Resumo: Num contexto em que a população idosa é cada vez mais negligenciada, a pandemia de covid-19 tornou evidente a falta de inclusão e cuidado que essas pessoas enfrentam, configurando um fenômeno de não pertencimento e exclusão que pode ser descrito pelo termo “morte social”. Esta pesquisa objetiva analisar a morte social da população idosa por meio de revisão integrativa da literatura que inclui estudos relacionados a morte social, idosos e pandemia. Dos 1.291 estudos encontrados nas bases de dados, foram selecionados 15 trabalhos, nos quais se observou que o envelhecimento não é entendido como processo fisiológico, mas como doença, de maneira que idosos são retirados da sociedade e tratados exaustivamente até morrerem isolados. Pode-se concluir que um olhar específico para essa população se faz necessário para garantir sua (re)integração e participação ativa na sociedade.
Palavras chave: Envelhecimento, Covid-19, Assistência integral à saúde, Saúde mental.
Resumen: En un contexto en que la población anciana está cada vez más desatendida, la pandemia del covid-19 puso de manifiesto la falta de inclusión y de atención a que hace frente esta población, configurando un fenómeno de no pertenencia y exclusión que puede describirse con el término “muerte social”. Esta investigación pretende analizar la muerte social de la población anciana mediante una revisión integradora de la literatura en estudios relacionados con la muerte social, los ancianos y la pandemia. De los 1.291 trabajos encontrados en las bases de datos, se seleccionaron 15, en los cuales se observó que el envejecimiento no se considera como un proceso fisiológico, sino como una enfermedad, por lo que se apartan a los ancianos de la sociedad y los cuidan exhaustivamente hasta que mueren aislados. Es necesario destinar una mirada específica a esta población que le garantice una (re)integración y participación activa en la sociedad.
Palabras clave: Envejecimiento, Covid-19, Atención Integral de Salud, Salud mental.
Abstract: In a context in which the neglect toward the older adult population grows, the COVID-19 pandemic has made evident the lack of inclusion and care that these people face, creating a phenomenon of non-belonging and exclusion that can be described by the term “social death.” This study aims to analyze the social death of the older adult population from an integrative literature review that includes studies related to social death, older adults and the pandemic. Of the 1,291 studies found in the databases, 15 articles were selected, in which it was observed that aging is not understood as a physiological process, but as a disease, so that older adults are removed from society and treated exhaustively until they die in isolation. It can be concluded that a specific gaze toward this population is necessary to ensure their (re)integration and active participation in society.
Keywords: Aging, COVID-19, Comprehensive health assistance, Mental health.
Pesquisa
Morte social da população idosa salientada em tempos de pandemia
Muerte social de la población anciana agravada en tiempos de pandemia
Social death of the older adult population reinforced in pandemic times
Recepção: 3 Setembro 2022
Revised document received: 3 Abril 2023
Aprovação: 19 Maio 2023
Embora envelhecer seja um fenômeno biológico natural e inevitável, atualmente se confere valor negativo a esse processo, de modo que mesmo sinais sutis do envelhecimento, como os primeiros fios de cabelo branco, são encarados com desprezo e revelar a idade é quase sempre constrangedor. Além disso, difunde-se que o envelhecimento populacional traz prejuízos aos governos, com gastos em aposentadorias e pensões, evidenciando que, sob a ótica da sociedade, envelhecer é sinônimo de despesa e ojeriza 1.
São raros os jovens com percepção sobre seu próprio envelhecimento, pois a sociedade do “agora” não incute reflexões sobre o envelhecer e revela interesse simplesmente em evitar esse processo 1. Nas mulheres, isso parece ser mais intenso, principalmente no âmbito estético, visto que procedimentos e medicamentos que prometem “rejuvenescimento” lideram rankings de vendas em todo o mundo, com a propaganda antienvelhecimento 2. Dessa maneira, devido à incapacidade das pessoas de se enxergarem mais velhas, é difícil incluir socialmente a população idosa 1.
É importante ressaltar que a população geriátrica não é a única invisibilizada, pois enfrenta problema semelhante qualquer grupo vulnerável, incluindo pessoas em situação de rua e portadoras de deficiência. O termo “morte social” foi cunhado justamente para se referir ao fenômeno de negligenciar certas populações, o que tem desastrosas consequências sociais e na assistência em saúde 3.
Idosos apresentam disautonomias que os predispõem a maior risco de queda, dificuldade de deglutição e incontinência urinária, de modo que necessitam de atenção de equipes de saúde 1. Essa necessidade assistencial, somada à exclusão social e invisibilização, contribui para a elevação dos índices de depressão e suicídio nessa população.
Segundo dados do Ministério da Saúde apontados por Fumegali 4, cerca de 20% da população mundial acima de 60 anos convive com depressão e transtornos de ansiedade e, no Brasil, a taxa de suicídio em idosos com mais de 70 anos é mais alta que média nacional: 8,9 e 5,5 a cada 100 mil mortes, respectivamente, entre 2013 e 2019.
No que tange aos cuidados da saúde do idoso, estudos que analisam a educação médica e o tabu do envelhecimento ressaltam que, além do descuido com o processo saúde-doença de idosos, há também aversão dos médicos à terminalidade de vida 5,6. Essas pesquisas demonstram que fatores sociais e psicológicos que englobam o adoecer no idoso muitas vezes não são levados em conta durante o tratamento. Além disso, terapias e procedimentos desnecessários são aplicados em idosos em terminalidade de vida como medida heroica para manter o paciente vivo, pois associa-se morte com fracasso médico.
Diante disso, é contraditório que a assistência em saúde, aprimorada de forma crescente para o tratamento de diversas doenças nos últimos anos, negligencie a inevitabilidade do envelhecimento, da vulnerabilidade e da morte, já que essa negligência pode desencadear mais sofrimento 5,6. Com isso, infere-se que, ironicamente, se de forma geral os idosos já não pertencem à sociedade, no meio médico, eles são obrigados a permanecer nela 1,5.
A marginalização dessa população se tornou ainda mais problemática durante a pandemia de covid-19, pois registrou-se maior mortalidade em idosos, visto que pessoas com comorbidades como diabetes, hipertensão e doenças pulmonares obstrutivas tinham maior risco no adoecimento. Também se salientou a importância do isolamento social como medida preventiva e idosos foram enfaticamente orientados a não sair de casa. Com isso, apesar de sua importância para a proteção do ponto de vista biológico, o isolamento social intensificou a ansiedade, insegurança, medo e quadros depressivos em idosos, pois, além do medo do adoecimento, o sentimento de abandono, já presente antes da pandemia, tomou maior proporção 5.
O objetivo desta pesquisa foi sintetizar informações acerca da morte social da população idosa, incluindo o período de pandemia. O assunto é relevante principalmente para profissionais de saúde, pois o abandono da população mais velha é paradoxal, uma vez que, à medida que se marginalizam as demandas dessas pessoas, desconsiderando seu contexto histórico, social e cognitivo, muitas comorbidades as afetam, tais como depressão, doença coronariana e IST. Afecções essas derivadas justamente da falta de um olhar crítico e humanizado para a população idosa 4,7,8,10.
Trata-se de revisão integrativa da literatura, exploratória e descritiva, com base em estudos relevantes sobre o tema. Por meio da estratégia PVO, descreveu-se população (population) – idosos; variáveis (variables) – negligência com idosos, covid-19 e cuidados em saúde; e desfechos (outcomes) – morte social da população idosa e outros sofrimentos psicossociais. A pesquisa foi guiada pela seguinte pergunta norteadora: piores desfechos clínicos, bem como o aumento de diversas doenças na população idosa, são consequências da negligência que a sociedade e os médicos conferem ao envelhecimento?
A pesquisa bibliográfica ocorreu em janeiro de 2022 nas bases SciELO, LILACS e PubMed e utilizou os seguintes descritores em ciências da saúde (DeCS), em português e em inglês: “morte social”, “envelhecimento”, “idosos”, “saúde mental”, “covid-19” e “profissionais da saúde”. Os operadores booleanos “or” e “and” foram empregados para aprimorar as buscas.
Os critérios de inclusão foram: artigos científicos completos ou revisões de literatura com acesso público, nacionais e internacionais; nos idiomas português, inglês ou espanhol; publicados entre 2010 e 2021. Para confirmar a inclusão, os artigos deveriam também abordar pelo menos um dos seguintes temas: morte social da população idosa; morte social da população idosa salientada em tempos de pandemia; e/ou negligência dos cuidados em saúde com a população idosa. Os critérios de exclusão foram: artigos que não estivessem dentro do tema proposto e resumos sem acesso ao texto completo.
A busca com os DeCS encontrou 1.291 artigos, sendo 510 no PubMed, 442 no SciELO e 339 na LILACS. Na segunda etapa, com base nos primeiros critérios de inclusão, o quantitativo foi reduzido a 125 artigos, dos quais 17 estavam duplicados e 108 foram elegíveis para o estudo. Após leitura e apuração, foram selecionados 15 estudos.
A Figura 1 demonstra o processo de seleção dos artigos.

Dos 15 artigos incluídos na revisão, sete (46,7%) são provenientes do Brasil, três (20%) dos Estados Unidos, um (6,6%) da Coreia do Sul, um (6,6%) da Itália, um (6,6%) da Alemanha, e dois (13,33%) do Canadá (Quadro 1). A maioria foi publicada em 2021, totalizando seis artigos (40%), e oito (53,33%) são estudos observacionais transversais. O Quadro 1 apresenta as informações dos estudos incluídos.

Em estudo transversal conduzido em 1992 com 2 mil idosos italianos para avaliar fatores que interfeririam na sobrevida, Mazzela e colaboradores 7 constataram que a terminalidade da vida em idosos é multifatorial e diversas situações podem limitar a sobrevida dessa população. Condições como classe socioeconômica baixa, solidão e comorbidades estão entre os maiores determinantes de reinternações e mortalidade entre idosos. Concluíram que a solidão estaria correlacionada a piores desfechos clínicos e prognósticos desfavoráveis nessa população.
Gronewold e colaboradores 8 descreveram que sentir-se sozinho ou viver isolado da sociedade está associado a alto risco cardiovascular e morbimortalidade independentemente de outros fatores de risco. Realizada na Alemanha, essa pesquisa acompanhou mais de 4 mil participantes de ambos os sexos com idade entre 45 e 75 anos, a maioria sem histórico de doença vascular, em três momentos: 1) entre 2000 e 2003, 2) após cinco anos e 3) após dez anos. Avaliaram o nível de suporte e integração social, associado a fatores como idade, sexo, aferições de pressão arterial, estilo de vida, presença de distúrbio psiquiátrico, dentre outros.
Constatou-se que mulheres idosas são em média mais independentes que homens na mesma faixa etária para atividades cotidianas, porém consomem mais antidepressivos e são mais sedentárias. Além disso, participantes que relataram receber menos apoio emocional apresentaram maior taxa de depressão, menos interação social e maior uso de tabaco 8.
No período de 13,4 anos de acompanhamento, ocorreram 339 eventos cardiovasculares (8,47%; p<0,001), sendo 122 acidentes vasculares cerebrais, 183 eventos coronarianos e 34 mortes relacionadas a doenças do sistema circulatório. Os autores apontam que participantes com esses desfechos apresentavam menor apoio financeiro e emocional, menor interação social e depressão mais grave 8.
Por meio de entrevistas com familiares e coleta de dados em prontuário, Hernandez e colaboradores 9 analisaram o histórico de 32 idosos que haviam falecido por suicídio e 45 que morreram por causas naturais (p<0,001). Concluíram que falta de esperança, depressão e visão negativa sobre a própria saúde foram os principais fatores de risco para o suicídio nessa população.
Curiosamente, a somatória de doenças físicas teve mínimo impacto na população suicida e os idosos com comorbidades que cometeram suicídio tinham uma visão mais negativa sobre suas doenças em comparação àqueles com as mesmas doenças que faleceram por causas naturais. Além disso, o isolamento social pode ser tanto consequência como promotor de uma saúde mental frágil. Isso torna evidente a necessidade de maior atenção de profissionais de saúde e da sociedade à saúde mental dos idosos, a fim de identificar sinais de depressão e ideação suicida e lidar com isso 9.
Outras doenças relacionadas à morte social dessas pessoas são as infecções sexualmente transmissíveis (IST). Segundo Andrade e colaboradores 10, existe uma distorção de concepções na sociedade, pois as pessoas tendem a considerar a população idosa como “assexuada” ou, ainda, pensam que os mais velhos mantêm relações sexuais com apenas um parceiro. A isso se acrescenta a banalização e o uso indiscriminado de medicamentos para disfunção erétil, que pode provocar uma sensação de confiança que faz a pessoa se esquecer do uso de preservativos.
Apesar desses fatores serem relevantes, o motivo mais importante para o aumento dos casos dessas doenças nessa faixa etária é a falta de diálogo sobre o tema com profissionais da saúde. A pesquisa constatou também que informações sobre IST são escassas em unidades básicas de saúde e idosos consideram o contágio por IST um tabu, restrito aos jovens 10.
Ribeiro e colaboradores 11 destacam que envelhecer na atual sociedade é um processo contínuo de disautonomias, fragilidades e, sobretudo, sofrimento. As perdas fazem parte do envelhecimento, mas a forma como elas são enfrentadas ao longo da vida definem se esse processo será mais leve ou sofrido.
Muitas pessoas não encontram mais sentido em permanecer vivas com o passar do tempo, ao perderem autonomia por limitações físicas, entes queridos ou papéis sociais, isolando-se cada vez mais e submetendo-se à espera da morte. Contudo, em sociedades que aceitam o envelhecimento, idosos têm conforto espiritual e recebem expressivo apoio social 11.
Diferentes estratégias para enfrentar o envelhecimento e a morte dependem muito da maneira como a sociedade enxerga essa etapa da vida: negando o inevitável ou adequando as dificuldades desse momento a cada indivíduo sem julgá-lo. Segundo os autores, a sociedade ocidental não está atenta ao envelhecimento e por isso não há discussões sobre a morte e as inevitáveis fragilidades do envelhecer. Assim, idosos associam sua condição a algo vergonhoso e, considerando também o crescente abandono, desenvolvem depressão e diversas comorbidades 11.
Segundo Souza, Giacomin e Firmo 12, o cuidado necessário ao idoso, em específico ao idoso frágil – com funcionalidade cognitiva e física reduzidas – é multifatorial e requer, essencialmente, sensibilidade e paciência. Os pesquisadores salientam que, por ser um grupo em crescimento expressivo na pirâmide demográfica, é necessário que suas necessidades específicas sejam incorporadas ao sistema de saúde.
Assim, é fundamental para saúde biopsíquica e mental do idoso frágil um cuidado no qual ele seja igualmente respeitado em relação aos demais, preservando sua autonomia e percebendo seus limites. Apesar da fragilidade dos idosos, presumir que eles não conseguem realizar tarefas pode ser prejudicial. Por isso, observá-los e oferecer-lhes ajuda somente quando necessário estimula sua autonomia e confiança, melhorando seus prognósticos 12.
De acordo com Fagundes e colaboradores 13, a negligência no tratamento dispensado à população idosa está, inclusive, institucionalizada. O termo “institucionalização de idoso” refere-se às instituições de longa permanência (ILP), que em tese deveriam acolher, mas muitas vezes oferecem uma experiência negativa para o idoso, abandonado nesses locais para aguardar a morte – já consumada para a sociedade – de maneira negligente e velada.
As ILP são popularmente conhecidas como “asilos” e têm sua origem na idade média, quando surgiram os primeiros serviços de assistência às pessoas carentes, que necessitavam de cuidados básicos, porém não deveriam ser expostas na sociedade. Os autores apontam a necessidade de reformar essas instituições a fim de garantir melhores condições de vida e saúde aos internos, deixados à margem da sociedade 13.
Kotwal e colaboradores 14 realizaram uma análise epidemiológica dos idosos em terminalidade de vida no estado da Califórnia, nos Estados Unidos. O estudo incluiu mais de 3 mil idosos, dos quais 19% estavam socialmente isolados, 17,8% apresentam sentimento de solidão e 5% estavam em ambas as situações. A elevada taxa de isolamento social pode ser explicada pelo medo da proximidade da morte, bem como pelo caráter vergonhoso que o envelhecimento confere, resultando em dificuldades para idosos buscarem ajuda emocional, financeira e psicológica.
Kim e Jung 15 coletaram dados por meio de questionário sobre comportamento e percepção acerca da pandemia de covid-19 e identificaram que o isolamento social teve efeitos diretos importantes na saúde mental dos idosos. Os resultados evidenciam que a quarentena esteve diretamente associada a sofrimento psicológico em idosos, corroborando o entendimento de que a falta de integração social levaria a consequências deletérias para a saúde mental.
Os autores destacaram que, apesar de terem sido importantes e ajudado na proteção da saúde pública, as medidas de isolamento social tiveram consequências não intencionais negativas na saúde mental de idosos. Eles já sofriam com a perda de laços interpessoais antes da pandemia e o maior isolamento piorou sua carga psicológica 15.
Goveas e Shear 16 relatam aumento nos casos de transtorno do luto prolongado (TLP) como sequela da pandemia. De fato, circunstâncias, contextos e consequências dos óbitos causados pela covid-19 são fatores de risco que elevam a taxa de TLP. Associadas a isso, restrições de circulação de pessoas, sobretudo idosas, mudaram a experiência de morte, de modo que o risco de TLP pareceu ser maior em pessoas idosas e/ou com histórico psiquiátrico.
Fraser e colaboradores 6 salientam que a pandemia acentuou a exclusão e trouxe ainda mais prejuízo para os idosos, pois com a crise do sistema de saúde surgiu um discurso perturbador sobre o envelhecimento, que questiona o valor da vida de pessoas que contribuíram tanto para a sociedade. Inicialmente dizia-se que a pandemia era perigosa apenas para idosos e a situação foi tratada com insignificância, como se esse fato trouxesse alívio para a população jovem.
Muitas vezes, a morte de idosos foi apenas computada como estatística, sem análises sociais e psicológicas. Os autores ainda afirmam que é preciso compreender que não se trata de apenas prevenir a perda de vidas ou diminuir a tensão sobre o sistema de saúde, mas também deixar claro que os idosos são membros inestimáveis da nossa sociedade. Diversas comorbidades e desfechos desfavoráveis dessa população podem ser consequência justamente dessa negligência 5,6.
Paradoxalmente, os agravantes da sobrevida e saúde dos idosos têm origem na comunidade que mais deveria acolher essa população e estudá-la para entender suas limitações, capacidades e finitudes: os médicos. De acordo com Ferreira, Nascimento e Sá 17, o conhecimento e a compreensão sobre a morte e o morrer estão entre os assuntos menos abordados durante a formação acadêmica dos profissionais da saúde. Em pesquisa realizada em hospital-escola sediado em Campinas/SP, observaram que a cultura da refutação da morte prevalece mesmo entre os mais instruídos no assunto.
A pesquisa traz à tona o desconforto dos médicos ao presenciar a terminalidade de pacientes, sendo comum o afastamento, conduta oposta ao esperado desses profissionais, uma vez que é função deles promover o amadurecimento da família e do paciente diante da proximidade da morte. Esse sentimento de negação do morrer acaba sendo substituído pela “naturalização” do sofrimento, em uma tentativa de proteção emocional do médico que pode culminar com a distanásia, isto é, prolongamento artificial do processo de morte. O dano desencadeado pelas falhas na educação em saúde torna a terminalidade da vida de idosos dolorosa e morosa 17.
Além disso, de acordo com Pereira, Rangel e Giffoni 18, práticas médicas inadequadas diante da terminalidade de vida têm seu cerne na própria educação médica. Os autores avaliaram os conhecimentos sobre terminalidade de vida dos acadêmicos de um curso de medicina brasileiro e a maioria não soube definir o conceito de distanásia e considerou que o ensino de cuidados paliativos e morte na graduação eram escassos.
A deficiência das escolas médicas em abordar questões bioéticas da terminalidade faz com que os estudantes não sejam preparados para conversar sobre o assunto com pacientes e, indiretamente, corroboram o entendimento de que morte de paciente é falha da medicina. O desconhecimento de conceitos tão valiosos para a bioética, como distanásia, pode ser um dos responsáveis por essa prática, pois médicos que não estudaram o tema tendem a acreditar que o prolongamento forçado da vida é natural e necessário 18.
Carter e colaboradores 19 ressaltam que discussões sobre fim de vida devem ser feitas com doentes graves desde o diagnóstico, para melhor prepará-los e oferecer-lhes discernimento sobre escolhas durante o desenvolvimento da doença. Assim esses pacientes podem ser direcionados para cuidados paliativos em vez de seguirem um tratamento que oferece apenas desgaste físico e emocional.
Ressaltam que não oferecer ao idoso a escolha sobre seus tratamentos é um problema, pois prognósticos e desfechos clínicos são piores quando o curso de vida não é decidido pelo paciente – e, portanto, sua autonomia não é incentivada. Para corrigir tais falhas, é necessário ter transparência em relação ao prognóstico, não bastando identificá-lo, e discutir o desenvolvimento da doença, a fim de alinhar as expectativas do paciente. Quando se incentiva o conhecimento do idoso sobre sua condição, o final da vida torna-se mais confortável, podendo haver, inclusive, melhoras clínicas 19.
De acordo com Soares e colaboradores 20, as práticas médicas pecam não só na falta de diálogo e ensinamentos sobre terminalidade de vida, como também em não enxergar o envelhecimento como processo heterogêneo. Além disso, é socialmente difundido enxergar o idoso como frágil, dependente e com múltiplas comorbidades e graduais níveis de esquecimento – preconceito conhecido como ageísmo. A esse respeito, os pesquisadores apontam que uma das explicações para o colapso do sistema de saúde em muitos países europeus no começo da pandemia de covid-19 foi justamente a generalização de que pessoas idosas teriam desfechos clínicos mais graves que a população mais jovem.
É crucial canalizar recursos em saúde para cuidados direcionados aos idosos, de forma a assegurar o bem-estar dessas pessoas, tendo em vista a negligência que sofrem. É preciso, ainda, garantir que esse investimento seja baseado em dados científicos e não tenha viés discriminatório, possibilitando uma assistência empática. A ideia de que idosos trazem prejuízo a governos devido aos gastos públicos que demandam também deve ser superada 20.
A morte social da população idosa tem diversas consequências negativas para a sociedade, já que o envelhecimento, que deveria ser visto como natural e fisiológico, é interpretado com horror ou ignorado 1. Com isso, essa população é marginalizada e institucionalizada, passando o fim de sua vida em locais precários e isolados 1,16. Assim, o envelhecer é tratado como doença infectocontagiosa e não como inevitabilidade da vida 16.
Um sistema de saúde universal deveria incluir todos nos cuidados e abranger a população geriátrica em sua heterogeneidade, com diversos espectros de fragilidade e doenças específicas 7. Paradoxalmente, quando existe um olhar direcionado a atender essas pessoas, ele se concentra nos cuidados da doença, e não no idoso doente, e não abrange os determinantes sociais e psíquicos do processo saúde-doença.
Poucos cuidados médicos abordam a visão do paciente sobre envelhecer, suas sensações, angústias, percepções e, sobretudo, suas vontades. Assim, como cuidar de um paciente idoso se a sociedade não se coloca em seu lugar, desconhece os determinantes de suas doenças e não garante espaço para ele 1?
A negligência no tratamento oferecido a idosos foi exposta durante a pandemia de covid-19, pois a doença atingia com maior gravidade a população idosa, que já enfrentava a discriminação etária, propiciando um ciclo vicioso de adoecimento físico e mental 6. Além disso, a falta de um olhar médico específico e empático para essa população é responsável pelos altos níveis de depressão, IST, doenças coronarianas, dentre outros 9,12.
Medidas protetoras, como o distanciamento social, durante a pandemia de covid-19 tiveram importância inegável, mas isso não justifica o modo como foi salientado o isolamento social que os idosos já vivenciavam havia muito tempo. Esse momento também revelou a indiferença da sociedade em perder a população mais velha 6.
A formação do profissional de saúde é pautada muito mais na cura do que no alívio do sofrimento, de modo que a morte gera sensação de impotência ou é vista como um mal a ser vencido. Dessa forma, o tema finitude da vida é pouco abordado na formação médica e, consequentemente, não há um olhar abrangente sobre os idosos capaz de entender seus ciclos e limitações 7. Esse cuidado limitado não só causa maior sofrimento durante a terminalidade de vida, como também pode ser precursor de muitas doenças comuns nessa faixa etária, como depressão e IST, pois o diálogo das equipes de saúde não é eficaz 6,7.
A morte social da população mais velha pode estar sendo “normalizada” na sociedade e, consequentemente, na medicina. No entanto, é paradoxal jurar que terá zelo com o paciente na formatura, mas não estabelecer um vínculo concreto de diálogo e respeito com ele, tampouco garantir que a terminalidade de vida seja acolhida com qualidade, e não com abandono 8.
Justamente por não haver esse diálogo, médicos não aceitam a inevitabilidade da morte e muitos idosos hospitalizados são submetidos à distanásia. Ou seja, os alicerces da morte social da população mais velha podem estar na cultura atual somada à falta de comunicação e de estudo sobre o fim da vida entre profissionais da saúde 8.
Além disso, perdem-se oportunidades de melhora da qualidade de vida devido à falsa concepção de que os idosos não têm vontades, habilidades e nem mesmo parceiros sexuais 9. Profissionais de saúde devem entender que envelhecer é um processo natural, heterogêneo e dinâmico, e não um mal a ser combatido e/ou esquecido. Ou seja, um envelhecimento saudável requer não apenas aceitação, mas também compreensão e respeito a limitações, com diálogo constante e claro 15.
Esta revisão elencou estudos observacionais valiosos que tratam da morte social de idosos e do modo como a sociedade atual, bem como o sistema de saúde, lidou com a questão de maneira negligente, acarretando uma vida precária a essa população e repercutindo na qualidade de fim de vida e de morte. Essa negligência, potencializada pela pandemia de covid-19, piorou a situação dessas pessoas, que já enfrentavam isolamento, depressão, doenças coronarianas e IST.
É necessário oferecer um cuidado específico aos idosos, capaz de entender suas necessidades e limitações, com suporte para que sejam integrados à sociedade. A comunidade médica e as pessoas em geral precisam abordar envelhecimento, questões próprias desta faixa etária e terminalidade de vida mais abertamente com os idosos.
Doenças, como depressão e coronariopatias, e desfechos clínicos, como os casos relacionados à covid-19 mencionados neste trabalho, são cada vez mais predominantes na população geriátrica por causa da falta de cuidado e inclusão por parte dos médicos e da sociedade.
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