Resumo: Este artigo busca contribuir para o processo de reflexão crítica sobre a produção do conhecimento em enfermagem com enfoque bioético em publicações brasileiras. Trata-se de revisão bibliográfica realizada por meio de buscas na SciELO utilizando os descritores “enfermagem”, “bioética” e “ética”, incluindo artigos publicados entre 1999 e 2019. Como resultado, identificaram-se 43 artigos e, após aplicar critérios de inclusão e exclusão, foram selecionados 16 trabalhos, cujos temas eram ensino da ética/bioética para o curso de enfermagem, seguido por terapia intensiva/ou terminalidade, doação de órgãos e atendimento/ação/cuidar em saúde. Verificou-se transição entre os temas emergentes considerando o contexto histórico no decorrer dos anos e o interesse da área.
Palavras-chave: Enfermagem, Bioética, Ética em enfermagem.
abstract: This article seeks to contribute to critical reflections on the production of nursing knowledge with a bioethical focus in Brazilian publications. This is a literature review conducted by searching the SciELO platform using the descriptors “nursing,” “bioethics” and “ethics,” including articles published between 1999 and 2019. As a result, 43 articles were identified and, after applying inclusion and exclusion criteria, 16 were selected, approaching teaching ethics/bioethics for the nursing course, followed by intensive care/or terminality, organ donation and health care/action/care. A transition in the emerging themes was observed considering the historical context over the years and the interest in the area.
Keywords: Nursing, Bioethics, Ethics, nursing.
resumen: Este artículo pretende contribuir a la reflexión crítica sobre la producción de conocimiento en enfermería con enfoque bioético en las publicaciones brasileñas. Se trata de una revisión bibliográfica realizada en SciELO utilizando los descriptores “enfermagem”, “bioética” y “ética” para artículos publicados entre 1999 y 2019. Los resultados identificaron 43 artículos y, después de aplicar los criterios de inclusión y exclusión, se seleccionaron 16 trabajos que abordaron temas como la enseñanza de la ética/bioética en la carrera de enfermería, los cuidados intensivos/fin de la vida, la donación de órganos y la atención/acción/cuidado en salud. Hubo una transición entre los temas emergentes considerando el contexto histórico a lo largo de los años y el interés del área.
Palabras clave: Enfermería, Bioética, Ética de enfermería.
Pesquisa
Enfoque bioético: produção do conhecimento em enfermagem no Brasil
Bioethical approach: production of nursing knowledge in Brazils
Enfoque bioético: producción de conocimiento en enfermería en Brasil
Recepção: 28 Setembro 2020
Revised document received: 27 Maio 2022
Aprovação: 30 Maio 2022
Especialmente nos anos 1970, a bioética surgiu como reapresentação acadêmica e científica do que antes era tratado de forma separada ou distanciada: a biologia ( bios/fatos) e as humanidades (ética/valores humanos). Nesse sentido, Zoboli 1 entendeu a bioética como ponte para interligar essas esferas do conhecimento humano. Assim, com caráter multidisciplinar, esse campo preocupa-se em examinar as condutas humanas na área das ciências da vida e da saúde à luz de valores e princípios morais.
A bioética emerge, ainda, como importante domínio da reflexão e da prática em enfermagem, tomando como objeto específico as questões humanas em sua dimensão ética. Com isso, possibilita contribuições e amplia a reflexão do comportamento ético em atividades de saúde, tirando o foco do indivíduo e ampliando-o às discussões acerca da responsabilidade social, direitos humanos e cidadania 2.
A construção do conhecimento no campo da enfermagem avançou, principalmente no que concerne à reprodução de novos modelos e críticas aos antigos. Entende-se, sobretudo, que essa construção busca seu próprio saber como ciência moderna, socialmente reconhecida e legitimada, com epistemologia própria, métodos, autonomia e amplo campo de atuação. Seria possível, então, afirmar que estes são elementos integrantes de um corpo profissional heterogêneo cujas ações devem convergir para o bem-estar do paciente. Essas mudanças trouxeram consigo a necessidade de estudo e resolução de problemas a partir da bioética 3, 4.
A enfermagem, em seu contexto histórico, passou por diferentes momentos, desde enfermeiras que eram treinadas na prática a cuidar dos pacientes, desenvolvendo comportamento baseado em normas, com o mínimo de preparação teórica em seu trabalho, até evoluir para uma busca de conhecimento sistemático, técnico e científico. Atualmente, novas tecnologias apontam a formação de enfermeiros cada vez mais críticos e comprometidos com o ambiente de trabalho, movidos por atitudes e, principalmente, autonomia 3.
É importante, nesse contexto, pontuar o surgimento do Decreto 94.406/1987 5, que trata do exercício profissional da enfermagem, bem como os Códigos de Ética de 1958 6, 1975 7 e de 1993 8. Sobre a análise dos dois primeiros, surge uma tendência metafísica, abstrata e espiritual. Já o Código de 1993 procura abordar os valores do ponto de vista histórico, baseando-se em uma visão de processo. Ocorreu, também, a substituição dos verbos “zelar” e “cuidar” por “orientar” e “colaborar”. Assim, o enfermeiro deixa de ser mero cumpridor de tarefas e passa a ter igualdade com os demais componentes da equipe de saúde, devendo estar tão informado quanto os demais profissionais 9.
Apesar dos avanços e contribuições legais, algumas responsabilidades profissionais são vistas como encargos, compromissos, obrigações e deveres. A responsabilidade legal diz respeito ao cumprimento do Decreto 94.406/1987; a responsabilidade ética, muitas vezes, é entendida erroneamente como o cumprimento do Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem.
Esse aspecto é explicado pelo fato de o modelo de ensino da ética nos cursos da área da saúde ter sido, em grande parte, histórico, com foco no caráter legal, referindo-se ao conjunto de deveres que o profissional deveria seguir em suas atividades, ou seja, deontológico. Esse modelo vem sendo superado, suscitando discussões cada vez mais amplas sobre a preocupação de os códigos de condutas acompanharem as transformações sociais 9– 11.
Inicia-se uma discussão profissional em que a moral surge como obediência à lei. Nesse momento, surgem questões éticas vinculadas à prática do profissional, assim como à grande responsabilidade do enfermeiro, que, com suas competências privativas, deve considerar a consulta e a prescrição da assistência de enfermagem. Cuidados de enfermagem diretos, sobretudo em campos que lidam cotidianamente com pacientes graves e de maior complexidade técnica (ou terapêutica), exigem conhecimentos adequados e capacidade de tomar decisões imediatas, inexistentes na legislação anterior 9, 10.
A literatura no campo da enfermagem com enfoque bioético tem crescido ao longo do tempo. O estudo da produção do conhecimento em enfermagem e bioética, sem dúvida, é de extrema importância, visto que proporciona ampla visão para seleção de fontes bibliográficas pertinentes e atualizadas, o que contribui para tornar os enfermeiros mais reflexivos, conscientes e embasados em princípios éticos e morais durante o exercício da profissão 12.
Assim, promover uma discussão sobre os atuais desafios que a enfermagem enfrenta à luz do pensamento da bioética torna-se de grande importância. Este estudo visa contribuir com tal reflexão, na perspectiva de formatar e entender os marcos conceituais capazes de elucidar as discussões acerca do posicionamento ético e humanístico que tem norteado as ações em enfermagem no Brasil. O artigo busca trazer contribuições para o processo de reflexão crítica, a fim de identificar e descrever a produção do conhecimento nacional em enfermagem referente ao enfoque bioético.
Este artigo utilizou revisão bibliográfica do tipo narrativa 13. Para as buscas, recorreu-se à base de dados SciELO, utilizando, de maneira conjunta, os descritores “enfermagem”, “bioética” e “ética”, incluindo sempre o operador booleano “ and”. Foram incluídos artigos nos idiomas português, inglês e espanhol, publicados entre os anos 1999 e 2019.
A elaboração da revisão obedeceu às seguintes etapas: 1) formulação da questão de pesquisa, hipótese e objetivo; 2) estabelecimento dos critérios de inclusão e exclusão dos artigos; 3) definição das informações que seriam extraídas dos artigos selecionados; 4) discussão e apresentação dos resultados; e, por fim, 5) apresentação da revisão. Para guiar a revisão bibliográfica, formulou-se a seguinte questão: qual foi o enfoque dos artigos de enfermagem referentes ao tema bioética no Brasil nos últimos 20 anos?
Para contextualizar o período selecionado do estudo, que compreende de janeiro de 1999 até dezembro de 2019, é importante destacar que, antes da década de 1970, os pesquisadores estavam preocupados com temas que incluíam o exercício profissional e a elaboração do Código de Ética e Deontologia da Enfermagem 14 no Brasil. A escolha pelo ano de 1999 surgiu por situar-se cinco anos após a publicação da Portaria 1.721/1994 do Ministério da Educação (MEC) 15, que estabeleceu novas diretrizes curriculares para a graduação em enfermagem. Posteriormente, a Portaria MEC 1.518/2000 16 integrou os conteúdos de bioética ao ensino da ética 17.
Os critérios de inclusão dos artigos, como já mencionado, foram: artigos encontrados na base de dados selecionada, publicados em periódicos nacionais em português, inglês e espanhol, no período de 1999 a 2019. Os critérios de exclusão, por sua vez, foram: livros, artigos não gratuitos em sua totalidade, artigos de revisão (por não trabalharem com dados primários), e artigos que não abordam os temas pesquisados.
Os artigos encontrados e selecionados foram analisados quantitativa e qualitativamente, a fim de evidenciar o enfoque central utilizado para as discussões bioéticas em enfermagem. Os dados foram coletados a partir da seleção dos artigos, com base nos títulos e, depois, nos resumos. Os artigos selecionados foram lidos integralmente, e deles se extraíram as seguintes informações: ano, autor, tema, estudo, conceito teórico, revista, objetivo, conclusão, tema de estudo e tipo de pesquisa. Tais informações foram tabuladas para análise e escrita da revisão.
Na coleta dos dados, buscou-se respeitar os aspectos éticos, sendo as ideias dos autores preservadas, assim como seus conceitos e construtos. Procurou-se, também, frisar perspectivas teóricas que surgiram nos estudos, ou seja, compreender tendências, dilemas e conhecer os direcionamentos bioéticos que foram dados pela enfermagem sobre o cliente/paciente, as relações entre profissionais e a sociedade. Para melhor compreensão dos resultados, após a leitura dos artigos, os temas emergentes nos estudos foram selecionados e procedeu-se a uma análise de cada artigo, apresentados por meio de tabela e, também, de maneira descritiva.
A partir da aplicação do método de pesquisa já descrito, encontraram-se 43 artigos publicados na base de dados SciELO. Destes, apenas 16 foram incluídos, pois atenderam a todos os critérios metodológicos de inclusão e exclusão.
Com relação aos periódicos em que foram publicados, quatro artigos estavam na revista Acta Paulista de Enfermagem, dois na revista Texto & Contexto: Enfermagem, dois na Revista Latino-Americana de Enfermagem e quatro na Revista Brasileira de Enfermagem. Por fim, selecionou-se um artigo de cada um dos seguintes periódicos: Revista Brasileira de Educação Médica, Revista Bioética, Revista da Escola de Enfermagem da USP e Saúde e Sociedade. Quanto à área temática da SciELO, 15 artigos estavam classificados como ciências da saúde e um como ciências humanas. Sobre o ano de publicação, a maioria dos artigos foram publicados no ano de 2010 (seis artigos), seguido dos anos de 2002 (dois), 2013 (dois), 2015 (dois), 2005 (um), 2006 (um), 2007 (um) e 2011 (um).
Por meio do levantamento realizado, constatou-se aumento gradual de publicações sobre o tema da bioética na enfermagem registradas na SciELO, e essa tendência é corroborada pela quantidade de publicações em 2010 9, 10, 12, 18– 20. França e colaboradores 21 relataram a necessidade de observância e divulgação das recomendações preconizadas pela Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) 196/1996 22 para as teses e publicações, a qual, atualmente, já se encontra bem difundida, de acordo com os resultados observados. Além disso, constatou-se tendência de avaliação do impacto da Resolução 240/2000 do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) 23, dez anos após sua publicação.
A maioria das publicações estavam vinculadas a programas de pós-graduação, em cursos de mestrado e doutorado, com teses e dissertações na área 21. Tal fato está ligado às perspectivas teóricas em que os autores fundamentam suas argumentações, apesar de algumas não emergirem nos textos nominalmente. Entre os principais temas abordados, observou-se que ensino/educação da ética/bioética para o curso de enfermagem foi o mais pontuado diretamente (sete artigos), seguido por atendimento ao cliente em cuidados mínimos, intermediários e terapia intensiva (dois artigos), Estratégia Saúde da Família (ESF) (dois artigos) e, por fim, produção científica/tese e ações educativas em saúde, com um artigo cada, como indicado no Quadro 1

Os resultados apresentaram temas emergentes, de acordo com o contexto e momento histórico dos pesquisadores, e os tópicos recorrentes foram agrupados, contribuindo para o conhecimento da área estudada. Conforme os dados, a bioética é utilizada em múltiplos sentidos e aplicações, desde seu caráter mais normativo até o mais reflexivo, mas também na ética da virtude, na ética utilitarista e no principialismo, além das diversas escolas filosóficas nas quais a ética se origina 29.
Sobre os temas emergentes, os estudos têm como principal foco a bioética principialista, paradigma norte-americano tributário do Relatório Belmont31 que, segundo França e colaboradores 21, indica os princípios morais que devem ser aplicados no campo biomédico. A bioética principialista tem sido adotada tanto por utilitaristas quanto por deontologistas, visto que os dois tipos de teóricos elaboram normas semelhantes 29. O marco da bioética principialista foi difundido e aplicado no terreno da biomedicina, passando a formular uma série de problematizações relativas aos direitos individuais e à relação profissional-cliente na prática clínica, o que retoma as discussões sobre comunidades e populações 4, 32.
Nos resultados encontrados, fica clara a consolidação do aporte da corrente principialista da bioética. Na maioria dos estudos, é evidente o debate sobre os princípios de autonomia, justiça, beneficência e não maleficência, possibilitando avanços importantes para a superação de determinados conflitos, por meio da sistematização dos saberes pertinentes ao papel do enfermeiro em seu campo profissional 3, 18, 29.
Santiago e Palácios 17 destacam que, entre as temáticas mais discutidas sobre bioética no campo da enfermagem, sobressai o tema assistencial com abordagem a pacientes terminais e doação de órgãos, contudo, nos artigos elencados por esta revisão, o ensino/educação na ética/bioética foi o tema mais proeminente.
Luz e colaboradores 30 sugerem que, apesar de existir uma atitude positiva em relação ao conhecimento sobre aspectos éticos e bioéticos por profissionais e pacientes, ainda há relatos de falta de informação e insegurança no cumprimento da legislação, o que muitas vezes impede que o indivíduo exerça sua autonomia na decisão. Especificamente sobre o profissional de enfermagem, parece haver uma interferência dos valores pessoais e éticos em sua prática, sendo necessária melhor qualificação, além de maturidade emocional.
Sobre a atitude do enfermeiro diante da unidade de terapia intensiva (UTI), verificou-se tendência à reflexão do agir num contexto permeado pela possibilidade de falhar no procedimento da conduta. Segundo Vargas e Ramos 9, essa falha deveria ser corrigida não apenas pelo conhecimento ou pela lei, mas também pela prática em si mesma. Corroborando esse posicionamento, Coli, Anjos e Pereira 20 evidenciaram que os enfermeiros reconhecem os princípios de autonomia, beneficência, não maleficência e justiça como importantes no cuidar na terapia intensiva.
Atualmente, existe grande preocupação com mudanças ocorridas nos ambientes de atuação, principalmente na utilização de novas tecnologias, que anteriormente não existiam e que nos dias atuais são indispensáveis ao processo de cuidar 9. Na UTI, os enfermeiros muitas vezes assumem responsabilidades de outros profissionais, com o intuito de solucionar problemas, deparando-se com questões éticas importantes 9. Verificou-se, também, preocupação com o ensino da bioética a profissionais de saúde, visto que, em seu dia a dia, estes enfrentam impasses e devem tomar decisões importantes em um ambiente complexo, onde todas as ações são questionáveis do ponto de vista ético 2, 27, 30.
A temática mais publicada nos últimos 20 anos disponível na base SciELO foi o ensino/educação da ética/bioética na enfermagem, contribuindo para o desenvolvimento da reflexão sobre aspectos filosóficos e sociais úteis à moral dos acadêmicos de enfermagem 25. Apesar do grande número de estudos sobre o tema, pesquisa com universidades federais do Brasil apontou que nem todos os cursos de enfermagem ofereciam a bioética em sua grade curricular. Além disso, há falta de padronização com relação à oferta da disciplina, indicando que a formação profissional poderia ser prejudicada 24, 26.
Ficou evidente que existe preocupação quanto à formação ética do enfermeiro com fundamentação teórica e filosófica, de modo a transpor discussões restritas ao âmbito normativo e deontológico. A maioria das publicações sugere utilização de estratégias de ensino ativas e transversais, com abordagens do cotidiano 10, 12, 25, destacando-se a importância da aproximação com as ciências humanas 10.
O ensino e o estudo de ética/bioética a acadêmicos de enfermagem e a profissionais enfermeiros deveriam ser adequados às demandas do exercício profissional e apresentar sólido embasamento ético-moral, a fim de rever valores e princípios adequados à realidade 19, 33. Isso não se restringe a abordagens deontológicas, nas quais se busca uma reflexão crítica e moral 12, pois o ensino da enfermagem vive o desafio de cumprir sua função política e social, preparando o estudante para analisar criticamente o mundo, o trabalho e a sociedade 25, 34.
Muitos estudos confirmam o esforço para incluir definitivamente a bioética na formação de todo profissional da saúde, considerando os debates contemporâneos e novos referenciais dirigidos aos problemas da área 6, 19, 25, 27, 32, 34. Em seu estudo, Pessalacia e colaboradores 26 abordam a importância da disciplina na formação, conforme preconizam as DCN dos cursos de graduação em enfermagem, que priorizam conhecimentos em ética e bioética para a formação generalista do futuro profissional.
Os estudos também abordaram o ato de cuidar em enfermagem, com foco na bioética 26, que traz consigo a concepção de que o cuidador precisa ter mais do que conhecimento técnico-científico, apresentando também empatia, colocando-se no lugar do outro. Esse ato transcende o dever de cuidar, prática ensinada ao longo de toda a história da enfermagem. A corrente principialista parece ter permitido avanços importantes para a superação de conflitos produzidos pelo efeito das desigualdades no âmbito das relações sociais e profissionais, por meio da sistematização de saberes pertinentes ao ofício com foco no ser humano 27.
A essência da ação do cuidar não está relacionada com a capacidade de utilizar alta tecnologia e a prática da enfermagem pauta-se na natureza das relações humanas. Essa ação não se restringe aos procedimentos técnicos, envolvendo também a subjetividade humana, dilemas relacionados à finitude, à dor e ao conforto do paciente 30, 35.
Outra corrente observada foi o estudo dos problemas bioéticos na ótica de Michael Foucault, que, segundo Vargas e Ramos 9 e Soares e Lunardi 24, focaliza a saúde das pessoas como responsabilidade da enfermagem, com o usuário ocupando o lugar de objeto do cuidado. Além disso, aborda-se o cuidado de si como preocupação ética para o exercício da autonomia do paciente, pois, nessa perspectiva, antes do cuidado com o outro, seria necessário o autocuidado 9, 24. Essa ação tem consequências: produz e induz as condutas pelas quais efetivamente influenciará a questão da autonomia no fazer/saber da enfermagem.
Os estudos em bioética na enfermagem extrapolam o tema ensino e avançam para outros campos, abordando, por exemplo, problemas ligados à ESF 4, 29. Ao mesmo tempo, pesquisas consistentes e abrangentes sobre o início e o fim da vida são escassas e pouco incentivadas. Nesse contexto, a corrente principialista não é suficiente para responder e propor soluções a todas as situações, haja vista a composição complexa entre conceitos, teorias e métodos da clínica e da saúde pública 18, 29.
Há de se frisar e sedimentar a confluência de questões que requerem maior unificação entre os saberes médicos e de enfermagem. Desse modo, cada área pode manter seu contexto ético e bioético, mas convergir para um ponto em comum: a reflexão sobre as ações interprofissionais transcendentais e seu impacto na qualidade de vida do paciente. Por isso, cabe à medicina – cujos profissionais são socialmente colocados em alto posto hierárquico – encontrar-se mais vezes com a enfermagem, não apenas na rotina de um plantão ou de uma reunião de planejamento, mas no entendimento de que a busca pelo entendimento sobre a produção de conhecimento em enfermagem é de grande valia para a construção de respeito e valorização entre as profissões 36.
A partir desta revisão, percebeu-se que há continuidade nos estudos em bioética no campo da enfermagem, principalmente para o ensino de ética/bioética, UTI e terminalidade. Ao mesmo tempo, agregaram-se questões como a ESF, que difere organicamente do modelo hegemônico hospitalar, comumente enfocado em questões específicas, e a ação/cuidado em enfermagem. Além disso, códigos de ética profissional, leis do exercício profissional e resoluções do CNS sobre pesquisas com seres humanos contribuíram para a construção do conhecimento atual, de modo que tais discussões também necessitam de ampliação.
É evidente a escassez de estudos em muitas áreas temáticas diante do contexto de mudanças no ensino superior e no campo científico tecnológico, que merece mais atenção no que tange a aspectos da bioética. Ficou claro que atualmente o principialismo é utilizado para nortear condutas e decisões diante dos conflitos morais dos enfermeiros, sendo cada vez mais discutido nas ações e decisões desses profissionais.
Caio Rodrigues dos Santos – Especialista – caiorossan13@gmail.com
Fábio Jambeiro Santana Borges – Especialista – fabiojambeiroborges@gmail.com
Correspondência Grasiely Faccin Borges – Universidade Federal do Sul da Bahia. Rodovia Ilhéus/Itabuna, Km 22 CEP
