas três categorias analisadas ( Quadros 1 , 2 e 3 ), os artigos apresentaram dez proposições relevantes aos profissionais de saúde, sobretudo aos médicos, a respeito da difícil tarefa de comunicar a morte de paciente a seus familiares. Em relação à formação profissional ( Quadro 1 ), em três dos cinco artigos e resumos selecionados 8 - 10 emerge a primeira proposição, que é a prática simulada com role playing , precedida de introdução teórica por meio de apresentações expositivas ou filmes didáticos. Portando, infere-se que essa seja a metodologia mais indicada para o desenvolvimento de habilidades e controle emocional dos profissionais durante a comunicação de morte.
Essa metodologia pode utilizar pacientes simulados ou somente alunos desempenhando os papéis de médico e paciente. Em revisão da literatura, ela foi apontada como a mais recomendada também para desenvolver habilidades para revelação de más notícias a pacientes em casos de diagnósticos desfavoráveis, tratando-se de situação análoga 24 .
Nesse sentido, pesquisa recente constatou que estudantes de medicina consideram importante adquirir novas competências humanísticas em sua formação, para melhorar as relações médico-paciente, médico-interdisciplinar, médico-multidisciplinar e médico-familiar (com visão social do paciente). Essas qualidades contribuem para melhorar o desempenho da equipe e o controle emocional de seus integrantes perante situações mais complexas da profissão, como a comunicação de morte 25 .
Ainda na categoria “formação profissional”, despontam mais duas proposições a respeito da aquisição de habilidade de comunicação de morte: 1) pode ser incluída como teor da disciplina de bioética; e 2) pode ser estudada por meio da projeção de vídeos didáticos sobre o tema 11 , 12 . Trata-se de alternativas oriundas de trabalhos desenvolvidos no Brasil, possivelmente porque a maioria das faculdades brasileiras ainda não disponibiliza o método de role playing para a aquisição de habilidades em comunicação. Ressalta-se, entretanto, que não foi encontrado nenhum trabalho esclarecendo essa situação no país.
No ensino da bioética, esse tema inclui-se no princípio da não maleficência. A projeção de vídeos didáticos durante a formação proporciona a oportunidade de acessar conhecimento teórico que pode ser desenvolvido durante a prática profissional.
Quanto ao preparo dos familiares ( Quadro 2 ), foram apresentadas três proposições, e a principal delas aponta que falar sobre a morte é a melhor forma de prepará-los para o evento e, consequentemente, diminuir os efeitos do luto. Nesse contexto, casais precisam conversar entre si antes da morte de um dos cônjuges, assim como os familiares de paciente em fase terminal de vida, a fim de diminuir a própria dor durante o luto 13 , 14 , 17 . Nessa situação, cada membro da família vivencia emoções diferentes, e as pessoas se aproximam quando compartilham experiências, facilitando a aceitação da morte e diminuindo o tempo de luto.
A segunda proposição dessa categoria recomenda a boa relação entre profissionais e pacientes; contudo, os autores apontam a deficiência da formação humanitária e filosófica dos profissionais 4 . O Capítulo V do Código de Ética Médica trata da relação com pacientes e familiares, considerada dever do médico 6 . Para os profissionais, como não há fala pronta que facilite a comunicação em todos os casos possíveis, desponta a necessidade de formação ampla e consistente com aquisição de habilidades que lhes permitam estar preparados para dar respostas adequadas em cada situação que se apresenta 2 .
Finalmente, o cuidado com a vulnerabilidade social, sobretudo por meio do auxílio nas várias dificuldades que cercam o óbito, é forma de diminuir a dor dos familiares, constituindo a terceira proposição 18 . A morte é evento normalmente raro na família, e por isso muitas dificuldades e dúvidas podem advir da falta de conhecimento, desde a obtenção da declaração de óbito até o local destinado para o velório e enterro. Por isso, além da habilidade de comunicação, o profissional precisa ter disposição e conhecimento para ajudar nos aspectos práticos que sucedem à morte do familiar.
Quanto à prática profissional ( Quadro 3 ), foram apresentadas quatro proposições, destacando-se a primeira, segundo a qual o compartilhamento de informações sobre as condições do paciente ou seu falecimento entre os membros da equipe contribui para que não surjam incertezas entre os familiares, devido a eventuais contradições 19 . É muito desagradável para os familiares receber informações desencontradas, que somente aumentam a angústia de momento tão difícil, de maneira que é preciso que a equipe multiprofissional dialogue entre si. Além disso, a informação precisa ser transmitida de forma serena, com palavras claras e em local adequado 4 .
Como segunda proposição, aconselha-se que os profissionais tenham disposição constante para desenvolver habilidades de comunicação e direcionem o foco de sua atenção mais no doente que na doença 21 . Esse enfoque valoriza a ação humanitária dos profissionais e contribui para afastar a sensação de derrota ante a morte iminente – embora haja situações mais difíceis, que exigem maior habilidade e equilíbrio emocional, como a comunicação da morte de pacientes agudos e jovens 4 . O Código de Ética Médica, em seu Princípio Fundamental V, recomenda ao médico o aprimoramento profissional constante, incluindo-se consequentemente a habilidade de comunicação 6 .
A terceira proposição recomenda o bom preparo emocional dos familiares. Desse modo, embora a manifestação de empatia pelo profissional de saúde que comunica a morte ajude a atenuar o sofrimento familiar, a ação do psicólogo pode ser relevante para aprimorar o relacionamento entre equipe, paciente e família 26 . Os profissionais de saúde podem melhorar seu controle emocional por meio de cursos com aulas expositivas ou grupos de discussão, mas não se descarta a importância das conversas informais, bem como a realização de terapia pessoal para alcançar esse importante objetivo 27 .
Durante a formação profissional, podem ser incluídas práticas que contribuam para o desenvolvimento de competências emocionais, já que alguns fatores influenciam negativamente a interação, tais como mau relacionamento com colegas ou chefia e infraestrutura inadequada durante trabalho noturno, considerado mais estressante 28 . Na proposta de Silva, Cordeiro e Lima 29 , uma intervenção pedagógica voltada à formação integral dos alunos de medicina fortaleceria o desenvolvimento de habilidades socioemocionais e, consequentemente, melhoraria seu desenvolvimento humano.
Nesse sentido, para evitar frustração profissional, recomenda-se que durante a graduação em medicina a abordagem da morte seja menos biológica, diminuindo sobretudo a importância da cura como único objetivo do tratamento 30 . Nos hospitais-escola, onde a carga emocional geralmente é elevada, sugere-se a implantação de serviço especializado com programas de apoio psicológico a profissionais de saúde para melhor controle do estresse 31 . Da mesma forma, recomenda-se a avaliação sistemática da saúde mental dos profissionais, bem como o funcionamento de equipe multidisciplinar para dar suporte ao trabalho individual e aliviar o estresse 32 .
A quarta proposição consiste no uso de eufemismos, que, embora possam ser criticados por permitir interpretações equivocadas, são empregados por muitos profissionais para amenizar a difícil informação a ser dada, tornando as palavras menos desagradáveis aos familiares. Muitos eufemismos foram apontados por Souza e colaboradores 23 , como “não tive êxito”, “já partiu” ou “ele estava sofrendo muito”, entre outros ( Quadro 3 ).
O uso de eufemismos é bastante comum nos diálogos de oncologistas com familiares e pacientes em final da vida, e as respostas explícitas (diretas e sem eufemismos) ocorrem sobretudo em caso de pergunta direta 33 . Para dar mais segurança ao profissional de saúde, sobretudo ao médico, recomenda-se o ensino de protocolos de revelação de más notícias durante a graduação, como o Spikes, que obteve elevada aceitação de alunos de um curso de medicina 34 .
As proposições para reduzir os malefícios da comunicação da morte do paciente aos familiares despontaram nas três categorias pesquisadas. Em relação à “formação profissional”, propõe-se aos profissionais de saúde a aquisição de habilidades por meio de encontros que iniciam com aulas teóricas e se completam com role playing como a principal estratégia de treinamento. A abordagem do tema como parte da disciplina de bioética ou com uso de vídeos didáticos foi apontada como metodologia alternativa.
Quanto à categoria “preparo familiar”, a boa comunicação entre profissionais de saúde e família, a promoção do diálogo sobre a morte entre os familiares antes do falecimento do ente querido e o combate à vulnerabilidade social constituem proposições que visam mais coerência e solidariedade.
Em relação à categoria “prática profissional”, recomenda-se o compartilhamento de informações, a aquisição de habilidades de comunicação e o desenvolvimento do controle emocional por meio de programas específicos de apoio, bem como a adoção de vida pessoal regrada. O uso de eufemismos para diminuir o impacto negativo da comunicação não está descartado, entretanto é preciso cautela para que a prática não resulte em omissão da verdade.
Dessa forma, para respeitar o princípio da não maleficência, um dos preceitos fundamentais da bioética e um dos mais antigos da medicina, não basta que os profissionais de saúde tenham boas intenções. Assim, é necessário processo de formação sobre comunicação abrangente, que contemple equilíbrio emocional, adoção de práticas humanísticas e aquisição de conhecimentos técnicos e habilidades especializadas.
Uma limitação da pesquisa foi a escassa disponibilidade de estudos realizados no Brasil sobre o role playing , metodologia frequentemente proposta em trabalhos internacionais, utilizada durante a graduação para desenvolver habilidades na comunicação de morte de paciente.
Ana Paula Pereira – Mestre – ana.pereira@unoesc.edu.br
Elcio Luiz Bonamigo – Doutor – elcio.bonamigo@unoesc.edu.br
Todos os autores analisaram e interpretaram os dados e redigiram o artigo.
Correspondência: Elcio Luiz Bonamigo – Rua Treze de Maio, 314, sala 21 CEP 89600-000. Joaçaba/SC, Brasil.