Secciones
Referencias
Resumen
Servicios
Descargas
HTML
ePub
PDF
Buscar
Fuente


Ética e segurança do paciente na formação em enfermagem
Ethics and patient safety in nursing education
Ética y seguridad del paciente en la formación enfermera
Revista Bioética, vol. 30, núm. 3, pp. 619-627, 2022
Conselho Federal de Medicina

Pesquisa


Recepção: 08 Março 2022

Revised document received: 11 Agosto 2022

Aprovação: 22 Agosto 2022

DOI: https://doi.org/10.1590/1983-80422022303555PT

Resumo: O objetivo deste estudo é identificar e descrever disciplinas em que são abordadas as temáticas segurança do paciente e ética em saúde em cursos de graduação em enfermagem. Trata-se de pesquisa documental, com foco em projetos político-pedagógicos e matrizes curriculares de instituições de ensino superior que oferecem cursos de enfermagem na região metropolitana de Porto Alegre. Foram examinados 12 documentos, a partir dos quais emergiram dois tópicos analíticos: 1) ensino da ética, abrangendo conteúdos como ética profissional, bioética e legislação profissional em enfermagem; e 2) ensino da segurança do paciente, abrangendo conteúdos como biossegurança, educação e comunicação em saúde e controle de infecção. O tema ética foi majoritariamente mencionado quando comparado a segurança do paciente. Novos estudos são necessários para entender melhor como esses conceitos estão sendo desenvolvidos na formação de enfermeiros.

Palavras-chave: Enfermagem, Educação em enfermagem, Currículo, Ética, Segurança do paciente.

abstract: The aim of this study is to identify and describe disciplines in hich patient safety and health ethics in undergraduate nursing courses are addressed. This is a documentary investigation focusing on politicalpedagogical proects and curricular matrices of higher education institutions that offer nursing courses in the metropolitan region of Porto Alegre. In total 1 documents ere analyed from hich to analytical topics emerged: 1 ethics teaching covering contents such as professional ethics bioethics and professional legislation in nursing and teaching patient safety covering contents such as biosafety health education and communication and infection control. The ethical theme as mostly mentioned hen compared to patient safety. Further studies are needed to better understand ho these concepts are being developed in the training of nurses.

Keywords: Nursing, Education nursing, Curriculum, Ethics, Patient safety.

resumen: El obetivo de este estudio es identicar y describir las asignaturas ue abordan la seguridad del paciente y tica de la salud en el grado en enfermera. Se trata de una investigación documental con foco en proyectos poltico-pedagógicos y programas de estudios de instituciones de educación superior ue ofrecen carreras de enfermera en la región metropolitana de Porto Alegre Brasil. Del anlisis de doce documentos surgieron dos temas de anlisis: 1 Enseana de la tica ue abarca contenidos como la tica profesional biotica y legislación profesional en enfermera y enseana de seguridad del paciente ue trata contenidos como bioseguridad educación y comunicación en salud y control de infecciones. El tema de la tica fue ms mencionado ue el de la seguridad del paciente. Se necesitan ms estudios para comprender meor cómo estos conceptos se estn desarrollando en la formación enfermera.

Palabras clave: Enfermera, Educación en enfermera, Curriculum, Ética, Seguridad del paciente.

O Sistema Único de Saúde (SUS) respalda os enfermeiros para que atuem sob forte senso de julgamento ético em defesa da vida e colaborem com o projeto de uma política pública universal, igualitária e assertiva na abordagem dos problemas em saúde. Cada vez mais, toma-se consciência da necessidade de ampliar o escopo da ética nas ações profissionais, as quais precisam resguardar a qualidade técnica e as atitudes humanistas na preservação da saúde e da segurança dos pacientes 1.

A prática de enfermagem está intrinsecamente ligada à ética, pois todas as suas ações possuem algum componente relacionado ao bem-estar do indivíduo e à preservação de sua integridade 2. Basta ter em conta que o enfermeiro, estando presente na rede de atenção em saúde, com seus diversificados serviços e linhas de cuidado, executa tarefas em meio a uma extensa carga de competências. Estas competências o habilitam, ao mesmo tempo, a executar procedimentos técnicos, realizar ações educativas, liderar ações gerenciais e firmar um posicionamento político em prol de maior valorização da categoria, participação social e sustentação do SUS na construção de um estado de bem-estar social, com segurança de todos os atores envolvidos 3.

No contexto mundial, as ações para promover a segurança do paciente ganharam força por meio do posicionamento da Organização Mundial da Saúde (OMS) quando esta lançou, em 2004, a Aliança Mundial para a Segurança do Paciente 4. Mais recentemente, a OMS apresentou um plano em direção à ideia do “dano zero”, visando reduzir ao máximo os danos evitáveis à saúde. Tal plano é estruturado com base em sete objetivos estratégicos: 1) políticas para eliminar danos evitáveis; 2) sistemas de alta confiabilidade; 3) segurança dos processos clínicos; 4) envolvimento do paciente e da família; 5) educação e habilidades do trabalhador de saúde; 6) informação, pesquisa, gestão de risco e melhoria; e 7) sinergias, parcerias e solidariedade 5.

Para impulsionar as aspirações reconstrutivas de um cuidado em enfermagem cada vez mais humanizado e condizente com as demandas atuais, uma possibilidade seria contar com a integração dos conceitos de ética e segurança do paciente às práticas de saúde 6. Em relação a essas demandas, é possível citar os recentes problemas sanitários e sociais gerados pela pandemia de covid-19 e os riscos à saúde provocados pelas mudanças climáticas. Em recente reflexão sobre o cenário atual de pandemia, Prado e colaboradores 7 afirmam que a escassez de recursos e de profissionais qualificados nos atendimentos, observada durante esse período, pode impactar a tomada de decisões, o comportamento ético e, consequentemente, o atendimento seguro de pacientes.

É crescente o interesse da enfermagem nesses temas, pois ainda falta muito até que seja possível identificar a cultura da segurança do paciente nas práticas cotidianas dos serviços de saúde e a ética seja o guia normativo das tomadas de decisão nesse contexto. Assim, ao passo que as mudanças vão se concretizando nos serviços, torna-se oportuno voltar à questão da formação em enfermagem 8.

Na literatura, identificou-se que ensinar os temas segurança do paciente e ética a estudantes de graduação em enfermagem é uma necessidade. Entretanto, ainda não se conhece a melhor metodologia nem as áreas prioritárias que devem ser abordadas 9. Assim, a segurança do paciente continua sendo um “elemento oculto” no currículo ao longo dos anos 9 e o tema ética em enfermagem ainda é considerado com importância relativamente baixa no curso 10.

Para colaborar com o debate, realizou-se pesquisa documental em planos pedagógicos e currículos de cursos de graduação em enfermagem de instituições de ensino superior (IES) da região metropolitana de Porto Alegre, orientando-se pela seguinte questão: como são abordadas a ética e a segurança do paciente nos projetos político-pedagógicos (PPP) dos cursos de graduação em enfermagem em instituições da região metropolitana de Porto Alegre? Assim, este estudo teve como objetivo identificar e descrever em quais disciplinas são abordadas as referidas temáticas nesses documentos.

Método

Trata-se de artigo oriundo de pesquisa documental 11, baseada na análise de PPP e/ou grade curricular, que devem ser disponibilizados em versão on-line nos sites das universidades. Ressalta-se que o referido PPP é o documento oficial que contém a proposta educativa para a formação profissional do estudante 12.

O universo de pesquisa foi composto por todas as 18 IES da região metropolitana de Porto Alegre, cidade de residência das autoras deste artigo. A revisão preliminar dos documentos resultou na inclusão de 12 instituições que possuíam referências explícitas ao tema em seus programas no cômputo da análise. O critério de inclusão foi a existência on-line dos PPP e/ou grade curricular do curso de graduação em enfermagem das instituições em formato de documento de texto ou em PDF ( Portable Document Format).

As buscas foram realizadas de forma on-line nos sites das instituições entre os meses de abril e maio de 2020 e dezembro de 2020 e fevereiro de 2021. Quando não foi possível encontrar os PPP e/ou a grade curricular, encaminhou-se e-mail à coordenação ou direção dos cursos solicitando acesso aos documentos.

Para que houvesse uniformidade na condução do estudo, primeiramente, fez-se a leitura do guia curricular da OMS 13, com o intuito de preparar uma lista de termos rastreadores que permitissem identificar terminologias e analisar os conteúdos relacionados ao ensino da segurança do paciente. Esse guia 14, elaborado em 2011, em uma edição multiprofissional, trata da segurança do paciente a fim de fornecer abordagens educacionais e uma variedade de conceitos e métodos de ensino e avaliação sobre o assunto. Contém 11 tópicos sobre o tema, com base em determinados itens que podem ser usados em conjunto ou de forma independente: 1) o que é segurança do paciente?; 2) por que empregar fatores humanos é importante para a segurança do paciente?; 3) a compreensão dos sistemas e o efeito da complexidade nos cuidados ao paciente; 4) atuar em equipe de forma eficaz; 5) aprender com os erros para evitar danos; 6) compreender e gerenciar o risco clínico; 7) usar métodos de melhoria da qualidade para aprimorar os cuidados; 8) envolver pacientes e cuidadores; 9) prevenção e controle de infecções; 10) segurança do paciente e procedimentos invasivos; e 11) melhorar a segurança no uso de medicação 14.

No âmbito da ética, a abordagem analítica da pesquisa pretendeu verificar nos documentos os seguintes termos: bioética; conceitos éticos; legislação e ética em enfermagem; relações de trabalho em saúde; ética e cultura; núcleo de base histórica; ética e legislação da enfermagem; ética e antropologia filosófica; ética profissional e deontologia.

Realizou-se leitura de todos os PPP e/ou grades curriculares selecionados disponíveis e os dados foram registrados em planilha eletrônica do Microsoft Excel. Foram observados: identificação do componente curricular, período letivo do qual faz parte, distribuição de carga horária, tipo de documento e menção às temáticas.

Este trabalho deriva de um projeto matriz, aprovado quanto aos seus aspectos éticos e metodológicos pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), e se refere a um dos objetivos específicos de tal projeto. O estudo respeita as Resoluções 466/2012 15 e 510/2016 16, do Conselho Nacional de Saúde (CNS), e não menciona os nomes das intuições de ensino, de modo que a denominação de IES é descrita e acompanhada de ordenamento por letras do alfabeto.

Resultados e discussão

Das 18 IES potencialmente elegíveis, obteve-se acesso aos dados (PPP e/ou grades curriculares) de 12. Em relação às demais, quatro não disponibilizavam os documentos na internet e não se obteve retorno dos dirigentes via e-mail, e dirigentes de duas IES optaram por não participar do estudo. Das instituições incluídas na amostra, seis possuíam os PPP e seis, a grade curricular.

O tema ética constava em 11 PPP e/ou grades curriculares e a carga horária para o desenvolvimento dele em disciplinas variou de 30 a 80 horas, havendo também uma disciplina de dois créditos e outra de quatro. Em se tratando dos períodos letivos, foi possível observar que apenas três são desenvolvidas nos períodos finais do curso, enquanto o restante ocorre nos semestres iniciais, como primeiro, segundo e terceiro períodos letivos da graduação em enfermagem ( Quadro 1).

Quadro 1
Tipo de instituição, componente curricular, carga horária/créditos, tipo de documento e período do curso em que a temática é abordada

PPP: projeto político-pedagógico

Em relação ao ensino de ética na graduação em enfermagem, destacaram-se temas como: ética profissional (n=8); bioética (n=5); legislação profissional em enfermagem (n=3); história da enfermagem (n=2); ética e tecnocultura (n=2); sociedade e contemporaneidade (n=1); identidade, língua e cultura (n=1); enfermagem no contexto social (n=1); práticas sociais e ética (n=1); e sociologia e antropologia da saúde (n=1).

Um tema recorrente foi a ética profissional com assuntos que envolvem a regulamentação do exercício profissional de enfermagem, como o código de ética da profissão, as implicações legais do exercício profissional, os princípios éticos e morais que regem a atuação de enfermeiros e as entidades e órgãos de classe. Assuntos correlatos foram: moral, ética, bioética, deontologia e direitos humanos.

O segundo tópico, referente ao ensino da segurança do paciente, destacou temas como: biossegurança (n=3); educação e comunicação em saúde (n=2); controle de infecção (n=2); gerenciamento de resíduos (n=2); segurança e saúde no trabalho (n=2); trabalho em equipe (n=1); qualidade de vida (n=1); sistemas de comunicação e informação (n=1); e vigilância em saúde (n=1).

Na análise dos PPP e das grades curriculares, ficou evidente que o tema ética foi majoritariamente mencionado quando comparado com segurança do paciente, que, na maioria das instituições, é abordado em disciplinas de caráter não obrigatório.

A partir do momento em que ingressam no ambiente da graduação, os estudantes de enfermagem passam a se preparar para prestar assistência segura e de qualidade na interação com pacientes, familiares e membros da equipe de saúde. Estas são relações muitas vezes complexas, em que problemas éticos costumam aparecer. Nesse sentido, preparar enfermeiros eticamente competentes e que prestem cuidados de enfermagem seguros deve ser um preceito fundamental da educação em enfermagem 17.

Os temas ética e segurança do paciente se interligam quando se abordam fatores organizacionais e da equipe, comunicação com o paciente, comunicação de incidentes, beneficência e não maleficência e justiça e autonomia 18, evidenciados, por exemplo, em situações de comunicação não efetiva. Considerado um dos principais contribuintes para a ocorrência de incidentes e eventos adversos, os ruídos de comunicação entre profissionais e pacientes também são apontados como causadores de problemas éticos 19.

O cuidado de enfermagem deve ser apropriado e adequado para o paciente, o que conecta a segurança do paciente não só à melhor evidência disponível, mas também à ética, que fornece os argumentos e os princípios de que a humanização da assistência precisa 20. Um dos princípios fundamentais da ética em enfermagem é o de “primeiro de tudo, não causar dano” (princípio da não maleficência), daí a questão da segurança ser inescusável 21. Portanto, um requisito de qualidade para o cuidado é de que este seja seguro, além de efetivo, do ponto de vista clínico 22.

Compreender as lacunas educacionais na formação e na prática profissional requer análise e avaliação mais detalhadas sobre ética e segurança do paciente durante e após a formação profissional. O estudo de Lee e colaboradores 23 corrobora esses achados ao descrever conceitos básicos ligados ao tema ética em saúde que algumas escolas de enfermagem adotam em seus currículos: conceitos básicos de ética, teoria deontológica, princípios éticos, problemas éticos na assistência à saúde, direitos do paciente e códigos de ética para enfermeiros. Para o desenvolvimento do tema, os métodos de ensino mais usados incluíram debates em sala de aula, palestras, estudos de caso, discussão em pequenos grupos, dramatização e demonstração.

O estudo de Numminen, van der Arend e Leino-Kilpi 24 aponta que a presença de educação ética no currículo aumenta a autopercepção dos estudantes de enfermagem em relação a suas atitudes e ao desenvolvimento de habilidades reflexivas e analíticas. As características essenciais de uma educação ética eficaz incluem o envolvimento ativo dos estudantes nas discussões de estudos de caso e o uso de preceitos éticos em suas práticas.

A educação ética em enfermagem fornece aos estudantes a oportunidade de reconhecer problemas éticos no cotidiano do fazer profissional, praticar a tomada de decisão ética, estabelecer habilidades, virtudes, atitudes e valores e aprender a aplicar regras éticas no cuidado em saúde 25. Em contexto de iniquidades sociais e crises sanitárias, deve prevalecer na educação a ideia de um cuidado potencializado com princípios e conhecimentos advindos do campo filosófico, político, econômico, cultural, entre outros. Desse modo, os elementos biológicos são parte de uma trama que alcança, simultaneamente, indivíduos e sociedade na perspectiva do bem-viver 26.

Nesse sentido, fornecer educação ética e preparar os estudantes de enfermagem é importante para respaldar os enfermeiros recém-formados ao lidarem com conflitos éticos que comumente surgem em ambientes clínicos 18. Em tais ambientes, ocorrem cenas de tensão devido à pressão de ter que cuidar da saúde e preservar vidas humanas, cenas em que erros não podem acontecer e, em vista da complexidade dos problemas, conflitos podem se exacerbar 27. Em uma pesquisa sobre gestão de conflitos bioéticos na Atenção Primária em Saúde (APS) 28, evidenciou-se que alguns profissionais, visando a interesses pessoais, não colaboravam para a resolução de tais conflitos, atitude que resultava na fragmentação do trabalho em equipe. Por outro lado, alguns conseguiam mobilizar um agir comunicativo que se traduzia no cuidado e na segurança do paciente.

Quando se aborda segurança do paciente no currículo de enfermagem, não causar danos é um princípio ético básico que sustenta a prestação de cuidados em saúde. Existem bons exemplos de sistemas educacionais internacionais que realizaram a integração da segurança do paciente em sua formação. Contudo, é necessário imprimir esforços investigativos que demonstrem as condições em que isso ocorre, especialmente sob um arcabouço teórico consolidado acerca da temática. A OMS, ao realizar tal investigação com base no guia curricular de segurança do paciente 9, identificou, em diversos países, o caráter universal dos tópicos cobertos no referencial, verificando também que houve adaptações às suas realidades locais específicas.

Incorporar a segurança do paciente na educação de graduação em enfermagem ainda exige superar muitos desafios em diversos países, mas, em contextos como o Brasil, atender as demandas é ainda mais desafiador. Uma pesquisa realizada com profissionais que atuavam na APS de um município brasileiro destacou que, muitas vezes, as dificuldades de implementação da segurança do paciente se associam à falta de insumos e à precarização das condições de trabalho 29. Tal problemática vem, histórica e predominantemente, afetando os profissionais de enfermagem, justamente os que mais tempo dedicam aos cuidados em saúde 30.

A educação sobre a segurança do paciente no currículo de graduação em enfermagem torna obrigatória a inclusão de elementos importantes nessa área de conhecimento, como fatores humanos e evidências relacionadas a estratégias de ensino eficazes. Tal abordagem já foi recomendada pelo Programa de Segurança do Paciente da OMS 31, em que se sugere que qualquer treinamento de segurança do paciente adaptado à profissão de saúde – incluindo fatores humanos e habilidades técnicas e não técnicas – deve ser ministrado no início do programa de graduação em enfermagem, pois realizar tal abordagem no final do curso, quando as atitudes profissionais estão praticamente desenvolvidas, pode ser tarde demais 32.

Embora haja um consenso sobre a importância de integrar a educação com a segurança do paciente no currículo de graduação em enfermagem, uma lacuna que permanece inexplorada corresponde a quais as melhores estratégias de ensino que precisam ser implementadas na graduação em enfermagem para a educação da segurança do paciente. Os 11 tópicos sugeridos no guia curricular de segurança do paciente 31 são importantes para aumentar a conscientização entre estudantes e docentes de enfermagem sobre o pensamento moderno relacionado à temática. Isso pode contribuir para torná-los melhor preparados para gerenciar, na prática, as desafiadoras demandas que o campo impõe.

Outro modelo que pode ser adotado é o da Estrutura de Educação de Enfermeiros de Qualidade e Segurança 33, desenvolvido nos Estados Unidos especificamente para o currículo de graduação em enfermagem. Tal modelo visa transformar o ensino de enfermagem por meio da integração de seis atributos de conhecimento, habilidades e atitudes para cada competência, que incluem: cuidado centrado no paciente, trabalho em equipe e colaboração, prática baseada em evidências, melhoria da qualidade, segurança e informática.

O estudo de Chen e colaboradores 34 corrobora os achados, mostrando que o ensino de segurança do paciente não estava explícito no currículo de graduação em enfermagem de modo formal. Outro desafio enfrentado para a implantação efetiva da segurança do paciente no currículo de enfermagem é a falta de educadores competentes e familiarizados com o ensino de conceitos de segurança do paciente com base no conhecimento e no aprendizado de todo o sistema de saúde 32.

Compreende-se que a segurança do paciente não é mais um assunto a ser adicionado a uma disciplina de currículos de enfermagem já sobrecarregados, sendo necessário pensar seriamente sobre como os professores podem integrar as competências do tema no ensino e nas práticas clínicas. A segurança do paciente é fundamental para a prestação de cuidados de saúde de qualidade e deve ser um componente central da educação de graduação em enfermagem 35.

Para o SUS, não ter profissionais preparados na graduação em relação à segurança do paciente é uma lacuna importante, pois estima-se que, em nível mundial, um em cada dez pacientes experimentou problemas de segurança ao receber cuidados hospitalares, o que representa a 14ª causa da carga global de doenças 36. Além disso, o ônus econômico de prestar cuidados que não visam à segurança do paciente corresponde a um custo anual significativo, com eventos adversos comuns, como, por exemplo, úlceras por pressão, infecções e erro na administração de medicação e na realização de procedimentos 37. É também alarmante perceber que muitos eventos adversos são evitáveis. Tais fatos corroem a confiança pública e aumentam os encargos financeiros e éticos sobre os sistemas de saúde e a sociedade em geral 9.

Além disso, é importante observar que os enfermeiros constituem o maior grupo de profissionais da saúde atuando no sistema de saúde brasileiro e têm papel central na proteção da segurança do paciente, uma vez que são os que prestam os cuidados mais prolongados e estão em contato direto com ele 38. Assim, os enfermeiros, mais que outros profissionais de saúde, são capazes de reconhecer, prevenir e corrigir as más práticas no fluxo de trabalho e comunicação.

A abordagem desses temas na graduação em enfermagem é um importante ponto de partida para seu avanço nos domínios do conhecimento, atitude e habilidades na preparação de futuros enfermeiros. O caráter sintético dos materiais pesquisados impediu a ampliação dos resultados, além de limitar o detalhamento analítico, especialmente em relação às metodologias de ensino para o desenvolvimento dos temas durante a formação em enfermagem. Tal limitação também afetou análises acerca da possível interlocução entre ética e segurança do paciente na formação do enfermeiro. A falta de informações, grades curriculares e PPP disponíveis de forma on-line também afetou a pesquisa.

De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 36, a lista das disciplinas que compõem a grade curricular de cada curso e as respectivas cargas horárias devem estar em uma página específica na Internet, no site oficial da IES, em caráter público. Infelizmente, mesmo com essa regulamentação, é incipiente o acesso às informações, o que acarreta prejuízos para uma análise de contexto mais aprofundada e para as oportunidades de debate que daí decorrem.

Ainda assim, o presente estudo contribui para o debate sobre a necessidade da inserção, ampliação e aprofundamento das temáticas da ética e da segurança do paciente na formação de enfermeiras e enfermeiros. Por sua importância, elas devem permear a totalidade das disciplinas e sua interação deve estar documentada nos planos de ensino e PPP dos cursos. Parece premente que enfermeiros docentes e órgãos responsáveis promovam essa discussão, a fim de atender as Diretrizes Curriculares Nacionais das Profissões da Saúde.

Considerações finais

A análise das grades curriculares e PPP permitiu constatar que o tema ética foi mais extensamente abordado no ensino da graduação em enfermagem, principalmente nos períodos iniciais dos cursos, em comparação com o tema segurança do paciente. Contudo, em algumas IES, as disciplinas não tinham caráter obrigatório ou não apresentavam conteúdo específico sobre o assunto. Essa constatação suscitou o questionamento sobre o motivo pelo qual segurança do paciente não possui a mesma expressividade nos currículos que a ética.

São necessários esforços constantes para promover o tema segurança do paciente e ética em enfermagem em conteúdo a ser trabalhado a partir de material instrucional inovador, pois são vitais para melhorar as habilidades dos estudantes de enfermagem e fortalecer o SUS com futuros profissionais qualificados e comprometidos com seus princípios doutrinários.

Os educadores que promovem o ensino da ética podem ajudar a mitigar os efeitos negativos de situações moralmente desafiadoras que os estudantes possam vivenciar durante a graduação e como profissionais, posteriormente. As estratégias de redução de incidentes devem ser ensinadas, desenvolvidas e sustentadas durante a graduação com vistas à promoção da segurança do paciente.

Mais pesquisas são necessárias para entender melhor como o ensino e a oferta de educação sobre segurança do paciente e ética podem ser incluídos no currículo da graduação em enfermagem. A introdução da educação para a segurança do paciente e ética no currículo de graduação em enfermagem é, portanto, necessária e oportuna.

Referências

Nora CRD, Junges JR. Segurança do paciente e aspectos éticos: revisão de escopo. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2021 [acesso 23 jan 2022];29(2):304-16. DOI: 10.1590/1983-80422021292468

Grace P, Milliken A. Educating nurses for ethical practice in contemporary health care environments. Hastings Cent rep [Internet]. 2016 [acesso 3 dez 2021];46(S1): S13-7. DOI: 10.1002/hast.625

Oliveira DM, Deus NCP, Caçador BS, Silva EA, Garcia PPC, Jesus MCP, Merighi MAB. Saberes e práticas de enfermeiros sobre a participação social na saúde. Rev Bras Enferm [Internet]. 2016 [acesso 23 jan 2022];69(3):421-7. DOI: 10.1590/0034-7167.2016690302i

World Health Organization. World Alliance for Patient Safety Forward Programme 2005 [Internet]. Geneva: WHO; 2004 [acesso 8 set 2022]. Disponível: https://bit.ly/3Qs785m.

World Health Organization. Global patient safety action plan 2021-2030: towards eliminating avoidable harm in health care [Internet]. Geneva: WHO; 2020 [acesso 3 dez 2021]. Disponível: https://bit.ly/3qymECx.

Bellato R, Araújo LFS. Cuidado: trabalho e interação nas práticas de saúde. Cad Saúde Pública [Internet]. 2011 [acesso 23 jan 2022];27(10):2074-5. DOI: 10.1590/S0102-311X2011001000024

Prado PR, Ventura CAA, Rigotti AR, Reis RK, Zamarioli CM, Souza FB, Gimenes FRE. Linking worker safety to patient safety: recommendations and bioethical issues for the care of patients in the covid-19 pandemic. Texto & Contexto Enferm [Internet]. 2021 [acesso 23 jan 2022];30:e20200535. DOI: 10.1590/1980-265X-TCE-2020-0535

Peres CRFB, Marin MJS, Tonhom SFR, Barbosa PMK. Integração ensino-serviço na formação do enfermeiro no estado de São Paulo (Brasil). REME Rev Min Enferm [Internet]. 2018 [acesso 23 jan 2022];22:e-1131. DOI: 10.5935/1415-2762.20180060

Dimitriadou M, Merkouris A, Charalambous A, Lemonidou C, Papastavrou E. The knowledge about patient safety among undergraduate nurse students in Cyprus and Greece: a comparative study. BMC Nurs [Internet]. 2021 [acesso 3 dez 2021];20:110. DOI: 10.1186/s12912-021-00610-6

Yeom HA, Ahn SH, Kim SJ. Effects of ethics education on moral sensitivity of nursing students. Nurs Ethics [Internet]. 2016 [acesso 3 dez 2021];24(6):644-52. DOI: 10.1177/0969733015622060

Gil AC. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6ª ed. São Paulo: Atlas; 2008.

Conselho Nacional de Educação, Câmara de Educação Superior. Resolução n° 3, de 7 de novembro de 2001. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Enfermagem [Internet]. Brasília: CNE/CES; 2001 [acesso 3 dez 2021]. Seção 1. Disponível: https://bit.ly/3RzqyGH.

World Health Organization. Patient safety curriculum guide: multi-professional edition [Internet]. Geneva: WHO; 2011 [acesso 3 dez 2021]. Disponível: https://bit.ly/3RdojZP.

Marra VN, Sette ML, coordenadores. Guia curricular de segurança do paciente da Organização Mundial da Saúde: edição multiprofissional [Internet]. Rio de Janeiro: Autografia; 2016 [acesso 3 dez 2021]. Disponível: https://bit.ly/3q8N65a.

Conselho Nacional de Saúde. Resolução n° 466, de 12 de dezembro de 2012. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, n° 12, p. 59, 13 jun. 2013 [acesso 14 set. 2022]. Seção 1. Disponível: https://bit.ly/3mnoWSV

Conselho Nacional de Saúde. Resolução n° 510, de 7 de abril de 2016. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, n° 98, p. 44-6, 24 maio 2016 [acesso 14 set. 2022]. Seção 1. Disponível: https://bit.ly/3Dnb2to

Hoskins K, Grady C, Ulrich CM. Ethics education in nursing: instruction for future generations of nurses. Online J Issues Nurs [Internet]. 2018 [acesso 3 dez 2021];23(1):3. DOI: 10.3912/OJIN.Vol23No01Man03

Nora CRD, Junges JR. Segurança do paciente e aspectos éticos: revisão de escopo. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2021 [acesso 3 dez 2021];29(2):304-16. DOI: 10.1590/1983-80422021292468

Vidal SV, Motta LCS, Gomes AP, Siqueira-Batista R. Problemas bioéticos na Estratégia Saúde da Família: reflexões necessárias. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2014 [acesso 3 dez 2021];22(2):347-57. DOI: 10.1590/1983-80422014222016

Nora CRD, Junges JR. Política de humanização na atenção básica: revisão sistemática. Rev Saúde Pública [Internet]. 2013 [acesso 3 dez 2021];47(6):1186-200. DOI: 10.1590/S0034-8910.2013047004581

Bonato VL. Gestão de qualidade em saúde: melhorando assistência ao cliente. Mundo Saúde [Internet]. 2011 [acesso 3 dez 2021];35(5):319-31. Disponível: https://bit.ly/3dJR4LD.

Görgülü RS, Dinç L. Ethics in Turkish nursing education programs. Nurs Ethics [Internet]. 2007 [acesso 3 dez 2021];14(6):741-52. DOI: 10.1177/0969733007082114

Lee W, Choi S, Kim S, Min A. A case-centered approach to nursing ethics education: a qualitative study. Int J Environ Res Public Health [Internet]. 2020 [acesso 3 dez 2021];17(21):7748. DOI: 10.3390/ijerph17217748

Numminen O, van der Arend A, Leino-Kilpi H. Nurse educators’ and nursing students’ perspectives on teaching codes of ethics. Nurs Ethics [Internet]. 2009 [acesso 3 dez 2021];16(1):69-82. DOI: 10.1177/0969733008097991

Lee HL, Huang SH, Huang CM. Evaluating the effect of three teaching strategies on student nurses’ moral sensitivity. Nurs Ethics [Internet]. 2016 [acesso 3 dez 2021];24(6):732-43. DOI: 10.1177/0969733015623095

Vieira ABD, Monteiro PS, Silva AL. Iniquidades sociais em tempos de pandemia de covid-19: uma reflexão. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2021 [acesso 23 jan 2022];29(3):459-65. DOI: 10.1590/1983-80422021293481

Noal DS, Passos MFD, Freitas CM, organizadores. Recomendações e orientações em saúde mental e atenção psicossocial na covid-19 [Internet]. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2020 [acesso 23 jan 2022]. Disponível: https://bit.ly/3KIJpNl.

Marin J, Ribeiro CDM. Modos de agir para resolução de conflitos na atenção primária. Rev bioét (Impr.) [Internet]. 2021 [acesso 23 jan 2022];29(2):354-62. DOI: 10.1590/1983-80422021292473

Silva LLT, Dias FCS, Maforte NTP, Menezes AC. Segurança do paciente na Atenção Primária à Saúde: percepção da equipe de enfermagem. Esc Anna Nery Rev Enferm [Internet]. 2022 [acesso 23 jan 2022];26:e20210130. DOI: 10.1590/2177-9465-EAN-2021-0130

Wachholz A, Dalmolin GL, Silva AM, Andolhe R, Barlem ELD, Cogo SB. Sofrimento moral e satisfação profissional: qual a sua relação no trabalho do enfermeiro? Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2019 [acesso 23 jan 2022];53:e03510. DOI: 10.1590/S1980-220X2018024303510

Sherwood G, Barnsteiner J, editors. Quality and safety in nursing: a competency approach to improving outcomes. 2° ed. Hoboken: Wiley-Blackwell; 2017.

Farley D, Zheng H, Rousi E, Leotsakos A. Evaluation of the WHO multi-professional patient safety curriculum guide [Internet]. Geneva: WHO; 2013 [acesso 8 set 2022]. Disponível: https://bit.ly/3qjShQ3.

McNally B, Chipperfield J, Dorsett P, Del Fabbro L, Frommolt V, Goetz S et al. Flipped classroom experiences: student preferences and flip strategy in a higher education context. Higher Educ [Internet]. 2017 [acesso 3 dez 2021];73(2):281-98. DOI: 10.1007/s10734-016-0014-z

Chen L, Huang F, Yuan X, Song J, Chen L. An assessment of the reliability and factorial validity of the Chinese version of the Health Professional Education in Patient Safety Survey (H-PEPSS). Front Psychol [Internet]. 2019 [acesso 3 dez 2021];10:2183. DOI: 10.3389/fpsyg.2019.02183

World Health Organization. 10 facts on patient safety [Internet]. Geneva: WHO; 2019 [acesso 8 set 2022]. Disponível: https://bit.ly/3x8O5WW.

Slawomirski L, Auraaen A, Klazinga NS. The economics of patient safety: strengthening a value-based approach to reducing patient harm at national level. OECD Health Working Papers [Internet]. 2017 [acesso 3 dez 2021];96. DOI: 10.1787/5a9858cd-en

Vaismoradi M, Salsali M, Marck P. Patient safety: nursing students’ perspectives and the role of nursing education to provide safe care. Int Nurs Rev [Internet]. 2011 [acesso 3 dez 2021];58(4):434-42. DOI: 10.1111/j.1466-7657.2011.00882.x

Brasil. Lei n° 13.168, de 6 de outubro de 2015. Altera a redação do § 1° do art. 47 da Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional [Internet]. Brasília: Presidência da República; 2015 [acesso 2 set 2022]. Disponível: https://bit.ly/3Ds5b6p.

Notas

Aprovação CEP-UFRGS-CAAE 06194819.3.0000.5347

Autor notes

Carlise Rigon Dalla Nora – Doutora – carlise.nora@ufrgs.com.br

Rosana Maffacciolli – Doutora – rosanamaffac@yahoo.com.br

Letícia Becker Vieira – Doutora – lebvieira@hotmail.com

Mariur Gomes Beghetto – Doutora – mariur.beghetto@ufrgs.br

Clayane Leites – Graduada – leitesclayane@gmail.com

Mariana Iribarrem Ness – Graduada – mariana.i.ness@hotmail.com

Correspondência Carlise Rigon Dalla Nora – Rua São Manoel, 963, Rio Branco CEP

Declaração de interesses

Declaram não haver conflito de interesse.


Buscar:
Ir a la Página
IR
Visualizador XML-JATS4R. Desarrollado por