Editorial
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Revista Portuguesa de Educação, vol. 31, pp. 2-9, 2018
Universidade do Minho
O ano de 2018 celebra os 30 anos da publicação do primeiro número da Revista Portuguesa de Educação (RPE). Fundada em 1987 pelo então designado Centro de Estudos Educacionais e Desenvolvimento Comunitário (CEEDC) da Universidade do Minho, lança o primeiro número em 1988 com uma periodicidade quadrimestral. Nele se desenha a linha editorial que ao longo destes 30 anos tem sido seguida: priorizando a divulgação de textos originais (empíricos ou de reflexão teórica), de investigadores/as reconhecidos/as, mas também de jovens investigadores/as, contribuindo para o estabelecimento de uma comunidade científica no campo das Ciências da Educação.
No editorial deste primeiro número, o seu diretor, José Ribeiro Dias, assinalava o desenvolvimento acelerado da pesquisa em educação, após anos de escassez, devida, sobretudo, à quase inexistência de instituições de ensino superior dedicadas às questões da educação, em particular, às questões da formação de professores/as e de formadores de professores/as e sua investigação. Acrescia a recente publicação da Lei de Bases do Sistema Educativo, em 1986, que, após décadas de ditadura, viria a estabelecer as linhas de força de um sistema educativo público, gratuito e democrático, lançando as bases de uma reforma que urgia acompanhar e alimentar com investigação de mais alto nível. Finalmente, assinalava a recente entrada de Portugal na, à altura, Comunidade Económica Europeia (em 1985) e que, a seu ver, dava à educação um lugar prioritário. Os 14 textos publicados neste número davam conta da pluralidade de temáticas que sempre caraterizou a RPE, bem como da sua diversidade geográfica e linguística, com textos e autores de língua francesa, inglesa e espanhola, para além da língua portuguesa que, obviamente, sempre predominou.
Volvidos 10 anos, a direção da revista muda, revisitando os seus objetivos e amplitude de documentos publicados. Nas palavras do seu novo diretor, Rui Vieira de Castro, a mudança vem no sentido de conferir maior projeção à atividade científica desenvolvida pelo agora Centro de Estudos em Educação e Psicologia (CEEP) da Universidade do Minho, ao mesmo tempo que procura alargar o diálogo com a comunidade da investigação em ciências da educação, contribuindo para o seu fortalecimento. Para além de artigos, recensões e notícias de eventos, surge agora notícia de provas académicas e projetos de investigação em curso, procurando, assim, melhor espelhar a atividade do seu editor – um centro de investigação de uma universidade pública em Portugal.
Em 2004, e editada pelo atualmente designado Centro de Investigação em Educação (CIEd), a nova diretora da revista, Maria de Lourdes Dionísio, sinaliza uma política editorial de continuidade. Reconhecendo a dificuldade de consolidação de um projeto marcado pela heterogeneidade dos domínios disciplinares e consequente pluralidade de olhares, sem comprometer o rigor e transparência que se espera de uma revista científica, afirma o papel da revista em se constituir como um espaço de discussão de problemáticas atuais e relevantes para a educação. Para além dos artigos e recensões, a revista integrava ainda notícias de provas académicas, projetos de investigação e eventos científicos, bem como de publicações recebidas.
Tendo estado inicialmente muito focada na disseminação do que em Portugal se passava ao nível da investigação em educação, bem como na divulgação de eventos científicos, projetos, diplomas legislativos e outro tipo de documentos, a RPE veio, gradualmente, a alargar a sua abrangência geográfica, no sentido de uma maior internacionalização, mas a estreitar a diversidade de documentos, cingidos atualmente à aceitação de artigos e recensões críticas. Em 2014, a RPE volta a mudar a sua direção, para a atual. Vinte e seis anos depois da publicação do primeiro número, a nova equipa assume uma política de continuação, com o objetivo de consolidar e alargar o projeto editorial existente, nomeadamente procurando chegar a novas bases de indexação e a um público mais alargado.
Todo o percurso trilhado pela RPE ao longo de 30 anos levou ao seu posicionamento como revista de referência incontornável no panorama editorial nacional e internacional no campo da educação, com o óbvio destaque para os países de língua oficial portuguesa. Atualmente a RPE integra catálogos de referência e está indexada em bases internacionais de prestígio, tais como a Scielo Citation Index, a SCOPUS ou a Redalyc, entre outras. É ainda revista A1 em Educação (Qualis/CAPES, Brasil). Embora ainda longe das posições de cimeira onde almejamos que esteja nestas bases de indexação, o seu posicionamento atual constitui, para nós, um reconhecimento da sua qualidade em sistemas internacionais de avaliação de revistas científicas.
Este reconhecimento é feito logo no primeiro artigo deste número especial, composto por 2 secções: uma secção de artigos (convidados) e uma secção de entrevistas. A secção de artigos abre com um texto de António Nóvoa, da Universidade de Lisboa, autor fundamental no campo da história e da formação de professores/as em Portugal, com um longo historial de colaboração generosa com a RPE, não apenas pelo seu contributo com um texto publicado logo em 1988, mas sobretudo com o seu papel como membro do seu conselho editorial. Intitulado A modernização das universidades: Memórias contra o tempo, nele o autor problematiza o discurso mercantilista atual associado à universidade-empresa, assolada pelo tempo atarefado, sobrecarregado, ao serviço de uma agenda que não é/deveria ser a sua: a agenda da empregabilidade, da excelência, da empresarialização e do empreendedorismo. Um artigo de desconstrução de um discurso simultaneamente fatalista e naturalizado acerca do papel das universidades como um bem mercadorizável, ao serviço da “inovação rentável” e de interesses privados; uma reflexão que possibilita uma reflexividade dos atores principais que a constroem (professores/as e alunos/as), frequentemente sem a consciência do trajeto que esta segue e das possibilidades de mudança, pensando a história enquanto construção humana.
O segundo artigo é da autoria de Antonia Darder (Loyola Marymount University, USA), artista, ativista e intelectual consagrada internacionalmente no campo da pedagogia crítica e estudos freirianos, sobretudo pela sua denúncia vigorosa das desigualdades sociais e educacionais, e membro do conselho editorial da revista; é autora ainda Sharon Cronin (Goddard College, USA), investigadora e professora com mais de 25 anos de experiência em educação bilingue culturalmente relevante. Intitulado A critical bicultural pedagogy of dance: Embodying cultural literacy, o texto argumenta a favor de uma outra pedagogia do corpo para as crianças biculturais. Partindo da análise da situação educativa das crianças biculturais, oriundas de classes trabalhadoras, nas escolas dos EUA, e tendo por base uma perspetiva cultural crítica, as autoras denunciam o lugar de subordinação que é alocado às suas práticas culturais – no caso em análise, focando a dança como expressão cultural. Como exemplo de alternativa a este lugar de subordinação, as autoras discutem as práticas de uma pedagogia bicultural crítica da dança, tal como é desenvolvida pelo grupo Bayano (em Seattle, EUA).
As questões das práticas e discursos de inclusão continuam no texto de María Antonia Casanova (Universidade Camilo José Cela, Espanha), autora com uma longa carreira reconhecida, não apenas no campo académico, mas também na arena política, no campo da educação inclusiva e atenção à diversidade. No texto Educación inclusiva: ¿Por qué y para qué?, a autora argumenta que necessitamos de modelos de educação inclusiva numa sociedade democrática, enquanto sociedade que aceita todos e todas e valoriza os seus contributos, respeita as diferenças individuais e protege as minorias. Defende uma educação de qualidade para todos e todas, apresentando as características do modelo proposto, a partir de 3 enfoques: ético, sociológico, e psicopedagógico. Só a partir da consideração destes 3 vetores se poderá chegar a uma educação de qualidade, bem como à equidade social e educativa. Neste desiderato, a escola deve equacionar qual o modelo social que quer implementar, em particular quando os alunos e as alunas com deficiência são separado/as do/as restantes.
O quarto artigo é de Inês Barbosa de Oliveira (Universidade Estácio de Sá & Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Brasil) e Maria Luiza Süssekind (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Brasil), 2 autoras consagradas na área dos estudos curriculares de natureza crítica e emancipatória: no caso da primeira, autora de referência nos estudos do pensamento de Boaventura Sousa Santos e educação; no caso da segunda, no estudo do pensamento e obra de William Pinar. Trazem-nos o texto Dimensões político-epistemológicas do equívoco conservador na educação: A base curricular brasileira no contexto dos currículos nacionais. Problematizando a necessidade de existência de uma base curricular comum num país com a dimensão territorial e populacional como o Brasil, as autoras desmontam os pressupostos e princípios ideológicos e epistemológicos, de matriz conservadora e mercantilista, da Base Curricular Comum Nacional. Argumentam que a ideia de uma qualquer base curricular comum coloca os saberes construídos no quotidiano das escolas num espaço de não-existência, ignorando a riqueza e complexidade dos espaços e tempos da educação pública, de uma escola que se deseja para todos e todas numa sociedade democrática.
O debate crítico sobre a educação em tempos de recuos e avanços políticos encerra com o texto de Licínio Lima (Universidade do Minho, Portugal), autor incontornável na área da sociologia das organizações, das políticas educativas e dos estudos freirianos, membro do conselho editorial da RPE e do Centro de Investigação em Educação, intitulado Lei de Bases do Sistema Educativo (1986): Ruturas, continuidades, apropriações seletivas. Começando com um breve historial da produção legislativa do pós-25 de Abril em Portugal, que veio a dar origem a esta lei (LBSE), o autor sinaliza a produção discursiva de matriz económica e empresarial que foi tomando lugar ao longo das suas 3 décadas de existência. Considerando que a LBSE de 1986 se encontra “numa situação de cruzamento tenso entre períodos históricos e políticos consideravelmente distintos” o autor reflete sobre a “plasticidade” desta lei, que lhe permite sobreviver a diferentes agendas de política educativa, à qual não é alheia o facto de a mesma ter merecido “a aprovação de forças políticas que foram do PCP ao PSD”, independentemente das razões (diversificadas) desse merecimento. Um texto que coloca o processo histórico no seu lugar, ao mesmo tempo que vai tecendo reflexões que permitem interrogar as (ainda) potencialidades da LBSE e as apropriações políticas incorretas e inadequadas da mesma ao longo da sua vigência, com a dimensão crítica fundamental a uma vigilância sociológica.
A segunda secção do número é composta por entrevistas. A primeira, feita a Sally Power, aquando da sua visita ao CIEd, em junho de 2018, no âmbito da sua atividade de consultoria do projeto EDUPLACES, dá continuidade ao diálogo crítico sobre a natureza estrutural das desigualdades sociais, que acabam por se evidenciar nas desigualdades educativas. Discutindo o papel que as várias “exclusões” (económica, cultural, política) assumem na naturalização da desigualdade, Sally Power, Almerindo Afonso, Armando Loureiro e Joana Lúcio convidam os leitores a refletir sobre o papel da escola, e de fatores como a classe, “raça” e etnia na compreensão do modo como se perpetuam as injustiças e as desigualdades sociais.
O número termina com as memórias da RPE, um conjunto de 4 entrevistas feitas aos seus diretores, desde a sua fundação em 1987. A entrevista ao primeiro diretor — José Ribeiro Dias (1987-1998) — evoca o contexto de transição estatutária entre a Unidade Científico-Pedagógica de Ciências da Educação (1975) e o Instituto de Educação e Psicologia (1990), no seio do qual emerge a RPE, com o intento claro de divulgar a recente investigação realizada na área. O segundo entrevistado — Rui Vieira de Castro (1998-2003) — acentua a fase de maturidade da revista que persegue então três objetivos fundamentais: acolher produção científica nacional e internacional de elevada qualidade científica; acolher debates sobre a Educação em Portugal, numa fase particularmente rica da sua história; noticiar a atividade do Centro de Investigação em Educação. A terceira diretora — Maria de Lourdes Dionísio (2003-2014) — sublinha a fase de hibridismo e cruzamento de áreas que se tornou evidente, em grande medida devido a novas propostas temáticas em Educação Física e Enfermagem, com origem no Brasil. Realça, ainda, que é na época do seu mandato que começam a surgir as questões da indexação em bases de dados, concretamente por via da atuação da Redalyc, e que é na ocasião que a RPE passa a integrar a Scielo Portugal, por exemplo. As questões da avaliação e indexação, aliadas às dos novos formatos de publicação eletrónica marcam, consideravelmente, a entrevista à atual diretora — Maria Alfredo Moreira (desde 2014) — que enfatiza a importância do trabalho das equipas editorial e técnica, crucial para a manutenção e desenvolvimento do projeto, onde se enquadra a recente indexação da RPE na SCOPUS. Enfatiza a ideia de serviço público nacional e internacional prestado pela RPE, visto a investigação em Educação ser essencialmente financiada por dinheiros públicos e que, portanto, deve ser divulgada em acesso aberto, sob a égide de políticas que defendam uma Ciência Aberta e democrática.
A equipa diretiva da RPE espera, desta forma, contribuir para a história da revista e para a história da investigação em Educação em Portugal e no estrangeiro, suscitando, junto dos vários públicos, um maior interesse pelas questões que a investigação em Educação coloca à sociedade atual, onde novas e velhas desigualdades se entrecruzam, tornando mais desafiador, mais complexo e ainda mais crucial o trabalho das investigadoras e dos investigadores a nível nacional e internacional e de uma Revista como a RPE.